In memoriam de Jaider Esbell

04/nov

 

Jaider Esbell transformava mundos e pessoas com sua presença provocadora e generosa. Não vinha para pacificar ou para simplificar, mas para tensionar incansavelmente soluções e arranjos cristalizados, concebidos para manter um status quo violento e opressor. Desmascarava hábitos colonizadores introjetados nas rotinas institucionais, desafiava aqueles que o cercavam a colocar em dúvida suas certezas e, invariavelmente, oferecia modos de resolver impasses, promovendo esforços de diplomacia e tradução com uma energia criadora que parecia inexaurível. Não trilhava caminhos conhecidos ou sequer concebidos antes dele, mas mostrava e demonstrava a necessidade de outras parcerias, outras maneiras de trabalharmos juntos.

 

Era decidido, firme e objetivo, nunca condescendente. Era sempre construtivo, principalmente quando demolia visões ultrapassadas do mundo e da arte. Nos longos meses de preparação da Bienal, poucos momentos foram tão intensos quanto a fala em que Jaider, no pavilhão ainda vazio e silencioso, compartilhou conosco, publicamente, seus sonhos, reafirmando sua atuação fundamental na articulação da cena da Arte Indígena Contemporânea. Fundamental, isto é, para todos, para que chegue mais cedo o momento em que as mudanças que sabemos serem necessárias e inadiáveis possam de fato acontecer.

 

As conversas e trocas com ele foram decisivas na definição da participação de artistas indígenas na Bienal, na realização da mostra Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea no MAM São Paulo e na programação pública batizada por ele como “Bienal dos Índios”.  Sem seu exemplo, teria sido muito mais árido pensar a possibilidade da Relação como qualidade definidora da arte e da experiência humana. O sentido geral da mostra se tornou outro pela sua presença, e agora ele se transforma outra vez por sua ausência. Mas essas trocas tiveram um impacto ainda mais amplo, para além da 34ª Bienal: Jaider Esbell é um dos catalisadores de uma mudança irreversível no debate da arte, da cultura e da diferença no nosso continente.

 

Seus braços iam longe, abraçavam seres, pessoas, saberes, visões de mundo e povos em encontros inaugurais, em que a diferença não era um fim em si mesmo, mas um princípio ativo para iniciativas contracoloniais. Seus olhos brilhavam com a convicção de uma missão a ser vivida, a qual ele podia resumir compartilhando um sonho, criticando os princípios do sistema da arte ou defendendo o sentido ativista e político da atuação tática de artistas indígenas contemporâneos.

 

Para nós, será impossível pensar nesses anos de trabalho e convívio sem sentir saudade do olhar desse artista, curador, escritor, agitador, pensador… desse amigo, desse txai. Sem ele, ficamos com a dor de uma perda gigantesca e irreparável. Ficamos também com a responsabilidade de levar adiante, coletivamente, o que ele iniciou. De seguir no caminho que ele concebeu e demonstrou ser possível. Ficamos com a tarefa de não deixar que o processo que a sua sabedoria soube iniciar se detenha ou regrida, de lutar para que se mantenha contínuo, irreversível e transformador.

 

Jaider Esbell partiu, mas continuará entre nós sua energia, que provoca efeitos imediatos, mas também rearranjos profundos e mudanças duradouras.

Em sua memória, estendemos os braços a todas e todos que foram tocados por sua presença, em especial seus familiares, amigos e aliados de longa data.

 

Gratidão.

 

 

Jacopo Crivelli Visconti e Paulo Miyada

BELIZÁRIO

BELIZÁRIO inaugura com Maxim Malhado

“…nesse momento e antes do ontem também, é a possibilidade de me ver e observar o outro!”
Maxim Malhado

 

A BELIZÁRIO Galeria, Pinheiros, inaugura novo espaço cultural em São Paulo com a exposição de Maxim Malhado – “…lá do lugar onde moramos”, sob curadoria de Marcus Lontra, com 15 trabalhos entre esculturas e objetos onde o material de destaque é a madeira que descreve conceitualmente a verdade em que “toda casa é bela; toda casa tem um metro a mais de grandeza, inclusive e principalmente a sua!”, como define o galerista Orlando Lemos.

José Roberto Furtado, Luiz Gustavo Leite de Oliveira e Orlando Lemos, os artífices da nova galeria, inserem no circuito expositivo paulistano uma nova opção de local de propagação artística destinado a divulgar e comercializar obras de arte moderna e contemporânea. O projeto da Belizário Galeria tem origem em Belo Horizonte, onde os três amigos se conheceram e, por sua experiência no cenário artístico mineiro, lhes dá o respaldo necessário para apresentação de um trabalho de alto padrão e originalidade que se estabelece desde sua apresentação ao circuito local com a produção recente e inédita do artista plástico Maxim Malhado.

“…lá do lugar onde moramos” reúne um conjunto expressivo da produção recente do artista. Suas obras dialogam com o artesanato e o design popular construindo uma arqueologia da memória, onde objetos são ressignificados e reconstruídos. Ele dialoga com artistas nordestinos de sua geração como Carlos Mélo e José Rufino e também, com Nuno Ramos e Tunga. Essa é a família expressionista onde o artista se insere; esse é o seu universo, essa é a sua voz”, explica o curador.

Maxim Malhado chega ao circuito artístico nos anos de 1990 com suas obras que transmitem sofisticação e detalhamento na simplicidade da escolha e seleção de materiais e formatos – “os critérios são os mesmos de mestres e ajudantes de obras em seus “canteiros”, o desejo, a vontade e necessidade de solucionar dúvidas e problemas, buscar respostas”, diz o artista. A definição do local onde morar, oferece possibilidades de imersão intelectual que podem direcionar tanto para o aspecto material da “casa”, onde se habita e fixa moradia como mais lúdico, imaterial, direcionado ao “corpo”, o real habitat humano, onde também se constrói história. Nas palavras de Marcus Lontra, “A Bahia hedonista, litorânea, sensual, soteropolitana, abre espaço para a Bahia agreste, interiorana, sertaneja, nordestina. Essa é a terra, o território, a fonte de saberes de onde o artista retira suas pedras e pérolas para montar composições poéticas carregadas de autenticidade e potência natural”.

Participante, consciente e atento ao cenário atual, tanto global como próximo ao local onde desenvolve seus trabalhos, Maxim Malhado assume seu papel de conscientização geral com sua arte, e assume posicionamento não estático, sempre em evolução, em movimento, com o que vem a seguir. “Sempre há desdobramentos, necessário, pois se até as frutas pecam…não existe o erro”, declara o artista.

