Galeria Bergamin exibe Casa Sete

23/out

O curador Tiago Mesquita selecionou 20 obras produzidas entre os anos 1990 e 2000, do grupo de artistas que, no início dos anos 1980, se reunia, com finalidades estéticas comuns, em uma casa de número 7 numa pequena vila na cidade de São Paulo.

 

A Galeria Bergamin, Jardins, São Paulo, SP, abre no dia 25 de outubro (sábado), para convidados, a partir das 11 horas, e no dia 27 de outubro (segunda-feira), para o público, a mostra “Casa Sete”, composta por uma seleção de 20 obras de Rodrigo Andrade, Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro e Nuno Ramos, artistas de inegável importância na cena atual das artes visuais, que, por um curto período, de 1982 a 1985, trabalharam juntos em um ateliê na casa número sete de uma vila na cidade de São Paulo. Lá, além de compartilharem o espaço, dividiram algumas inquietações estéticas.

 

Quase 30 anos após o fim desse estúdio coletivo, o curador Tiago Mesquita buscou trabalhos que revelam as semelhanças e a diversidade no trabalho dos cinco artistas. “A ideia é mostrar obras que definiram a trajetória individual de cada membro do grupo e estabelecer as linhas de diálogo que permaneceram”, explica o curador. “Os trabalhos tomaram caminhos muito distintos, porém a indefinição, a recusa em tornar objetos e espaços evidentes na descrição visual parece persistir no trabalho de cada um desses artistas”, escreve Tiago Mesquita em seu texto crítico.

 

No período em que se reuniam no ateliê, tinham como marca trabalhos de grandes dimensões, cujos materiais largamente utilizados eram a tinta industrial e o papel kraft, por seu baixo custo. Foram eles, segundo o crítico Lorenzo Mammi, que experimentaram o neoexpressionismo no Brasil, corrente que já se apresentava na Europa.

 

Entre eles, Rodrigo Andrade é hoje o mais ligado às questões propriamente pictóricas, que, por vezes, o reaproximam do neoexpressionismo. Nuno Ramos ramifica seu trabalho entre pintura, escultura e literatura. Paulo Monteiro transitou entre a pintura e a escultura, utilizando para esse suporte trabalhos em ferro e chumbo fundidos. Fábio Miguez e Carlito Carvalhosa, já nos anos 80, trabalham com a encáustica. Carvalhosa passa depois a trabalhar com cera em suas telas, e mais adiante utiliza a escultura e a performance, enquanto Miguez explora a tridimensionalidade em relevos e a indefinição do espaço com o uso do branco.

 

 

De 25 de outubro a 13 de dezembro.

No Santander Cultural

Todas as coisas, surgidas do opaco, exposição de Ismael Monticelli é o cartaz da Galeria superior do Santander Cultural, Centro, Porto Alegre, RS.

 

Ismael Monticelli encerra a programação do “Projeto RS Contemporâneo” em 2014. Com curadoria de Luisa Duarte, a exposição reúne sete obras como fotografias e cartazes. Ismael usa como fio condutor objetos do nosso cotidiano e cria novas leituras sobre eles.

 

 

Até 23 de novembro.

Joana Cesar na Athena

Joana Cesar abre mostra na Galeria Athena Contemporânea, Shopping Cassino Atlântico, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ. A artista tornou-se conhecida pelas inscrições ilegíveis, ou seja, seu alfabeto particular de símbolos, e agora apresenta nova série de (dez trabalhos) inéditos na exposição “Nome”, cuja curadoria traz a assinatura de Ivair Reinaldim.

 

Trazendo novidades em seu processo de criação, Joana conta que os suportes se parecem cada vez mais com caixas do que com quadros. As laterais estão ficando mais altas e essa mudança acontece por conta da relação de Joana com a construção do próprio trabalho, cada vez mais afastado da pintura e caminhando na direção da escultura em seu processo de colagem e pintura sobre madeira. Outro momento é que a artista não usa mais pincéis e trabalha apenas com as mãos, panos, algumas trinchas, rodos e lixas. “Sigo em busca de trazer à tona uma memória – que não vem; mas parece querer chegar”, diz ela.

 

Joana Cesar já conquistou colecionadores, participa de feiras como a Art Rio, SP Arte, Art Miami e será lembrada por ter produzido seu dialeto na perimetral do Rio, antes de ter sido historicamente derrubada. A mostra reúne um conjunto de trabalhos recentes e inéditos, concebidos a partir de sobreposições de camadas de papeis retirados de outdoors e muros da cidade, assim como de imagens pessoais ou ligadas ao universo íntimo da artista. No espaço da tela, memórias reais e inventadas, claras e imprecisas, atravessam-se, aproximam e se afastam, através da ação intermitente de Joana.

