Inéditos de Afonso Tostes

14/mar

 

 

 

A Mul.ti.plo Espaço Arte, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, inaugurou no exposição individual de Afonso Tostes. Conhecido por suas esculturas em madeira descartada, na mostra “As coisas que ainda existem” Afonso Tostes apresenta cerca de 16 trabalhos inéditos, incluindo peças esculpidas sobre carvão, material extremamente instável. As novas obras, criadas durante a Pandemia, trazem reflexões sobre os impactos ambientais causados pelo homem, remetendo a queimadas, mudanças climáticas, extinção de espécies, etc. Nas peças apresentadas, além de madeira e carvão, entram também ferro e papel. A exposição permanecerá em cartaz até 29 de abril.

Sem apresentar-se individualmente no Rio de Janeiro desde 2015, na atual mostra da Mul.ti.plo, Afonso Tostes traz exibe três esculturas de grande formato, sete objetos de parede sobre tela e seis desenhos sobre folhas de dicionário, divididos em três séries. “Trabalho sobre o que já existe, coisas descartadas por aí, que sofreram a interferência da mão humana. Me interessa a relação do homem com seu entorno, com a natureza. Não falo apenas da relação com o meio ambiente, mas também das relações pessoais, das nossas expressões visíveis e invisíveis”, explica Afonso Tostes.

A série com carvão é composta de cerca de sete objetos de parede sobre tela, de 40x50cm cada um. O trabalho começou com a coleta de restos de árvores carbonizadas em uma queimada na região de Visconde de Mauá. Depois, ele encontrou numa rua de Copacabana um dicionário ilustrado da década de 1960. “Tinham várias reproduções de pinturas da natureza, uma catalogação das espécies. Comecei a confrontar essas duas ideias e daí nasceu a série, que junta carvão esculpido com ilustrações de borboletas, peixes, aves, roedores, insetos e mamíferos”, explicou o artista.

Em outra série, utiliza as folhas da enciclopédia como base para desenhos feitos com pigmentos de pó residual de madeira, recolhido em seu próprio ateliê. Essas obras medem entre 210x100cm e 60cmx40cm. Para completar a mostra, Afonso Tostes apresenta também esculturas feitas a partir de galhos, amarrados, de 202cmx60cm. “Com uma linguagem potente e singular, as obras de Afonso nessa exposição falam da precariedade humana. Os trabalhos são sofisticados, e carregam uma certa melancolia da hora, um sentimento de fragilidade da vida, dessa capacidade que temos de destruí-la mas também de transformá-la em poesia”, assinala Maneco Müller, sócio da galeria.

 

Sobre o artista

Afonso Tostes nasceu em 1965, na cidade de Belo Horizonte, MG. Sua trajetória artística teve início em sua cidade natal, onde cursou a Escola Guignard (UEMG). No final dos anos 1980, transferiu-se para o Rio de Janeiro, voltando-se para o estudo do suporte bidimensional – posteriormente acompanhado por uma vasta produção escultórica com madeiras encontradas nas ruas. O interesse do artista volta-se para o alcance de métodos simples a partir desses materiais descartados, desenvolvendo esculturas aparentemente despojadas de complexidade estrutural e que carregam no corpo os sulcos e as marcas dos usos anteriores. Em sua obra, opta quase sempre por materiais que já tenham passado por algum processo de utilização. Sua prática também propõe experiências sensíveis nascidas de um olhar crítico para o mundo. Afonso Tostes vive e trabalha no Rio de Janeiro.

Magliani, restrospectiva na Fundação Iberê Camargo

10/mar

 

 

A artista visual Maria Lidia Magliani será homenageada pela Fundação Iberê Camargo com uma grande exposição que aborda 50 anos de produção.

“Não separo a artista da pessoa. Sou toda um mesmo nó – minha escolha é pintar, não saberia como ser de outro modo. Aparentemente fiz e faço muitas outras coisas, na verdade, todas partes de uma só, a pintura.” (1987)

No dia 19 de março, sábado, às 14h, a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, inaugura uma grande e inédita exposição de Magliani (1946-2012). “Magliani” reunirá cerca de 200 obras provenientes de mais de 60 coleções, incluindo os principais museus do Brasil como Museu de Arte do Rio, Museu Afro Brasil, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAC-USP, MAC-RS, Museu de Arte de Santa Catarina, MARGS, Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (Pelotas) e Fundação Vera Chaves Barcellos (Viamão). Com curadoria de Denise Mattar (SP) e de Gustavo Possamai (RS), a mostra inclui trabalhos desde a época de estudante – início dos anos 1960 – até 2012, ano de seu falecimento.

“A obra de Magliani é um desafio. Não é uma arte fácil, é feita para incomodar, para fazer refletir. A artista estava interessada nas questões humanas, nas relações entre os seres, nos problemas e no sofrimento inerente à existência: o desencontro, o desamor, a hipocrisia da sociedade, o medo da solidão. A apresentação de seu trabalho na Fundação Iberê Camargo, torna inevitável o paralelo com o pintor. Em 1993, Iberê disse: “Eu não nasci para brincar com a figura, fazer berloques, enfeitar o mundo. Eu pinto porque a vida dói”. Uma frase que poderia ser de Magliani, que, em 1997, escreveu: “Eu gostaria de dizer às pessoas que veem os meus quadros: !Sinto muito senhores, não é agradável’”, destaca Denise Mattar, que conheceu Magliani em 1987 quando era diretora técnica do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e a artista participara do Panorama de Arte Atual Brasileira. Mais tarde, em 2004, a curadora reencontrou a artista no Rio de Janeiro, onde fez a apresentação da exposição “Trabalho Manual”.

Como lembra Gustavo Possamai, responsável pelo acervo da Fundação Iberê Camargo: “Magliani foi uma artista rara e merece todo reconhecimento. Por isso, garimpamos e reunimos o máximo de obras possível, sem medir esforços. Promovemos a restauração de muitas delas, reunimos escritos e depoimentos seus e de quem escreveu sobre seu trabalho, revisamos e ampliamos sua cronologia. É nossa forma de contribuição para a redescoberta de seu trabalho.” Possamai conta que, durante o processo de pesquisa, foi encontrada uma carta de Iberê Camargo para Magliani, datada de 1992, na qual o pintor escreveu: “Nós dois temos a mesma meta, o mesmo ideal, a mesma devoção. Haveremos de deixar nossos rastros neste chão em que nascemos.” Um depoimento precioso que reitera a oportunidade dessa exposição.

“…pinto a solidão no meio da cidade… a solidão do consumo”

Nascida em 25 de janeiro de 1946, em Pelotas, RS, Magliani passa a residir com a família em Porto Alegre, com 4 anos de idade. As informações sobre a família são esparsas. Seu avô era italiano, decorador de paredes; o pai servidor público e a mãe era do lar. A artista, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pela família, desde a adolescência gostava de ler, ouvir música, cinema, teatro, desenhar e de pintar.