 

“Admirando essas articulações formais e conceituais, aprendemos com Maxim Malhado que somente a ação criativa dignifica a espécie humana. E que a capacidade de inovar, transformar e interpretar aquilo que chamamos de real, possa municiar ao ser humano as ferramentas essenciais para que a arte e a ciência sejam para todo o sempre os “santos guerreiros” que protejam o mundo dos “dragões da maldade”.” Marcus Lontra

 

Sobre a galeria

 

A BELIZÁRIO Galeria chega ao mercado de arte de São Paulo em 2021 e é resultado de uma parceria entre Orlando Lemos, José Roberto Furtado e Luiz Gustavo Leite. Um conceito de espaço para cultura que nasce em Belo Horizonte com Orlando Lemos e a Objetaria Belizário, que se transforma na Galeria Belizário, também em Belo Horizonte, fazendo exposições de arte de novos e promissores artistas como Paulo Nazareth que inicia sua trajetória no local. Sua proposta visa se apresentar como uma opção adicional de participação e visibilidade da produção de artistas emergentes e consolidados no panorama da arte contemporânea brasileira no circuito paulistano de cultura. A galeria se junta ao movimento que busca promover horizontes que estabeleçam novos meios de redirecionar e ampliar o mercado de arte, pensando nas diferentes trajetórias e produções artísticas que o compõe. Assim, visando a fomentação da diversidade cultural intrínseca na contemporaneidade, serve de palco para artistas novos e estabelecidos, nacionais e estrangeiros, em parcerias com curadores que também estejam imbuídos do mesmo propósito. Na BELIZÁRIO Galeria, procura-se atender a um público que busca a aquisição de trabalhos artísticos e, também, a criação e fomento de novas coleções. O seu acervo é composto por diferentes temas e estéticas, mediante o universo poético de cada artista. Seu repertório abrange trabalhos artísticos de diferentes linguagens, suportes, técnicas e mídias como desenho, escultura, fotografia, gravura, pintura, instalação e outras. A BELIZÁRIO tem Orlando Lemos na direção artística, atuante no universo da arte desde 2001, José Roberto Furtado na gestão administrativa e comercial e Luiz Gustavo Leite na direção social.

Abertura: 06 de novembro, sábado, das 11h às 18h

De 08 de novembro a 05 de dezembro.

Oficina Brennand, 50 anos

26/out

 

Foi em 11 de novembro de 1971 que Francisco Brennand (1927-2019) iniciou a reforma das ruínas da antiga Cerâmica São João, transformando-a em seu ateliê. Ao longo de décadas, aquele foi seu espaço de criação, ao passo em que ocupava os jardins e galpões com instalações de suas obras, ganhando contornos de museu.

A Bergamin & Gomide e o Instituto Brennand convidam para a celebração dos 50 anos da Oficina Brennand e abertura da exposição “Devolver a terra à pedra que era”, com curadoria de Julieta González e Júlia Rebouças, que integra um programa comemorativo do cinquentenário e marca um novo momento institucional.

Devolver a terra à pedra que era
20 de novembro 2021
Reserve esta data e junte-se a nós nessa comemoração.

RSVP até 29 de outubro

Mais informações em 50anos@oficinabrennand.org.br

Mauro Fuke no Instituto Ling

22/out

 

Neiva Bohns assina a curadoria da exposição “O Rio, a Nuvem, o Arquipélago e a Árvore”, exibição individual do escultor Mauro Fuke no Instituto Ling, Porto Alegre, RS.

 

O Rio, a Nuvem, o Arquipélago e a Árvore

 

Mauro Fuke é desses artistas que se deixam encantar pelas qualidades táteis e visuais das matérias – e fazem questão de participar de todo o processo de produção de suas peças, desde o projeto gráfico até a finalização. Escultor nato, embrenhou-se nos raciocínios da arte contemporânea sem dispensar a experiência direta da feitura dos artefatos que têm nome, identidade própria e existência física, como criaturas dotadas de inteligência.

Longas horas são marcadas pela constância dos gestos certeiros. Na companhia da música que lhe chega pelos fones de ouvido, as ideias desenhadas vão tomando forma, sob a aparente calma do ateliê-refúgio, habitado por uma miríade de objetos e de pensamentos.

Nesta exposição, as obras são traduções exclusivas que o artista fez de elementos da natureza. Há um rio de pequenas ondas, que muda o seu curso para desviar de obstáculos. Há uma nuvem composta de peças milimetricamente encaixadas. Há um arquipélago de formas orgânicas, cujas partes parecem ter brotado de profundezas desconhecidas. E há uma árvore-síntese dos impulsos vitais em oposição, com extremidades pontiagudas se desenvolvendo em ambos os polos. Qualquer alteração nesse movimento poderia ser fatal ao organismo metafórico, em que pulsões opostas disputam a dominância.

Numa era em que as experiências tendem a ser transitórias, tudo o que surge do embate entre o artista-demiurgo e a matéria inerte ganha a aura das coisas únicas que merecem existir no mundo. Não há réplicas. Não há simulacros. O que existe é energia produtiva materializada em obras que, além do impacto estético que produzem – sim, estamos precisando valorizar as pequenas delicadezas da vida cotidiana -, nos falam de resiliência, determinação e esperança de tempos melhores.

Curadora: Neiva Bohns

 

Sobre o artista

 

Escultor, principalmente trabalhos com madeira. Formado pelo Instituto de Artes da UFRGS. Participou da exposição “Como Vai Você Geração 80” e dos “Panoramas de Arte no MAM/SP”, sendo premiado no ano de 1988. Realizou diversas exposições pelo Brasil e participou de duas Bienais do Mercosul (1999 e 2005). Executou diversas obras públicas, em locais como a Unicamp (Praça das Bandeiras), a Casa de Cultura Mário Quintana e o Aeroporto Salgado Filho, ambas em Porto Alegre, cidade onde nasceu e trabalha.

Até 30 de novembro.

Cabelo

14/out

 

 

Aurora Incorpora Cobra Coral

 

 

A Gentil Carioca, o Auroras e a Bergamin & Gomide, têm o prazer de apresentar a exposição “Aurora Incorpora Cobra Coral”, a primeira exposição do poeta, músico e artista visual Cabelo no espaço Auroras, Morumbi, São Paulo, SP.

 

 

A voz d’ Aurora canta luz com trevas
Aurora incorpora cobra coral
O som da chuva que cai lá fora
E a força do raio que chega com o temporal

 

 

Sua obra pulsante incorpora o espaço, ressoando a concepção de Lygia Clark – “a casa é o corpo” – e trazendo um conjunto heterogêneo de referências que convivem: desde figuras de religiões de matrizes africanas até cosmologias dos povos originários desta terra. Dentro de sua mitologia própria que é materializada nesse grande projeto “Luz com Trevas”, a exposição traz novas pinturas, desenhos, monotipias, esculturas, neons, instalações e vídeos em um ambiente camuflado pelas padronagens características do artista.