 

Ao nos depararmos com esses objetos, podemos concluir: aquilo que é visível aos olhos encontra-se apenas na superfície da tela. Para o curador da exposição, Ivair Reinaldim, o  gesto da artista é o de uma arqueóloga à avessas, que, ao invés de cavar, provoca o soterramento dessas imagens, histórias e memórias. No entanto, ao promover o apagamento literal das camadas subjacentes de cada trabalho, a artista metaforicamente as escava em busca dos significados mais profundos contidos nesses elementos e em seu processo.

 

O ato de nomear está relacionado ao processo de construção de sentido. Pensar em um nome não é apenas definir como designar algo, mas dar significado a certos significantes – imagens, traços, lapsos, memórias –, a partir da importância que estes passam adquirir no momento em que aparecem e desaparecem. O processo de produção dos trabalhos de Joana Cesar guarda uma relação simbólica com a gestação, com a formação de algo que procura vir ao mundo à procura de um nome.

 

 

Como tudo começou:

 

Um trecho da mureta da via expressa que liga a Zona Sul à Barra da Tijuca apareceu coberto de inscrições ilegíveis numa manhã do ano passado. Era uma sequência de símbolos, pintados em tinta branca, que ocupava toda a altura do muro. Estendia-se por mais de 100 metros e tinha quase 400 sinais compridos e estreitos. Vários deles eram repetidos, o que sugeria tratar-se de um alfabeto. As letras tinham ângulos retos e poucas curvas. Algumas lembravam a escrita latina – era possível identificar um I, um X, um Y espelhado, um U de ponta-cabeça. Não havia espaço que delimitasse as palavras. Se aquilo fosse mesmo uma mensagem, era incompreensível. Inscrições semelhantes haviam sido deixadas em muros e viadutos da Gávea, da Lagoa, do Leblon e bairros adjacentes. Há mensagens escritas no alfabeto enigmático num acesso ao túnel Rebouças, no muro de uma escola e na frente do Jardim Botânico. Entre grafites e pichações, os escritos de Joana costumam ficar na parte de cima de muros altos e outros lugares improváveis.

 

No início eram inscrições pequenas.  À medida em que Joana ganhava confiança, aumentou a frequência das saídas para escrever os relatos cifrados. Ela produz suas próprias tintas. Mistura pigmento em pó, cola e água na proporção adequada à superfície que escolhe. Sai para pintar de carro ou bicicleta, e leva galões, rolos e cabos extensores de tamanhos variados. Hoje, prefere ficar nas proximidades da sua casa, na Gávea, “porque sou mulher e pinto sozinha”, afirma. A artista começou a escrever quando era adolescente, por conta da dificuldade de se expressar. “Foi nessa época que inventei o código. Ele servia apenas para eu poder manter um diário sem o risco de o meu irmão mais velho ler, onde eu relatava meus sonhos e minhas paixões”, diz Joana.

 

Quando começou a produzir seus códigos através da arte, no ateliê, que dividia com sua mãe, também artista plástica, ficou com vontade de ir para a rua e mostrar seus textos. Mas não venceu a timidez: preferiu se expor de modo incompreensível, recorrendo ao alfabeto secreto que concebera na puberdade.

 

 

De 06 de novembro a 13 de dezembro.

Duas mostras de Guillermo Kuitca

22/out

Depois de quinze anos sem expor no Brasil, um dos maiores pintores argentinos, Guillermo Kuitca, retorna em peso ao país em 2014. Após uma mostra coletiva na Casa Daros, em maio, e da exposição retrospectiva em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo, duas galerias paulistanas se unem em um esforço de representação do artista no circuito brasileiro.  Fruto dessa inédita parceria, a Galeria Fortes Vilaça e a Mendes Wood DM – ambas de São Paulo, SP –  apresentam duas mostras paralelas, “Diários” e “Doble Eclipse”, respectivamente nos seus espaços-sede.

 

 

Na Mendes Wood

 

Na galeria Mendes Wood DM, Jardins, o artista apresenta uma série de pinturas sobre madeira em pequena escala e uma grande pintura sobre tela. São trabalhos que reafirmam o vocabulário pictórico do artista,  seu apreço por padrões geométricos,  referências cartográficas, paisagens soturnas e espaços arquitetônicos. A obra que dá nome à mostra retrata uma cena em que um sol diminuto repousa bem próximo do horizonte, encoberto por dois astros. Iluminada por sua luz fraca, um acúmulo de camas e cadeiras – elementos psicoativos recorrentes na obra do artista − ganha proporções arquitetônicas ao remeter a uma paisagem urbana. A obra do artista também pode  ser vista na exibição panorâmica “Filosofia para Princesas”,  em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo até 02 de novembro

 

 

Na Fortes Vilaça

 

A Galeria Fortes Vilaça, Vila Madalena, por sua vez, apresenta uma instalação composta por 18 pinturas circulares da longeva série “Diários”, iniciada em 1994. Diferentes grupos desse corpo de trabalho já foram expostos − entre os quais destaca-se a instalação na Bienal de Veneza de 2007 −, mas o conjunto aqui apresentado compreende trabalhos produzidos entre 2005 e 2012. O artista estica uma tela inacabada sobre o tampo de uma mesa no atelier e a mantém ali durante meses enquanto prossegue suas atividades rotineiras. Sobre essa tela, Kuitca faz anotações, desenha a esmo enquanto fala ao telefone, pinta estudos e rascunhos. Intencionalidade e acaso se fundem e são absorvidos por cada um desses diários, de forma que expandem-se para além da pintura e incorporam desenho, escrita e assemblagem. São testemunhos do cotidiano do artista e, pendurados lado a lado, formam uma narrativa plástica de sua intimidade.

