Dois artistas na Z242

13/nov

 

No dia 19 de novembro, a Z42 Arte inaugura as exposições “Nascer de Terras”, da artista brasiliense radicada no Rio de Janeiro, Amanda Coimbra, e “Esqueça de mim”, do artista carioca Marcelo Albagli. Com curadoria de Fernanda Lopes, as mostras ocuparão todo o espaço expositivo do casarão no Cosme Velho com obras inéditas, que partem de fotografias de momentos históricos e de personalidades importantes da história para criar, através do desenho, poéticas distintas.

Amanda Coimbra parte da icônica fotografia “Earthrise” (1968), do astronauta William Anders, que mostra o planeta Terra visto da Lua, para criar as cerca de 20 obras da exposição “Nascer de Terras”. Considerada como uma das 100 fotografias que mudaram o mundo, a imagem serviu de base para a artista começar a fotografar o céu noturno de forma analógica, e arranhar os negativos com objetos pontiagudos, fazendo desenhos, criando novos planetas, desenhando estrelas, luas e repensando o nosso lugar no mundo.

Partindo de fotografias de personalidades históricas, Marcelo Albagli apresenta cerca de 25 desenhos em grafite sobre papel do século 19, que tratam de memória – afetiva, nacional e histórica.  As folhas antigas trazem marcas do tempo, como mofo, manchas e amarelados, que se integram às obras. A série de trabalhos que dá nome à exposição retrata o rosto de cinco presidentes da ditadura militar. Também farão parte da exposição 15 trabalhos da série “Brasília 19:00”, que retratam signatários do AI-5. O nome da série faz alusão a Voz do Brasil e ao rádio e esta sala será ambientada com spots originais da Rádio Relógio, com a voz do locutor Tavares Borba. Nesta mesma sala também estarão trabalhos que retratam outros políticos brasileiros, mas nos quais o artista faz intervenções, como manchas e borrões, chegando a derreter o grafite em algumas, quase apagando o desenho, criando uma espécie de fantasma da figura.

“Independentes entre si, as exposições de Amanda e Marcelo revelam a pesquisa recente e inédita de dois jovens artistas que vivem e trabalham no Rio de Janeiro, e, vistas em conjunto, permitem a reflexão sobre questões atuais como o estatuto da imagem, a prática do desenho na arte contemporânea e a construção/invenção da memória”, diz a curadora Fernanda Lopes.

 

Sobre os artistas

Amanda Coimbra nasceu em Brasília, 1989 – Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Graduada em Artes Visuais pelo School of the Art Institute of Chicago (2011).  Participou das residências artísticas Casa da Escada Colorida (2021-2022), DESPINA (2017), Espacio de Arte Contemporáneo (Montevidéu, 2017), Proyecto ‘ace (Buenos Aires, 2012) e Picture Berlin (Berlim, 2009). Desde 2010 mostra seu trabalho em exposições coletivas e individuais no Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Uruguai, Argentina e Perú. Em 2016 publicou o foto livro “A Memória de um Álbum de Viagem”, com texto crítico da curadora argentina Ana María Battistozzi. Em 2021 seu projeto “Nascer de Terras” foi contemplado pelo edital Retomada Cultural RJ (Lei Aldir Blanc – SECECRJ).

Marcelo Albagli vive e trabalha no Rio de Janeiro. É mestre em design pela University of Arts London, no Reino Unido. Frequentou oficinas de pintura, desenho e litografia na EAV Parque Lage, onde atualmente é professor, e estudou gravura e teoria da arte na Kunsthøjskolen i Holbæk, na Dinamarca, país onde se formou em vídeo e cinema pela Københavns Mediecenter. Possui cursos livres em diversas instituições, como Escola Sem Sítio, PUC-Rio, Instituto Adelina e Berlin Art Institute, este último na Alemanha. Em 2021, participou das coletivas Dobras (Paço Imperial / RJ), Coleção de Pedras Vivas (Casa da Escada Colorida / RJ) e Movimentos laterais, de afastamento e de colisão (Galeria Quarta Parede / SP). Ainda no mesmo ano, foi selecionado para o 46° Salão de Arte de Ribeirão Preto Nacional-Contemporâneo, para o 17° Salão Nacional de Arte Contemporânea de Guarulhos e para o Trinity Buoy Wharf Drawing Prize, em Londres. Em 2022, foi artista residente na DRAWinternational, em Caylus, França.

 

Sobre a curadora

Fernanda Lopes é curadora, crítica de arte e pesquisadora. Doutora pela Escola de Belas Artes da UFRJ, é Diretora Artística do Instituto Pintora Djanira e professora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde foi aluna. Organizou, ao lado de Aristóteles A. Predebon, o livro “Francisco Bittencourt: Arte-Dinamite” (Tamanduá-Arte,2016). Escreveu os livros “Área Experimental: Lugar, Espaço e Dimensão do Experimental na Arte Brasileira dos Anos 1970” (Bolsa de Estímulo à Produção Crítica, Minc/Funarte, 2012) e “Éramos o time do Rei – A Experiência Rex” (Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, Funarte, 2006). Entre as curadorias que vem realizando desde 2009 está a atuação como curadora adjunta do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2016-2020), curadora associada do Centro Cultural São Paulo (2010-2012), e curadora convidada da Sala Especial do Grupo Rex na 29ª Bienal de São Paulo (2010). Em 2017 recebeu, ao lado de Fernando Cocchiarale, da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) o prêmio Prêmio Maria Eugênia Franco (curadoria de exposição em 2016) pela curadoria da exposição “Em Polvorosa – Um panorama das coleções MAM-Rio”. É membro do Conselho Editorial da revista Concinnitas (UERJ).

 

 

Panorama da obra de Gustavo Speridião

 

Um dos mais destacados e engajados artistas brasileiros da atualidade, o carioca Gustavo Speridião apresentará um panorama de sua obra recente a partir do dia 19 de novembro na mostra “Gustavo Speridião – Manifestação contra a viagem no tempo”, no Centro Cultural Justiça Federal. Com curadoria de Evandro Salles, serão apresentadas cerca de 150 obras, entre pinturas, desenhos, colagens, fotografias, filmes, objetos e faixa-poema, produzidos entre 2006 e 2022, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Paris. Desde 2016 o artista não realiza uma exposição institucional no Rio de Janeiro.

“É uma mostra antológica, que revela um artista denso e profícuo, que se inscreve fortemente nas raízes construtivas da arte”, afirma o curador Evandro Salles. No dia da abertura, será realizada uma visita-guiada com o artista e o curador. A mostra tem patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através do Edital Retomada Cultural RJ2.

