A obra de Antonio Dias nos Emirados Árabes.

04/nov

A exposição “Search for an Open Enigma” apresenta a obra de Antonio Dias (1944-2018), artista brasileiro que transgrediu incansavelmente os limites materiais e conceituais, abordando questões sociopolíticas complexas através de diversos meios. O título da exposição deriva da análise feita em 1969 pelo artista-crítico Hélio Oiticica sobre a natureza aberta da iconografia de Antonio Dias.

Em exibição até 08 de dezembro nos Estúdios Al Hamriyah, a exposição está repleta de imagens potentes, cores ousadas e figurações enigmáticas. As obras de mídia mista de Antonio Dias, do início dos anos 1960, criticam a violenta ditadura militar em seu país natal, o Brasil. Esses anos marcaram o momento em que o artista subverteu a linguagem visual da cultura popular brasileira, carregando-a de comentários sobre violência e censura. A partir da década de 1980, Antonio Dias produziu pinturas abstratas com pigmentos metálicos, cores vibrantes e formações dinâmicas, enquanto continuava a desenvolver suas instalações de mídia mista, que ele infundiu com um senso de humor pungente até seu falecimento. A primeira exposição individual da arte de Antonio Dias na região presta homenagem à natureza versátil e subversiva de sua obra por meio de uma seleção de trabalhos que seguem sua trajetória artística desde os anos 1960 até o final dos anos 1990.

Antonio Dias: The Search for an Open Enigma é curada por Hoor Al Qasimi, diretora da Sharjah Art Foundation, com Reem Sawan, Assistente de Curadoria da Fundação.

Afonso Tostes exibe a exposição “Reverter”.

A Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, anuncia a abertura da exposição “Reverter”, com uma grande instalação inédita do artista Afonso Tostes, por onde o público irá caminhar. A obra mede 2,5 metros de altura, e cobre uma área no chão de 64 metros quadrados, que ocupará o andar térreo do espaço. A obra propõe um percurso em espiral, “em que a pessoa chega a um vértice, e caminha no sentido oposto, saindo do outro lado”, explica o artista. “É uma espiral dentro de outra espiral, em sentido inverso. Mesmo que pareça que a pessoa está andando para trás, ela está indo adiante, sempre em frente”, diz. Ele comenta que “…a espiral é uma imagem que aparece há muito tempo na história da arte, e está presente nas culturas tradicionais, como na afro-brasileira, como representação de retorno, de ancestralidade, em sentido anti-horário”, diz. Depois de experimentar várias possibilidades, ele escolheu o bambu como material, que tem a ver com o seu trabalho em madeira descartada. Além deste trabalho, serão exibidas também pinturas inéditas, relacionadas com a instalação – duas no piso térreo e as demais no segundo andar expositivo – feitas com pigmentos coloridos recolhidos pelo artista em seu ateliê, ao serrar e lixar madeiras para suas esculturas, como rouxinho, mogno, peroba do campo, ipê e jatobá. A mostra terá ainda pinturas em carvão, madeira e sisal. A curadoria é de Cecília Fortes. Afonso Tostes conta que já há três anos vinha se aproximando da ideia da instalação, primeiro com desenhos e depois maquetes, até que em 2023, durante uma residência na Casa Wabi, em Puerto Escondido, no México, ele fez a primeira experiência em escala humana, ao ar livre, com barro, madeira e areia.

Trabalhos do artista integram coleções institucionais como Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; Museu de Arte Contemporânea, Niterói; Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba; SESC – Acervo de Arte Brasileira, Rio de Janeiro e Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris; Fundação Iberê Camargo; SESC Pompeia; Casa França Brasil; MAM Rio; MAC Niterói.

Até 18 de janeiro de 2025.

Onde o fim se insinua em Juan Casemiro.

Marli Matsumoto Arte Contemporânea, Vila Madalena, São Paulo, SP, apresenta a exposição “Depois que acaba”, a primeira individual do artista Juan Casemiro na galeria, com texto crítico de Ana Roman.