 

 

Esse diálogo com a produção do artista ocupa diferentes ambientes do Auroras e essa EXUberancia é incorporada ao espaço que abriga e torna-se também personagem nessa exposição realizada a partir de uma parceria entre as galerias e o espaço Auroras.

 

 

Se a poesia é um dos pontos de partida para o artista, na mostra, todas as linguagens se misturam para criar um ambiente onde confluem diversas ancestralidades.

 

 

Aqui a Casa é o Corpo, o Cavalo que Incorpora Cobra Coral, Cavalo do Cavalo!

 

 

 

 

As obras estão expostas no espaço físico do Auroras
Visitação: sex e sab de 11 às 18h.

 

 

 

Outros dias, mediante agendamento.

 

De acordo com os protocolos estabelecidos pelas autoridades, só será permitida a entrada após a apresentação do comprovante de vacinação contra a Covid-19 (digital ou físico). Na entrada, será medida a temperatura corporal e é obrigatório o uso de máscara durante a visitação à exposição.

 

 

 

 

De 16 de outubro a 29 de janeiro de 2022.

 

 

O Museu do Pontual, reinventado

08/out

 

 

 

A partir deste sábado, dia 9 de outubro, estará aberto à visitação pública o novo espaço do Museu do Pontal, próximo ao Bosque da Barra, com atividades voltadas para as crianças, como espetáculos de teatro de mamulengos, de palhaços, perna de pau, diversas oficinas – uma especializada para bebês, e outra com o artista Getúlio Damado, de Santa Teresa, conhecido pelos bondinhos que cria – além de contação de histórias e experiências sensoriais. A capacidade é limitada para cada atividade, e as senhas serão distribuídas por ordem de chegada. Instalado em um terreno de 14 mil metros quadrados, próximo ao Bosque da Barra e ao lado do condomínio Alphaville Residências, o Museu do Pontal possui dez mil metros quadrados de área verde, onde estão plantadas dezenas de milhares de mudas de 73 espécies nativas brasileiras. Esta inauguração é resultado de uma grande colaboração coletiva que envolveu mais de mil pessoas e empresas como BNDES, Instituto Cultural Vale, Itaú Cultural, entre outras, a partir da Lei de Incentivo à Cultura do Governo Federal. E ainda, especialmente, o IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) e a Prefeitura do Rio de Janeiro. Referência internacional em arte popular brasileira, com mais de nove mil obras de 300 artistas – o maior acervo do gênero -, e de relevância reconhecida pela Unesco, o Museu do Pontal inaugura sua nova sede com o conjunto de seis exposições “Novos ares: Pontal reinventado”, que mostram a riqueza e a diversidade do Brasil, marcando este importante momento na história do Museu. A curadoria é de Angela Mascelani, diretora artística do Museu do Pontal, e de Lucas Van de Beuque, diretor executivo, com a colaboração da designer Roberta Barros e do arquiteto Raphael Secchin no desenho expositivo, pesquisa Moana Van de Beuque e coordenação de conteúdo de Fabiana Comparato. Com coordenação de Cecília Einsfeld, a programação educativa deste fim de semana, em torno de uma hora de duração por cada atividade, é a seguinte:

 

 

09 de outubro

10h – Oficina Bebê – Brincadeiras Musicais, com Bebel Nicioli – Para bebês e crianças até 3 anos, com duração de 1h.

11h, 14h30 e 16h30 – Visita Musicada, com os arte-educadores Beatriz Bessa e Pedro Cavalcante, com duração de aproximada de 1h30, classificação livre.

14h30 – Oficina Fazer Brinquedos, com Getúlio Damado, criador de maquetes do bondinho de Santa Teresa – A partir de oito anos de idade, vagas ilimitadas.

15h30 – Espetáculo Solo Protocolo, com Ricardo Gadelha – Classificação livre, com duração de 40 minutos.

10 de outubro

10h e às 15h30 – Teatro de Mamulengo com o espetáculo “A Sambada de Simão nas Terras de São Saruê”, de Adiel Luna – Classificação livre, com duração de 1h.

11h, 14h30 e 16h30 – Visita Musicada, com os arte-educadores Beatriz Bessa e Pedro Cavalcante, com duração de aproximada de 1h30, classificação livre.

14h30 – Oficina Fazer Brinquedos, com Getúlio Damado, criador de maquetes do bondinho de Santa Teresa – A partir de oito anos de idade, vagas ilimitadas.

 

 

O conjunto das exposições inaugurais se chama “Novos ares: Pontal reinventado”, marcando este importante momento na história do Museu. São seis exposições, uma de longa duração, e cinco temporárias, que reúnem 700 conjuntos de obras, com um total de cerca de duas mil peças. O Museu do Pontal terá um café/restaurante, uma loja, e uma extensa programação para todos os públicos.

 

 

Em meio às exposições, o público verá a riqueza da arte popular através de vídeos e textos poéticos, e em depoimentos de personalidades como Gilberto Gil, Dona Isabel, Ailton Krenak e José Saramago. O percurso expositivo de mil metros quadrados terá cores e aberturas em suas paredes, que permitem vislumbrar uma perspectiva do amplo espaço, de modo a revestir de magia e encantamento o mergulho do público no universo da arte popular.

 

 

“Novos ares: Pontal reinventado” abrange obras do acervo do Museu e de importantes coleções convidadas. A exposição de longa duração faz uma homenagem à proposta original de apresentação das obras do Museu do Pontal criada por seu idealizador e fundador, Jacques Van de Beuque (1922-2000), que estabeleceu uma maneira própria e inovadora para apresentar o Brasil profundo revelado por seus artistas populares. Esta concepção foi revisitada à luz de 2021, com uma nova compreensão dos ciclos criados por ele, que apontavam as transformações do Brasil com a migração da área rural para a cidade.

 

 

Em torno da exposição central estarão cinco outras exposições nucleares, temporárias, focadas na diversidade da produção artística do país, com esculturas que dialogam com temas fortes da cultura brasileira, a partir dos olhares originais de seus autores.

 

 

 

MAHATMA

01/out

 

 

 

O Museu de Arte Sacra de São Paulo – MAS / SP, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, em parceria com Consulado Geral da Índia em São Paulo e o Swami Vivekananda Cultural Centre, trazem ao público paulistano a exposição “MAHATMA” com 17 fotografias que exibem registros da jornada de vida de Mahatma Gandhi abrangendo alguns eventos importantes de sua vida. Sob curadoria de Puja Kaushik, a mostra ocupa o espaço expositivo da Sala MAS/Metrô Tiradentes e é parte das celebrações do 75° aniversário de Independência da Índia.