Tendo todo o seu trabalho perpassado pela palavra e pelo poema, Gustavo Speridião apresentará obras impactantes, sejam pelo seu tamanho, por suas formas ou por suas frases-poemas, em trabalhos que mostram o amplo campo de linguagens exploradas pelo artista. Cerca de 50 pinturas em grandes dimensões, com tamanhos que chegam a 6 metros de comprimento, estarão na exposição ao lado de mais de 80 desenhos de menor formato e pequenos objetos em gesso. Faixas-poemas, que participaram de manifestações nas ruas do Rio de Janeiro, fotografias e dois filmes produzidos pelo artista – um curta e um média-metragem – completam a exposição.

Os trabalhos trazem em sua temática questões políticas, existenciais, filosóficas e em defesa da liberdade de expressão, mas sempre dentro de uma narrativa poética.

Trazendo o universo das ruas, muitas obras incorporam durante o processo de trabalho manchas, respingos, eventuais rasgos e sujeiras e que acabam se integrando à obra. “O pincel ou o lápis agem como uma faca. Cortando a superfície do plano em gravações definitivas, irretocadas. Suas referências históricas são explicitadas. Suas apropriações reveladas. Suas palavras são ditas (e escritas). Seus erros são incorporados ao lado de seus acertos. Nada há a esconder. Revela-se o aparecimento das verdades cruas, das ilusões vãs ou das realidades cruéis”, diz o curador.

Em trabalho inédito, seis grandes telas são dispostas em hastes fincadas em blocos de concreto urbano, semelhantes aos que encontramos nas ruas, feitos com britas.

Formam um círculo por onde o público poderá caminhar e imergir, vendo a tela e seu avesso. “Sempre trabalhei com arte urbana. Os blocos de concreto me interessam como objeto e fazem a tela se tornar mais espacial, caminhando mais para a escultura. É uma fórmula que me interessa”, afirma o artista. Mesmo sendo uma quase escultura ou instalação, Gustavo Speridião diz que “tudo é parte da pintura, de um plano pictórico que está em várias dimensões”. Esses mesmos blocos de concreto aparecem em outras obras, com madeiras e pequenas faixas com textos como “A arte da revolução” ou “Tudo insuportável”.

Se elementos das ruas, como os blocos de concreto, são utilizados nas obras, o contrário também acontece e obras criadas no ateliê do artista na Gamboa, na zona portuária do Rio de Janeiro, vão para as ruas, como a faixa-poema, em grandes dimensões, medindo 2,5m X 4,5m, realizada em colaboração com Leandro Barboza, que participou de manifestações no Rio de Janeiro, e na exposição estará presa por cabos de madeira, apoiadas em blocos de concreto.

Para mostrar a ampla produção do artista, que transita por diversas linguagens, também serão apresentadas fotografias, que mostram construções de imagens, e dois filmes: o média-metragem Estudos Superficiais; (2013), ganhador do prêmio Funarte de Arte Contemporânea, em 2014, que registra lugares, imagens urbanas, momentos e pessoas, que cruzaram o caminho do artista, e curta-metragem “Time Color” (2020), que fala sobre a existência da humanidade, superação da natureza, geometria e formação da gravidade. O título da exposição foi retirado de uma colagem de 2009 na qual, sobre uma imagem de manifestação publicada em um jornal, o artista escreve com tinta a frase que dá nome à mostra: “Manifestação contra a viagem no tempo”, em uma referência a situações recentes da nossa história. “Para enfrentar a desmemória de um falso passado, propõe e nos remete em poema ao real do aqui e agora. Imagem e palava se articulam na construção de um terceiro sistema: POEMA, afirma o curador. Ao longo do período da exposição está prevista uma palestra com o artista e o lançamento do e-book bilíngue da mostra.

 

Sobre o artista

Gustavo Speridião trabalha em uma grande variedade de mídias, incluindo fotografia, filmes, colagens e desenhos. De simples piadas visuais a esboços que convidam a interpretações complexas. Em sua obra, Gustavo Speridião não tem medo de parafrasear e citar coisas que o cercam, desde os discursos de trabalhadores até assuntos políticos globais ou filmes de vanguarda modernistas à história da arte. Há uma espécie de energia crítica que consegue mostrar uma atitude em relação ao que ele considera que deve ser discutido, reavaliado e recriado. O mundo inteiro pode ser o tema de seu trabalho. Tudo o que existe no mundo contemporâneo constitui sua gramática visual. O artista assimila a velocidade do mundo contemporâneo, mas recusa todos os discursos oficiais que tentam nos convencer de que a luta de classes já está completamente perdida. Speridião examina os problemas universais enfrentados pelo homem e os transforma em arte visual. Com sua criação e interpretação de imagens e a forma de editá-las, sua poesia reivindica o direito de ter voz contra o capitalismo.

 

Sobre o curador

Artista e curador. Notório Saber em Arte reconhecido pela Universidade de Brasília – UnB; Mestre em Arte e Tecnologia pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília – UnB. Profissionalmente, atuou dirigindo diversas instituições culturais: criador e diretor executivo da Fundação Athos Bulcão – Brasília; Secretário Adjunto de Cultura do Distrito Federal (1997-1998); Diretor Cultural do Museu de Arte do Rio – MAR (2016-2019). Um dos fundadores no Rio de Janeiro do Instituto CASA – Convergências da Arte, Sociedade e Arquitetura. Diretor da empresa cultural Lumen Argo Arte e Projeto. Idealizou e realizou nos últimos anos inúmeras exposições de artes visuais em museus e centros culturais, das quais destacam-se: O Rio do Samba – Resistência e Reinvenção – Museu de Arte do Rio-MAR, 2018; Tunga, o rigor da distração, 2017, Museu de Arte do Rio-MAR; Claudio Paiva – O colecionador de Linhas, MAR, 2018; O Poema Infinito de Wlademir Dias-Pino – Museu de Arte do Rio-MAR, 2016; Casa • Cidade • Mundo – sobre arte e arquitetura – Centro Cultural Hélio Oiticica. Rio de Janeiro. 2015; A Experiência da Arte – com obras de Cildo Meireles, Eduardo Coimbra, Ernesto Neto, Paula Trope, Vik Muniz, Waltercio Caldas e Wlademir Dias Pino – CCBB-Brasília – 2014. SESC Santo André – São Paulo 2015; Amilcar de Castro – Repetição e Síntese – panorama da obra do artista mineiro – CCBB-Belo Horizonte 2014; Arte para Crianças –  Museu da Vale, Vila Velha – ES; Museu de Arte Moderna do RJ; Casa das Onze Janelas, Belém; CCBB Brasília; SESC Pompéia, São Paulo; Itinerância de 2006 a 2010; Curador Geral do Espaço Brasil no Carreau du Temple, Paris – Ano do Brasil na França; 2005.

