Xilogravuras em uma coleção
Roberto Magalhães: xilogravuras da Coleção Mônica e George Kornis
Comemorar. Sempre. E com a alegria proporcionada por múltiplas comemorações, melhor ainda. Isso porque, ao mesmo tempo que o Paço Imperial completa e festeja seus 40 anos de presença ativa na cena artística e cultural do Rio de Janeiro, o artista plástico Roberto Magalhães completa 85 anos de vida, e celebra sete décadas de produção em arte – gravuras, desenhos e pinturas – que construíram uma obra extensa e qualificada. E com imensa satisfação, a Coleção Mônica e George Kornis comemora os 30 anos da sua primeira exposição, intitulada O papel da coleção – desenhos e gravuras da Coleção Mônica e George Kornis nesse mesmo Paço Imperial. Na ocasião, trabalhos de Roberto Magalhães foram exibidos, com destaque para sua obra em xilogravura, que integrava nossa coleção desde os seus primórdios, em meados dos anos 1970.
Potência. Essa é a palavra-chave desta exposição que revela, de modo claro, a envergadura das cerca de 100 obras em xilogravura produzidas em um curto e intenso período de tempo (1963-1966), quando Roberto Magalhães já era reconhecido como artista, na plenitude de seus 20 e poucos anos. Sua primeira mostra individual de desenhos aconteceu na Galeria Macunaíma da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), em 1962. A partir de 1963, Roberto começou a frequentar o curso de gravura da ENBA, quando tomou contato, através da biblioteca da escola, com as obras de Durer e Rembrandt, entre as de outros autores. Em 1964, expôs xilogravuras na prestigiosa Petite Galerie (RJ). Nesse mesmo ano, participou da Primeira Exposição da Jovem Gravura Nacional, realizada no Museu de Arte Contemporânea da USP; da IV Bienal de Gravura em Tóquio; e também da mostra Brazilian Art Today, realizada na Royal Academy of Arts, em Londres. Em 1965, além de receber o Prêmio de Viagem ao Exterior (com duração de dois anos) no XV Salão Nacional de Arte Moderna/RJ, foi contemplado com o Prêmio de Gravura na IV Bienal de Paris, premiação importante para a história da gravura brasileira. Ainda em 1965, participou da icônica mostra Opinião 65, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). Juntamente com os também jovens Antônio Dias, Carlos Vergara e Rubens Gerchman, entre outros artistas nacionais e estrangeiros, essa exposição apontava para uma ruptura no panorama artístico do país, e afirmava a presença de uma nova figuração no campo das artes plásticas. Dois anos depois, esse quarteto integrou a também icônica mostra intitulada Nova Objetividade Brasileira, no mesmo MAM-RJ, sendo que, em 1966, a Galeria G-4, no Rio de Janeiro, exibira suas obras, juntamente com trabalhos de Pedro Escosteguy. Em 1967, Roberto seguiu para Paris em função do prêmio obtido de viagem ao exterior.
Além de potência: intensidade. A obra em xilogravura de Roberto Magalhães, composta, segundo ele próprio, por 100 obras foi produzida em apenas três anos! Ele mesmo revela em entrevistas desconhecer a razão de ter interrompido seu trabalho em xilogravuras, apesar de ter aprofundado ao longo desses anos um amplo conhecimento da história da gravura no Ocidente. Esse final, súbito e surpreendente, deixa uma certa aura de mistério diante da obra gráfica absolutamente singular desse artista carioca, nascido em 1940 na Ilha do Governador.
A quase totalidade da produção de Roberto Magalhães em xilogravura está exibida nesta mostra, que inclui ainda uma matriz e sua impressão em papel de arroz. A presença em nossa coleção de outras obras do artista produzidas em outras técnicas, na mesma década de 1960 – pintura a óleo sobre tela (1961), desenho em grafite (1962) e pintura sobre papel em nanquim com pó de café solúvel, que atuava como substituto do caro e importado vieux-chêne (1964) – pretende aqui revelar o pensamento artístico de Roberto Magalhães expresso nas várias técnicas que dominou, e que permanece, a partir dos anos 1970 até hoje, com foco no desenho e na pintura.
Não há uma ordem cronológica na exibição dessas xilogravuras. Com a força do preto e branco, muito ocasionalmente interrompido pela cor vermelha, agrupam-se retratos e autorretratos, rodas que sugerem movimento, cenas de batalhas, figuras humanas que se confundem com animais, em meio a um peculiar senso de humor e sátira, reforçado pelos títulos que confere a seus trabalhos. Estamos diante de uma singular figuração que, com uma dicção própria, constrói um imaginário denso e complexo, por vezes violento. Um mundo de tormentos, fantasmagórico.
Dos desenhos e caricaturas que Roberto Magalhães produziu desde a adolescência, até os desenhos e pinturas que produz até hoje, destacamos nesta mostra três anos de uma produção em xilogravura absolutamente autoral e consistente que, com energia, resiste ao tempo. Já se passaram 14 anos da realização da uma mostra de um conjunto expressivo de desenhos a nanquim e xilogravuras do artista na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, intitulada Roberto Magalhães – PretoBranco 1963-1966. O Paço Imperial felizmente rompe esse silêncio com a realização desta exposição, que pretende ampliar o acesso ao conhecimento de parte expressiva da obra desse artista, além de disponibilizar ao público uma parte de nossa coleção de arte em papel. Uma iniciativa artística e cultural a ser comemorada. E parabéns, Roberto!
Mônica e George Kornis
Até 22 de maio.