 

 

“A vida de Mahatma Gandhi nos lembra o poder da verdade, da paz e da não-violência. Enquanto a Índia celebra o 75º ano de sua independência do domínio colonial, esta exposição captura a transformação de Gandhi de uma pessoa comum em um líder de massas, que derrotou o Império Britânico usando métodos simples de não cooperação e desobediência civil. A vida de Mahatma continua a inspirar pessoas em todo o mundo. Os princípios e ideais de Gandhi oferecem uma solução prática para encarar os desafios enfrentados pela humanidade”, declara Amit Kumar Mishra, Consul Geral da Índia em São Paulo.

 

Mohandas Karamchand Gandhi é considerado um dos líderes espiritual, social e político mais venerado do mundo sendo a principal liderança do movimento de independência da Índia, que adotou uma filosofia única de resistência não violenta, desobediência civil e não cooperação para, não apenas alcançar o fim do colonialismo britânico, mas também para criar transformação social. Os principais pilares de sua filosofia são: a verdade e a não violência. Porém a definição desses conceitos vai além do significado das expressões. Para Gandhi, “verdade vai além da simples veracidade das palavras e ações, incluindo também a fé na verdade suprema e uma forte crença na moralidade; ao mesmo tempo em que a não violência, não é mera ausência de violência, mas significa amor por todas as criaturas vivas”.

 

 

As imagens selecionadas pela curadora para compor a mostra, cujos originais pertencem ao acervo do National Gandhi Museum, New Delhi, India, revelam alguns eventos que tiveram grande importância na trajetória de Mahatma Gandhi e deram origem à arma mais poderosa conhecida pela humanidade – Satyagraha (princípio da não agressão). Cada fotografia destaca um marco importante na vida e na jornada de Gandhi.

 

 

A curadoria de Puja Kaushik está atenta à necessidade de contextualização do tema e, como informações adicionais, adicionou itens que agem como complemento à assimilação da história e sua importância pela sociedade ocidental. Uma escultura de bronze de Mahatma Gandhi, por Biman Bihari Das, renomado artista indiano; um Charkha – roda giratória – que era a personificação física e o símbolo do programa construtivo de Gandhi; Selos, com um recorte de filatelia, com abrangência mundial, emitidos em memória de Mahatma Gandhi, bem como algumas publicações importantes, da editora Palas Athena, que ajuda a explicar o papel que Gandhi e seus ensinamentos já desempenham no Brasil para promover a não-violência.

 

 

No momento atual onde o planeta passa por adaptações e mudanças que destacam ainda mais todos os problemas como injustiça social, desigualdade econômica, corrupção e pobreza, a o tema “MAHATMA” é de grande importância para dar destaque a esforços que devem ser feitos pelo bem comum e o trabalho necessário para que pessoas se reconectem com os ensinamentos e a filosofia de Gandhi. “Acredito que a ideologia de Gandhi – “Seja a mudança que você quer ver” – é de grande importância. Hoje, todos falamos sobre os problemas da sociedade ou de pessoas ao nosso redor, mas dificilmente fazemos algo a respeito. É importante que, primeiro, façamos a mudança em nosso círculo e então, somente então, o mundo mudará” explica a curadora.

 

 

“MAHATMA”, não apenas dá ao público um vislumbre dos eventos marcantes da vida de Gandhi, mas também compartilha a jornada de um homem comum se tornando o “Mahatma”.

 

 

Puja Kaushik

 

 

Até 31 de outubro.

 

 

 

 

 

Agora online | Exposição individual de Ernesto Neto

29/set

 

 

A Carpintaria, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, tem o prazer de apresentar “O beijo Vi de Só e Té Água e Fô e outras tecelã”, uma exposição de Ernesto Neto incluindo trabalhos inéditos que tratam da inter-relação entre o céu e a terra, cerâmica e crochê, escultura e espaço. Juntas, essas novas obras são entremeadas à arquitetura da Carpintaria, onde o chão, a parede e o teto foram integrados na montagem de uma experiência imersiva.

 

 

Carta Serpente para um corpo porvir

por Catarina Duncan

 

 

Peço licença, aos meus mais velhos e aos meus mais novos, de todas as espécies que coabitam o mundo, reconheço a vida que há em tudo. Peço licença para abrir os caminhos dos encontros, para criar essa carta em direção a um organismo que se forma, mas que ainda não existe. Escrevo a partir de vestígios de memórias do que ainda está por vir, uma composição, uma dança, entre muitas vidas, muitas gotas, que formam um corpo só. Seja bem-vinda beijo vida, de terra e sol, e outras tecelagens.

 

Neto percebe a escultura como um organismo vivo e transgressor, que se devora e se transforma constantemente e àqueles que a observam. O ambiente criado pelo artista nesta montagem sugere uma (re)construção do espaço social e do mundo natural, atravessando os limites do corpo escultural em uma paisagem reinventada.

 

 

Um céu de crochê dá suporte a esculturas compostas de formas longilíneas suspensas, como gotas preenchidas por folhas de ervas ou nozes que caem em direção a peças de cerâmica, que por sua vez “brotam” do chão, aludindo a beijos entre corpos distintos. Aqui, o artista propõe uma metáfora de um encontro amoroso entre o céu e a terra.

 

 

No novo corpo de trabalho ‘entidade tecelã’, o artista usa bastidores de MDF em recortes biomórficos e fios de malha de algodão coloridos para manualmente criar tramas, com uma técnica de tecelagem que opera entre a microtensão dos fios entrelaçados e os espaços vazios de respiro.

 

 

Outras obras feitas de galhos secos envoltos por barbantes, explora a relação de tensão e equilíbrio entre diferentes materiais do cotidiano e formas da natureza.

 

 

“Para acompanhar esse nascimento foi convocada uma entidade tecelã, que cria o mundo enquanto se cria, forjando teias que brotam de dentro, conectam e integram nos lembrando que nada existe em isolamento”

 

 

Catarina Duncan

 

 

“Um dos principais saberes que as sociedades indígenas têm e que torna seu pensamento valioso é justamente uma outra maneira de conceber a relação entre a sociedade e a natureza, entre os humanos e os não-humanos, uma outra forma de conceber a relação entre a Humanidade e o restante do cosmos.”