 

Sobre o Centro Cultural Justiça Federal

Espaço reconhecido por incentivar e garantir o acesso da população às diversas formas de expressão cultural, abriga exposições, peças teatrais, espetáculos de dança e de música, mostras de cinema, cursos, seminários, palestras, dentre outras. Vinculado à Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ocupa a antiga sede do Supremo Tribunal Federal na cidade do Rio de Janeiro. A construção do prédio teve início em 1905, como parte integrante do projeto de reformulação urbanística da cidade, então Capital Federal. Projetado pelo arquiteto Adolpho Morales de Los Rios, o edifício é um dos mais importantes testemunhos daarquitetura eclética do país. O STF ocupou o prédio até 1960, quando da transferência da Capital Federal para Brasília. Desde então, a  edificação abrigou o Superior Tribunal Eleitoral, o Tribunal de Alçada e varas da Justiça Federal de 1ª Instancia. Após sete anos de obras de restauração, o prédio foi aberto ao público em 4 de abril de 2001, já como Centro Cultural.

 

 

Primeira individual no Rio

08/nov

 

Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a partir de 10 de novembro, a exposição “Depois que entra ninguém sai”, com obras recentes do artista Thiago Barbalho, que faz sua primeira individual no Rio de Janeiro. Até 28 de janeiro de 2023. Com curadoria de Raphael Fonseca, a mostra reúne desenhos sobre papel em grande formato e sobre tela, e ainda a escultura “Gônadas” (2022), com cerca de 2 metros de altura, feita em isopor estrutural, fibra de vidro, impressão 3D, resina cristal, pigmento e pintura automotiva. Na abertura da exposição, o artista fará uma visita guiada às 19h.

Thiago Barbalho tem despontado no cenário nacional e internacional – fez uma individual em 2018, no Kupfer Project Space, em Londres – com seus desenhos em grandes folhas de papel completamente cobertas por intrincadas formas, feitas com lápis de cor, grafite, pastel, caneta esferográfica, marcador permanente, acrílica, tinta óleo, bastão oleoso, spray e resina. A trama de suas histórias é composta pelo olhar do público. No final do ano passado a Pinacoteca do Estado de São Paulo adquiriu uma obra sua, e também no circuito internacional o artista tem sido reconhecido: ele foi o único artista brasileiro a integrar o compêndio de desenho contemporâneo “Vitamin D3 – Today Best in Contemporary Drawing” (Phaidon, 2021), um conceituado indicador das futuras estrelas da arte.

“Depois que entra ninguém sai” mostra o resultado da pesquisa desenvolvida por Thiago Barbalho nos últimos dois anos, em que dá prosseguimento ao seu interesse pelas relações entre desenho, pintura e cor, em trabalhos que se caracterizam pelo horror vacuum – horror ao vazio – conceito que atravessa a história da humanidade, percorrendo filosofia, arte, religião e até psicanálise. Thiago Barbalho nos convida a contemplar imagens cheias de detalhes. “Sobre as superfícies de diferentes folhas de papel, ele cria aglutinações de situações, figuras, manchas e traços que se acoplam umas às outras. Vistas de longe, essas imagens se destacam pela presença vibrante da cor, ao passo que, vistas de perto, são como uma trama onde prazer, humor, violência e nonsense se irmanam na justaposição de imagens ricas em possíveis interpretações”, escreve o curador Raphael Fonseca no texto que acompanha a mostra.

 

Desenhos sobre tela

Esse período mais recente da produção de Thiago Barbalho é marcado pela sua mudança de São Paulo – cidade em que viveu por uma década após deixar Natal, em 2010 – para o interior do estado, onde está em maior contato com a natureza. É nesse momento que surgem os desenhos em tela que compõem a exposição. Apesar do suporte, esses trabalhos não são pinturas. Thiago Barbalho segue utilizando os mesmos materiais empregados nas obras sobre papel, por vezes acrescentando à tela tecido tingido com pigmento natural. Significativamente menores do que estes últimos, os trabalhos sobre tela mantêm a noção de intimidade do gesto de desenhar.

Ainda sobre este conjunto de desenhos, Raphael Fonseca afirma: “Vemos figuras individuais que, por meio de formas orgânicas e um expressivo uso da cor, se apresentam como retratos ou estudos anatômicos de seres fantásticos. Como em toda a sua pesquisa, os limites fictícios entre figuração e abstração, representação e exploração formal se bagunçam e se plasmam em uma coisa só”.

 

Escultura

“Gônadas”, uma escultura inédita coberta por desenhos, é um desdobramento de “Leite derramado”, obra que o artista expôs em “Rocambole”, exposição coletiva em que suas obras estavam em diálogo com as das artistas Yuli Yamagata e Flora Rebollo, e que foi apresentada em duas ocasiões: em São Paulo, em 2018, e em Lisboa, em 2019. Nesta escultura, Thiago Barbalho experimenta as possibilidades de construção sobre um espaço tridimensional cuja topografia é oposta àquela da planaridade do papel.

A exposição “Depois que entra ninguém sai” é um convite ao público para entrar em contato com o universo visual de Thiago Barbalho. Para Raphael Fonseca, o próprio título da mostra é uma metáfora não apenas do processo de criação do artista, mas também para sua recepção. “Depois que o artista insere algumas formas sobre a amálgama de elementos de suas composições, lá estão elas se relacionando com outros elementos e abertas para o deleite de nossos olhos. De forma semelhante, depois que nosso olhar e corpo adentram o universo proposto por Thiago Barbalho, fica difícil nos esquecermos dele.”

 

Sobre o artista

Thiago Barbalho nasceu em 1984, em Natal, e vive e trabalha em São Roque, São Paulo. Escritor e artista visual, Thiago Barbalho encontrou no desenho um modo de expressão que suplantou uma crise com a palavra. Trabalhando em diferentes dimensões e com diversos materiais – lápis de cor, grafite, spray, óleo, pastel oleoso e marcador sobre papel – suas composições trazem aos olhos do público universos intrincados, em que formas e cores se entrelaçam e embaralham em narrativas psicodélicas capazes de abolir a relação entre figura e fundo. Thiago Barbalho entende o desenho como uma tecnologia ancestral, que atravessa eras e culturas. Sua pesquisa visual vê no desenho o rastro de uma presença e da relação entre a mente – a imaginação -, e o corpo – o gesto -, entre a consciência e a realidade.