Magliani formou-se em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS, mas se autodenominava pintora: “…artista plástico faz muita coisa; eu só pinto, desenho, gravo, tudo derivado da pintura”. Apesar da afirmação, ainda na década de 1960, trabalhou em teatro, ilustrando capas de programas, fazendo cenografia e atuando em peças, como “As Criadas” (1969), de Jean Genet, “A Celestina” (1970), de Fernando Rojas, e “O Negrinho do Pastoreio” (1970), de Delmar Mancuso, nesta última como protagonista. A artista também se interessava por moda, e apreciava customizar, costurar e tricotar o que vestia.

Outra área de atuação foram os jornais, onde trabalhou, nos anos 1970, como diagramadora e ilustradora, ofício retomado em algumas mudanças de cidade posteriormente. Os jornais foram Folha da Manhã, Diário de Notícias, Zero Hora e Folha de São Paulo, entre outras participações e ilustrações.

Magliani deixou de residir em Porto Alegre em 1980, morou em São Paulo, em Tiradentes, Cabo Frio e no Rio de Janeiro, mas nunca se desligou nem de Porto Alegre e nem de sua terra natal, Pelotas, realizando regularmente exposições nessas cidades.

Sua produção é intensa e vigorosa e a exposição apresenta um panorama bastante consistente de seus trabalhos. A mostra é complementada por uma publicação dividida em dois volumes: o primeiro concebido como um catálogo de obras, e o segundo reunindo entrevistas e textos de Magliani, cartas, textos sobre ela de autores como: Carlos Scarinci, Teniza Spinelli, Celso Marques, Angélica de Moraes, Maria Amélia Bulhões, entre outros.

Reunindo um volume significativo de obras, a exposição apresenta trabalhos de todo o percurso de Magliani, organizados de forma cronológica e mostrando as alterações que sua obra foi sofrendo ao longo dos anos. Para compartilhar com o público a instigante personalidade da artista e sua multiplicidade, o trajeto da mostra é complementado com algumas frases e fotos da artista em vários momentos de sua vida. Na sequência são apresentadas pinturas do início de sua carreira, de 1964 a 1967, caracterizadas por um clima melancólico e lírico, com a inserção das frases poéticas riscadas sobre a tinta: “A espera do canto”, “O mesmo corpo com som de primavera”, “Autoretrato na nuvem”, “Eu tenho a flor”, e “Eu sou a inútil pureza nascida de dois silêncios” são algumas delas.

Em 1968 há uma mudança significativa na obra da artista, na qual ela se descreve como uma “delatora do desencontro”. É uma fase de passagem, influenciada pela pop art com trabalhos, como “Segundo canto para o amigo triste” e “As portas fechadas da cidade”. Um período difícil da Ditadura militar e a convivência com a Censura nas redações influencia a obra de Magliani. Seu repertório torna-se mais drástico, e, em 1976, ela faz a exposição “Anotações para uma história”, no MARGS. Foi um choque! A sociedade gaúcha não estava preparada para o que viu. No ano seguinte, levou ainda mais longe sua proposta realizando a série “Ela”, com grotescas mulheres seminuas, imensamente gordas, que ela considerava uma espécie de retrato interior da humanidade, e dizia: “Minha intenção é fazer a figura sair da tela, se derramar por cima da gente, sufocando”. A série, muito bem representada na retrospectiva, chamou a atenção dos críticos Jacob Klintowitz e Marc Berkowitz e foi determinante para a mudança da artista para São Paulo. Antes de ir embora, realizou na Galeria Independência, em Porto Alegre, a exposição “Brinquedo de armar”, reunindo desenhos e pinturas, sobre as quais dizia: “Acho que a mulher é o brinquedo mais armado e desarmado constantemente. Mas considero que todo mundo é, ou pode ser, um brinquedo de armar.”

O período de 1980 a 1988, o mais marcante da carreira da artista, coincide com o tempo em que ela residiu em São Paulo. Lá produziria as séries “Retratos falados”, “Crônica do amanhecer” e “Discussões com Deus”. Abandonando os tons sépia, passa a usar cores vibrantes e ácidas; mescla lápis de cor, de cera, pastel, grafite e até materiais de maquiagem, como corretivo e delineador, e muda o tratamento da pintura, usando a tinta acrílica e adotando pinceladas ágeis e gestuais, como traços de desenho, num processo que imprime movimento ao trabalho. É um momento no qual a obra de Magliani conversa de perto com a de Francis Bacon, atingindo o ápice de contundência e visceralidade da pintora. Retorcidos e distorcidos, corpos e rostos se desfazem e refazem, em movimentos bruscos.

Seus trabalhos são apresentados no Panorama do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Bienal Internacional de São Paulo, e, em 1987, Evelyn Ioschpe promove no MARGS uma mostra de caráter retrospectivo: “Auto-retrato dentro da jaula”. Dez anos depois Magliani foi acolhida pelo público de sua cidade como uma estrela, a mais importante artista gaúcha de sua geração. O público poderá ver novamente todas essas séries, hoje integrando coleções de museus como Pinacoteca do Estado de São Paulo, MAM-SP e MAC-USP.

Em 1989, ela já estava cansada da violência e da poluição e queria fazer pinturas em um lugar mais tranquilo. Escolheu a pequena e histórica Tiradentes, MG. Lá, suas pinturas revelaram a solidão das montanhas, retomando os tons terrosos, nas séries “Em Gerais”, “Madrugada insone” e “Acumulações”. A artista também desenvolve, nesse período, uma série de cabeças, que são esculturas em madeira e papier machê.

Em 1997, mais uma mudança, agora para o Rio de Janeiro, mais especificamente o bairro de Santa Tereza. Passou a frequentar o Estudio Dezenove, onde conhece o artista Julio Castro.

Em 1999, Magliani retornou a Porto Alegre, onde ministrou algumas aulas e oficinas de pintura e papier machê. A passagem pela capital gaúcha durou um ano. No ano 2000 voou para o Rio de Janeiro. Com tantas mudanças a produção de Magliani diminui, mas há séries marcantes nesse período: “Acumulações” e “Alfabeto”, trabalho que deriva para as figuras recortadas das séries “Retratos de Ninguém” e “Todos”. A partir de 2009 é intensa sua produção de gravuras, impressas no Estudio Dezenove. “Um dos sonhos”, “Fábula”, “Da noite” e “O poeta” são algumas delas. Curiosamente, ao lado desse mergulho no universo monocromático, denso e expressionista da gravura, Magliani desenvolve a série mais colorida e lúdica de toda a sua carreira. São pinturas realizadas em estridentes cores acrílicas, recortes em madeira e objetos. Uma parte desse conjunto, sob o título “My baby just cares for me”, apoiada em gravação da cantora Nina Simone, foi apresentada em exposição individual no Museu Imaginário, em Bruxelas, Bélgica.

Todos esses momentos, apresentados em conjunto, revelam com clareza a excelência da obra de Maria Lídia Magliani, que começa a ser redescoberta também internacionalmente.

Magliani humanista

Apesar de pessoalmente engajada na luta pelos direitos humanos, Magliani não admitia que sua obra fosse interpretada como política ou identitária. Era intransigente nessa questão. São muitas as declarações dela a esse respeito. “Meu interesse é pelo que as pessoas sentem, não pelo que elas pensam […] Tenho preocupação com a vida, com a humanidade em geral. Nada a ver com raça específica, religião, nada. Uma coisa que é comum a todo mundo. A essência humana é igual para todos. O que interessa é isso. Todos os outros acréscimos: nacionalidade, cor, ideologia, credo, preferência sexual, time de futebol, tudo isso é acessório.”