 

 

Cristine Takuá

 

 

Sobre o artista

 

 

Ernesto Neto nasceu no Rio de Janeiro, em 1964, onde vive e trabalha. Outras exposições recentes incluem: Mentre la vita ci respira, Galleria d’Arte Moderna e Contemporanea di Bergamo (Bergamo, 2021), SunForceOceanLife, The Museum of Fine Arts (Houston, 2021); Sopro, Centro Cultural La Moneda (Santiago, 2021), MALBA (Buenos Aires, 2019), Pinacoteca do Estado de São Paulo, (São Paulo, 2019); GaiaMotherTree, Zurich Main Station, apresentada pela Fondation Beyeler, (Zurich, 2018); The Body that Carries Me, Guggenheim Bilbao (Bilbao, 2014). Seu trabalho integra as coleções do Centre Georges Pompidou (Paris), Guggenheim (New York), MoMA (New York), Museo Reina Sofía (Madrid), Tate (London), entre outras.

 

Quacors e Prismas 2021

28/set

 

 

 

O escultor Ascânio MMM realiza a exposição individual,  “Quacors e Prismas 20121”, até 27 de Novembro na Galeria Simões de Assis, Curitiba, PR .

 

 

Ascânio MMM – Como nos fazer sentir em casa no mundo

 

Vivemos em uma época em que nos distanciamos da realidade sensível, na medida em que habitamos, a maior parte do tempo, zonas digitais cujas telas, sempre lisas e limpas, simulam uma temporalidade não humana para a qual as marcas do tempo, as imperfeições, nunca chegam. Essa época marcada pela virtualidade, pela diluição da dimensão corpórea da relação com o mundo, é ainda aquela na qual prevalece o elogio do pragmatismo, da eficácia. A cada atitude, a cada gesto, a cada fala, somos chamados a calcular o resultado que irá se retirar dali. Gratuidade e inutilidade são palavras desvalorizadas na gramática vencedora da atualidade. Ao longo deste texto esperamos mostrar como os trabalhos de Ascânio MMM, reunidos em sua exposição “Quacors e Prismas”, na Simões de Assis, estão na contramão de tais imperativos que marcam o nosso tempo.

 

Antes de nos aproximarmos das obras hoje reunidas, cabe recordar brevemente o contexto que permeava o começo da trajetória do artista, pois esse princípio parece até hoje ecoar em sua poética. Nascido no vilarejo de Fão, em Portugal, em 1941, Ascânio chega ao Brasil em 1959, onde passa a morar no Rio de Janeiro. No começo daquela década ocorreu a primeira edição da Bienal de São Paulo, em 1951. Sediada no pavilhão do Trianon (onde posteriormente seria construído o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), a exposição teve como um dos seus protagonistas o suíço Max Bill (1908-1994), cuja escultura “Unidade tripartida” (1948/1949) foi decisiva para os rumos de certa produção local. O Brasil veria o seu meio artístico acolher muitas das lições do construtivismo geométrico sintetizadas na produção do artista suíço. Ou seja, passava-se a ter como modelo uma manifestação que espelhava um ideal racionalista fundador da modernidade europeia.

 

 

No fim daquela mesma década, no ano da chegada de Ascânio ao Brasil, veríamos nascer uma inflexão do projeto construtivo por intermédio do movimento neoconcreto. Com a participação de nomes como Franz Weissmann, Lygia Clark e Lygia Pape, o neoconcretismo criaria um atrito entre a assepsia ideal característica da abstração geométrica e o registro pulsante daquilo que é vivo, pois parte do corpo, da natureza, da rua, do cotidiano. Assim, Ascânio chega a um Brasil que respirava o ar do construtivismo, ao mesmo tempo em que começava a tencioná-lo por meio das investidas dos artistas locais da sua geração. Era ainda este o momento da etapa final da construção de Brasília, capital assinada por Oscar Niemeyer, que se tornaria um marco da arquitetura moderna mundial.

 

 

Em meados da década de 1960, o artista passa a frequentar o círculo ao redor do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, simultaneamente à sua passagem pela Escola Nacional de Belas Artes. Ascânio graduou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ) em 1969. Concomitantemente ao início da sua pesquisa artística, atua como arquiteto até 1976.

 

Mas o leitor deve estar se perguntando: por que fazer essa introdução (de resto bem conhecida por aqueles que acompanham a sua trajetória) para chegar até à exposição que hoje vemos, “Quacors e Prismas – 2021”? O fazemos por acreditar que em toda a sua obra testemunha-se uma espécie de mescla singular e potente dos elementos que estão presentes nesse princípio. Sua produção vincula-se, de maneira decisiva, a uma “vontade construtiva” que tem origem na abstração geométrica; o seu olhar, forjado pela arquitetura, está marcado em cada um dos seus trabalhos, ao mesmo tempo em que, mesmo sem ter feito parte do movimento neoconcreto, sua obra sempre abriu brechas para as indeterminações provenientes do chamado mundo da vida.

 

 

Uma das séries que compõem a presente exposição é a batizada “Quacors” – um neologismo criado pelo artista que une as palavras quadrado e cor. Estamos diante de híbridos de esculturas e pinturas. Parte da longa pesquisa de Ascânio sobre as possibilidades do alumínio, os “Quacors” surgem como espécies de blocos nos quais uma sucessão de módulos quadrados – ora vazados, ora preenchidos – são articulados por parafusos dotados de certa folga, de tal forma que as composições sejam a um só tempo tesas e fluidas.

 

Note-se que estamos diante de uma simultaneidade na divergência. O artista opera sobre uma grade rígida, mas no interior dela é infiltrada certa maleabilidade, organicidade insuspeitada. O distencionamento do rigor geométrico, a abertura que convoca o outro a se engajar não somente através da retina, mas de corpo inteiro, ficam evidentes, por exemplo, na peça “Quacors 24”. Aqui o trabalho não está preso à parede, mas sim pendurado desde o teto. Tal escolha gera uma espécie de colchão de ar que o separa do fundo, deixando-o flutuar levemente no espaço. Os parafusos que unem as dezenas de módulos ficam frouxos o suficiente para que a peça ganhe um sentido cinético, podendo se movimentar ao menor sopor de ar ao seu redor. Tal movimento, por sua vez, pode produzir um som, adicionando mais uma camada sensorial à experiência.

 

 

Temos, portanto, a chance de vivenciar distintas percepções diante da mesma obra. Dependendo da perspectiva que a olhamos, um novo desenho se forma. Quando nos colocamos frontalmente diante de “Quacors 24”, o trabalho desvela-se como uma composição quadrada de grande dimensão. A vasta área de elementos vazados (que faz da parede e de suas sombras parte da obra) ganha a presença de uma linha vermelha incompleta em seu meio à direita, cujo rebatimento se dá na parte inferior do quadro, com uma linha azul. Na parte inferior esquerda, uma série de quadrados brancos formam um triângulo. Mas essa é somente uma de suas feições possíveis, talvez a mais rígida, acompanhando o olhar frontal. Caso desloquemos o corpo um pouco para o lado, e com isso a nossa mirada passe a ser de soslaio, temos simultaneamente a mesma e outra obra. Agora saltam os amarelos, azuis e vermelhos que habitam a parte interna dos módulos, o que transforma de maneira decisiva a experiência que se tem do trabalho. Note-se que a introdução da cor, pontual, mas aguda, cumpre papel fundamental para essa variedade de perspectivas. Esse engajamento, que faz com que aquilo que vemos também nos olhe, tornando a obra parte de um agenciamento que mobiliza a um só tempo a visão e o corpo, é reflexo de uma poética que ao longo dos últimos cinquenta e cinco anos tece uma união ímpar entre a medida exata que deriva dos números e aquela que advém dos corpos, sendo, portanto, sempre variável, pois parte do mundo da vida.