Para a crítica e curadora Kiki Mazzuccheli: “Ao trabalhar essencialmente com desenho, Barbalho produz composições extremamente intricadas, porém não planejadas, nas quais uma multiplicidade de imagens, símbolos e campos de cor se fundem umas nas outras para criar superfícies vibrantes ininterruptas”. O aparente caos de suas imagens surge do vagar do gesto que traceja, recusando a submeter-se às lógicas formais ditadas pela racionalidade. De fato, deparamo-nos em seu trabalho com fragmentos diversos, uma profusão de referências de diferentes esferas, conjugando cultura popular nordestina, personagens de desenhos animados, assim como signos e símbolos advindos do universo do comércio e da cultura de massa. Somadas às leituras e pesquisas de Barbalho no campo da filosofia, da antropologia e da mística a partir de seu interesse pelas relações entre matéria e pensamento, seus desenhos instauram um universo visual cuja maior constante é a própria revolução. Dentre suas principais exposições individuais destacam-se: “Correspondência” (2019), na Galeria Marília Razuk, em São Paulo; e “Thiago Barbalho” (2018), no Kupfer Project Space em Londres. Suas principais coletivas recentes incluem: “Electric Dreams” (2021), na Nara Roesler Rio de Janeiro; “AVAF” (2018), na Casa Triângulo, em São Paulo; “Rocambole” (2018), no Pivô, em São Paulo, e na Kunsthalle Lissabon (2019), em Lisboa; “Voyage” (2017), na Galeria Bergamin; Gomide São Paulo; Shadows & Monsters (2017), no Gasworks, em Londres. Suas obras integram coleções como a da Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil.

 

Sobre Nara Roesler

Nara Roesler é uma das principais galerias brasileiras de arte contemporânea, representando artistas brasileiros e internacionais fundamentais, que iniciaram suas carreiras na década de 1950, bem como artistas consolidados e emergentes cujas produções dialogam com as correntes apresentadas por essas figuras históricas. Fundada por Nara Roesler em 1989, a galeria tem consistentemente fomentado a prática curatorial, sem deixar de lado a mais elevada qualidade da produção artística apresentada. Isso tem sido ativamente colocado em prática por meio de um programa de exposições criterioso, criado em estreita colaboração com seus artistas; a implantação e estímulo do Roesler Curatorial Project, plataforma de iniciativas curatoriais; assim como o contínuo apoio aos artistas em mostras para além dos espaços da galeria, trabalhando com instituições e curadores. Em 2012, a galeria ampliou sua sede em São Paulo; em 2014 expandiu para o Rio de Janeiro e, em 2015, inaugurou um espaço em Nova York, dando continuidade à sua missão de oferecer a melhor plataforma para seus artistas apresentarem seus trabalhos.

 

 

Celebração do artista e sua obra

21/out

 

“BARAVELLI 80” é uma exposição organizada pela Fundação Stickel, Vila Olímpia, São Paulo, SP, em colaboração com a Galeria Marcelo Guarnieri que celebra os 80 anos do artista Luiz Paulo Baravelli. Serão apresentadas 57 obras do artista, cada uma correspondente a um dos seus 57 anos de carreira, desde 1965 até 2022. Pinturas, desenhos e relevos que manifestam o seu interesse pela arquitetura, pelo desenho da figura humana e pela pintura de paisagem, e que propõem um diálogo descontraído com a tradição. Para fazer companhia às suas obras, Baravelli convocou “Amigos e Vizinhos”, que segundo ele, foram – e ainda são – seus guias e orientadores ao longo de sua trajetória. Cerca de 200 imagens de obras de arquitetos, artistas, cartunistas e designers apresentados na exposição em formato de vídeo dão conta de aproximar o público visitante ao repertório do artista, que abarca desde uma pintura de Giotto de 1304, uma escultura de Barbara Hepworth de 1943, o still de uma cena do desenho animado “Os Jetsons” de 1962, até uma escultura de Martin Puryear de 2005.

Formado arquiteto e consagrado como pintor, Baravelli experimenta com o espaço tridimensional, tanto no campo físico, como no campo virtual de suas pinturas e desenhos. Em sua obra, as noções de perspectiva, planta, elevação e corte provenientes da linguagem da arquitetura são utilizadas para representar espaços interiores, casas e outras edificações, mas não se restringem ao traço, tornam-se ferramentas para questionar o formato quadrado da tela, dando às suas pinturas um certo dinamismo. É desse modo que elas transitam entre duas e três dimensões e adquirem o caráter híbrido de pintura-objeto. Podem ter contornos reconhecíveis como os de um corpo humano esguio ou contornos estranhos como os de pálpebras gordas e agigantadas que se beijam, contornos redondos que reivindicam seu lugar dentro da tradição do quadro e mesmo os quadrados que abrigam outras quadras e quadrículas dentro dos limites da moldura.

Baravelli compõe em camadas, recorta e sobrepõe referências, estilos, materiais e texturas. Tais operações estão carregadas de um senso de humor que tem permitido ao artista estabelecer uma relação espirituosa com sua obra nesses 57 anos de produção e que se faz evidente nos modos de abordar questões tão diversas como o amor, a história da arte, figuras de poder como políticos e colecionadores, problemas de planejamento urbano e a sensação de tédio de uma noite como outra qualquer. Não são temas, são questões que atravessam a qualquer um de nós, e que no trabalho de Baravelli surgem como comentários inusitados, mas sutis, daqueles que poderiam passar despercebidos em uma conversa com os mais desatentos. Não foi à toa que seus amigos e vizinhos foram convocados a participar dessa exposição, são vozes que ampliam o diálogo, adicionando camadas de significados e abrindo pontes para outras conversas.

Celebramos com alegria os oitenta anos de vida de um artista que dedicou cinquenta e sete anos a uma atividade de tão grande importância para a nossa cultura, formando outras tantas gerações de artistas, alunos, leitores e que é parte fundamental da história da arte de nosso país. E com a mesma alegria, celebramos a oportunidade de termos estado juntos durante os últimos trinta anos. Viva Baravelli!