 

 

Sobre o artista

 

Guillermo Kuitca nasceu em 1961 em Buenos Aires, Argentina, onde vive e trabalha. Sendo um dos mais destacados pintores latino-americanos, entre as exposições individuais que realizou, destaca-se a mostra Guillermo Kuitca. Everything. Paintings and Works on Paper, 1980 – 2008, organizada em 2009 pelo Miami Art Museum, que itinerou para mais três instituições norte-americanas em 2010 (Albright-Knox Art Gallery, Buffalo; Walker Art Center, Minneapolis; Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington DC). O artista participou ainda de três Bienais de São Paulo (1985, 1989 e 1998), representou a Argentina na Bienal de Veneza de 2007 e participou da Documenta de Kassel, em 1992.

 

No dia 30 de outubro, a Galeria Fortes Vilaça e a Mendes Wood DM abrirão as duas mostras paralelas de Guillermo Kuitca. A abertura começará às 19h na Galeria Fortes Vilaça e às 21h os visitantes seguirão para a Mendes Wood DM, até às 23h.

 

 

Guillermo Kuitca –  “Diários”  na Galeria Fortes Vilaça

De 30 de outubro a 06 de dezembro.

 

Guillermo Kuitca – “Doble Eclipse” na Galeria Mendes Wood DM

De 30 de  outubro a 22 de novembro.

Na Silvia Cintra + Box 4

Em sua terceira individual na galeria Silvia Cintra + Box 4, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, Rodrigo Matheus  apresenta uma série inédita de esculturas, instalações e colagens produzidas durante temporada na cidade após período de quase quatro anos no exterior. Os trabalhos são construídos a partir de postais  enviados do Rio de Janeiro para a Europa ao longo do século XX. São cartões encontrados pelo artista em feiras de segunda mão europeias, trazidos de volta ao destino de origem e, aqui, combinados a postais enviados da Europa e encontrados na capital carioca em pleno século XXI. Rodrigo Matheus titulou essa nova exibição individual como “Do Rio e para é to Rio and from”.

 

A micronarrativa é pano de fundo de esculturas e instalações que repetem no interior da galeria, de 31 de outubro a 06 de dezembro, aquilo que se observa como recorrente na cidade: a relação entre a vegetação e a arquitetura. O vocabulário modernista das construções dos anos de ouro e as grades de ferro anexadas a seus prédios posteriormente. O comércio vigoroso da região do Saara que corresponde à agenda da cidade – Carnaval, Natal, Ano Novo. O macaco que sobrevive entre aquilo que foi civilizado e o que nunca será. O jogo de permissão e interdição mediado pela praia.

 

O conjunto de obras que a exposição abriga se vale do próprio repertório visual da cidade para o desenvolvimento de esculturas que se apropriam tanto daquilo que é planejado quanto aquilo que é espontâneo e improvisado na malha urbana. “Os materiais utilizados nestes trabalhos saem deste contexto. Grades de metal de padrões variados, plantas artificiais, areia e telas de proteção para reforma de prédios, vitrines do Saara e materiais de construção questionam  a imagem glamourizada dos cartões postais face aos problemas reais que a cidade enfrenta”, comenta o artista.

 

Ainda nas palavras de Rodrigo Matheus, “Do Rio e para é to Rio and from” discute a ambiguidade do processo de modernização brasileiro a partir do imaginário que o Rio de Janeiro projeta. “Porta de entrada do país e monumento natural, antiga capital do Império Português, antiga capital do Brasil, destino turístico e hoje alvo de um retrofit urbanístico que busca fundar no seu centro histórico uma ilha globalizada cercada de uma paisagem tropical avessa a domesticações”.

 

 

Sobre o artista

 

Rodrigo Matheus nasceu em 1974, em São Paulo, e vive e trabalha entre Londres e sua cidade natal. Graduou-se em Multimídia e Intermídia na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP) e é mestre em escultura pelo Royal College of Art, na capital inglesa. Seus trabalhos articulam diversas mídias — vídeos, instalações e esculturas — em obras que discutem a natureza da representação na arte e sua relação com o design industrial. Apresentam situações que questionam as estruturas de poder por trás de identidades visuais que regram nossa subjetividade em nome do progresso civilizatório. Ao aproximar elementos industriais e naturais em um só corpo, o artista lança com suas obras um olhar crítico sobre as noções coletivas de representação da natureza forjadas dentro de um ambiente público e urbano. Modifica e propõe novas combinações para o mecanismo da vida cotidiana. Constrói a partir de objetos em circulação no mundo novas possibilidades de sentido fora daquelas programadas pela sua função. É representado por galerias em Londres, Rio de Janeiro, São Paulo e Los Angeles e suas obras estão presentes em diversas coleções públicas e particulares, como Instituto Inhotim, MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e instituto Itaú Cultural.