Dentro dessa atitude de defesa da autonomia da sua obra, acima de qualquer circunstância, está também a rejeição a todo tipo de abordagem referenciando seu trabalho à Negritude. “Por que sempre me perguntam como é ser negra e ser artista? Ora, é igual ao ser de qualquer outra cor. As tintas custam o mesmo preço, os moldureiros fazem os mesmos descontos e os pincéis acabam rápido do mesmo jeito para todo mundo.”  A posição de Magliani sempre foi candente nessa questão, e ela afirmava, desassombradamente, que era contrária a guetos. Na publicação da UFRGS, “Nós, os afro-gaúchos”, de 1997, fez a seguinte declaração, quase um manifesto: “Sou brasileira, nascida no Rio Grande do Sul. Isto é o bastante. Não quero escolher uma raça em função da cor da minha pele. Não quero ser fatiada, dividida em porções, me aceito como soma.”

Uma lutadora, sem medo de desafios, que, entre divertida e séria, dizia: “Minha mãe falava: ‘Não se pode dar um passo maior que as pernas.’ Então vou ficar sentada, não vale a pena caminhar? Qual é a graça? Dar um passo maior que as pernas sempre. Romper expectativas, e os estereótipos principalmente.” Maria Lídia Magliani faleceu em de 21 de dezembro de 2012, no Rio de Janeiro, vítima de uma parada cardíaca.

 

Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil

23/fev

 

 

A exposição reflete sobre a noção de “arte moderna” no Brasil para além da década de 1920 e do protagonismo muitas vezes atribuído pela história da arte a São Paulo. Para tal, são reunidas obras de um arco temporal que vai do final do século XIX a meados do século XX, além da essencial presença de artistas que desenvolveram suas pesquisas em diversos estados brasileiros.

O título da exposição é inspirado em antigas casas de Belém do Pará, com fachadas elaboradas pela justaposição de azulejos quebrados, formando desenhos geométricos angulados e coloridos. Conhecido como “raio que o parta”, este estilo arquitetônico foi influenciado pelo modernismo nas artes plásticas, em uma busca por superação dos modelos neocolonial e eclético, vistos pela elite paraense como ultrapassados. O modismo deste novo estilo não se restringiu às elites locais, sendo logo apropriado por outras camadas da sociedade, que popularizaram a nova arquitetura pelos bairros de Belém do Pará, a partir da década de 1950.

Ao articular a noção de modernidade com o território brasileiro, a exposição “Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil” pretende repensar a centralidade desse evento que ficou marcado na escrita da história da arte no país, a partir de uma ampliação não apenas cronológica, mas também geográfica. Trata-se de um projeto que visa dar prosseguimento ao reconhecimento da importância do movimento modernista de São Paulo e, ao mesmo tempo, mostrar ao público que arte moderna já era discutida por muitos artistas, intelectuais e instituições de Norte a Sul do país, desde o final do século XIX, perdurando esse debate até o final da primeira metade do século XX.

A intenção da exposição é dar atenção aos diversos tipos de linguagens e formas de criar e compartilhar imagens nesse período. Para além das linguagens das belas-artes (desenho, pintura, escultura e arquitetura), o projeto traz exemplos importantes de fotografia, do cinema, das revistas ilustradas e de documentação de ações efêmeras, essenciais para ampliar a compreensão das muitas modernidades presentes no Brasil. O projeto surge a partir do trabalho de sete pesquisadores, dedicados a diferentes regiões do país, que têm larga experiência em discussões a respeito da arte moderna na interseção entre o local e o nacional. A partir dessas pesquisas, suas múltiplas vozes e interesses, a exposição será dividida em núcleos baseados em tópicos constantes a esse período histórico no Brasil, os quais serão apresentados ao público de forma didática. A intenção é levar ao público a certeza de que a noção de Arte Moderna, no Brasil, é tão diversa quanto as múltiplas culturas, sotaques e narrativas que compõem um país de dimensão continental.

A mostra integra o projeto Diversos 22, do Sesc São Paulo, que celebra o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da Independência, refletindo criticamente sobre as diversas narrativas de construção e projeção de um Brasil, e traz cerca de 600 obras de 200 artistas, como Lídia Baís, Mestre Zumba, Genaro de Carvalho, Anita Malfatti, Tomie Ohtake, Raimundo Cela, Pagu, Alberto da Veiga Guignard, Rubem Valentim, Tarsila do Amaral, Mestre Vitalino, dentre outros.

Curadores: Aldrin Figueiredo, Clarissa Diniz, Divino Sobral, Marcelo Campos, Paula Ramos e Raphael Fonseca, curadoria-geral de Raphael Fonseca tendo como curadores-assistentes, Breno de Faria, Ludimilla Fonseca e Renato Menezes. Consultoria de Fernanda Pitta.

Poéticas de um outro

14/dez

 

 

A BELIZÁRIO Galeria, Pinheiros, São Paulo, SP, abre a mostra coletiva “POÉTICAS de um outro”, com seu time de 17 artistas representados, exibindo 56 trabalhos em diferentes suportes – pinturas, esculturas, objetos, fotografias, desenhos – criando uma unidade visual resultante das vivencias pessoais de cada artista e os processos resultantes das mesmas.

 

A pintura se reposiciona como técnica responsável por trabalhos relevantes, como vem ocorrendo em outros locais, no âmbito da arte contemporânea. Bruno Duque, Celso Orsini, Fernanda Junqueira, Fernando Burjato e Matheus Machado utilizam o suporte com maestria criando telas, ora com paleta de cores diversas ora em p&b, para narrar suas histórias e experiencias. Ao lado delas, as obras resultantes da habilidade manual dos artistas Antônio Pulquério, Deneir Martins, Marc do Nascimento, Marcos Coelho Benjamim, Maxim Malhado e Paulo Nenflidio apresentam trabalhos tridimensionais, expressando seus registros em esculturas e objetos. Os desenhos, com suas delicadezas de linhas e traços, mas não menos assertivos, são de autoria de Elias Muradi, Jean Belmonte, Marco Ribeiro e Rodrigo Rigobello enquanto Juliana Notari e Sara Não Tem Nome optaram pela fotografia como registro de suas performances.

 

“POÉTICAS de um outro” oferece um olhar lateral onde o distinto e o diverso se apresentam em consonância com o todo, narrando histórias pessoais interconectadas através das liberdades de criação, e escolhas narrativas da contemporaneidade permitindo leituras e assimilações pessoais por parte do observador. O universo de cada artista é único. Sua mensagem é sempre pessoal. Orlando Lemos uniu as estrofes dos versos, sensibilizando-se com suas poéticas distintas e redigiu um poema visual uníssono.

 

Até 05 de março de 2022.

 

 

 

Raul Mourão expõe em Salvador

01/dez

 

 

 

O MENOR CARNAVAL DO MUNDO

 

A Roberto Alban Galeria, Salvador, BA, tem o prazer de anunciar a exposição “O menor carnaval do mundo”, exposição individual de Raul Mourão. Segunda exposição do artista na galeria, a mostra que será inaugurada dia 09 de dezembro e fica em exibição até 05 de fevereiro de 2022 reúne um conjunto de 44 obras recentes, oriundas de diferentes séries e campos de investigação de sua vasta produção, iniciada na segunda metade da década de 1980.