 

Até 04 de fevereiro de 2003.

 

 

Cartazes italianos na Bahia

20/out

 

Exposição “Triennale di Milano: Uma História em Cartazes” inaugura no Palacete das Artes, em Salvador, BA. Instituto Italiano de Cultura realiza mostra com cerca de 80 cartazes históricos. No limiar do centenário da instituição (1923 – 2023), o Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro e a Embaixada da Itália em Brasília promovem uma exposição inédita, criada com a colaboração da própria Triennale di Milano que, depois de Salvador, percorrerá várias cidades brasileiras. Do dia 21 de outubro a 11 de dezembro, o Palacete das Artes, antiga residência do Comendador Bernardo Martins Catharino, receberá a mostra “Triennale di Milano: Uma História em Cartazes”, sob curadoria de Marco Sammicheli. Entre as disciplinas nas quais Itália e Brasil mantiveram e mantêm um diálogo particularmente frutífero, se encontram sem sombra de dúvida a arquitetura, a arte e o design. A Triennale di Milano, instituição italiana de excelência, desde a sua criação, sempre incentivou o confronto dialético entre esses três campos, bem como estimulou suas relações mútuas com a indústria e a sociedade.

Desde a primeira edição em Monza, em 1923, até 2022, foram realizadas 23 edições da Exposição Internacional Triennale di Milano, com a participação de 66 países dos cinco continentes. A exposição “Triennale di Milano: Uma História em Cartazes” traça a trajetória das exposições internacionais através de obras icônicas da arte gráfica criadas para promover e divulgar o evento.

Aberta ao público, a inauguração contará com a presença de Marco Sammicheli, curador da exposição, de Francesco Azzarello, Embaixador da Itália no Brasil, de Nicoletta Fioroni, Consulesa da Itália em Recife, de Andrea Garziera, Cônsul Honorário da Itália em Salvador e de Livia Raponi, Diretora do Istituto Italiano di Cultura do Rio de Janeiro.

“Um cartaz é, antes de tudo, um suporte informativo, mas é também, e sobretudo, uma declaração pública que tem o escopo de atingir o maior número possível de pessoas e de comunicar no modo mais imediato possível temas e visões. Em vista do centenário da referida instituição, esta mostra pretende percorrer a história das Exposições Internacionais da Triennale di Milano através dos cartazes projetados para cada edição pelos maiores artistas gráficos italianos e internacionais”, afirma o curador, Marco Sammicheli.

Os 80 cartazes expostos, obras exemplares de arte gráfica, assinadas por grandes mestres do século XX italiano e por designers contemporâneos, expressam, tanto em suas constantes quanto em sua originalidade, um encontro sempre em movimento entre pensamento, conceitos éticos e estéticos, e práticas artísticas e produtivas. As peças provêm dos arquivos da Triennale e são assinadas por autores como Enrico Ciuti, Marco Del Corno, Eugenio Carmi, Roberto Sambonet, Giulio Confalonieri, Ettore Sottsass, Andrea Branzi, Italo Lupi, Bon Noorda e Studio Cerri Associati. Os pôsteres selecionados são exemplares muito valiosos tanto da história da Triennale quanto do desenvolvimento da gráfica italiana.

“A vocação para a sinergia interdisciplinar, em nome da criatividade e do know-how italianos, fazem da Triennale di Milano um exemplo particularmente inspirador nos dias de hoje; acreditamos que a Triennale e o Brasil têm muito a trocar e que podem, a partir dos desafios e encontros comuns que já aconteceram no passado, desenhar uma dialética e colaboração renovadas”, diz o Embaixador da Itália no Brasil, Francesco Azzarello.

Segundo Livia Raponi, diretora do Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, “…a Triennale di Milano é um laboratório essencial de reflexão sobre a construção coletiva do presente e do futuro, sempre atento aos desafios do mundo contemporâneo como nos mostram os temas das edições mais recentes”.

Realização: Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro – O Palacete das Artes é vinculado à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia; Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) e Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento da Bahia (IAB-BA)

 

 

 

osgêmeos no CCBB Rio

13/out

 

Depois da exibição em espaços como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, e pelo Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, PR, a exposição retrospectiva da dupla osgêmeos chega ao Rio de Janeiro. A mostra, que aborda a trajetória dos irmãos grafiteiros, encontra-se em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com o nome “Nossos Segredos”.

São mais de 850 itens, entre pinturas, instalações imersivas e sonoras, esculturas, intervenções em site specific, desenhos e cadernos de anotações. A exposição é a primeira retrospectiva de grande porte que examina a produção dos artistas desde o começo da década de 1980 até a atualidade. “Esta é a maior exposição já produzida por eles”, comenta o curador da mostra, Jochen Volz.

O objetivo da mostra é revelar novas visões do fazer artístico d’osgêmeos. Objetos pessoais, como cadernos, fotos, desenhos e pinturas que datam desde a infância dos dois irmãos até hoje são apresentados ao público pela primeira vez, incluindo estudos e obras de arte que precedem em muito seus famosos personagens e lançam luz sobre as raízes de seu surgimento. Influências artísticas e colaborações são expostas ao lado de pinturas e esculturas recentes.

A exposição fica em cartaz no CCBB do Rio até o dia 23 janeiro de 2023.

 

 

O lugar do corpo

07/out

 

A Belizario Galeria, Pinheiros, São Paulo, SP, exibe até 12 de novembro a coletiva “Escrever outros Corpos – Criar outras Margens”, com Estêvão Parreiras, Laura Gorski, Marcelo Solá, Raquel Nava, Stella Margarita e Sara Não Tem Nome + Juliana Franco, Rafael Abdala, Victor Galvão, composta por 32 trabalhos que “apresentam múltiplos desafios e fricções que visam interrogar o lugar do corpo”, como define a curadora da mostra Bianca Dias.

De acordo com o conceito curatorial pelo qual optou Bianca Dias, os diversos trabalhos, com técnicas distintas suportes múltiplos, “visam investigar o corpo num movimento que vai desde a pulsação visual e onírica, passando pela dimensão da animalidade e do feminino. O corpo será pensado além de si, ocupando o espaço circundante e interagindo com outros corpos e os seus prolongamentos”.