 

Dentre as exposições individuais, destacam-se Coqueiro Chorão, Ibid Projects (Londres, 2014), Colisão de Sonhos Reais em Universos Paralelos, Fundação Manuel Antonio da Mota (Porto, 2013) e Handle with Care, Galpão Fortes Vilaça (São Paulo, 2010). Já entre as coletivas, chamam atenção as participações de Rodrigo em Champs Elyseés, no Palais de Tokyo (Paris, 2013), Imagine Brazil, Astrup Fearnley Museet (Oslo, 2013) e Itinerários – Itinerâncias, 32ª Panorama do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2011), The Spiral and the Square, Bonniers Kontshall, Stockholm, (Suécia, 2011).

 

 

A partir de 30 de outubro.

A arte incomum de André Venzon

Artista visual e multimídia, Integrante da nova geração da arte contemporânea no Rio Grande do Sul, André Venzon realiza a exposição intitulada “Pois eu estou em sua memória”, individual na Galeria Península, Centro, Porto Alegre, RS. A mostra recebeu apresentação do crítico paulista Gilberto Habib Oliveira.

 

 

POIS ELE MERECE ESTAR EM NOSSA MEMÓRIA

Texto de Gilberto Habib Oliveira

 

Tão oportuna quanto arriscada, já se faz necessária uma leitura retrospectiva da obra e da trajetória do artista gaúcho André Venzon. A oportunidade é dada pelos ciclos que se completam, ressaltando a visão teleológica dos significados que de pouco em pouco construíram o corpus de sua obra, somados a alguns de seus feitos institucionais, dentre os quais, à frente da Associação Chico Lisboa ou, mais recentemente, do MAC-RS. O risco, em se tratando da arte, é encerrarmos tal percurso em adjetivos que se acercam sem tentar definir. Lançando-nos, pois, a tentativa de esclarecer, sem aprisionar, uma obra por natureza aberta e um percurso por trilhar.

 

André sempre surpreendeu com seu senso de coletividade, envolvendo-se em movimentos, projetos, editais, simpósios ou organizando mostras coletivas pelo Brasil afora. Voltado em seus trabalhos aos  conceitos de identidade e lugar na construção poética, sempre teve coragem e consciência de não relegar o entorno e o social à mera indiferença. Fosse por meio das diversas figuras de alteridade criadas em seu universo estético, nos elementos constituintes da arquitetura e da paisagem presentes desde o início em sua produção; fosse na mobilização de outros artistas, colecionadores, críticos ou dirigentes culturais nas muitas frentes institucionais em que buscou estar inserido. Expressões talvez de uma única realidade construtora de sua identidade como cidadão e como artista, que perpassa a responsabilidade de engajar, envolver, conscientizar ou, no mínimo, provocar espectadores e produtores de um único grande circuito. “Em sua silenciosa luta ética, este jovem artista extravasa a busca de identidade para muito além de si mesmo e projeta-a à arte. Mesmo que esta, hoje, já distante dos seus contornos formais e conceituais, esteja voltada à miragem de referências e ao provisório da verdade, André a resgata como busca máxima de autenticidade e criticidade” profetizava Monica Zielinsky, em seu texto sobre o ainda jovem artista, em 2006.

 

Venzon é, neste sentido, cumpridor de uma vocação profunda de artista. Como poucos que se conhece. Tudo nele é mobilização, da matéria prima ao tema, do significado ao suporte, tudo é pretexto para pensar e compor o papel afirmativo e interrogativo no infinito campo de interações entre artista e espectador. Como destacou a historiadora Paula Ramos, ele “…tem buscado estabelecer pontes formais e conceituais entre o lugar e o sujeito, entre aquele que vivencia e aquilo que o envolve, alinhavando múltiplas temporalidades”.

 

Não haveria, assim, neste infinito de possibilidades, necessidade mais natural do que tentar encontrar, passados os anos, um denominador comum para o que lhe é próprio. E eis que encontra na cor fúcsia dos tapumes ― por vezes aliada à sua textura ou a materialidade mesma da madeira ― um signo forte para si. Não importa não se tratar do primeiro artista a utilizá-la, mas basta ter acertado na escolha, fazendo dela um signo potente e singular de si mesmo.

 

Síntese fascinante, excêntrica e exótica. Social e atemporal, a cor de tapume na poética de André Venzon perpassa uma década sendo incorporada aos seus feitos até converte-se, definitivamente, na pele do artista. Dos vários signos que com ela pode compor em séries de trabalhos como “Qual é o seu lugar?”, “Boates”, “Vitrines”, “Cidade sem face”, “Luxúria”, entre a consciência do lugar, do corpo, da memória e da arte, essa cor já lhe serviu a vários discursos. Vindo agora a completar-se na exposição “Pois eu estou em sua memória”, ela penetra definitivamente nosso imaginário, se derramando como figura espectral, brilhante e fugidia tal como indexada no cartaz da mostra.

