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No dia 26 de agosto, a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, inaugura a exposição “Palavras cruzadas, sonhadas, rasgadas, roubadas, usadas, sangradas”, do fotógrafo multimídia, artista plástico e cineasta, Miguel Rio Branco. Organizada pelo próprio artista e por Thyago Nogueira, coordenador da área de Fotografia Contemporânea do Instituto Moreira Salles (IMS) e editor da revista ZUM, “Palavras” foi vista no IMS São Paulo (2020) e IMS Rio de Janeiro (2022-23). São 127 obras que mostram a vivência de Miguel Rio Branco pelas cidades por onde andou, com as pessoas com quem cruzou e os ambientes que explorou, de uma maneira muito particular de escrever com imagens. “Vejo que a maior parte da população é marginal. Eu fui atraído por umas situações humanas que me chocavam e que, ao mesmo tempo, me atraíam porque havia uma força vital ali de resistência”, diz o artista. Para Thyago Nogueira, “É possível dizer que Miguel Rio Branco dedicou sua carreira a construir uma elegia da experiência urbana e coletiva, encenada pelas pessoas que cruzaram seu caminho. Rever suas obras hoje é perceber a potência que desperdiçamos e lidar com um sentimento profundo de melancolia. Mas é também encarar nossas contradições com uma nitidez atordoante e abrir-se à oportunidade corajosa de entender como chegamos até aqui. Múltiplas e mutantes, essas obras cruzadas ecoam não apenas o pensamento original do artista, mas uma nova e perturbadora sinfonia”.
Um artista pleno
A fotografia só como documento nunca interessou a Miguel Rio Branco. As referências que o tornaram um dos maiores nomes da fotografia e da arte contemporânea brasileira vêm quase sempre da pintura e do cinema. Conhecido por seu trabalho com a cor, o ponto principal da sua obra é justamente a construção. Em 1983, por exemplo, a 17ª Bienal de São Paulo apresentou, pela primeira vez, a instalação “Diálogo com Amaú”, uma projeção de imagens de um índio caiapó, o Amaú, em diálogo com imagens de sexualidade e morte advindas de outros trabalhos, ao som de um ritual na Aldeia Gorotire, no sul do Pará. Esta instalação foi um marco em sua carreira, onde fica perceptível a força que a imagem em movimento, a música e a montagem têm em sua trajetória. “Palavras cruzadas, sonhadas, rasgadas, roubadas, usadas, sangradas” começa nos anos 1970, por um momento pouco conhecido do artista, quando Miguel Rio Branco se muda para Nova York. Ele pega uma câmera e começa a fazer as primeiras fotografias em preto e branco, algo raro em seu trabalho, ao redor do bairro boêmio East Village e da Rua Bowery, onde conviveu ao lado de artistas como Antonio Dias (1944-2018), Hélio Oiticica (1937-1980) e Rubens Gerchman (1942-2008). Miguel Rio Branco tocava na ferida, registrando os contrastes sociais das metrópoles e a exclusão dos marginais. A mostra avança para trabalhos mais conhecidos, mas com imagens novas, quando o artista viaja pelo interior do Brasil na tentativa de elaborar uma síntese da identidade brasileira através da fotografia. Depois caminha para notórias obras, como a série dos boxeadores da Academia Santa Rosa, na Lapa, Rio de Janeiro, onde Miguel Rio Branco fotografou com uma câmera analógica de médio formato. São imagens mais calmas, mais paradas e mais contemplativas, diferente das em 35 milímetros do começo da carreira, com uma velocidade intensa. A exposição vai mostrando a mudança para uma fotografia mais pictórica, o que ele fez mais recentemente. Imagens que possuem bastante textura, jogo de luzes, elementos muito simples, mas com uma força expressiva muito grande. “Gosto de dizer que esta exposição é uma espécie de antirretrospectiva. Apesar de tentar traçar o desenvolvimento complexo da linguagem do Miguel Rio Branco, tudo que aparece foi montado para este projeto”, afirma Thyago Nogueira.