Na exposição “Depois que acaba”, Juan Casemiro nos conduz por um território onde o tempo não se extingue, mas se dilata, criando espaços de pausa, onde o fim se insinua como uma nova possibilidade. O que termina, na verdade, nunca acaba por completo. O apagamento é parcial, deixando rastros, vestígios que se recusam a desaparecer por completo. O trabalho de Casemiro habita justamente esse intervalo, onde os objetos, em seu silêncio, ainda carregam as marcas das histórias que viveram.

Metros de madeira desgastados pelo uso, fitas cassete guardando músicas que talvez nunca mais sejam ouvidas, fósforos queimados que já cumpriram sua função – esses são os materiais que ele resgata. São fragmentos de um cotidiano abandonado, objetos que, mesmo fora de contexto, continuam a falar. E o que dizem não é apenas sobre sua função original, mas sobre as mãos que os tocaram, os momentos que eles presenciaram, os pequenos gestos que ficaram impregnados em suas superfícies.

Nas obras de Casemiro, o ordinário se transforma em matéria poética. Um metro de madeira ou uma fita cassete ganham uma segunda vida, não para serem úteis novamente, mas para existirem como portadores de memórias. Ao não revelar tudo, ao manter certos segredos intactos – como as músicas gravadas em uma fita que nunca será tocada – o artista preserva o mistério. O silêncio que envolve essas fitas se torna um espaço de imaginação, onde o espectador é convidado a projetar suas próprias histórias, a preencher as lacunas com aquilo que nunca será dito.

É essa suspensão que marca Depois que Acaba. Ao escolher guardar e não expor completamente, Casemiro estende a vida desses objetos para além de sua obsolescência. O fim se converte em uma pausa, onde as histórias permanecem, abertas, prontas para serem reimaginadas, mas nunca concluídas. As obras sugerem que o fim de algo não é uma anulação, mas uma transformação que, mesmo em seu silêncio, continua a reverberar.

A exposição propõe uma reflexão sobre o que permanece depois do fim – o que ainda resiste nas camadas invisíveis do tempo. Os objetos, assim como as histórias que eles contêm, permanecem vivos, suspensos entre o que já foi e o que ainda pode ser. O gesto de Casemiro é uma forma de cuidado, uma maneira de prolongar o instante em que o passado ainda ecoa no presente. Em cada peça, há um convite para escutar o silêncio, para perceber o intervalo entre o fim e o que vem depois.

São  Paulo, outubro de 2024

Ana Roman

A primeira exposição individual de Cipriano.

01/nov

A NONADA SP inaugurou a primeira exposição individual do artista Cipriano, intitulada “Saravá o Invisível”. Com curadoria de Paulo Azeco e texto crítico da curadora angolana Paula Nascimento, a mostra reúne trabalhos inéditos que exploram a relação entre memória, espiritualidade e materialidade, utilizando elementos como algodão, carvão e pemba. As obras de Cipriano evocam gestos ritualísticos que dialogam com sua trajetória pessoal e sua vivência no terreiro, abrindo uma reflexão sobre o passado e o presente, tanto em suas dimensões pessoais quanto coletivas. A mostra aborda memória, espiritualidade e ressignificação cultural.

Paula Nascimento, angolana, pesquisadora, curadora e arquiteta, ganhadora do Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 2013, destaca no texto crítico o caráter performático das pinturas de Cipriano, onde os processos de repetição e sobreposição criam uma narrativa visual rica em significados. Através de suas composições, o artista explora o legado do tráfico transatlântico, a interligação entre culturas materiais e as tecnologias de resistência e cura. “Saravá o Invisível” é uma ode à continuidade da vida, aproximando o visível e o invisível, o pessoal e o coletivo, em uma reflexão sobre as experiências partilhadas e universais.

