Sustentabilidade e consciência ambiental.

18/mar

 

Idealizado por Susi Cantarino da Galeria Metara, Gamboa, Rio de Janeiro, RJ, em 2023, “Do Lixo ao Luxo” terá nova edição este ano, com coquetel em 27 de março passando a se chamar “Do Lixo ao Luxo Reciclando”. Além de exposição dos artistas Osvaldo Gaia e Susi Cantarino, serão apresentadas pinturas produzidas pelos alunos da Fundação Darcy Vargas em oficinas de reciclagem, que receberão molduras reutilizadas e serão vendidas no dia da inauguração. Na abertura, haverá projeção de vídeo e fotos com registros dos alunos nas oficinas e exibição de laser com frases relacionadas ao tema proposto nas paredes do vizinho Moinho Fluminense (localizado ao lado da Metara). “Do Lixo ao Luxo Reciclando” conta com patrocínio da Integra Rio e é realizado pela empresa de produção Ayssiu, de Susi Cantarino.

“O projeto Do Lixo ao Luxo nasceu da necessidade premente de conscientizar que o descarte responsável do lixo não apenas preserva o ambiente, mas também fortalece a cultura do cuidado coletivo, concretizando-se na construção de lixeiras durante as oficinas. A cada ano viremos com novas ideias e desafios e em 2025 não será diferente. Como idealizadora e produtora, sinto uma profunda alegria ao concretizar esta segunda edição do projeto, contemplado pelo Edital Integra Rio. Temos certeza de que muitas outras edições virão, ampliando nosso impacto e propósito”, afirma Susi Cantarino. “Tudo aquilo que realizamos com convicção, paixão e potência não apenas floresce no presente, mas se expande como alicerce para os projetos que estão por vir”, conclui.

Em comum entre Susi Cantarino e Osvaldo Gaia, além de seus “objet trouvé” – feitas a partir de material de descarte – que serão expostas, está o fato de ambos terem sido premiados na Bienal de Florença: Susi Cantarino em 2005, quando recebeu o prêmio pelas mãos de ninguém menos do que o artista búlgaro Christo e Osvaldo Gaia, no IV Prêmio (ano de 2007).

Sobre as oficinas.

Artistas como Luiz Badia estarão entre os monitores das oficinas que serão ministradas no dia 21 de março, na Fundação Darcy Vargas, das 12h30 às 16h. Eles também produzirão, como na primeira edição do evento, “lixeiras-artsy” que depois levarão para suas casas, estimulando a consciência ambiental em cada família. Todo o processo de confecção será registrado in loco, bem como as aulas de reciclagem de tampinhas de metal que serão transformadas em ímãs de geladeira. Alfredo Borret ensinará aos adolescentes como produzir “ecotampas”.

A diversidade da arte popular brasileira

A Galeria Jacques Ardies, Vila Mariana, São Paulo, SP, apresenta a exposição “12 Caminhos”, uma mostra que reúne o talento e a singularidade de 12 artistas de renome na arte popular brasileira. A inauguração acontece no dia 25 de março e conta com a participação dos artistas Ana Maria Dias, Cristiano Sidoti, Edivaldo, Edna de Araraquara, Enzo Ferrara, Francisco Severino, Helena Coelho, Isabel de Jesus, Lucia Buccini, Luiz Cassemio, Mara D. Lopes e Vanice Ayres.

Cada um desses artistas possui uma abordagem única, utilizando cores, formas e composições que expressam diferentes maneiras de perceber, sentir e representar o mundo ao seu redor. Apesar de suas distintas linguagens, todos compartilham a capacidade de retratar com sutileza e sensibilidade temas ligados à natureza e ao cotidiano, transmitindo em suas obras a alegria, o lirismo e o otimismo característicos do povo brasileiro.

A exposição “12 Caminhos” convida o público a embarcar em uma viagem pelo Brasil, explorando cenários diversos inspirados nas vivências e experiências de cada artista. Com um olhar autêntico e espontâneo, os participantes da mostra revelam seu universo interior por meio de um estilo próprio e facilmente reconhecível. Embora autodidatas, esses artistas acumulam anos de experiência e experimentação, buscando constantemente o aprimoramento de suas técnicas.