 

Se a série “Quacors” convoca uma relação corpórea, tal vínculo se intensifica com as esculturas nomeadas “Prismas”, nas quais são sublinhadas as variações entre transparência e opacidade. Comparece também aqui a vocação para a escala pública tão presente na produção do artista. O próprio uso do alumínio veio responder às necessidades postas pela colocação da obra ao ar livre – o material é muito mais resistente do que a madeira às intempéries do tempo. Assim como os “Quacors”, dependendo do ângulo pelo qual olhamos cada um dos “Prismas”, estes ganham ora visualidade mais opaca, ora mais etérea, ora prevalecem os cheios, ora os vazios. Vale notar como os títulos dos trabalhos estão sempre acompanhados de um número, o que os aproxima dos postulados concretos ao indicar a serialidade como dado relevante. Porém, tal sentido de serialidade, de repetição, é quebrado pela multiplicidade de percepções que a obra oferece, assim como pelo seu fazer manual que finda por introduzir um rastro de diferença e singularidade em cada uma das peças.

 

 

Se sublinhamos o registro corpóreo da produção de Ascânio, isso só pode ser plenamente abordado caso nos lembremos do processo que envolve a sua realização. A confluência entre cálculo e contingencialidade que forja toda a sua “poética da razão” é construída no trabalho cotidiano, corpóreo mesmo, que se dá no interior de seu amplo e fértil ateliê. Trabalho este que desfaz as fronteiras tão comuns entre aquele que pensa e aquele que executa. A sua formação em arquitetura, que poderia tê-lo feito separar tais etapas, resultou o contrário. Em depoimento ao curador Paulo Miyada, Ascânio deixa isso evidente: “Na minha obra há uma questão importante. Todos os trabalhos são executados no meu ateliê, o percurso PROJETO / OBJETO é realizado no meu ateliê. Eu projeto e construo a obra, determino o perfil do alumínio, que chega ao ateli em barras de seis metros. O alumínio é um material usado na indústria, especialmente na construção civil. A manipulação do material, a descoberta de novas potencialidades do material – tanto na madeira quanto no alumínio, no cortar, no furar etc. – tem sido muito importante na pesquisa e nas descobertas de novos caminhos. Os Quasos, minha pesquisa de hoje, só foi possível no meu dia a dia no ateliê. Com certeza eu não chegaria a eles sem esse embate diário.”

 

 

Me parece que a passagem acima guarda uma pista decisiva para compreendermos melhor a fina intercessão entre razão técnica e fazer poético que perpassa toda a obra do artista. Para avançarmos nessa compreensão, faço antes uma breve digressão. É conhecida entre os que estudam o campo da fenomenologia a passagem do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) presente em seu ensaio “O Olho e o Espírito”: “A ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos internos delas e, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de longe em longe se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolto, esse parti pris de tratar todo ser como “objeto em geral”, isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios.”

 

Ora, leiamos novamente: “manipula as coisas”, “renuncia a habitá-las”, “só de longe se defronta com o mundo atual”, “trata todo o ser como ‘objeto em geral’, isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós”. Tais afirmações descortinam de modo crítico o papel da ciência. De acordo com Merleau-Ponty, a ciência, no seu enfrentamento com o mundo, se coloca de maneira distanciada, instrumental, anulando assim toda sorte de singularidade que povoa a dimensão tangível da vida. A diluição do mundo exterior em estados subjetivos (herança da filosofia cartesiana) legou um mundo para a modernidade em que tudo a que se tem acesso sobre o mesmo se restringe a resultados filtrados por algum tipo de medição. O que está em jogo, neste sentido, nunca seria realidade palpável.

 

 

A passagem de Merleau-Ponty, escrita em 1960, delineia de maneira sintética um ethos no qual se dá o domínio da técnica, ou seja, o domínio de uma maneira de apreender o mundo capaz de eclipsar o seu registro sensível e privilegiar aquilo que é passível de exercer utilidade clara. Não parece exagero afirmar que passado mais de meio século a experiência ao nosso redor se tornou, crescentemente, a de uma época que faz o elogio incessante da eficácia em todas as esferas da vida cotidiana. Em contraposição ao império do pragmatismo, daquilo que pode ser medido em números, a arte seria o território em que ainda estaria preservado o modo de habitar o mundo marcado por alguma dose de inutilidade, de imprevisibilidade. Assim como se daria, ali, a chance de valorização da dimensão sensível no contato com o real. No limite, a arte uniria as pontas divorciadas do olho e do espírito.

 

 

Podemos agora retornar ao depoimento do artista. Ao afirmar que o seu ateliê não funciona somente como espaço onde se concebe o projeto das obras, que poderiam depois ser executadas fora dali, mas o contrário, que se trata de um território onde se dá projeto e execução; o que está sendo endereçado é a chance de intercâmbio entre os parâmetros ideais da técnica e os ensinamentos trazidos pela experiência processual que o fazer cotidiano agrega. É nessa travessia, entre o que foi projetado e realizado, com todos os aprendizados e acasos incluídos, que se dá a chance de unir as pontas entre “a vontade da forma, por um lado, e a abertura às indeterminações variadas da vida por outro.”

 

 

Ao contrário da ciência que “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, Ascânio manipula os materiais com vias a habitá-los, a dar uma segunda e insuspeitada pele para os mesmos. Restitui assim ao termo “técnica” o sentido dado pelos gregos antigos, qual seja, techné como arte do fazer e arte do pensar. Os gestos de cortar, furar, torcer, pesar, medir, aparafusar, pintar, se conformam como um embate corpóreo que ensina, modifica, gera desvios, descobertas, surpresas. O frio e asséptico alumínio, que tem utilidade clara no campo da indústria da construção, ao adentrar o ateliê ganha outro destino, desprovido de função evidente, com vias a se tornar parte de um singular acontecimento poético. Nesse sentido, podemos afirmar que a obra de Ascânio ecoa uma preciosa passagem da filósofa judia Hannah Arendt: “Os únicos objetos que parecem destituídos de fim são os objetos estéticos, por um lado, e os homens, por outro. Deles não podemos perguntar com que finalidade? Para que servem? Pois não servem para nada. Mas a ausência de fim da arte tem o ‘fim’ de fazer com que os homens se sintam em casa no mundo.”