 

Hoje “sua”, a cor de André é ainda mais eloqüente, convertida em unidade identitária, mas também suporte de uma alteridade contemporânea, extemporânea, mítica, à serviço das muitas “capas”, peles ou máscaras a que os tapumes se convertem. Incapazes de disfarçar as mazelas, de encobrir os defeitos, de sustentar o (falso) glamour da cidade que, em nome do progresso, mais se arruína ao definir tão somente não-lugares. Destas vãs tentativas, os tapumes, com sua cor marcante, logram apenas ressaltar sua própria identidade e presença. “Matam” a paisagem real para ressuscitarem como memória artística, impondo o protagonismo desta sobre a outra.

 

Novas possibilidades de um imaginário urbano, a tomar a frente dos “flaneurs” e “futuristas”, o fúcsia dos tapumes se somam aos reflexos caóticos de prédios envidraçados e vitrines, sublimando em silêncio o vazio das cidades. Seriam talvez, versões luxuriosas do famigerado cinza das “selvas de pedra”? Ou novas expressões da teatralidade do mundo, ao fazerem-se de moldura ou cortina do palco em que encena-se a vida cotidiana? Eis que André se reveste dessa pele como a alma ancestral das cidades do futuro, a renovar-lhe possíveis novas metáforas. Dando novo corpo, alma e cor a um sempre crescente coletivo de muitos.  Formando um corpus significante, em tempos de uma experiência de arte e de cidade carente de significados.

 

 

Sobre o artista

 

André Venzon, nasceu em Porto Alegre, 1976. Diplomado em Desenho pelo IA/UFRGS. Dedica-se ao estudo dos conceitos de lugar na construção poética dos seus trabalhos. Diante de sua forma de olhar e perceber a arte como atributo social, participou do FUMPROARTE (PMPA), foi presidente da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa (2006-2010) e vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura, membro do Colegiado Nacional de Artes Visuais e, atualmente, é diretor do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul – MAC/RS – e curador do Projeto RS Contemporâneo do Santander Cultural. Realizou diversas exposições, entre as quais se destacam: 18º Salão de Arte Jovem de Santos; 3º Salão de Arte de Porto Alegre; 3º Salão Nacional de Arte de Goiás; 4ª Bienal de Arte e Cultura da UNE em São Paulo; BOATES no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro e no MARGS; 10ª Bienal de Santos; 13° Salão da Bahia, do Museu de Arte Moderna na Bahia. Foi curador da I Bienal B, artista-âncora do Essa Poa é Boa e oficineiro da Rede Nacional de Artes Visuais da Funarte em Parintins, Manaus e Rio de Janeiro.

 

 

Até 06 de novembro.

Caverna Kitsch na Caixa Rio

21/out

A Caixa Cultural, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta, na Galeria 1, a exposição “Caverna Kitsch”, do artista visual paulistano Gabriel Centurion. A mostra apresenta uma pintura-mural, que se estende pelas paredes da galeria, conjugada com 10 pinturas sobre tela em grandes dimensões, mobiliário pessoal do artista e um vídeo, formando um ambiente lúdico e fantástico.

 

Com curadoria de Ricardo Resende, a exposição reúne a produção mais recente do artista visual, que reflete seu apelo ao exagero e a situações estranhas do cotidiano. A obra de Gabriel Centurion celebra o universo kitsch, que é caracterizado por objetos de valor estético exagerado ou de “gosto duvidoso”.

 

O ponto de partida no processo criativo do artista é o que se caracteriza como uma pintura intencionalmente mal feita, que se assemelha à produção de artistas dos anos 80. O universo retratado nas pinturas de Gabriel Centurion, em geral, são imagens virtuais acessadas na internet e projetadas para a tela ou direto para as paredes. O artista cria situações inusitadas e de figuração distorcida. O resultado são pinturas que retratam situações irreais, fantásticas e impensáveis no dia a dia.

 

“É como se a pintura saísse da parede para o espaço da exposição, tornando-se tridimensional e levando o público a fazer parte dela”, explica o curador.

 

 

Sobre o artista

 

Gabriel Centurion é formado pelo Instituto de Artes da UNICAMP e participante do Ateliê Fidalga – grupo de pesquisa em arte contemporânea que vem expondo os trabalhos dos seus integrantes em diversos locais do Brasil. Recebeu vários prêmios como Salão de Arte Contemporânea Luis Sacilloto,  Santo  André (SP); a Bienal do Sesc e o Salão Victor Meirelles, Florianópolis (SC).