Em cartaz até 30 de abril.

Exibição de Adriana Varejão em N Y, Lisboa e Atenas.

17/mar

Artista explora interação entre natureza e cultura com novas obras.

A artista plástica Adriana Varejão desembarcará com suas exposições em Nova York, Lisboa e Atenas a partir do mês de março, expandindo ainda mais o seu trabalho após quase quatro décadas. As três mostras, que se conectam, também se expandem em diferentes aspectos do trabalho da artista carioca. No Hispanic Society Museum & Library (HSM&L) de Nova Iorque, por exemplo, Varejão explora a interação entre natureza e cultura com novas obras da série Pratos e uma escultura pública; já no Centro de Arte Moderna Gulbenkian, em Lisboa, a artista estabelece um diálogo com o trabalho de Paula Rego, abordando temas como violência e memória; enquanto na galeria Gagosian, em Atenas, ela investiga tradições de cerâmica, da turca a de Maragogipinho, na Bahia, relacionando sua produção contemporânea a essas tradições, que diz estar cada vez mais imersa na pesquisa sobre cerâmica, azulejos e barroco.

De 27 de março a 22 de junho, a exposição Don’t Forget: We Come From the Tropics marca a primeira individual da artista em um museu nova-iorquino, com as pinturas tridimensionais da série Pratos, entre inéditas e recentes, bem como uma grande instalação comissionada na entrada da Hispanic Society. As obras resultam das pesquisas de Varejão sobre a Amazônia e propõem uma releitura crítica do cruzamento entre natureza e cultura, além de fazer referências a tradições cerâmicas de diversas partes do mundo.

Em Lisboa, em Portugal, de 10 de abril a 22 de setembro, a exposição Entre os Vossos Dentes traz um diálogo da trajetória artística de Varejão com a da renomada portuguesa Paula Rego, no Centro de Arte Moderna Gulbenkian. Distribuída ao longo de 13 galerias temáticas, a exposição, com quase cem obras, encontra pontos de convergência surpreendentes entre os trabalhos de cada uma delas, abordando temas como violência, erotismo, apagamento e memória. Com curadoria da própria artista carioca em parceria com Helena de Freitas e Victor Gorgulho, a mostra tem expografia da cenógrafa, dramaturga e cineasta Daniela Thomas.

Encerrando a sequência de exposições, Adriana Varejão realiza sua primeira individual na galeria Gagosian de Atenas, de 15 de maio a 14 de junho. A exposição reúne obras inéditas da artista em diálogo com peças de diversas tradições cerâmicas, que cruzam tempos e geografias. A mostra será dividida em quatro núcleos: o primeiro se relaciona com vasos da Grécia, o segundo com vasos de Maragogipinho, na Bahia, conhecido como o maior pólo ceramista da América Latina, com cerca de 150 olarias. Adriana visitou a cidade para investigar a produção local, cujas peças são caracterizadas pela pintura floral em tabatinga branca sobre a cerâmica avermelhada. O terceiro núcleo está relacionado com a cerâmica chinesa da dinastia Song, incluindo um incensário raro que ela pegou emprestado com o museu Benaki. O quarto traz uma relação com tradição de Iznik, da Turquia, destacando os azuis vibrantes, um traço marcante desses trabalhos. Na exposição, Varejão propõe uma reinterpretação da cerâmica como maneira de conectar o passado e o presente, resgatando os significados históricos e culturais dessa produção artística.

Tarsila na Espanha.

O Museu Guggenheim Bilbao, Espanha, em colaboração com grandes coleções internacionais, inaugurou em fevereiro uma exposição inédita de Tarsila do Amaral. O foco da mostra é a formação de Tarsila do Amaral no Cubismo e a transição para um estilo único, profundamente influenciado pela cultura brasileira.

A exposição no Guggenheim, que vai até 1º de junho, inclui um raro exemplar de “Nu cubista”, da década de 1920 – existem apenas três, todos em coleções privadas e de difícil acesso. A obra integra um conjunto da exposição sobre a formação de Tarsila do Amaral no Cubismo enquanto “escola de invenção”, fundamental para um estilo pessoal classificado pela própria artista como “brasileiro” e “moderno”.