Os desenhos de Estevão Parreiras, com traços exatos e formas estruturantes, transmitem sua forma de comunicação com o mundo, uma vez que para o artista, desenhar é como escrever. “O desenho é a maneira pela qual Estevão habita seu próprio corpo e o mundo. No universo de seus desenhos, as paisagens surgem estrangeiras e como emissárias de outro mundo, paradoxalmente impregnadas de uma realidade ambígua”, diz a curadora. Já nos traços de Laura Gorski, o corpo ocupa o centro do trabalho. “A partir de técnicas diversas com pigmentos, texturas e espessuras distintas, a artista inclui no seu trabalho a transfiguração do visível através da relação com a terra e seus frutos e ecos”, diz Bianca. As obras de Marcelo Solá agrupam arquiteturas fantásticas e bichos que, através do desenho e da serigrafia, são aplicados numa sistemática sem fim. Animais e formas arquitetônicas muito singulares se embaralham e conduzem a espaços atemporais. Os trabalhos de Raquel Nava, compostos por objetos do cotidiano e partes de animais, dialogam com a pintura e se desdobra em experiências diversas, sinalizando o interesse por questões corpóreas e de natureza material. Já para Stella Margarita, sua pintura “se ancora numa tentativa de fuga às margens da representação, encontrando ritmo em plena queda. A dimensão do acontecimento surge nas entranhas do inconsciente e, por isso, fascina, encanta e causa certa perplexidade”, explica a curadora.

Fechando a seleção curatorial, um coletivo experimental entre quatro artistas – Juliana Franco, Rafael Abdala, Sara Não Tem Nome e Victor Galvão – criam a série de fotografias “Apneia”, onde na série de obras densas e monocromáticas possui um último registro imagético com uma sutil abertura para a “cor”, ainda que sutil, do mesmo corpo capturado em movimento suspenso. “O diálogo que acontece nesta exposição se dá por vibração e contágio. Em uma zona fronteiriça – um espaço tão visível quanto invisível – o conjunto de obras forja um corpo que produz devires em potencial.” Bianca Dias

Sobre a curadora

Bianca Dias é psicanalista, escritora, ensaísta e crítica de arte, atua no território multidisciplinar da psicanálise, literatura, filosofia, teoria e prática artística. Mestre em Estudos Contemporâneos das Artes pela Universidade Federal Fluminense – UFF (2017). Especialista em História da Arte pela Faculdade Armando Alvares Penteado – FAAP (2011). Graduada em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES (2002). Fundou e coordenou o Núcleo de Investigação em Arte e Psicanálise do Instituto Figueiredo Ferraz – IFF(Ribeirão Preto/SP 2012-2015). Participou do grupo Redes de Pesquisas Escritas da Experiência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Co coordena o Projeto de Cinema e Psicanálise Cine-Cult USP Ribeirão Preto, em parceria com o Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade – CLIN-A.

Sobre a galeria

A Belizário Galeria, com sede no bairro de Pinheiros em São Paulo, é o resultado de uma parceria entre Orlando Lemos, José Roberto Furtado e Luiz Gustavo Leite. Sua proposta visa se apresentar como uma opção adicional de participação e visibilidade da produção de artistas emergentes e consolidados no panorama da arte contemporânea brasileira no circuito paulistano de cultura. A galeria se junta ao movimento que busca promover horizontes que estabeleçam novos meios de redirecionar e ampliar o mercado de arte, pensando nas diferentes trajetórias e produções artísticas que o compõe. Assim, visando a fomentação da diversidade cultural intrínseca na contemporaneidade, serve de palco para artistas novos e estabelecidos, nacionais e estrangeiros, em parcerias com curadores que também estejam imbuídos do mesmo propósito. Na Belizário Galeria, procura-se atender a um público que busca a aquisição de trabalhos artísticos e, também, a criação e fomento de novas coleções. O seu acervo é composto por diferentes temas e estéticas, mediante o universo poético de cada artista. Seu repertório abrange trabalhos artísticos de diferentes linguagens, suportes, técnicas e mídias como desenho, escultura, fotografia, gravura, pintura, objetos, instalação e outras.

 

 

Frenhofer Retratado

 

O artista visual Carlos Matuck exibe até 12 de novembro no Atelier Galeria Priscila Mainieri, Vila Madalena, São Paulo, SP, série de pinturas e desenhos sob a títulação geral de “Frenhofer Retratado”.

Labirinto evoca o aflitivo sem saída. Os labirintos propostos pelas pinturas e desenhos de Carlos Matuck, porém, invertem essa noção: neles o difícil é entrar e, uma vez lá dentro, não se quer sair. O prazer do passeio por suas galerias e câmaras é semelhante ao proporcionado por uma história bem escrita. O que faz sentido, pois Frenhofer, retratado em todos os 63 trabalhos da exposição, é personagem central da novela A Obra-Prima Ignorada (Le chef-d’oeuvre inconnu), de Honoré de Balzac, publicada em 1831 e revisada em 1837, edição em que Frenhofer, ao final…

O fictício Mestre Frenhofer, alma romântica deslocada por Balzac para o início do século XVII, ecoa Pigmaleão e prenuncia Gepetto: apaixona-se perdidamente por Catherine Lescault, musa-mulher-quadro jamais concluído que pinta às escondidas ao longo de dez anos, sempre angustiado. O pintor inventado é discípulo do existido Mabuse (1478-1535) e contracena com seus colegas, também reais, Poussin (1594-1665) e Porbus (1570-1622).

As questões sobre arte e pintura por eles discutidas atingem o ápice quando, após muitas negociações, Frenhofer finalmente permite que Porbus e Poussin conheçam Catherine, que não existe a não ser na pintura A linda pentelha – assim intitulada pelo próprio Mestre. Para supresa dos dois, no quadro não conseguem ver nada além de “cores confusamente espalhadas umas sobre as outras, contidas por uma multidão de linhas bizarras que formam uma muralha de pintura”. Identificam apenas, num dos cantos, um pé, um delicioso pé, um pé vivo que emerge da caótica neblina, preservado da destruição. Como enuncia Teixeira Coelho, “Balzac escrevia uma alegoria ambígua e indecisa, por isso fascinante, do surgimento se não da arte moderna e contemporânea, pelo menos do artista moderno e contemporâneo.”

Tais questões refletem o que muitos artistas investigavam na pintura e na literatura produzidas na primeira metade do século XIX e, anacronismos à parte, muitas delas adiantando-se as que serão tratadas por Monet, Manet, Cézanne, Picasso, e ainda rondarão as pinturas abstracionistas-expressionistas e neoexpressionistas da segunda metade do século XX. Esse manancial de referências visuais, somado a ensaios filosóficos, literários e à reclusão pandêmica orientaram os três últimos anos de pesquisa e produção de Carlos Matuck, inaugurando, muito provavelmente, a fase madura de um trabalho iniciado há 50 anos.