 

 

Sobre o curador

 

Curador do Museu Bispo do Rosário, no Rio de Janeiro, Ricardo Resende é mestre em História da Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Tem carreira centrada na área museológica. Organizou a mostra Leonilson: Sob o Peso dos Meus Amores, em 2012 e dirigiu o Centro Cultural São Paulo.

 

 

De 30 de outubro a 21 de dezembro

Caio Reisewitz na Casa da Imagem

Com registros fotográficos do Pico do Jaraguá – formação montanhosa que registra o ponto mais alto da cidade de São Paulo -, Caio Reisewitz recupera uma paisagem que cada vez mais se oculta da perspectiva de horizonte, contrastando com um vertiginoso crescimento vertical/imobiliário. Como se costuma observar no trabalho de Caio, é possível perceber em “Jaraguá” a ausência da presença humana, que de forma alguma está representada, mas sim sugerida pelo confronto entre a cidade e a natureza.

 

A sucessiva reprodução do mesmo cenário geográfico recebe uma montagem instalativa (e não documental) por meio de procedimentos que se assemelham a técnicas outrora utilizadas na fotografia, indicando uma geografia de tempos passados e que tende a sobreviver apenas no imaginário e na memória dos moradores de uma cidade em expansão.

 

Segundo Henrique Siqueira, curador da Casa da Imagem, foi a pintura de um artista brasileiro ligado à representação da paisagem, Jorge Furtado de Mendonça, que estimulou a pesquisa de Reisewitz em acervos e o desenvolvimento da exposição na Casa da Imagem, Sé, São Paulo, SP. Siqueira destaca que, nestas fotografias, duas operações dimensionam a escala monumental de abordagem do Pico do Jaraguá. “Protagonista na topografia de São Paulo (‘ponta proeminente’, ‘protetor do vale’, na língua tupi-guarani), a elevação encontra-se seccionada, na atualidade, da mancha urbana que a cerca; um gesto proposital em circunscrevê-la no âmbito da idealização e de impelir autonomia no discurso poético”, completa o curador.

 

 

Sobre o artista

 

Caio Reisewitz, São Paulo, SP, Brasil, 1967. O artista – que expôs recentemente no International Center of Photografy em Nova York e que, em 2015, irá inaugurar individual na Maison Européenne de la Photographie em Paris e participar da Bienal de Gwangju na Coreia – procura estabelecer relações entre a construção do real e o registro do artificial. Ganhador de diversos prêmios, como os de aquisição do 4º e 6º salões do Museu de Arte Moderna da Bahia e o Prêmio Sérgio Motta de 2001, seu trabalho esteve presente na 51ª Bienal de Veneza, 26ª Bienal de São Paulo, 1ª Bienal del Fin del Mundo (Ushuaia), Nanjin Biennale (China). Suas obras estão nas coleções do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Cisneros Foundation (EUA parte do documental, da arquitetura e da apropriação do espaço para percorrer a linha tênue que separa a vida da arte.). Especializou-se em fotografia na Escola Superior de Artes de Darmstadt, e na Johannes Gutenberg-Universität Mainz, ambas na Alemanha. É mestre em poéticas visuais pela Universidade de São Paulo. Retorna ao Brasil em 1997, para consolidar-se como um dos fotógrafos mais importantes de sua geração, no campo das artes visuais. Manipulando as imagens de maneira sutil, o artista realiza encontros entre conceito e forma por meio de fotomontagens que, em alguns casos, como Joaçaba ou Parentinga, foram feitas a partir de colagens refotografadas. Sua proposta é também a de misturar realidade e subjetividade, ou seja, o que se vê, à percepção que temos do que estamos vendo. Por isso, retira de situações tensas imagens que não são apelativas, caso da série “Reforma Agrária”, feita no interior de Goiás e Iguaçu, fotografada depois de um período de chuvas fortes e enchentes. As fotos de Caio exploram principalmente temas como a paisagem, a ocupação do solo e o uso arquitetônico. Reisewitz propõe novas abordagens e recortes para paisagens familiares. Com técnicas elaboradas, o artista dá luz a obras refinadas, nas quais observa-se muitas das questões pertinentes à fotografia contemporânea.

 

De 25 de outubro a 22 de fevereiro de 2015.

O pop Ron English no Brasil

A exposição denominada “Ron English – Do estúdio para a rua” apresenta 110 obras do polêmico artista contemporâneo, que definiu seu estilo como POPaganda, na Caixa Cultural, Galerias 2 e 3, Centro, Rio de Janeiro, RJ. Misturando referências do cenário pop, da história da arte, da propaganda, dos quadrinhos e da música, a mostra expõe pôsteres, quadros, murais e fotografias do americano, além de um documentário.

 

Conhecido por suas intervenções em outdoors e suas obras provocativas que misturam publicidade com cultura pop americana, Ron é um dos três grandes nomes do Surrealismo Pop, ao lado de Robert Williams e Mark Ryden, e um dos mais importantes da arte contemporânea. É considerado um dos criadores da street art e das intervenções urbanas.