O público, no entanto, nota na mostra a ausência de “A Negra”, uma das obras mais emblemáticas de Tarsila do Amaral, que esteve na exposição “Pintando o Brasil moderno”, no Museu de Luxemburgo, em Paris, entre outubro de 2024 e fevereiro, mas não seguiu para o Guggenheim de Bilbao.

O Guggenheim informa que “A Negra” é uma tela muito requisitada em mostras nacionais e internacionais e está no centro do novo esquema de apresentação da exposição permanente do Museu de Arte Contemporânea da USP. A mostra foca a representação do negro na arte moderna. Em novembro de 2024, enquanto esteve na capital francesa, a icônica obra de Tarsila do Amaral foi tema de dois dias de estudos sobre sua história e recepção desde a década de 1920 até aos dias de hoje.

Fonte: O Globo.

Sérgio Ferro no MAC USP.

14/mar

A produção de Sérgio Ferro documenta e desafia as estruturas de poder, evidenciando as tensões entre criação e opressão. A mostra propõe um olhar aprofundado sobre sua trajetória e as formas como sua obra dialoga com as lutas políticas e sociais; o público terá a oportunidade de explorar a produção do arquiteto por meio de documentos, maquetes, filmes e registros históricos que compõem um retrato profundo de sua trajetória. A mostra realizada no MAC USP até 15 de junho intitulada Sérgio Ferro – Trabalho Livre, mergulha na trajetória e no pensamento crítico do arquiteto, pintor e teórico cuja obra desafia as relações entre arte, arquitetura e sociedade.

Com curadoria de Fabio Magalhães, Maristela Almeida e Pedro Fiori Arantes, a exposição investiga como Sérgio Ferro desenvolveu um pensamento único sobre o trabalho, a produção artística e a arquitetura, pautado na resistência à opressão e na busca por uma prática verdadeiramente emancipada. A intersecção entre arte e política permeia sua obra, revelando a construção de uma visão crítica que atravessa diferentes campos de atuação. Desde sua participação no movimento Arquitetura Nova, ao lado de Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro reformulou as bases da crítica arquitetônica. Sua abordagem denuncia a exploração dos trabalhadores da construção civil e propõe uma revisão estrutural da disciplina, indo além da estética e das formas para analisar a materialidade e a organização do trabalho. Fotografias cedidas pelo Instituto Moreira Salles ilustram e ajudam a contextualizar a crítica do arquiteto ao modelo de produção vigente.

Exposição homenageia Aderbal Freire-Filho.

 

Mostra no Teatro Gláucio Gill apresenta a mostra Aderbal Teatro Cidade, uma homenagem ao diretor de teatro, ator e apresentador Aderbal Freire-Filho, falecido em 2023. Com curadoria de César Oiticica Filho, a mostra apresentará a extensa obra de um dos mais importantes e criativos dramaturgos brasileiros, que tem uma forte ligação com o Teatro Gláucio Gill, tendo criado, naquele espaço, em 1989, o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo (CDCE), um marco na história da dramaturgia brasileira. Com fotos de Nil Caniné e conceito visual de Lea van Steen, pesquisa de Antonio Venancio e produção executiva de Cleisson Vidal, a mostra extrapolará as fronteiras do espaço, sendo apresentada também na Praça Cardeal Arcoverde.

“Nosso objetivo foi fazer uma exposição que fosse também uma obra de arte ao mesmo tempo, trazendo a questão experimental que é tão presente no teatro do Aderbal, tendo também esse diálogo forte com a cidade, que era uma característica dele”, afirma o curador César Oiticica Filho. A exposição também se expandirá para a rua, sendo realizada também na Praça Cardeal Arcoverde, que fica em frente ao Teatro Gláucio Gill, onde haverá imagens e cartazes de espetáculos históricos do diretor

Até 19 de abril.

Galeria Paulo Kuczynski inaugura nova sede.