Sobre o artista

Cipriano, nascido em Petrópolis, RJ, é artista, escritor e pesquisador, com foco na africanidade. Sua obra, presente em diversas exposições individuais e coletivas, é marcada por um profundo diálogo com o espectador, ressignificando símbolos e tradições culturais. Esta é sua primeira exposição individual consolidando seu papel como uma voz emergente no cenário artístico contemporâneo.

Até 25 de janeiro de 2025.

Exposição coletiva na Sala Antonio Berni.

O Consulado da República Argentina, Botafogo, no Rio de Janeiro encerra a programação de 2024 com a mostra coletiva “Giro Abissal” composta por 27 artistas mostrando em suas visualidades dois termos decoloniais importantes: giro decolonial e linha abissal. A junção das primeiras palavras deu origem ao título da exposição que será inaugurada no dia 06 de novembro, na Sala Antonio Berni, sob curadoria de Aline Reis. Os conceitos remontam aos filósofos Maldonado-Torres e Frantz Fanon. A decolonialidade impactou tanto nossas apreensões históricas ao longo da década, que tivemos que operar um giro sobre a realidade que ainda persiste na linha abissal que separa o Norte e o Sul Global. O termo América Latina também sofreu esse giro quando pensamos que todo um continente teria sido descoberto e o seu nome vinculado ao descobridor, quando aqui e em toda a extensão das Américas já existiam os povos originários.

A palavra de Aline Reis

“Na arte poderíamos assinalar que o imaginário europeu ainda persiste, embora os artistas tenham rompido com a exclusividade de uma única história”.

“Mesmo encharcados pela ontologia e epistemologia europeias e compreendendo que a Arte Contemporânea se mantém próxima aos desdobramentos teórico-visuais da Europa e dos Estados Unidos da América, vimos irromper com toda a força no circuito de arte brasileiro, nessas primeiras décadas do século XXI, o paradigma decolonial”.

Artistas participantes

Adriana Nataloni, Ana Luiza Mello, Bernardo de Sá Earp, Beth Ferrante, Carlomagno, Daniela Castillo, Dulce Lysyj, Emília de Gaia, Gaby Aragão, Gerson Pinheiro, Gerson Seddon, Jaquesze, Lina Zaldo, Lu Lessa Ventarola, Marcelo Palmar Rezende, Mariana Maia, Marqo Rocha, Nando Paulino, Osvaldo Gaia, Pablo Curutchet, Regina Pouchain, Robson Macedo, Selma Jacob, Silvia Lima, Sonia Wysard, Vanessa Rocha,  Verônica Camisão.

Até 06 de dezembro.

A poética de Tunga – uma introdução.

31/out

Em celebração aos 10 anos do Centro Cultural Instituto Ling, Três Figueiras, Porto Alegre, RS, será exibida a exposição “A poética de Tunga – uma introdução”, com curadoria de Paulo Sergio Duarte. A mostra apresenta uma seleção de 64 obras de diferentes fases, sendo 43 inéditas, expondo temas e conceitos que atravessam toda a poética do artista. Esta é a primeira exposição individual de Tunga na cidade de Porto Alegre, considerado uma das figuras mais emblemáticas da cena artística nacional.

A abertura, no dia 05 de novembro, terça-feira, às 19h, terá um bate-papo com Antônio Mourão, filho de Tunga e cofundador do Instituto Tunga ao lado de Clara Gerchmann, gestora do acervo. O encontro será no auditório do Instituto Ling, com entrada franca. Para participar, basta fazer a inscrição prévia pelo site.

A mostra fica em cartaz até 08 de março de 2025, com visitas livres e a possibilidade de visitas com mediação para grupos, mediante agendamento prévio e sem custo pelo site do Instituto Ling.

Giros e afetos por vinte artistas.