Sobre o artista
A bagagem genética. Filho de diplomatas, bisneto do Barão de Rio Branco e tataraneto do Visconde de Rio Branco por parte de pai, a genética bateu forte para o lado materno. Miguel Rio Branco é neto de J. Carlos (1884-1950), um dos maiores caricaturistas e cronistas de costumes do início do século 20 no Rio de Janeiro, a quem Miguel dedicou o catálogo desta exposição no Instituto Moreira Salles. Nasceu em 1946 e viveu até os três anos de idade em Las Palmas de Gran Canarias, na Espanha, de onde partiu e passou a infância entre as cidades de Buenos Aires, Lisboa e Rio de Janeiro. Entre os anos 1961 e 1963, morou na Suíça, onde estudou e desenvolveu os primeiros trabalhos como ilustrador de um jornal local e cenografia de uma peça teatral. Em 1964, envolvido pelo desenho e pela pintura, realizou a primeira exposição “Paintings and drawings”, na Galeria Anlikerkeller, em Berna. Neste mesmo ano, mudou-se com os seus pais para Nova York, onde fez um curso básico de fotografia no New York Institute of Photography. A partir de então, realizou uma série de fotografias nas ruas desta cidade que serviram, principalmente, como colagens em suas pinturas. Em 1972, com a morte de sua mãe, Miguel Rio Branco retornou ao Rio de Janeiro e dedicou-se, principalmente, ao cinema, trabalhando, ao longo desta década, como diretor de fotografia e câmera. Dirigiu 14 curtas-metragens e fotografou oito longas. Ganhou o prêmio de melhor direção de fotografia por seu trabalho em “Memória Viva”, de Otavio Bezerra, e “Abolição”, de Zozimo Bulbul, no Festival de Cinema do Brasil de 1988. Também dirigiu e fotografou sete filmes experimentais e dois vídeos, incluindo “Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno”, que ganhou o prêmio de melhor fotografia no Festival de Cinema de Brasília e o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio da Crítica Internacional no XI Festival Internacional de Documentários e Curtas de Lille, França, em 1982. Em 1980, tornou-se correspondente da Magnum Photos. Como registrado no site da empresa, “Miguel Rio Branco, fascinado por lugares de forte contraste, na força das cores e da luz tropical, fez do Brasil sua principal área de exploração.” Em 1985, publicou “Dulce Sudor Amargo”, livro em que traçou um paralelo entre o lado sensual e vital de Salvador, Bahia, e o lado histórico da cidade, que na época (1979) era habitada por prostitutas e marginais. É um ensaio sobre a vida e a morte, sobre as cicatrizes deixadas pelo tempo e pela vivência. Em 1996 veio “Nakta”, uma publicação que explora o tema do bestiário no homem e no animal, seguido de um projeto visual e poético alimentado por um feliz encontro com o poema “Nuit Close”, de Louis Calaferte, colaboração que ganhou o Prix du Livre Photo. “Silent Book” (1997) trouxe quadros de corpos e espaços afetados pelo tempo; a decrepitude é ampliada pela luz, e a carne ferida, o envelhecimento e a morte assombram a obra por meio de cores terrosas e vermelho-sangue. Já em “Miguel Rio Branco” (1998), Lélia e Sebastião Salgado escreveram no posfácio: “Miguel Rio Branco usa a cor como um pintor e a luz como quem faz cinema.” O livro “Entre os Olhos o Deserto” (2001) aponta uma evolução para uma forma híbrida, usando imagens de fotografias e vídeos extraídos dos filmes experimentais do artista. Da mesma forma, suas exposições funcionam como instalações, conceito crucial para o seu trabalho, pelo qual – sem descurar a importância da imagem única – criar um discurso através das imagens é o objetivo final. A publicação e a exposição “Plaisir la douleur” (2005) confirmam isso. “Você Está Feliz?” (2012) explora diferentes possibilidades de felicidade e de infância, sem excluir os aspectos difíceis do crescimento e do ambiente em que o ser humano se desenvolve. Miguel Rio Branco se distancia de uma concepção romântica, provocando o leitor a refletir sobre os significados atribuídos à felicidade. Em “Maldicidade” (2014), o artista reúne, em fotografias, cenas urbanas de metrópoles de diversas partes do mundo – Japão, EUA, Brasil, Cuba, Peru -, captadas entre 1970 e 2010, abordando o isolamento dos marginalizados das grandes cidades.