13/mar

A Galeria Paulo Kuczynski, referência no mercado de arte brasileira desde sua fundação em 1973, anuncia uma nova fase com a abertura de sua sede ampliada e modernizada. Projetada pelo escritório Reinach Mendonça Arquitetos – RMAA, a nova galeria foi erguida no mesmo local onde o marchand Paulo Kuczynski atuou por cinco décadas com seu Paulo Kuczynski Escritório de Arte. Para marcar essa transição histórica, a galeria apresenta uma exposição inédita dedicada à obra da pintora de origem alemã Eleonore Koch (1926-2018), artista que figurou em algumas edições da Bienal de São Paulo, e única discípula do mestre Alfredo Volpi. Intitulada Não são coisas do cotidiano, só parecem, a exposição promete ser um marco na trajetória da galeria e um tributo à obra desta artista singular, cuja genialidade continua a encantar colecionadores e admiradores em todo o mundo.

Segundo o historiador de arte Giancarlo Hannud, a mostra reúne um conjunto representativo de obras que traçam um panorama da trajetória de Eleonore Koch, desde seus primeiros trabalhos até suas últimas criações. “Mais de cinquenta anos separam o óleo Natureza-morta (1949) dos primeiros trabalhos sobreviventes de Eleonore Koch, da têmpera Despedida com tulipas (2001), possivelmente sua última obra”, destaca Giancarlo Hannud. “Se em 1949 vemos os passos iniciais da jovem estudante de escultura, já em 2001 testemunhamos o refinamento máximo de sua sensibilidade técnica e emocional, lentamente depurada ao longo de ausências e solidões. Ambas as pinturas destacam sua incessante busca pelo ordenar das coisas do mundo, possivelmente como resposta à desordem ao seu redor. Enigmáticas e distantes, elas nos provocam curiosidade e reflexão sem nunca se entregarem completamente na manipulação de suas cenografias do humano.”

A relação entre Paulo Kuczynski e Eleonore Koch remonta ao final dos anos 1970, quando o galerista adquiriu sua primeira obra da artista: uma tela marcante com uma cadeira vazia e solitária, num cômodo igualmente vazio. “Tive a sorte de comprar minha primeira obra de Eleonore Koch no final dos anos 1970”, relembra Paulo Kuczynski. “A cadeira, a única protagonista da cena. Desde então, sempre que olho para a obra, me pergunto a quem essa cadeira aguardava. Quem nela sentaria?”.

Ao longo dos anos, a amizade entre eles cresceu, assim como o interesse de Paulo Kuczynski pela obra de Eleonore Koch. Entre 2013 e 2015, já debilitada, a artista fez um pedido surpreendente ao galerista: que ele “herdasse” suas pinturas e arquivos pessoais, incluindo cerca de doze telas e centenas de estudos preparatórios. Esse legado agora ganha vida na exposição que inaugura a nova galeria, celebrando a memória e o impacto duradouro de uma das figuras mais enigmáticas da arte brasileira.

Um capítulo especial desta homenagem é a parceria com a colecionadora Clara Sancovsky, cujo olhar precursor foi fundamental para difundir e valorizar a obra de Eleonore Koch. “Se há alguém que difundiu, valorizou e abriu os olhos dos colecionadores para a pintura de Lore, essa pessoa é Clara Sancovsky. Seu olhar precursor flagrou e compreendeu a delicadeza da obra da artista”, escreve Paulo Kuczynski no catálogo da exposição. É um prazer imenso contar com obras de sua coleção, possivelmente as melhores, somadas às da galeria para esta mostra-homenagem a Eleonore Koch.”.

A mostra também resgata parte significativa da história de Eleonore Koch, incluindo sua amizade com Volpi, seus anos em Londres como tradutora na Scotland Yard e sua relação com o aristocrata Alistair McAlpine, mecenas que colecionou várias de suas obras. Infelizmente, grande parte dessa produção foi perdida em um incêndio na casa de campo de McAlpine, em 1990.

A nova sede da Galeria Paulo Kuczynski não apenas celebra meio século de dedicação à arte, mas também projeta o futuro, oferecendo um espaço moderno e acolhedor para artistas e colecionadores. O projeto arquitetônico de Reinach Mendonça une funcionalidade e elegância, criando um ambiente ideal para experiências imersivas com a arte.

O Legado de Ayrson Heráclito, Emanoel Araujo & Mestre Didi.