A galeria Nara Roesler São Paulo apresenta, a partir de 31 de outubro, a exposição “Giros e Afetos, Arte Brasileira 1983-1995”, com aproximadamente 40 obras criadas neste período por 20 artistas: Amelia Toledo, Angelo Venosa, Antonio Dias, Brígida Baltar, Cao Guimarães, Carlito Carvalhosa, Carlos Zílio, Cristina Canale, Daniel Senise, Fabio Miguez, José Cláudio, Karin Lambrecht, Leda Catunda, Leonilson, Marcos Chaves, Paulo Bruscky, Rodrigo Andrade, Sérgio Sister, Tomie Ohtake e Vik Muniz.

As obras foram selecionadas por Luis Pérez-Oramas e o núcleo curatorial da Nara Roesler, e têm diferentes tamanhos, técnicas e pesquisas, em pinturas, aquarelas, desenhos, esculturas e bordados, que mostram que “…entre voltas e afetos, ainda que compartilhando o mesmo momento histórico, e, embora aparentemente semelhantes, os artistas e suas obras são únicos e irrepetíveis, e cada um deles inaugura uma temporalidade específica”.

Para os curadores, “…em sua tentativa ilusória de se tornar científica, a história da arte esquece que, durante séculos, suas realizações foram reguladas, explicadas e sustentadas por uma teoria dos afetos, também chamada de teoria das paixões”. No percurso proposto, o público poderá ver o que aproxima e o que distancia esses trabalhos.

Até 18 de janeiro de 2025.

Grafismos e símbolos de Thiago Barbalho.

Nara Roesler São Paulo apresentar a exposição “Thiago Barbalho – Segredos e feitiços”, primeira individual do artista na cidade. Thiago Barbalho migrou da literatura e dos zines para elaborados e intrincados desenhos coloridos, repletos de grafismos e símbolos. O artista nasceu em Natal, em 1984, e hoje se divide entre São Roque e a capital paulista.

A mostra terá aproximadamente 40 obras produzidas este ano, como o grande desenho “A torta perfeita”, com mais de dois metros de altura, além de desenhos em médio e pequeno formato – nos quais usa lápis de cor, pastel, canetas e marcadores, tinta acrílica e a óleo -, e esculturas, feitas em materiais diversos como impressão 3D, resina e fibra de vidro, acrílico, tecido e pintura automotiva.

A exposição traz ainda trabalhos realizados pelo artista com elementos característicos da cultura de Jardim do Seridó, no interior do Rio Grande do Norte, terra natal de sua mãe, como pinturas rupestres presentes, a paisagem semiárida e técnicas de produção têxtil artesanal. Um dos exemplos é a tapeçaria “Futuro”, desenvolvida em conjunto com o coletivo Flor de Kantuta, composto por mulheres tecelãs bolivianas radicadas em São Paulo. “Quis reunir variadas referências, desde os açudes e rios da nossa terra, até o artesanato potiguar, com suas tapeçarias e colchas. Mas quis fugir dos clichês associados à arte nordestina em geral”, diz Thiago Barbalho.

Entre 16 de julho e 29 de setembro de 2024, a curadora Catarina Duncan e o artista Thiago Barbalho estabeleceram uma troca de e-mails como método de acompanhamento investigativo e interlocução em torno da obra do artista. A conversa atravessa a prática artística de Thiago Barbalho, o desenvolvimento da exposição e ao mesmo tempo abre espaço para divagações e relatos pessoais entre notícias da atualidade, sonhos e referências de pesquisa. A correspondência foi impressa e estará disponível na exposição.

As reflexões de Geórgia Kyriakakis.

A Galeria Raquel Arnaud exibe o projeto “Os ventos do norte não movem moinhos” da artista Geórgia Kyriakakis. Com texto crítico de Paula Borghi, a mostra traz obras que suscitam reflexões sobre a cultura, a história e a herança social do processo colonizador na América Latina. Inspirada pela canção “Sangue Latino”, composta em 1973 por Paulinho Mendonça e João Ricardo, e eternizada pela banda Secos e Molhados, a artista propõe uma visão ampliada da América Latina, que ultrapassa conceitos geográficos e contrapõe a influência cultural norte-americana.