 

 

Ora, os trabalhos reunidos em “Quacors e Prismas 2021” sintetizam o belo desenho que forja a trajetória do arquiteto que se tornou o artista que jamais abandonou os preceitos da arquitetura em sua produção. Assim, ao longo dos últimos cinquenta e cinco anos, Ascânio MMM vem sendo capaz de nos endereçar obras que, unindo “a lógica da matemática e a emoção estética da forma”, são dotadas da potência rara de nos fazer sentir em casa no mundo.

 

 

Luisa Duarte

 

 

 

Bruno Passos na Kogan Amaro SP

 

 

O pintor e escultor Bruno Passos apresenta até o dia 30 de outubro na Galeria Kogan Amaro São Paulo, Alameda Franca, 1054, Jardim Paulista, a exposição “Há coisas entre nós que não dizemos em voz alta.

 

 

A arte e o “real”

 

 

“Que quadro lindo! Parece uma fotografia…” O elogio é frequente nas conversas do público em museus e exposições. É fácil atacar a visão naïf no campo da estética. Mesmo sincera e válida para o indivíduo que a emite, a opinião que aproxima arte da semelhança com o “real” é a morte da arte em si. Reduzida à função de mimesis, a representação artística, a rigor, estaria condenada a um papel subalterno, já que hoje, mais do que nunca, poderia ser substituída por bons recursos de fotografia digital retocada por programas que aproximam ainda mais a imagem do real (ou daquilo que se supõe que ele seja). Pior, a ideia ignora que a fotografia também é uma interpretação, assim como quaisquer arroubos hiper-realistas que, de quando em vez, encontramos pelas estradas da vida.

 

 

Entre dois polos, o figurativo e o abstracionismo, estaria uma parte do debate no campo artístico. Claro que as questões são mais complexas. Caravaggio e Ingres, por exemplo, são pintores figurativos, ambos, e, de muitas formas, opostos em método e objetivos.

 

 

Quando Monteiro Lobato atacou Anita Malfatti em artigo famoso, nada mais fez do que apostar no abismo suposto entre os que faziam “arte pura” (como Praxíteles e Rodin) e aqueles cuja produção se aproximava da dos internados em manicômios. Sim, muitos indicaram que a irritação do escritor era com a subserviência a vanguardas estrangeiras, mais do que com os traços modernistas da exposição de 1917. O fato é que ele colocou o escultor grego da famosa Afrodite de Cnido e o escultor francês da estátua de Balzac como integrantes de um time unido por ideais artísticos similares. O que Praxíteles diria de Rodin? Impossível saber, porém seria lógico imaginar que seria uma crítica pior do que a de Lobato. O time da “arte pura” teria dificuldades em atuar em conjunto no campo.

 

Acho que nunca será dito o suficiente: toda arte é interpretação e a figuração é um dos muitos aspectos da subjetividade possível. Escultores clássicos gregos e idealizadores de móbiles voadores milionários são intérpretes subjetivos de um mundo e de um olhar. A visão do estilo do artista também deve levar em conta a apreciação mutante do público.  Mudam os estilos de cada criador e muda a percepção sobre ele. A arte clássica helênica que Lobato e sua tribo admiravam era, na época do seu apogeu, coberta de cores berrantes. Muitas camadas estéticas seriam removidas, para que o branco do mármore do Monte Pentélico pudesse assumir a sobriedade clássica hoje louvada. Toda arte é interpretação e todo olhar possui história.

 

 

Os Passos de Bruno

 

 

O artista Bruno Passos nasceu em 1985, em Marília, São Paulo. A partir de um início no mundo da moda e do design, dedicou-se ao campo da pintura e da escultura. Um ponto fundamental foi ter trabalhado ao lado do pintor escandinavo Odd Nerdrum (1944), cuja influência foi decisiva em seu trabalho. Contudo, Bruno sempre invocou a ascendência de outros mestres além do nórdico. Honoré Daumier (1808-1879) traz o interesse pelo humano fora da beleza acadêmica ou do decorativo dos salões. Tal como Daumier, Bruno não deseja que sua obra exista apenas para combinar com a cortina. O fauvismo criativo de Henri Matisse (1869-1954) também paira sobre a inspiração de Bruno, com um toque mais rebaixado e reflexivo. Talvez seja possível também a ideia de Matisse, em dia tenso, admirando a grande onda de Hokusai (1760-1849) que tenta submergir barquinhos frágeis. Fragilidade, elemento água e narrativa trágica encoberta na paz são linhas fortes da arte de Bruno Passos.

 

 

As obras ou… as coisas entre as coisas

 

Como ele próprio declara, Bruno é o pintor de “entrecoisas”. Entre o visível/banal do mundo e algo que o olhar do artista capta existe o fluxo sutil das “entrecoisas”. Estas surgem com muitos suportes, desde o óleo sobre a tela até o compensado naval. Bruno experimenta. O cinzel pode ser substituído, em algumas esculturas, pela faca. Acha forte? Serão notados golpes de machado em outras pinturas. Há um barbarismo estetizante e cheio de energia. A tinta acrílica, com suas fronteiras fortes, deve dialogar com o oriental e sóbrio nanquim. Nada fica muito fixo como método porque, afinal, ele não está trabalhando com as coisas, porém com o fluxo contínuo “entrecoisas”.

 

 

O autor viaja pelo Brasil “profundo” em busca de novas fontes. Ele difere do projeto “povo e nação” porque não é um antropólogo do folclore. O país de Bruno está imerso no que o artista denominou: “universalidade brutal dos sentidos”. Suas obras gritam contra a padronização atual, contra o “chapamento” do real pelos discursos de marketing pessoal. Ele deseja o que pulsa, o que repulsa, o que atrai e choca. Bruno é seduzido pelo ser. Os quadros tornam as stories do Instagram ainda mais pastiches de Dorian Gray. O que a rede social oculta, ele traz à tona. Funciona como a lição de anatomia do Dr. Tulp, de outro mestre que influencia nosso artista: Rembrandt (1606-1669). Se o doutor Nicolaes Tulp mostrava a seus alunos flamengos cada fibra muscular e nervo, Bruno exibe, em seus quadros, o pulsar cru da vida, uma lição de anatomia vibrante e não o mundo lido por filtros de melhora, como em redes sociais. Tudo iluminado por uma luz que não é a simples e costumeira adição de branco. A luminosidade vem de um tom qualquer que dialogue com o denso-áspero da sombra.