 

A Galeria Simões de Assis, Curitiba, PR, apresenta até 26 de abril, as representações do sagrado e do espiritual sob o olhar da tríade baiana Ayrson Heráclito, Emanoel Araujo e Mestre Didi, referências na iconografia das religiões afrodiaspóricas. Com curadoria de Daniel Rangel, a exposição apresenta a prática de cada um dos artistas em esculturas, aquarelas, relevos e fotografias.

A geometria sagrada dos relevos e esculturas em madeira e metal de Emanoel Araujo, artista, curador e fundador do Museu AfroBrasil, está presente em importantes coleções, como: LACMA – Los Angeles County Museum of Art (EUA), Museum of Fine Arts (Boston), PAMM – Pérez Art Museum Miami (EUA), Tate (Londres), MASP – Museu de Arte de São Paulo, Pinacoteca de São Paulo (Brasil), entre outras.

As esculturas em tronco de palmeira, couro pintado e miçangas do artista-sacerdote Mestre Didi integram coleções de destaque, incluindo o MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia (Salvador), o MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo e o MASP – Museu de Arte de São Paulo.

Os “Juntós”, em aquarelas e esculturas em metal, e as fotografias de Ayrson Heráclito, artista, curador e professor, fazem parte de acervos do Museu Solomon R. Guggenheim (Nova York), Museum der Weltkulturen (Frankfurt), MAR – Museu de Arte do Rio, MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia (Salvador), MON – Museu Oscar Niemeyer (Curitiba), entre outros.

Uma tríplice aliança yorubaiana¹.