A fala da artista

“O que chamamos de América Latina é um tipo de regionalização que considera os idiomas falados, os processos históricos de colonização e exploração, as desigualdades sociais e as origens indígenas ancestrais, entre outros fatores. Os “ventos do norte”, mencionados na canção, são uma alusão direta às forças imperialistas do norte global, que resultam em opressão e espoliação de recursos naturais e sociais, presentes na história da região. Essas forças “não movem moinhos”, promovem o subdesenvolvimento inexorável da América Latina”.

Composta por esculturas, desenhos, instalações e ações colaborativas, a exposição ocupa todo o espaço da galeria. No piso térreo estão duas séries de desenhos inspirados na história da cidade de Chuquicamata, no Chile, abandonada devido à poluição do ar e à contaminação causada pela exploração de cobre na região. Na parede principal, a artista apresenta Veias abertas, uma extensa faixa de tecidos vermelhos de diferentes formatos e texturas, cobrindo toda a metade inferior da parede.

Texto de Paula Borghi

Publicado pela primeira vez em 1971, As veias abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), é um clássico atemporal que discorre sobre as relações de poder que marcam as particularidades dessa região. Dois anos depois, a banda Secos & Molhados grava a música Sangue Latino, tendo em sua letra a frase “os ventos do norte não movem moinhos”, a qual nomeia a exposição de Geórgia Kyriakakis. Desse modo, o termo “ventos do norte” corresponde à força colonial da Europa, apontada como responsável pela espoliação, escravização e genocídio dos povos indígenas na região, e à opressão política da presença dos Estados Unidos, agenciadora de golpes e ditaduras militares.

Diferentemente do que foi instaurado no imaginário coletivo, a América Latina não é somente um território físico, ela diz respeito, principalmente, aos processos sistêmicos de colonização e exploração; uma vez que abastecer o norte com commodities tem sido uma imposição às sociedades latino-americanas (bem como a outros países do sul global) há mais de cinco séculos. Falar sobre este tema é o que o livro de Galeano, a canção dos Secos & Molhados e a exposição de Geórgia Kyriakakis se propõem, cada qual com sua linguagem.

Pautada por uma economia extrativista que se dedica a arrancar os metais do ventre da terra, queimar florestas, plantar latifúndios de monoculturas e gerar mais gado do que humanos, a América Latina vem metodicamente sendo assassinada em proveito dos donos do capital. Com uma visualidade próxima a um derramamento de sangue, a instalação VEIAS ABERTAS ocupa a parede principal da galeria, justapondo tecidos de materialidades e tons de vermelho variados com frases da canção – “minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos, meu sangue latino, minh’alma cativa”.

O sangue como sinônimo de exploração também é simbolizado pela presença do cobre, seja em barras conectadas a garrotes de látex ou na forma de desenhos/ pinturas sobre papel. Fazendo menção direta a uma das maiores minas a céu aberto do mundo, localizada na cidade de Chuquicamata, no Chile, a artista evoca metaforicamente o sangue, a lágrima e o suor que são derramados na busca pelo minério. Uma vez mais, tem-se a exploração da Terra, vista como bem natural a ser devorado.

Galeano usou a expressão “dentes de cobre sobre o Chile” para falar sobre a exploração do minério por empresas estadunidenses – em 2003, todos os moradores de Chuquicamata foram realocados para Calama, cidade vizinha, em decorrência do alto índice de contaminação respiratória. A lança de cobre utilizada nestes trabalhos, que é replicada também em madeira, faz referência a outra parte da canção: “quebrei a lança, lancei no espaço, um grito, um desabafo”.