Os quadros, feitos com tintas acrílicas sobre papel – utilizando penas de metal, de vidro, de madeira, pincéis de variados tipos e procedências, esponjas etc. – posteriormente montados em telas de acordo com rigorosos padrões de conservação, seguem procedimentos sui generis que combinam paradoxalmente jorros de pintura e controle técnico.

As referências, pontos de partida anteriormente fotográficas, são agora obras de pintores mencionados na novela e por seus inúmeros comentaristas – entre outros Adão e Eva, de Mabuse; Ninphe Surprise, de Manet; Estudo para Maria Magdalena, de Rubens. Tais imagens são trabalhadas de maneira tal que, restando vagamente aludidas, trazem, em sua carne, possíveis retratos de Frenhofer e, em sua pele, Catherine Lescault e Gillete, outra personagem-chave da novela. E, não raro, um pé.

Em relação às fases anteriores do percurso de Carlos Matuck essas pinturas abandonam um certo quê caricatural, mas de forma alguma renegam o humor. Também guardam a produção seriada (a seleção para a exposição foi feita a partir de acervo de aproximadamente 150 obras), evocando, em paralelo ao que escreve Barthes sobre fotografia, a ideia de linhagem, a busca, pela insistência, de uma alegoria da persistência da espécie. Ao mesmo tempo, há o comum entre os elementos constituintes das séries, o que oferece ao vedor o prazer da busca de enigmáticas diferenças entre iguais, acirrando a disputa entre o olhar e o ver. Ainda outros movimentos derrogatórios podem ser observados na série de desenhos e aguadas monocromáticas também exposta em Frenhofer Retratado.

São feitos em papéis impressos, uns sobre páginas de enciclopédias antigas, outros sobre mapas. O que não mudou foram os cuidados de conservação, desde o tratamento de limpeza e prevenção de fungos dos papéis antigos até a aplicação de vernizes protetores. Mudou sim a seleção das páginas e mapas a serem combinadas entre si, que agora foram escolhidas em função do que nelas houvesse para estruturar visualmente os retratos de Frenhofer, e para combinar ou gerar conflitos entre significados. Em um mapa uma ilha surgere uma boca, em outro uma península parece um bigode… Carlos Matuck os vai justapondo de modo a estruturar um rosto. Sobre essa estrutura lança traços e manchas de modo aparentemente aleatório, sempre tendo em mente e à vista referências pertinentes ao universo frenhoferiano: Rembrandt, por exemplo, está presente em vários dos trabalhos. Mais uma vez, são simultâneas as alusões ao próprio retratado, à Catherine e à Gillete, que compõem juntamente com arquipélagos, besouros e outros que tais rostos que olham profundamente de volta a quem se der ao trabalho de os ver. Assim são os labirintos de Frenhofer Retratado. Quem quiser neles penetrar ganhará, de brinde, um brinde com o Minotauro.

 

 

Exposição de Diogo Santos

06/out

 

A galeria samba arte contemporânea, São Conrado, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a primeira exposição individual do artista carioca Diogo Santos no Rio de Janeiro, “Vigésima terceira carta”. Em sua primeira exposição individual na cidade, o artista apresenta pinturas, esculturas, gravuras, desenhos e uma instalação, que partem de elementos das fábulas infantis, dos games e dos quadrinhos para retratar um mundo imaginário melhor. Serão apresentadas 25 obras inéditas, produzidas entre 2018 e 2022. Os trabalhos partem da inquietação do artista diante da percepção de um mundo, com uma sociedade desigual, que parece caminhar para a autodestruição, e retratam um ambiente utópico mágico, mais justo e igualitário. Anna Bella Geiger e Victor Arruda assinam os textos críticos da exposição.

Diogo Santos se apropria de elementos das fábulas infantis, do imaginário acerca dos games e dos quadrinhos, do ambiente da casa, do lar, criando uma atmosfera lírica e acolhedora. Seres fantásticos, utopias, armas místicas, elementos do imaginário brasileiro, mesclados a personagens de fotografias que o artista adquiriu em feiras de antiguidades, estão presentes nos trabalhos. “Aceito todas as referências, sem julgamento, para formar esse mundo lírico, mágico, que passa pelo universo da casa, do aconchego, do lar e da família”, conta o artista. Curiosamente, assim como eu, Diogo Santos teve uma formação acadêmica na área da literatura. Destaco esse aspecto em comum porque percebo questões de narrativa em suas obras, refletidas também nos próprios títulos, que promovem um diálogo entre texto e imagem, e levam a uma inquietação e uma busca de significados, afirma a artista Anna Bella Geiger no texto que acompanha a exposição.

Obras em exposição

 

Um dos destaques da mostra é a instalação “Voltar ao lugar de origem” (2018), composta por 300 pequenas latas, com 0,5cm de diâmetro cada, dentro das quais estão pinturas, desenhos, esculturas e fotos. “São pequenas memórias, que formam um mapa da cultura, o que somos, falam sobre os afetos, as esperanças, os pequenos rastros que nos constituem enquanto indivíduo e nossa posição diante da sociedade, do poder e do medo”, conta o artista, que acrescenta que esta instalação “tende ao infinito, pois sempre será possível acrescentar mais elementos”. A instalação será colocada propositalmente no chão, para que as pessoas precisem se abaixar para ver, aproximando-as do mundo infantil. Pinturas em grandes dimensões, estarão lado a lado com obras de menor tamanho. Vestígios e símbolos que transitam silenciados em sonhos, jogos, brincadeiras infantis e ficção são apresentados em obras como “Labirintos de utopia”, construindo um jogo poético com diversas influências, que vão desde os quadrinhos e o videogame até a filosofia e a literatura. Da série “As bandeiras de meu País”, produzida em 2022, são apresentadas três pinturas sobre tecido, que ressignificam as fantasias advindas do imaginário medieval, apontando para novos mundos utópicos. Também fazem parte da exposição cerca de 25 desenhos da série “Levar o Monstro para Casa”, produzidos entre 2019 e 2020; com líricos traços em nanquim e aquarela, nos quais são mostrados a perplexidade do mundo infantil diante do atual momento histórico em que as opressões políticas, sociais e ambientais se contrastam com sonhos, promessas e lutas. Completam a mostra três pinturas em grande formato (1,90m X 1,60m) da série “Mais do que apenas desejar o Infinito”, ganhadoras do 3º prêmio do 13º Salão dos Artistas Sem Galeria (2022), duas linóleogravuras únicas e duas esculturas inéditas em bronze e cerâmica, que representam seres quiméricos que jogam luz sobre a dicotomia entre as forças do mágico e do real, o passado e o presente, a opressão e a esperança. Haverá, ainda, a obra “Tomei Morada em Anor Londo”, um conjunto constituído por um altar e peças que dialogam com os arquétipos do tarô e o zine, com poemas da série “Glória ao Sol e ao Deus Sombrio”, gravado em uma chapa de latão de 29cm x 42cm. O título da exposição, “a vigésima terceira carta”, tem a ver com o jogo de tarot, mas em referência a uma carta imaginária e que não existe no jogo tradicional.