Para a cultura iorubá, o tempo é um evento circular. Passado, presente e futuro se confundem e entrelaçam entre si. A Bahia, terra mãe do Brasil, foi também o porto de chegada da cultura iorubana. Provinda sobretudo da Nigéria, mas também do Benin e do norte do Togo, o iorubá é a etnia mais presente em Salvador, no dia a dia das pessoas e também nos principais terreiros de candomblé da cidade, por exemplo. Essa presença vêm sendo abordada por artistas de diferentes gerações e estilos desde o final dos anos 1940, começo dos 1950, quando podemos perceber um afloramento de um movimento moderno genuinamente baiano. Não somente pela incorporação de temáticas relacionadas à presença da cultura afrodiaspórica – sobretudo na capital e no recôncavo baiano -, mas também pela inserção de referências da cultura popular relacionada ao barro, à terra, ao couro; referenciais dos povos indígenas; e ainda uma presença de artistas afrobrasileiros abordando sua própria cultura. A exposição Legado: Mestre Didi, Emanoel Araújo e Ayrson Heráclito reúne justamente três baianos expoentes máximos dessa tradição. Diferentes tempos reunidos em um mesmo espaço que vai além de uma conexão evidentemente cronológica, cuja existência é real. A contribuição aqui é de todos para todos, como em uma encruzilhada. É fato que Mestre Didi (1917 – 2013) influenciou Emanoel Araújo (1940 – 2022) e que ambos influenciaram Ayrson Heráclito (1968). No entanto, é verdade também que a contribuição aqui acontece em três vias, como em uma via de mão-tripla onde caminhos se cruzam e fortalecem as estradas individuais. Se a trajetória vanguardista de Mestre Didi pavimentou o caminho para Emanoel Araújo, este consolidou a estrada. Não somente com sua produção como artista, mas sobretudo com seu trabalho como curador e introdutor da arte negra no circuito artístico nacional. De fato, Ayrson Heráclito atualmente transita nessa estrada, no entanto, vem ampliando gradativamente o alcance desse legado para ele e para os outros, sobretudo a nível internacional.  Simultaneamente à abertura dessa exposição em Curitiba, o Museo del Barrio em Nova York inaugurou a primeira grande mostra individual do Mestre Didi fora do Brasil. Ayrson foi um dos curadores² desse projeto que, de certa forma, está apresentando ao sistema de arte internacional essa produção única de origem “yorubaiana”. Didi, além de artista, foi um grande sacerdote do candomblé, sendo filho sanguíneo de Mãe Senhora, uma das mais importantes ialorixás da Bahia, que também foi mãe-de-santo de Jorge Amado, Pierre Verger e Carybé. Sua produção escultórica representa símbolos, cores e formas das ferramentas, ícones, animais, folhas e materiais provindos do candomblé. Obras de taliscas de dendê trançadas, que fazem referência direta ao Ibiri – uma ferramenta da orixá Nanã que o artista ressignificou com grande liberdade formal e, também, espiritual. Mestre Didi criou inúmeras dessas esculturas, “totens” energéticos, com variações cromáticas e distintos tamanhos. É evidente que as obras dele dialogam diretamente com a produção aqui apresentada por Ayrson Heráclito, sendo a série Juntó uma homenagem ao Mestre Didi. Ayrson Heráclito é atualmente o principal artista e articulador da arte afrobrasileira no circuito artístico. Sua produção vêm alcançando gradativo interesse internacional, sendo sua obra adquirida por importantes museus recentemente, como o Art Institute of Chicago; Museu Gunggenhein de Nova York; Museu Reina Sofia e Coleção Thyssen, ambas de Madrid; Museu Inhotim, em Minas Gerais; Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, MASP e Pinacoteca de São Paulo; Museu de Arte do Rio; MAC Bahia; Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba, além de dezenas de coleções particulares. As esculturas de metal e aquarelas da série Juntó fazem parte de um panteão de obras energéticas iniciadas pelo artista em 2020, nas quais também referencia as tradições yorubaianas. De acordo com o próprio artista “no candomblé, Juntó é a junção de dois orixás – um principal, outro complementar – que regem a vida dos indivíduos. Nas minhas esculturas, realizo essa junção utilizando-me de símbolos e objetos relacionados às divindades, permitindo assim uma ampla combinação aritmética dos 16 principais orixás cultuados no Brasil”. A aproximação temática e, ainda nesse caso, estética, entre a produção de Mestre Didi e Ayrson Heráclito coloca o trabalho de Emanoel Araújo como um elo que transpassa essa união. O rigor das formas e a importância das cores na produção do artista coloca, à primeira vista, suas obras atreladas a um campo mais formalista da arte. No entanto, a releitura dos mesmos símbolos, cores e ícones presentes nos trabalhos dos outros dois artistas estão na base visual das esculturas, pinturas e desenhos de Araújo. Sua trajetória como artista se confundiu com sua exitosa carreira de curador e gestor cultural. Além de diretor do Museu de Arte da Bahia e da Pinacoteca de São Paulo, Emanoel Araújo foi Secretário Estadual de Cultura de São Paulo, criador e diretor do Museu Afro Brasil, e realizou centenas de mostras fundamentais para a inserção da produção africana e afrodiaspórica no país, a exemplo da mítica “A mão Afro-Brasileira – Significado da contribuição artística e histórica”, primeira grande retrospectiva da produção negra no Brasil, realizada em 1988, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, da qual Mestre Didi fez parte. Sem dúvidas, os caminhos dos três estão intercruzados e “amarrados em folha de arruda”, sendo o trabalho de um fundamental para o desenvolvimento do trabalho do outro. A exposição Legado: Mestre Didi, Emanoel Araújo e Ayrson Heráclito celebra essa união, e apresenta o sumo da arte moderna, pós-moderna e contemporânea produzida na Bahia e no Brasil. Como diz um sábio oriki (ou provérbio iorubano): “Exu acertou um pássaro ontem com uma pedra que só atirou hoje”. Axé!

Daniel Rangel.

¹ O termo “Yorubaiano” foi o título da exposição individual de Ayrson Heráclito, com curadoria de Marcelo Campos e Ana Maria Maia.

² Rodrigo Moura, curador geral do museu, foi o outro curador da mostra. A exposição fica em cartaz de 13/03 a 13/07/2025.

Bel Barcellos no Museu da República.

12/mar

Linha e agulha são suas ferramentas, tendo a costura e o bordado como linguagem essencial de suas referências femininas e dos seus saberes ancestrais, para criar trabalhos impregnados de delicadeza e memórias, que contam histórias viscerais.