Até 12 de novembro.
Afonso Tostes: a arte no desequilíbrio para destacar a fragilidade da vida.
“A realização da escultura, na maneira de trabalho, passa pela tentativa de associar coisas naturais e misteriosas à previsibilidade humana. Busco naquilo que está morto alguma vida escondida. Assim a madeira, antes árvore, deixa de ser apenas material, e, pelo esforço físico, se torna escultura e campo de reflexão. Não obstante, tento encontrar beleza na poética mais simples possível”, afirma Afonso Tostes.
Também no dia 26 de agosto, a Fundação Iberê Camargo abre a exposição “Afonso Tostes – Ajuntamentos”. Nos 25 trabalhos, a maioria esculturas feitas em madeiras e troncos de árvores, observa-se uma produção irrequieta. Esculturas, pinturas e desenhos que nunca se acomodam no lugar comum; as peças dialogam com os espaços. Conhecido por suas grandes instalações, Afonso Tostes resgata as histórias preliminares dos materiais, principalmente a madeira, expõe e transforma suas narrativas, de acordo com uma sensível reconstrução no espaço expositivo, ou mesmo com a ressignificação de objetos, como ferramentas e utensílios de trabalho. “Trabalho sobre o que já existe, o que encontro por aí, materiais que sofreram a interferência da mão humana e do tempo. Me interessa a relação do homem com seu entorno, com a natureza. Não falo apenas da relação com o meio ambiente, mas também das relações pessoais, das nossas expressões visíveis e invisíveis”, explica Afonso Tostes. No livro “Entre a cidade e a natureza”, Daniel Rangel, curador-geral do Museu de Arte Moderna da Bahia, descreve muito bem o espírito livre de um dos principais escultores brasileiros, que tem a cultura de um país e seu povo como inspiração: “Capoeirista, homem do mar, do orixá e do fazer manual, Afonso Tostes utiliza em seu trabalho as mesmas ferramentas que os artesãos, carrega o popular em si mesmo, em suas experiências e nos caminhos que decidiu trilhar. (…) Interessa-se mais pela troca com o grupo e pela riqueza cultural que pelos lugares em si. Apesar de executar suas esculturas por meio da observação, em caminhada pela cidade e na natureza, seu assunto principal é o ser humano. Suas obras revelam pessoas, muitas vezes, invisíveis na sociedade (…) Seus olhos pensam e emite mensagens, e, muitas vezes, precisamos estar livres para entender essa comunicação aberta exuniana. Rompe as estruturas com suas mãos, que curam com sua arte. Prazer, alegria, sensibilidade, emoção, um se dar constante com as diversas linguagens que ele expressa com sua mente plural”. Ainda menino, Afonso Tostes tomou gosto pelas viagens, transitando entre Belo Horizonte, onde nasceu em 1965, e fazendas no interior de Minas Gerais. Contemplador das porteiras e árvores, currais e cavalos, desenvolveu interesse pela investigação da natureza e sua relação com o homem. Desde sempre, demonstrou aptidão para o desenho, aprimorada na Escola Guignard, principal instituição formadora de artistas em Minas Gerais e onde teve o primeiro contato com as tintas. Em 1987, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu os estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage com Carlos Zílio, Charles Watson e Daniel Senise. Das amizades que fez com artistas, críticos e curadores veio o primeiro trabalho como assistente de Antonio Dias e como cenógrafo para teatro e televisão. Sua obra é marcada por influências brasileira e internacional, que vão da arte contemporânea ao fazer livre e espontâneo, em que o belo não é uma construção teórica, mas uma vontade simples do ornamento, uma necessidade fundamental. Atualmente, sua obra figura em coleções como MAM-RJ (Brasil), MAM-BA (Brasil), MAC Niterói (Brasil), Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França) e Coleção SESC de Arte (Brasil).
Até 22 de outubro.