 

Expoente de uma geração que marcou o cenário carioca na década seguinte, Raul Mourão é notadamente conhecido por uma produção multimídia, que se desdobra em esculturas, pinturas, desenhos, vídeos, fotografias, instalações e performances. Frequentemente, o artista investiga os cruzamentos entre estes campos e linguagens, estimulando relações multidisciplinares em sua prática, lançando mão de um vocabulário visual único e de um peculiar senso de apreensão da realidade que o cerca.

 

A obra de Mourão alimenta-se, assim, de trivialidades e signos da vida cotidiana e de sua vivência da paisagem urbana, então interpretados e reconfigurados pelo artista em um processo de elaboração de seu olhar sobre eles, tão engenhoso quanto perspicaz, capaz de refletir sobre o que nos parece mundano, efêmero; mas também sobre questões mais amplas, como o contexto sócio-político do país.

 

Este fluxo entre as esferas individual e coletiva acontece em uma constante retroalimentação entre estes polos, resultando em uma produção artística de alta voltagem inventiva e linguística, em estado de ebulição e renovação contínuos, ao passo em que determinados temas, elementos e materiais seguem em experimentações constantes e variadas dentro do processo criativo do artista.

 

Em O menor carnaval do mundo, Mourão reforça este interesse por mídias e suportes diversos ao apresentar obras recentes de diferentes séries de sua produção, todas realizadas nestes últimos anos. O conjunto reúne desde novas esculturas cinéticas a pinturas de sua série “Janelas”, de fotografias e pinturas da série “SETADERUA” à vídeos como “Bang-Bang” – obra já exibida em ocasiões anteriores, mas recontextualizada dentro do presente conjunto proposto.

 

O título da mostra alude tanto à uma dimensão narrativa, afetiva – um carnaval vivido junto a um grupo reduzido de amigos, dentro do período pandêmico – quanto aponta para um certo jogo de escalas proposto pelo próprio artista a partir da obra título da exposição. Escultura realizada em dois tamanhos diferentes, a obra homônima evidencia o desejo de Mourão de experimentar estas pequenas variações sobre um mesmo tema ou objeto, explorando uma mesma ideia por vias distintas, mas também complementares, insuspeitas.

 

Suas bandeiras do Brasil, por exemplo – subtraídas de seus círculos centrais e do lema positivista de “ordem e progresso” – aparecem ao longo da mostra tanto em uma pequena versão p&b em tecido (dedicada ao grupo BaianaSystem) quanto em uma fotografia realizada na orla carioca, em parceria com o músico Tomás Cunha Ferreira.

 

Na entrada do espaço expositivo, uma espécie de parede-índice reúne um conjunto variado de trabalhos, sublinhando este senso de “desnorteamento organizado” proposto por Mourão, nos convidando a adentrar suas diferentes séries e campos de investigação a partir da sugestão de possibilidades diversas de relações a serem traçadas entre as obras em si. O artista não nos indica, assim, direções fixas ou trajetórias precisamente delineadas. Por vias opostas, nos concede, pistas e indícios que funcionam espontaneamente como disparadores destes inúmeros percursos a serem realizados por entre as salas da mostra. Nas palavras da crítica e curadora de arte pernambucana Clarissa Diniz, no texto crítico que acompanha a mostra:

 

“Se vivemos, agora, um mundo que nos extrapola mais do que a outrora posto que nos apreende em grades e distâncias, ao que parece, quando nos convoca a participar do Menor carnaval do mundo, Raul Mourão está a nos cochichar sobre a força transformadora do que, reduzido, pode enfrentar os gigantes sem que eles se deem conta do que está acontecendo.”

 

Sobre o artista

 

Raul Mourão nasceu no Rio de Janeiro, em 1967, onde vive e trabalha. Entre suas principais exposições individuais e projetos solo recentes, destacam-se: Empty Head, Galeria Nara Roesler Nova York, 2021; A Máquina do Mundo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2021; Estado Bruto, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2020; A Escolha do Artista, Instituto Casa Roberto Marinho, 2020;  Experiência Live Cinema #4: Raul Mourão + Cabelo, Studio OM.Art, 2019; Fora/Dentro, no Museu da República, 2018, Rio de Janeiro, Brasil; Você está aqui, no Museu Brasileiro de Ecologia e Escultura – MuBE – 2016, São Paulo, Brasil; Please Touch, no Bronx Museum, 2015, Nova York, Estados Unidos; Tração animal, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-Rio, 2012, Rio de Janeiro, Brasil; Toque devagar, Praça Tiradentes, 2012, Rio de Janeiro, Brasil. Entre as coletivas recentes, encontramos: Coleções no MuBE: Dulce e João Carlos de Figueiredo Ferraz – Construções e geometrias, no Museu de Ecologia e Escultura, MuBE, 2019, São Paulo, Brasil; Modos de ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos, Oca, 2017, São Paulo, Brasil; Mana Seven, Mana Contemporary, 2016, Miami, Estados Unidos; Brasil, Beleza?! Contemporary Brazilian Sculpture, Museum Beelden Aan Zee, 2016, Haia, Países Baixos; Bienal de Vancouver 2014-2016, Canadá, 2014. Seus trabalhos figuram em coleções de importantes instituições, tais como: ASU Art Museum, Tempe, EUA; Instituto Itaú Cultural, São Paulo, Brasil; Museu de Arte Contemporânea de Niterói, MAC-Niterói, Niterói, Brasil; Museu de Arte do Rio, MAR, Rio de Janeiro, Brasil; e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-Rio, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 

 

Vinte e cinco anos de arte

19/nov

 

 

 

A Galeria de Arte Mamute, Porto Alegre, RS, promove no dia 27 de novembro, a abertura da exposição de comemoração de 25 anos de carreira do artista representado Antônio Augusto Bueno. A mostra intitulada “Toda Memória Flerta com o Infinito” tem a curadoria de Felipe Caldas e traz a público obras inéditas em pintura, desenho, gravura e site specific.

 

Acompanham a comemoração a instalação de uma escultura criada para a nova sede do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), intervenção urbana no Distrito Criativo em Porto Alegre e mostra de gravura em metal e monotipias no Atelier Jabutipê.