Na série homônima à mina chilena, desenhos simulam o gesto de “lavar as mãos” como uma questão de saúde pública e também como expressão popular para aqueles que fogem das responsabilidades. O gesto pode corresponder à mão de um/uma trabalhador/a que teve contato direto com a mineração, seja pela contaminação do ar ou pelo trabalho braçal na mina, bem como do poder público em benefício do capital. A presença deste fazer a muitas mãos já aponta para o que se encontra no andar superior da exposição.

Nesse andar, Kyriakakis convidou mais quatro outras artistas para colaborarem com a mostra, sendo que três delas foram suas alunas no curso de Artes Visuais da FAAP, bem como a que vos escreve. Abre-se, aqui, uma outra camada, a de Geórgia Kyriakakis enquanto professora. A partir de então, seu trabalho de arte pode ser lido em diálogo com o da educação, que, por sua vez, se atrela ao doméstico e ao materno – estes dois últimos invisíveis na concepção histórica do trabalho. O comissionamento de propostas inéditas para Aline Langendonck, Carla Chaim, Isis Gasparini e Vânia Medeiros soma-se ao desejo de produzir em coletivo e acionar dispositivos que tragam à tona a força de trabalho da própria equipe da galeria.

O que se tem é uma exposição que tensiona estruturas de poder, sistemas de trabalho e produtividade, enquanto articula um passado ainda muito presente sobretudo naquilo que diz respeito ao futuro do Brasil. Como quem alerta que as veias abertas da América Latina ainda não se fecharam.

Paula Borghi/São Paulo, outubro de 2024.

Até 15 de janeiro de 2025.

O caráter lírico e lúdico de Francisco Galeno.

A Galatea anuncia a exposição “Francisco Galeno: o Piauí é aqui – o Piauí não é aqui”, que ocupará o espaço da rua Oscar Freire, em São Paulo. Com abertura no dia 12 de novembro, a exibição individual do artista piauiense Francisco Galeno (Parnaíba, PI, 1957) reúne quarenta e quatro obras que nos colocam em contato com a multiplicidade de técnicas e materiais exploradas ao longo de sua carreira, como a pintura sobre madeira, as esculturas em madeira e os objetos do cotidiano ressignificados.

Produzindo há mais de quatro décadas, Francisco Galeno construiu o seu vocabulário visual a partir do cruzamento entre as vivências da sua infância no Delta do Parnaíba, no Piauí, e o imaginário modernista de Brasília, para onde sua família se mudou quando ele tinha oito anos. Em 1969, instalaram-se em Brazlândia, cidade nos arredores da capital federal, lugar onde Galeno se iniciou como artista e mantém ateliê até hoje. Atualmente, vive e trabalha entre Brazlândia e Parnaíba, seu segundo ateliê.

As obras de Francisco Galeno conjugam tanto o interesse geométrico que aprendeu em Brasília, com as linhas da arquitetura e as obras de mestres como Alfredo Volpi, Athos Bulcão e Rubem Valentim; quanto um caráter lírico e lúdico ao trazer símbolos da sua infância, dos brinquedos e dos objetos que o cercavam, como as bolas de gude e de futebol, os carretéis da sua mãe rendeira e os anzóis e a madeira do seu pai pescador e marceneiro.

No texto crítico escrito para a exposição, o curador Leno Veras comenta:

“Para além de suas temáticas figurativas, nas quais amalgamam-se objetos emergentes do desenho industrial – com forte presença no cotidiano das populações interioranas, como a lamparina (que, em uma de suas obras, desconstrói como que em um projeto técnico ao revés) – e artefatos concebidos por manufatura familiar, como os brinquedos de madeira, suas representações arquitetônico-urbanísticas também dão a ver que o pensamento construtivo é uma linha constante de sua expressão plástica, encontrado, inclusive, na forma concreta que assumem seus assemblages ao emular mobiliários familiares; tal qual gaveteiros de memórias, e histórias, que transbordam de seu território originário para um novo quadro, quadrado fincado em meio ao mapa: a capital federal – a moderna Brasília.”.

Até 25 de janeiro de 2025.