 

O artista criou uma obra especialmente para a exposição brasileira. Trata-se da imagem de uma borboleta sul-americana, que expressa sua admiração pelos valores e belezas do ecossistema do continente e como ele afeta todo o planeta. O trabalho faz referência ao “efeito borboleta”, fenômeno sobre grandes consequências causadas por pequenas mudanças.

 

Em paralelo à mostra, será exibido o documentário “POPaganda: The Art and Crimes of Ron English”, dirigido pelo espanhol Pedro Carvajal. O filme exibe o processo criativo do artista e mostra como são instaladas suas obras em outdoors não autorizados. O documentário explora, também, a paixão de Ron English em fazer com que as pessoas pensem mais sobre a relação entre a sociedade e o consumo.

 

 

De 21 de outubro a 21 de dezembro.

Tomie Ohtake no Rio

17/out

O espaço carioca da galeria Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, apresenta série inédita de pinturas de Tomie Ohtake. O acervo reunido exibe a alta qualidade e vitalidade da consagrada artista, uma festa de cor para os olhos.

 

 

Tomie Ohtake, de branco.

Texto de Paulo Miyada

 

Algum dia, em algum lugar, alguém teve que sussurrar pela primeira vez, talvez um pouco envergonhado, sem muita convicção, que achava curioso como a figura representada na Monalisa de Leonardo da Vinci parecia estar sorrindo, mas talvez não estivesse… É impossível saber como isso se deu, mas a confusão desse sincero personagem anônimo da história da arte alastrou-se sem limites e aderiu à obra de tal forma que hoje é impossível olhar para a Monalisa – ou mesmo para uma de suas milhares de reproduções – sem espiar o seu sorriso ambíguo.

 

Este é um exemplo anedótico do quanto as interpretações e dúvidas do público podem aderir a uma obra de arte até o ponto em que não podem mais ser dissociadas ou esquecidas. Ao mesmo tempo, é uma consequência talvez involuntária do enfrentamento rigoroso de Leonardo da Vinci com o problema dos contornos para a visão humana. O artista sabia que as coisas a rigor não possuem uma linha limítrofe na sua borda, mas também sabia que a visão contava com uma série de recursos para delimitar os contornos dos objetos. Não tropeçamos nas coisas e sabemos aferir suas formas porque contamos com a paralaxe entre nossos olhos e com a diferença de plano focal entre os objetos para compreender sua volumetria e limite, mesmo quando não os circundamos para verificar nossas impressões. Os contornos, portanto, não existem de fato, mas são, mesmo assim, visíveis para o homem. Como a pintura poderia lidar com isso? Como ela definiria a forma dos objetos sem simplificar a representação adicionando linhas de contorno ao redor de cada figura?

 

Para Da Vinci, a solução passava pelo sfumato, técnica que tornava os limites entre os volumes pintados razoavelmente indistintos. Na sua pintura, os campos de cor dissolviam-se uns nos outros, suprimindo assim o choque seco entre as figuras pictóricas e dando ao olho do espectador a tarefa de – assim como faz o tempo todo – inferir a posição dos contornos onde na verdade eles não existem. Assim como o mundo real, a pintura do Renascimento exige que o olho do espectador “pense” para interpretar seus limites. E assim, o sorriso ambíguo da Monalisa emerge da indefinição das bordas da pintura de Da Vinci – que faz com que duvidemos se está ali a continuação da linha da boca em animação ou a sombra discreta da bochecha que pende sobre a boca plácida.

 

A fascinação com o sorriso não é apenas uma confusão elevada a leitura recorrente acerca da obra mais célebre do Renascimento – é o resultado do encontro entre o olhar imaginativo do público com a pesquisa pictórica do artista. Apesar de parecer uma anedota, essa história vem à mente quando pensamos na produção recente de Tomie Ohtake. Pois, diante das novas pinturas, a todo tempo o olho se surpreende com o que ora apreende e o que ora lhe escapa. Encontramos, por exemplo, uma tela quadrada, toda preenchida por texturas feitas com massa pigmentada, dentro da qual enxergamos uma forma arredondada, mais ou menos quadrada, inclinada na composição. Viramos um pouco para o lado e olhamos de novo para a tela, agora para enxergar um volume comprido mais ou menos oval, inclinado do canto direito para o canto esquerdo da tela. Então, um passo atrás, mais um desvio de olhar, e não reconhecemos mais nenhuma forma proeminente, apenas uma tela branca texturizada. Dois passos à frente e, daí, a gestualidade da tela fica ainda mais em evidência e, pelas sombras projetadas entre os volumes de tinta, é possível adivinhar inúmeras figuras – como faz uma criança que enxerga formas nas nuvens. Frente a uma mesma tela, portanto, o observador pode ficar em dúvida sobre o que está vendo, oscilar entre um polígono e uma mancha, como oscila aquele que olha para a boca da Monalisa. A diferença é que Tomie Ohtake não está revisitando o sfumato, sua investigação é outra.