 

A palavra do curador

 

Na beira do rio, crianças brincam com o que encontram pelo chão. Pedras, folhas e gravetos tornam-se espadas, lanças, bengalas, varas de pescar, entre tantas outras coisas. A serenidade do lugar, apesar do vento constante, contrasta com a correria, com os gritos e as gargalhadas, espaço e tempo em que pedras se transformam em bolas, folhas em comida, grama em colchão, areia em castelo, em casa ou em um bolo e tudo pode virar sopa de repente. Quando crianças, nós transformamos o mundo à nossa volta, o quarto em jardim ou em campo de batalha, a cama em automóvel ou em foguete, barcos voam e aviões submergem como submarinos, nós transformamo-nos e transformamos o outro. Tudo são meios e suportes para criação de novos mundos, outras possibilidades para o existente e para a existência e, quando crescemos, a maioria de nós esquece dessa capacidade. A imaginação não é algo oposto à realidade, ela configura a realidade e torna possível outras realidades, assim como a compreensão de nós mesmos, de nosso tempo, de nossa existência e território; como do passado, do não dito, da escuridão e da luz inalcançável. Antônio Augusto Bueno é essa criança que brinca com gravetos, faz barcos voarem, coleciona mamonas, caroços de abacate, junta folhas, empilha coisas, caminha deslumbrado pelo mundo e risca sobre tudo. Neste ano de 2021 Antônio Augusto Bueno completa 25 anos de produção artística, um fazer que opera com diversas linguagens, desenho, pintura, gravura, cerâmica, fotografia, instalações, objetos tridimensionais. Reconhecido sobretudo por seu trabalho com desenho, no entanto, ao meu ver o que há de menor importância na produção poética do artista é uma discussão sobre linguagem estritamente. Essas linguagens são apenas meios para nos chamar a atenção sobre a dimensão do ser humano frente a uma existência efêmera, passageira, delicada, frágil, todavia, partícipe de um todo. Esta exposição é parte de um  projeto mais amplo que conta com quatro ações: um trabalho tridimensional no pátio do  MAC-RS, a exposição na Galeria Mamute, uma intervenção urbana no quarto distrito de Porto Alegre e a constituição de uma série de gravuras/monotipias no Atelier Jabutipê.  Estas ações articulam quatro instâncias produtivas e de circulação, o ateliê, a instituição museológica, a rua e a galeria comercial que fazem parte da pratica cotidiana do artista. O fazer de Antônio nestes 25 anos está embebido de uma hereditariedade artística, a comunidade que o circula e suas topografias e clima. Quando falo aqui em hereditariedade artística, estou pensando, justamente, no diálogo que os trabalhos de Antônio Augusto travam com a herança cultural e artística precedente e atual, sobretudo deste território, o Rio Grande do Sul, mas sem se limitar. A potência da linha, da visualidade dos chamados desenhos, está embebida de uma linha incontornável de Iberê Camargo, uma sujeira de Wilson Cavalcante (Cava), de uma trama e de uma complexidade entre gestos e grafismos de Teresa Poester, e há igualmente algo de Flávio Gonçalves, Gerson Reichert, James Zórtea, Gabriel Netto, entre outros colegas. Seus espaços vazios em confronto com pequenas áreas de forte densidade material convocam Cy Tombelly, levam ao diálogo com os desenhos de Nuno Ramos, Nelson Félix, e talvez Marcelo Solá. Seus gravetos armados têm algo de Carlos Pasquetti, de Hamilton Coelho, quanto talvez de Luiz Gonzaga de Mello Gomes, com quem trabalhou e, certamente, remete-nos a Ai WeiWei e Frans Krajcberg. Diferente dos citados, o trabalho de Antônio Augusto Bueno está embebido da milonga, do vento e do frio destes prados, ou seja, talvez no campo das artes visuais na contemporaneidade seja um dos artistas que mais dialoga com aquilo que Vitor Ramil chamou de Estética do Frio em um clima temperado de um Brasil que não é somente tropical. Não só porque trabalha com artistas deste território, ou em sua aproximação com os colegas artistas do Uruguai, mas sobretudo nos próprios trabalhos visuais, as grandes áreas dos desenhos remetem à planície, aos campos alagados, ao pampa, a um espaço sem grandes rompimentos topográficos em que o vento corre livremente, como os espaços em branco, as matizes baixas e as veladuras que baixam a vibração das cores; a um fazer que não é um grito ou êxtase expressivo, sequer um sussurro, mas uma fala mansa e contínua como a topografia da metade sul deste território e talvez seja, justamente, por isso tão natural a Antônio a aproximação com esses artistas que partilham de um mesmo comum, de um mesmo sensível. Os trabalhos bidimensionais evocam a dimensão da cicatriz. O que vemos não é um rasgo na carne pictorial mas um conjunto de ações de corte e sutura e isso ocorre tanto no papel quanto no tecido, e essa pele que exibe cicatrizes contém a memória construtiva do próprio trabalho, das referências artísticas, de sua hereditariedade, topografia e clima e talvez contenha a memória afetiva tornada material do próprio artista. A cicatriz é semelhante a um rastro, você não vê nada além da cicatriz quando se depara com ela, mas ela é o indício de um conjunto de eventos, a marca de uma vida pulsante, de um pensar e de um agir constantes, e, por isso, carrega consigo uma memória latente que talvez cumpra a função de lembrar-nos que “toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade, mas nada escapa à lei”. Antônio produz com a potência do ínfimo, com a harmonização dos movimentos contrários e com a condução de um mental partilhado por meio de seus trabalhos para outro lugar, para outra consciência de mundo, um vislumbre do homem primitivo ligado ao todo em que não existe dicotomia entre indivíduo e natureza, em que território, bioma, vento, frio e estrelas são extensões umas das outras. O mental não antecede a matéria, é parte constituinte desta, extensão, ou seja, quando olhamos o fazer artístico de Antônio, o mental não ocorre antes da ação, mas simultaneamente, em um jogo de forças, pois o mental da matéria, o mental do mundo, do céu azulado à noite estrelada também se projetam sobre o artista, assim criador e criatura tornam-se um só e não um antecede o outro, mas coexistem e (re)existem. O trabalho do artista é uma extensão dele e, simultaneamente, independente dele, ao fazer, o artista modificou-se e modificou a matéria, enquanto ela o modificava, e isso é partilhar e produzir para com o todo. O alquímico não está em uma rede imbricada de signos e de símbolos como estamos habituados e aprendemos dentro da história da arte e da cultura, mas na atitude perante a vida. A transubstanciação é constante, todos os encontros nos modificam, o rio nunca é o mesmo, o passo nunca é igual, a mão que desenha ou o beijo são irrepetíveis.”

 

Felipe Caldas

Exposição de Ziraldo e Museu Histórico Nacional

12/nov

 

 

Com “Terra à Vista e Pé na Lua”

 

Ziraldo participa no dia 20 de novembro dos 100 anos do Museu Histórico Nacional, Centro, Rio de Janeiro, RJ. A exposição que marca o início das comemorações do museu tem como foco a aventura humana rumo ao desconhecido. Pelo olhar visionário de Ziraldo – artista atemporal cuja produção se faz presente no imaginário de brasileiros e brasileiras de todas as idades – o visitante navegará do descobrimento do Brasil às conquistas espaciais, passando por obras do artista que se unem conceitualmente às coleções do museu via códigos QR espalhados pela cenografia.

 

A trajetória de Ziraldo (livros, personagens, ideias ou mesmo objetos de trabalho) reconecta o visitante, de forma instigante e criativa, à história de um Brasil construído diariamente por todos nós. A curadoria e direção de arte ficam a cargo de Adriana Lins e Guto Lins (Manifesto), que contaram com o apoio e a participação do Instituto Ziraldo, enquanto a cenografia é assinada por Susana Lacevitz e Philppe Midani (Cenografia.Net).