Corpo abrigo é a individual que a artista brasileira Bel Barcellos (Boston, 1966) inaugura no dia15 de março na Galeria do Lago, no Museu da República, Rio de Janeiro, sob curadoria de Isabel Sanson Portella. A mostra marca 30 anos de atividades da artista nas artes visuais e é oferecida pela Equinor, multinacional de energia com atuação no Brasil há mais de 20 anos. Bel Barcellos define como “autoficcional” o conjunto de dez trabalhos inéditos desta exposição, nos quais desenha com bordado sobre lona ou linho, tendo a figura humana feminina como ponto focal e o universo emocional como trama subjetiva e, pela primeira vez, ela incorpora a cerâmica à sua produção. Os fazeres manuais do desenho, do bordado e da cerâmica convergem no universo criativo de Bel Barcellos, unindo a contemporaneidade a saberes herdados das avós, para revolver memórias afetivas comuns a todos. A costura sempre esteve presente em sua vida pessoal e no trabalho com figurinos, mas desde o contato com a obra de Arthur Bispo do Rosário, o bordado ganhou mais relevância no processo criativo de Bel Barcellos, embora a artista já bordasse símbolos e escritos em meio a suas pinturas anteriormente. A partir dos anos 2000, o bordado prevalece como elemento compositor da obra como um todo.

A costura sempre esteve presente em sua vida pessoal e no trabalho com figurinos, mas desde o contato com a obra de Arthur Bispo do Rosário, o bordado ganhou mais relevância no processo criativo de Bel Barcellos, embora a artista já bordasse símbolos e escritos em meio a suas pinturas anteriormente. A partir dos anos 2000, o bordado prevalece como elemento compositor da obra como um todo. A nova pesquisa da artista é a cerâmica, que aparece em Corpo abrigo em instalações, com a marca da figuração feminina, ora como suporte para seus bordados, ora levando este material à superfície da tela ou pintando a lona com o barro e o pó da terra.

A curadora Isabel Portella diz em seu texto de apresentação: “As obras de Bel Barcellos dizem muito mais do que se possa imaginar. Chegam carregadas do aprendizado e da energia de várias gerações de mulheres e formam um solo fértil de onde brotam as sementes compartilhadas. Elevam, ao surpreendente, o trabalho com as mãos, a delicadeza do bordado e da cerâmica. Pedem silêncio para que se possa mergulhar nesse rio e sabedoria para aceitar a inevitável passagem do tempo. Precisam de entendimento e desvelo para que se perceba que, por dentro, somos todos absolutamente iguais.”

 

Os 4 de Bagé em Brasília.

11/mar

A Caixa Cultural Brasília e a Fundação Iberê Camargo apresentam o legado do Grupo de Bagé. Mostra com mais de 180 obras de Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, abre no dia 18 de março e permanecerá em cartaz até 29 de junho.

Uma trincheira em defesa da liberdade na arte e na vida, cavada com as armas da inteligência e do bom humor na região sul do Rio Grande do Sul e conectada com os principais polos culturais do país. É o que caracteriza o legado de Pedro Wayne (1904-1951), escritor, poeta e jornalista e agitador cultural com enorme capacidade de articulação, inclusive nacional. Baiano que passou a infância em Pelotas, na metade sul do Rio Grande do Sul, chegou em Bagé em 1927, e lá exerceu uma extensa gama de atividades. Carlos Scliar (1920-2001), que tinha parentes morando em Bagé e ideias semelhantes às de Pedro Wayne, frequentava sua casa e o tinha como bom amigo.

Foi em torno deste importante personagem da cultura local que, na metade da década de 1940, Glauco Rodrigues (1929-2004) e Glênio Bianchetti (1928-2014), com 16 e 17 anos respectivamente, começaram a desenhar e a pintar. Pedro Wayne “adotou os guris” e mostrou a eles o que havia de mais avançado nas artes visuais na Europa. Mais tarde, o escritor introduziu Danúbio Gonçalves (1925-2019) ao “ateliê”, que trouxe para o Grupo, a partir de sua experiência na França. Já a influência da pintura moderna veio com a passagem do artista carioca José Moraes, que ficou um período na cidade quando ganhou uma bolsa de viagem de estudos.

Carlos Scliar, quando voltou de sua estada na Europa e participação na II Guerra Mundial, se interessou pelo movimento daqueles jovens e passou a frequentar, e praticamente liderar as atividades do Grupo interessados em realizar uma crítica social, levando-os a se envolver, na década de 1950, na criação do Clube de Gravura de Porto Alegre (1950) e do Clube de Gravura de Bagé (1951).