Eventos em torno da exposição

 

Ao longo do período da mostra, serão realizados diversos eventos relacionados:

No dia 15 de outubro, Diogo Santos fará o workshop de desenho “A poética da criação”, na galeria samba.

No dia 22 de outubro, haverá uma conversa na galeria entre os artistas Diogo Santos e Victor Arruda.

No dia 29 de outubro, será realizado o finissage da exposição com o lançamento do “Livro de artista”, um fac-símile dos cadernos de estudo de Diogo Santos, que virão acompanhados de uma gravura, uma história em quadrinhos original e uma cópia impressa do poema gravado em latão.

Sobre o artista

 

Diogo Santos é multiartista visual, poeta e educador. Doutor em Poética pela UFRJ (2011), graduado em Letras Português/Literaturas (2004), e Mestre em Literatura Comparada (2007) pela mesma instituição. Paralelamente, desenvolveu seus estudos na área de artes visuais com passagens por instituições como: IART-UERJ, Sesc, Centro Cultural Calouste Gulbenkian e EAV – Parque Lage. Foi coordenador do festival online Parada Fotográfica: Cartografias Insurgentes (2021) e curador da exposição 100tenário Fayga Ostrower (Galeria Candido Portinari, 2022). Dentre suas exposições estão as individuais Memórias Transeuntes (Sesc – 2019) e Até a Última Sílaba do tempo (FAN Niterói -2016) e as coletivas Festival Internacional de Arte Urbana – Paratissima, Lisboa (2016), Gravura – Novos Rumos (Sesc, 2020) e do 13º salão dos Artistas Sem Galeria, organizado pelo Mapas das Artes e realizado nas galerias Zipper e Lona, em São Paulo (2022), entre outras.

Até 29 de outubro.

 

 

Na Galeria São Paulo Flutuante

 

Ter um olhar atento para novos artistas sempre foi uma marca de Regina Boni desde a sua época na Galeria São Paulo. Desde que abriu a S P Flutuante em fevereiro de 2021, não foi diferente. Já se foram cinco exposições e, agora, o amplo galpão na Barra Funda recebe dois jovens nomes. O paulistano do Capão Redondo R.Trompaz e a sergipana Fabiana Wolf. Primeira individual de ambos em galerias, eles se identificam nas linhas, na intensidade de preencher os espaços de suas plataformas, as intersecções das ideias entre o social, a periferia, o feminino e a urbe. Enquanto R.Trompaz, de 33 anos, explora a cidade andando quilômetros a pé, Fabiana deixou Aracaju aos 18 anos para tentar a vida de artista na capital paulista. Ele se formou em Design Gráfico na Belas Artes. Fabiana começou e deixou cerca de seis faculdades.

Admirador de Lívio Abramo e Artur Barrios, R.Trompaz produziu muito em PB, mas para a exposição que seguirá até 24 de novembro ele colocou cores nas obras. Serão 20 no total, de desenhos com caneta ponta de feltro  a pintura em acrílica e verniz acrílico com pigmento em pó, processos de reprodução negativados nos quais usa  uma técnica de guache sobrepondo com nanquim. R.Trompaz utiliza a arte como meio de expressão e crítica social, principalmente por meio do projeto Segregação Social Geograficamente Escancarada (SSGE). “É a minha concepção de um fazer sobre a condição de vida das periferias e suas contradições”, comenta.

Com 26 anos, Fabiana realiza seus trabalhos em um ateliê no bairro do Cambuci e exerce o seu fazer artístico e político em grandes telas que chegam a 5 metros utilizando técnica mista, giz, pastel oleoso, seco e tinta acrílica. Para essa mostra na São Paulo Flutuante ela pretende levar de 10 a 12 trabalhos, todos realizados ao longo de 2022, portanto inéditos.

A palavra dos curadores

Para Regina Boni, curadora e proprietária da SP Flutuante, o trabalho de Fabiana emociona: “Já comecei a redigir o texto curatorial algumas vezes, mas me deparo muito mais com uma emoção profunda do que qualquer categorização ou análise teórica”. “Acho o trabalho da Fabiana extremamente maduro para uma jovem artista. Não tenho dúvida sobre o caminho promissor que ela terá. Para mim, é muito claro”, complementa Regina.

Já para Manu Maltez, artista visual, músico e co-curador da galeria, o trabalho de R.Trompaz é quase uma síncopa de notas sobre a pauliceia e suas discrepâncias: “R.Trompaz cria um abcdário próprio. Usa dos signos para produzir um dialeto das ruas, sobrepondo elementos gráficos. É uma partitura. Quando olho para os seus quadros é como se sentisse ruídos saindo deles”, analisa. “Quando estava elaborando o material gráfico a ligação poética entre os dois artistas ficou evidente. São artistas densos, trabalham com o excesso, ambos têm a denúncia presente em suas obras mas trazem ao mesmo tempo um primor estético,  uma inesperada leveza; alcançam uma beleza inusitada. São as contradições da arte, por isso ela existe, resiste”, afirma Manu Maltez.

A palavra dos artistas

“Conheci o trabalho da Fabiana agora no momento da produção e fiquei feliz, pois a linguagem conversa bastante comigo quando você foca nos detalhes, no preenchimento. Tenho horror a espaços vazios. Acho que ela também”, diz R.Trompaz.

“Meu trabalho reflete muito da minha busca interna e política. A política é importante na minha vida. Ela se apresenta na obra. Sobretudo uma revolta muito presente. Fiquei feliz de imediato quando vi o trabalho do R.Trompaz. Se as nossas linhas se cruzam nos processos de intersecção, nossa poética fala alto dentro de um viés de insurgência”, avalia Fabiana.