 

Segundo Vania Bonelli, diretora interina do Museu Histórico Nacional, para dar início às comemorações do centenário do MHN em 2022, “a fantástica criatividade” de Ziraldo e seus super-heróis é uma “verdadeira odisseia”. “Ao retornarmos à alegria, convidamos as mais diversas gerações para navegarem no tempo e no espaço, reafirmando a frase do Menino Maluquinho: ‘que maluquinho que nada! Eu sou danado de feliz!’”, conclui.

 

A exposição faz parte do Plano Anual 2021 do museu, que tem o apoio da Associação dos Amigos do MHN e patrocínio do Instituto Cultural Vale por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

 

“O Instituto Cultural Vale tem enorme alegria de fazer parte desta jornada de descobertas proposta pela exposição Terra à Vista e Pé na Lua. Ao unir as criações de Ziraldo ao acervo do Museu Histórico Nacional, a mostra convida públicos de todas as idades a reler o passado e recriar o presente de forma lúdica, contando histórias de vários Brasis. Para o Instituto, que tem quatro espaços culturais próprios, gratuitos e abertos ao público, e que patrocina projetos culturais em todas as regiões do país, faz muito sentido estar ao lado de iniciativas como essa, que criam oportunidades de aprender, se inspirar e criar em contato a história e com a arte”, afirma Christiana Saldanha, Gerente do Instituto Cultural Vale.

 

Sobre a exposição

 

Logo na entrada, no pátio Minerva, painéis fazendo referência a livros gigantes, em tamanhos variados – alguns medindo até dois metros -, apresentam imagens icônicas de Ziraldo nas temáticas quadrinhos, cartazes, Menino Maluquinho e Zeróis, direcionam os visitantes para a entrada da exposição, que se espalha pela fachada e Pátio dos Canhões, além de três galerias de exposições temporárias.

 

Na Sala 1, a Área Caravela compreende o “descobrimento” do Brasil, chegar em um mundo desconhecido, solar, passando pelo humor e alegria do Menino Maluquinho, e pelo Espaço Imprensa – quando Ziraldo chega ao Rio de janeiro e começa a se apresentar, conquistando seu público – área representada na exposição por seis longas páginas que reproduzem rotativas de jornal, expondo as tiras, os quadrinhos, os Zeróis e as charges de Ziraldo que circularam pela imprensa do Brasil. Já a Sala 2 destina-se à área Lua, com o personagem Flicts, astronautas e os planetas. É uma mistura de nave espacial com o próprio espaço sideral, tendo vitrine com originais e livros relativos ao tema.

 

Na Sala 3, a área Universo Ziraldo abriga a prancheta do artista e uma simulação de seu estúdio de trabalho, com livros, estantes, e na TV da parede – que ficava sempre ligada enquanto ele produzia – Ziraldo conversa com o visitante, ao mesmo tempo em que desenha, no documentário feito em 1975 por Tarcisio Vidigal.

 

Tanto a mesa quanto a cadeira e a máquina de escrever pertencem ao acervo do artista. É nesta sala que também fica a galeria dos personagens: alguns rostos conhecidos de todos, outros nem tanto, e espelhos para o próprio visitante se ver e se sentir fazendo parte deste grupo. Na parede oposta aos livros infantis, os super-heróis, as onomatopeias e o próprio Ziraldo – numa caricatura em tamanho real – convidam o visitante a sentar para uma prosa. Personagens em escala humana ocuparão a “Praça da Amizade”, no Pátio dos Canhões, que nessa versão atiram flores.

 

Hiperlinks, em diversos momentos do percurso da mostra, disponibilizam códigos QR que darão acesso a informações complementares. Um exemplo é o código indicado pela imagem do Menino Maluquinho no painel de entrada à Sala 1, que levará ao link de acesso do vídeo oficial “Terra à Vista e Pé na Lua”. A apresentação da exposição terá legendas em português e tradução em libras e o link também ficará disponível no Youtube do MHN, favorecendo a divulgação virtual da mostra.

 

“Terra à Vista e Pé na Lua convida o visitante para uma volta ao mundo a bordo da espaçonave pilotada por Ziraldo Alves Pinto, artista navegante de seu tempo, de nosso tempo, de todos os tempos. Um visionário que manteve os pés no chão de sua Caratinga natal – e depois, do Rio de Janeiro – mas sempre com a cabeça na Lua!
E vem nos alimentando a alma com uma criatividade estonteante que nos deixa mareados. A obra de Ziraldo é como o vento que segue em várias direções sem perder a força e nos leva rumo a nós mesmos em um passeio pela história do Brasil, guiados por um mapa ilustrado com amor e humor. Ziraldo singrou diversos mares e sua praia é a mente fértil onde se plantando tudo dá. Seu desenho ágil e inteligente e seu domínio técnico são um marco divisório nas artes gráficas e na ilustração brasileira, uma bússola que orientou e dá sentido à carreira de muitos outros navegantes que vieram depois dele. Seu trabalho, que é fruto de muita pesquisa e perseverança, aqui nessa exposição ancora em várias ilhas e atiça nossa imaginação para uma visita pelo acervo do Museu Histórico Nacional. Uma visita que começa aqui mas não termina nunca, pois o tempo não pára e o mundo é pequeno para um marinheiro curioso e atento. Seus personagens estão tatuados em nossos corações, seus livros estão gravados em nosso convés e a bandeira que tremula no nosso mastro é uma folha de papel. Ziraldo é isso tudo e isso é coisa de museu!”, dizem Adriana Lins e Guto Lins, curadores da exposição.

 

Sobre o artista

 

Ziraldo Alves Pinto, brasileiro do mundo, nasceu em Caratinga, Minas Gerais, em 1932. Com reconhecimento nacional e internacional desde o final dos anos 1960, vem atuado profissionalmente por sete décadas nos contextos social, político, ambiental e educacional em mídias jornalísticas, literárias e de entretenimento. Ícone cultural de nosso tempo, seu acervo tornou-se referência para a identidade e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Pioneiro no design, revolucionário na literatura infanto-juvenil, ativamente engajado em temas sociais e políticos, um intuitivo e criativo crítico de costumes, Ziraldo atinge contextos universais e atemporais.

 

Seus livros, combinando texto e imagem na estética que acabou por definir sua marca, trazem, desde sempre, a ecologia como prática de sobrevivência e solidariedade; a generosidade sem fim do verdadeiro amigo; o universo das palavras ou mesmo das estrelas; a criatividade maluquinha da criança; o amor desmedido das mães, das tias, do avô. Trazem a cor como característica e identidade, nunca como limitação. E memória e afeto, na construção do indivíduo. Em setembro de 2018, Ziraldo sofreu um acidente vascular cerebral que o impediu de voltar a sua prancheta de trabalho e o impossibilitou de visitar, na época, as duas exposições que estavam sendo montadas, em São Paulo, em sua homenagem. Hoje, três anos depois, ele se encontra mais forte e vem acompanhando virtualmente, com entusiasmo e curiosidade, cada etapa da construção do projeto “Terra à Vista e Pé na Lua”.