 

Desde que completou cem anos, em Novembro de 2013, a artista japonesa radicada em São Paulo tem experimentado pinturas monocromáticas, em geral brancas. Pinturas de branco, seria melhor dizer – da mesma forma que os franceses dizem “d’eau”, “du pan”, “du sable”. Não são formas tingidas com pigmento branco, nem são somas de pedaços e elementos brancos sobrepostos, são gestos pictóricos feitos do próprio branco, como uma grande massa cromática uniforme que se acumula e espalha pela tela. A areia e a água são substâncias indivisíveis: não faz sentido falar em “uma água”, mas em uma dada quantidade delimitada por um recipiente: “um copo de água”. Da mesma forma, as pinturas novas de Tomie são “telas de branco”, ou “de vermelho” e “de azul” nas obras mais recentes. Na primeira exposição realizada em comemoração ao centenário da artista no Instituto Tomie Ohtake, Agnaldo Farias e eu cogitamos que em toda sua produção desde meados dos anos 1950, Tomie Ohtake esteve disputando com o labor pictórico a possibilidade de abrir novas veredas para a investigação das cores, dos gestos e da materialidade. Esses três polos, tão caros a quase todos os pintores, converteram-se para ela em um foco constante, nunca eclipsado por manifestos, temas ou até pelo nome das obras – sempre “sem título”. Sua pintura buscou maneiras de extrapolar o campo do já conhecido no que tange à cor, ao gesto e à materialidade: nos anos 1960, subverteu a regularidade da geometria abstrata ao usar papéis rasgados à mão como modelo para a pincelada; em 1972, produziu litogravuras até hoje chocantes em suas combinações cromáticas psicodélicas; ao longo da década de 1980, trocou a tinta a óleo pela acrílica, a fim de explorar transparências e veladuras liquefeitas; nos anos 2000, descobriu modos de dar às linhas feitas pela mão a espacialidade e movimento das esculturas tubulares.

 

Pois bem, por que essa buliçosa pesquisa teria que se interromper e deixar-se fixar em uma equação estável? Tomie Ohtake segue procurando formas de recombinar gesto, cor e materialidade. Agora, utiliza a massa corpulenta e maciça para ganhar corpo e dobrar-se sobre si mesma em movimentos que não são bem pinceladas e tampouco espalhamentos por espátula. São ondas que tremulam sobre a tela, matérias convulsionadas em suspensão. Vez em quando, há um sutil desnível na espessura dessa massa, ou então é a direção dos gestos que varia: o resultado é que, delicadamente, emerge a sugestão de uma linha. Vejamos, não se trata de uma mudança de tonalidade ou da diferença entre dois volumes, mas de dezenas de fragmentos de branco que se agitam apenas o suficiente para desafiar o nosso olhar. E, se mudamos de foco, a linha some. Se trocamos a incidência da luz, ela volta a aparecer.Em certo sentido, trata-se de uma nova visita ao conjunto de pinturas em tons de branco que Tomie Ohtake fez em 1959, parte da série que Paulo Herkenhoff chama de “pinturas cegas”. Então, ela preparava um fundo bastante escuro e, com os olhos fechados, distribuía amplas pinceladas mais ou menos erráticas com tintas à óleo muito luminosas. Entre o que ficava velado pelo branco e o que escapava nas brechas entre as pinceladas, aparecia uma profundidade assombrosa, jogo sensual entre luzes e sombras. Hoje, quando a artista explora a plasticidade da massa pigmentada, retorna a possibilidade do olhar mergulhar na alvura das telas, mas não encontrará as profundezas de outrora, senão passeará pela superfície e pelas sombras geradas por sua própria volumetria e, justamente aí, no intervalo de alguns centímetros, encontrará as pistas para adivinhar seus desenhos.

 

Os cegos agora somos nós, que precisamos apalpar a pintura com a ponta dos olhos. A pintura, então, ganha sentido háptico, quer dizer, qualidade tátil. Não é algo inédito na história da pintura, mas o motor de Tomie Ohtake não está nesse tipo de novidade: trata-se de um jogo com o espectador que abre novas possibilidades de experimentação pictóricas para uma obra que segue se renovando há mais de seis décadas, e isso mobiliza a artista a continuar trabalhando. Há ainda uma surpresa: até algo tão novo para Tomie Ohtake não poderia ser experimentado por uma via apenas, por isso, ela iniciou, há alguns meses, testes sobre o que acontece com seus relevos com a entrada da cor. Começou pelo vermelho e pelo azul. É claro que alcançou resultados diferentes: a vibração rubra lhe permite arriscar desníveis mais abruptos, pois sua luminosidade abrasiva acaba minimizando a percepção das diferenças volumétricas . Já a densidade azul lhe dirige à transparência, alcançada com camadas mais finas de massa. É um novo começo, material para três das telas aqui apresentadas e, possivelmente, assunto para mais um ano de investigações vindouras.O ateliê, que também é casa, de Tomie Ohtake deverá ainda produzir mais desafios ao olhar de quem quiser ver.

 

 

 

Até 22 de novembro.