 

 

Sabemos que pintores neoclássicos passavam um longo tempo disfarçando a irregularidade da superfície, para que, no liso absoluto do quadro, brilhasse uma ordem matemática e ideal. Bruno está em outro lugar. Sua obra atualmente apresenta mais irregularidades intencionais do que há alguns anos. Sobreposição de tintas e de intervenções mecânicas criam um aspecto de alto-relevo e de tridimensionalidade, como outra forma de ampliar a percepção do quadro. Bruno mostra o prédio e os andaimes do possível da sua concepção. Arquiteto/pedreiro que gosta do revelar e odeia o velar.

 

 

Não procure uma zona de conforto decorativa. Os títulos colaboram ainda mais para desinstalar. Querem um bom exemplo? Bruno retratou a companheira com uma centralização quase rafaelesca e delicada e nomeou ao quadro como ”Harpia”, o monstro mitológico que roubava comida e atacava pessoas com suas garras de águia e rosto de mulher.

 

 

A natureza ocupa um novo espaço na etapa atual de produção do criador. “Eu já não estou mais aqui” faz a água fluir sobre um quase fantasma que se dilui nela sem perder o medo instintivo. É uma cachoeira poderosa e original, uma hemorragia hídrica que tenta irrigar um ser incapaz de produzir o famoso “sentimento oceânico de S. Freud” (1856-1939), a plena diluição da consciência em um todo maior. Sim, “Há coisas entre nós que não dizemos em voz alta”, como mostra outro quadro. A solidão contemporânea talvez seja a mais dramática de todas.

 

 

Todas as esculturas trazem o traço da humanidade olhada sem romantismo, sem crueldade, perfectíveis sem perfeição. A metáfora líquida, frequente nos quadros, atinge o rosto que emerge da maré. São instantâneos realistas sem Photoshop. Parecem novas versões dos schiavi de Michelângelo (1475-1564). Lá, o escultor queria fazer o ser humano emergir da matéria bruta e adquirir sua posição no mundo. Aqui, cada pessoa já se libertou da matéria e adquiriu uma dimensão calma, quase resignada. Intuo que tenha surgido, ali, em materiais diversos, o humano pós-tudo: pós-pandemia, pós-modernidade líquida e pós-humano. Existe um brutalismo formal e uma delicadeza insuspeitada nas posições propostas para as figuras tridimensionais. Enquanto Caravaggio quis mostrar a Medusa que chocasse o observador em um escudo, Bernini (1598-1680) esculpiu uma Alma Danada para eternizar o terror de um condenado ao inferno e Camille Claudel (1864-1943) materializou o desalento do abandono, Bruno Passos não pretende nada catequético, dramático ou sedutor. Como seríamos se não fôssemos para os outros, se fôssemos para nós e em nós? As esculturas dele ajudam na pergunta.

 

 

Enfim, Bruno desconfia da racionalidade e não chega a formular uma alternativa romântica ao domínio da razão. Funciona, nas artes, como Blaise Pascal na filosofia, desconfiando da magnitude cerebral e falando da inconstância das aparências.

 

 

Em décadas passadas, o desafio era escandalizar a burguesia, chocá-la e conseguir um lugar ao sol da publicidade pelo escândalo. O grito de “épater la bourgeoisie” é substituído por “escandalizem a suas convicções ordenadas e aparentes, sendo você proletário ou burguês”. Retire as máscaras, lave o rosto, ignore as dimensões construídas e observe. Se você ficar incomodado, não é porque você é um burguês, é porque você é um humano em uma galeria de espelhos. Ouse observar! Arrisque ver-se. Tente ser.

 

 

Final

 

 

Seria curioso registrar como encontrei Bruno Passos. Como quase toda semana, estava entrando em um concerto na Sala São Paulo. Bruno interrompeu meu trajeto e me convidou para ver a exposição dele ali ao lado. Fiquei impactado pelas obras, em particular pela imagem de um senhor negro, austero e solene, com fundo vermelho.

 

 

O retrato que ele desejava fazer de mim começou algumas semanas depois. Bruno sentado ao chão e eu em uma bergère. Litros de café fluíram em tardes de sábado, em meio a conversas sobre arte e figurativismo.

 

 

De repente, após muitas sessões, Bruno “empacou”. Não estava satisfeito com o que via. Talvez não tenha conseguido captar a “maldade” que o tinha movido inicialmente. Quem sabe, meu traço luciferino tenha sido diluído nos cafés. O quadro não foi adiante.

 

 

A sociabilidade cresceu. Frequentei o universo de Bruno e Camila no apartamento deles. Houve saraus na minha casa. Depois, mudaram-se para a Serra da Mantiqueira. Por fim, fui visitá-los no novo endereço, em Itu. Lá, estava sendo gestada a coleção que agora se apresenta ao público. O quadro permanece inacabado, assim como minha maldade. A amizade sobreviveu aos dois fatos.

 

 

Leandro Karnal (Professor da UNICAMP / Escritor).

 

 

Sobre o artista

 

 

Estilista de formação (UEL), Bruno teve seu trabalho reconhecido como um dos participantes da identidade visual do SPFW (2009), exposto posteriormente na Bienal de Veneza, também foi selecionado para a Bienal do Design Brasileiro (2013) e, como estilista, fez aparições na Folha de São Paulo, Vogue e Valor Econômico. Bruno teve seu primeiro contato com a pintura tardiamente, aos 27 anos, após uma epifania, foi quando se retirou da Moda e começou a se dedicar integralmente a pintura onde, de modo precoce, colecionou premiações e seleções nos mais tradicionais salões de pintura clássica nacional: SBA de Piracicaba, SAV de Vinhedo, SBA de Limeira, entre outros. Na sequência, foi o primeiro brasileiro aceito para ser aprendiz do pintor sueco Odd Nerdrum (MET-NY, National Gallery-Oslo, Museu de Gotemburgo), sua residência artística (Noruega 2016) foi bem sucedida e, em 2017, recebeu novo convite para retornar e ser o assistente de Nerdrum em sua maior obra física, “Opening of the Prisons”. A vivência escandinávia lhe abriu novos rumos, dos quais se destacam o convite para uma Exposição Individual na Secretaria de Cultura de São Paulo (2018) e a atual residência artística de um ano no museu FAMA, em Itu. Bruno realiza expedições sazonais aos rincões do Brasil, de onde extrai insumo para seus quadros de Brasilidades latentes e não óbvias. Seu foco é subverter a técnica acadêmica para que ela se torne uma fonte de estímulo sensorial ao espectador, estimulando emoções ao examinar o que é ser brasileiro e quais são as características que constituem esta identificação. Suas obras fazem parte de coleções na França, EUA, China e Brasil e, no ano passado, foi considerado pela revista Norueguesa Sivilisasjonen um dos três maiores pintores clássicos atuais.