 

Ações educativas

 

Ação educativa virtual e presencial – Caderno de Atividades: Me leve pra casa! Me leve pra escola! Me leve com você! Todos os sábados, acontecerão ações educativas virtuais e presenciais para o público visitante. Suporte lúdico baseado no discurso narrativo da exposição TERRA À VISTA E PÉ NA LUA, tem como objetivo proporcionar a interação da criança com o material exposto. Será oferecido em versão impressa, distribuída às crianças visitantes e também disponibilizado on-line gratuitamente. Aos sábados as atividades poderão ser feitas no próprio Museu com o auxílio de monitores.

 

Sobre o MHN

 

O Museu Histórico Nacional (MHN) é um museu dedicado à história do Brasil. Localizado no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro (RJ), foi criado no ano de 1922, pelo então presidente Epitácio Pessoa (1865-1942), como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Unidade museológica integrada à estrutura do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia do Ministério do Turismo, o MHN possui um acervo constituído por mais de 300 mil itens arquivísticos, bibliográficos e museológicos. Suas galerias de exposição abrangem desde o período pré-cabralino até a história contemporânea do país. O espaço expositivo faz parte de um conjunto arquitetônico que se distribui por uma área de 14 mil m², à qual se somam os mais de 3 mil m² de pátios internos. O museu conta, ainda, com galerias para exposições temporárias e loja de souvenirs. Comprometido em apresentar da melhor forma possível suas coleções ao maior número de pessoas, o MHN atende escolas públicas e privadas, bem como visitantes em geral em visitas mediadas especiais.

 

Até 20 de fevereiro de 2022.

 

In memoriam de Jaider Esbell

04/nov

 

Jaider Esbell transformava mundos e pessoas com sua presença provocadora e generosa. Não vinha para pacificar ou para simplificar, mas para tensionar incansavelmente soluções e arranjos cristalizados, concebidos para manter um status quo violento e opressor. Desmascarava hábitos colonizadores introjetados nas rotinas institucionais, desafiava aqueles que o cercavam a colocar em dúvida suas certezas e, invariavelmente, oferecia modos de resolver impasses, promovendo esforços de diplomacia e tradução com uma energia criadora que parecia inexaurível. Não trilhava caminhos conhecidos ou sequer concebidos antes dele, mas mostrava e demonstrava a necessidade de outras parcerias, outras maneiras de trabalharmos juntos.

 

Era decidido, firme e objetivo, nunca condescendente. Era sempre construtivo, principalmente quando demolia visões ultrapassadas do mundo e da arte. Nos longos meses de preparação da Bienal, poucos momentos foram tão intensos quanto a fala em que Jaider, no pavilhão ainda vazio e silencioso, compartilhou conosco, publicamente, seus sonhos, reafirmando sua atuação fundamental na articulação da cena da Arte Indígena Contemporânea. Fundamental, isto é, para todos, para que chegue mais cedo o momento em que as mudanças que sabemos serem necessárias e inadiáveis possam de fato acontecer.

 

As conversas e trocas com ele foram decisivas na definição da participação de artistas indígenas na Bienal, na realização da mostra Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea no MAM São Paulo e na programação pública batizada por ele como “Bienal dos Índios”.  Sem seu exemplo, teria sido muito mais árido pensar a possibilidade da Relação como qualidade definidora da arte e da experiência humana. O sentido geral da mostra se tornou outro pela sua presença, e agora ele se transforma outra vez por sua ausência. Mas essas trocas tiveram um impacto ainda mais amplo, para além da 34ª Bienal: Jaider Esbell é um dos catalisadores de uma mudança irreversível no debate da arte, da cultura e da diferença no nosso continente.

 

Seus braços iam longe, abraçavam seres, pessoas, saberes, visões de mundo e povos em encontros inaugurais, em que a diferença não era um fim em si mesmo, mas um princípio ativo para iniciativas contracoloniais. Seus olhos brilhavam com a convicção de uma missão a ser vivida, a qual ele podia resumir compartilhando um sonho, criticando os princípios do sistema da arte ou defendendo o sentido ativista e político da atuação tática de artistas indígenas contemporâneos.

 

Para nós, será impossível pensar nesses anos de trabalho e convívio sem sentir saudade do olhar desse artista, curador, escritor, agitador, pensador… desse amigo, desse txai. Sem ele, ficamos com a dor de uma perda gigantesca e irreparável. Ficamos também com a responsabilidade de levar adiante, coletivamente, o que ele iniciou. De seguir no caminho que ele concebeu e demonstrou ser possível. Ficamos com a tarefa de não deixar que o processo que a sua sabedoria soube iniciar se detenha ou regrida, de lutar para que se mantenha contínuo, irreversível e transformador.

 

Jaider Esbell partiu, mas continuará entre nós sua energia, que provoca efeitos imediatos, mas também rearranjos profundos e mudanças duradouras.

Em sua memória, estendemos os braços a todas e todos que foram tocados por sua presença, em especial seus familiares, amigos e aliados de longa data.

 

Gratidão.

 

 

Jacopo Crivelli Visconti e Paulo Miyada

Lucas Arruda e Iberê Camargo

 

O lugar da pintura de Lucas Arruda e Iberê. Curadora apresenta as relações entre as mostras “Lugar sem lugar” e “Tudo te é falso e inútil”, duas exposições na Fundação lberê Camargo.

 

Pode-se dizer, grosso mo­do, que o artista paulista Lucas Arruda vem há dez anos depurando de maneira quase ritualística um mesmo tema: a paisagem como construção do olhar. É o que se pode verificar na exposição “Lucas Arruda: lugar sem lugar”, em cartaz na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. (*)

 

As pinturas de Arruda nos permitem ver, ao mesmo tempo, um pouco além da abstração e antes da figuração. Construídas a partir de camadas de tinta sobrepostas, escovadas, arranhadas, esfregadas, são obras que invocam o gênero paisagem usando por vezes tão somente a sugestão de uma linha de horizonte. E ela, afinal, que constitui recurso fundamental dessa tradição pictórica, uma espécie de menor denominador comum da composição paisagística, já que, como espectadores, tendemos a atribuir sentido a qualquer marquinha num espaço aberto, a imediatamente interpretar uma linha horizontal como um horizonte, a enxergar nuvens nas mudanças de direção de pinceladas, a ver um chão de terra numa camada grossa de impasto.

 

Os trabalhos da série “Deserto-Modelo”, presentes na mostra, sugerem lugares desprovidos de referências geográficas, mas que se edificam na memória e evocam vistas da natureza, marinhas e de matas. Nossa experiência diante dessas pinturas – embora certamente permeada por memórias, associações pessoais, narrativas indiretas e conotações artísticas históricas – nos remete, sobretudo, ao fenômeno sensual e sensorial da pintura.

 

A insistente frontalidade e a paleta contida de Arruda estão presentes nos vários trabalhos reunidos na mostra. A seleção abrange quatorze anos da produção do artista, incluindo desde pinturas do início da carreira àquelas realizadas em 2021, além de obras em outros suportes, como vídeo e instalação de luz. São obras silenciosas, caracterizadas por uma luminosidade insólita e sutil que se revela aos poucos, recompensando a observação prolongada. Entre o devaneio e a tatilidade da aplicação da tinta, evidencia-se a habilidade extraordinária do pintor. A incansável experimentação pictórica de suas pinturas é comovente, em especial quando vistas ao vivo.

 

Paralelamente, é apresentada a mostra “Iberê Camargo: tudo te é falso e inútil”, uma seleção de obras do artista gaúcho, concebida juntamente com Arruda, pertencentes ao acervo da Fundação Iberê. Oferece-se aqui uma experiência imersiva nas últimas criações de Iberê, a partir das cinco célebres pinturas da série “Tudo te é falso e inútil”, reunidas pela primeira vez na Fundação. Pretende-se dessa forma explorar momentos de intersecção e diálogo entre os trabalhos de Arruda e Iberê, sugerindo pontos de acesso ao entendimento de questões compartilhadas por ambos.

 

“Tudo te é falso e inútil” parece ser para onde converge – e de certa forma submerge – toda a trajetória artística de Iberê Camargo. Elementos constitutivos do léxico singular do pintor – carretéis, manequins, caixas d’água, bicicletas – compartilham com figuras débeis e pesadas, quase andrógenas, o lugar elusivo e movediço demarcado pelas pinturas e desenhos. A seleção – onze pinturas e trinta e cinco desenhos das séries “Ciclistas” e “Idiotas”, além da série completa e esboços preparatórios para “Tudo te é falso e inútil” – busca explicitar justamente o processo obsessivo desse “retorno das coisas que adormeceram na memória”, como definiu o próprio Iberê, no qual a re-emergência dos mesmos elementos oferece ao espectador uma imersão profunda no imaginário singular do artista.

 

Na obra de Iberê, como na de Arruda, há um contínuo retrabalhar de certas imagens. Ambos, ao invés de se intimidar diante da repetição, a abraçam como recurso de decantação e depuração de ideias que, em última análise, nos levam para além do tema e de volta à pintura.

 

Cumpre dizer que, desde o primeiro encontro de Lucas Arruda com a série “Tudo te é falso e inútil”, há sete anos, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, essas pinturas se tornaram uma forte referência para seu trabalho. O artista conta que voltou repetidas vezes à exposição para observar as pinturas: “O que mais me impressionou foi o perfeito alinhamento entre a execução e o assunto do trabalho. O drama daquelas imagens não reside somente no conteúdo, mas em como Iberê as construiu, no modo como a tinta é posta e raspada, riscada, depositada e removida múltiplas vezes, resultando na fantasmagoria das figuras. A angústia do tema é expressa na própria carne da pintura. Parece existir uma ansiedade no fazer, estreitamente conectada ao assunto, que traz uma potência muito grande para o trabalho. Essa qualidade da pintura do Iberê foi uma das coisas que mais me chamou a atenção”. Em “Tudo te é falso e inútil”, resume Arruda, “Iberê tenta captar esse momento em que as coisas perdem sentido”. No entanto, a despeito da atmosfera distópica, “da evidente falta de otimismo manifesta nas pinturas, é notável a capacidade do trabalho de gerar um consolo à inquietação existencial do ser humano”, conclui.

 

Tanto na série “Tudo te é falso e inútil”, de Iberê, quanto na “Deserto-Modelo”, de Arruda, há uma suspensão de referências de espaço e tempo que torna possível dizer que “o lugar sem lugar” onde opera o primeiro e equivale ao deserto do segundo. Este, nas palavras de Arruda, “não tem data, pode vir antes de tudo ou depois de tudo. Você não sabe se o deserto é um momento de formação ou do fim das coisas. E, ao memo tempo, gênese e apocalipse. E algo que busco nas minhas pinturas, essa atemporalidade”. Palavras que poderiam descrever também o espaço ambíguo criado por lberê.

 

Os dois artistas constroem pinturas compostas de inúmeras superposições de marcas, acidentes e camadas que muitas vezes resultam em superfícies onde se vê quase nada. Como bem articulou o colega de oficio Paulo Pasta, é “o emprego de um esforço monumental para expressar a inutilidade de qualquer esforço”. Uma perfeita analogia tanto da arte quanto da vida.

 

Lilian Tone (*)

 

“Lucas Arruda: Lugar sem lugar – Até 16 de janeiro de 2022.

 

“lberê Camargo: Tudo te é falso e inútil” – Até 13 de fevereiro de 2022.

 

Agendamento: bileto.sympla.com.br

(*) Curadora das mostras ”Lucas Arruda: Lugar sem lugar” e “Iberê Camargo: Tudo te é falso e inútil”. Curadora independente que, até recentemente, integrava o Departamento de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

 

Fontes: Fundação Iberê Camargo-Correio do Povo

Exposição de Burle Marx

 

Burle Marx: clássicos e inéditos

A Casa Roberto Marinho, Cosme Velho, Rio de Janeiro, RJ, se associa ao Instituto Burle Marx na primeira exposição de seu inestimável acervo.

Data de 1938 a primeira relação profissional entre os dois Robertos, por ocasião da feitura do jardim da residência do jornalista no Cosme Velho. Foi um dos primeiros trabalhos residenciais de Burle Marx que, naquele exato momento, concebia o paisagismo do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema. Indiscutível obra-prima que assinala a adaptação aos trópicos do projeto internacionalista de Le Corbusier. Com as curvas dos jardins, as sinuosidades das divisórias internas e a solução volumétrica de entrecruzamento de seus blocos, Burle Marx, Lucio Costa e Oscar Niemeyer evitaram que o edifício fosse apenas mais uma de tantas importações europeias entre nós. Ali começou, em grande escala, o Modernismo carioca e brasileiro.

A Casa de Stella e Roberto Marinho situa-se na última franja da Floresta da Tijuca; a adaptação ao local envolveu o transplante e uso de espécimes locais numa transição entre o bosque e o jardim. Destaca-se a presença da água e de seu rumor na fonte e no próprio curso do rio Carioca. Não se trata de uma obra para rápida contemplação visual e, sim, um espaço amistoso para permanência, deslocamento e fruição dos sentidos.

A presente exposição assinala o registro de quase nove décadas de trabalho do paisagista e de seus colaboradores. Materializa, ainda, a exemplar transformação dos arquivos particulares em acervo do Instituto, permitindo o seu compartilhamento com a sociedade. A existência organizada dessa coleção muito se deve ao próprio Roberto Burle Marx, mas, em igual medida, ao zelo de Haruyoshi Ono, José Tabacow, Fátima Gomes, Julio Ono, Gustavo Leivas e, agora, de Isabela Ono, minha parceira na curadoria e diretora executiva da recém-criada instituição. Em tempos sombrios o registro da persistência da criação e do posicionamento contra a destruição de nossas riquezas naturais é um grande alento e incentivo para todos.

“O Tempo Completa”, dizia nosso homenageado sobre a participação orgânica das espécies na criação da beleza. Mas, também, nos alertava que os lentos processos da milenar natureza podem ser destruídos em simples horas pela ignorância e ação mecânica violenta.

O acervo exibido deve ser tomado como uma oração ao tempo, de modo que dele sejamos parceiros em nossa passagem no planeta. E o Instituto consolida, junto com o Sítio Burle Marx e o conjunto de obras espalhadas por vários continentes, o legado que esse extraordinário brasileiro nos deixa.

Lauro Cavalcanti

 

Até 06 de fevereiro de 2022.