Inspirados no movimento do Taller de Gráfica Popular do México, os Clubes (que posteriormente foram unidos) criaram um importante e independente sistema de divulgação dos artistas regionais. Contar essa história é o objetivo principal da exposição. A versatilidade e a rica produção dos quatro artistas serão exibidas através de gravuras, pinturas, aquarelas e capas de revistas, a partir de novas leituras e percepções acerca do trabalho do Grupo. Com curadoria de Carolina Grippa e Caroline Hädrich, a exposição reúne mais de 180 itens como obras, ilustrações dos clubes de gravura de Bagé e de Porto Alegre, além de exemplares raros das revistas Horizonte, Senhor.

Sobre os artistas.

Carlos Scliar (1920-2001) – Nasceu em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, e foi ainda pequeno para Porto Alegre, onde, com 11 anos, colaborou com as seções infanto-juvenis de jornais locais e, mais tarde, frequentou o departamento gráfico da Revista do Globo. Em 1940, foi para São Paulo e começou a fazer parte da Família Artística Paulista, mas após quatro anos foi para a Itália a serviço da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial, entre 1958 e 1961, trabalhou como diretor artístico na Revista Senhor. Comprou, em 1964, um sobrando em Cabo Frio, RJ, onde morou e trabalhou por quarenta anos. No ano de seu falecimento, foi criado o Instituto Cultural Carlos Scliar, na cidade de Cabo Frio, e seu acervo se encontra atualmente tombado pela municipalidade.

Danúbio Gonçalves (1925-2019) – Nasceu em Bagé, fazendo parte de uma tradicional família de estancieiros da campanha. Aos sete anos, partiu para o Rio de Janeiro onde mais tarde teve aulas no ateliê de Cândido Portinari, manteve contato com outros pintores modernistas e participou de diversas edições do Salão Nacional de Belas Artes, recebendo prêmios e menções honrosas. Em 1950, foi estudar em Paris. Com um espírito imbuído dos ideais revolucionários e uma ligação com o Partido Comunista, Danúbio Gonçalves voltou ao Brasil e se juntou a Carlos Scliar, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues, formando o Clube de Gravura de Porto Alegre e, posteriormente, o de Bagé. A partir de 1962, a convite do escultor Francisco Stockinger, passou a trabalhar no Ateliê Livre da Prefeitura de Porto Alegre, chegando a ser diretor. Lá, durante trinta anos ensinou litografia (técnica que aprendeu com Marcelo Grassmann, em 1962) e formou muitos artistas gravadores, atualmente reconhecidos no âmbito regional e nacional.

Glaudo Rodrigues (1929-2004) – Nasceu em Bagé e foi colega de escola de Glênio Bianchetti, com quem dividiu o interesse pela pintura. Recebeu ensinamentos sobre pintura de José Moraes e aproximou-se da gravura e, junto com Glênio, Danúbio e Scliar fundou, em 1951, o Clube de Gravura de Bagé e iniciaram suas viagens de estudos a estâncias da região. Com a união do Clube de Bagé ao de Porto Alegre, Glauco mudou-se para a capital gaúcha e, depois, em 1958, seguiu para o Rio de Janeiro.  Glauco Rodrigues participou da primeira Bienal de São Paulo, entrou na equipe da revista Senhor e começou a sua produção abstrata, que perdurou por 10 anos. Em 1962, viajou a Roma a convite do embaixador Hugo Gouthier para trabalhar no setor gráfico da embaixada brasileira, e ficou alguns anos na Itália. Nesse período, participou da delegação brasileira na Bienal de Veneza (1964), no mesmo ano em que os estadunidenses chamaram atenção pela sua produção pop. Retornou ao Brasil em 1966 e, aos poucos, a figuração voltou à sua obra, que seguiu até a sua morte.

Glênio Bianchetti (1928-2014) – Nasceu em Bagé, oriundo de uma família ligada ao comércio na cidade. Foi a mãe de sua namorada, Ailema (com quem posteriormente casou-se), que passou ensinamentos iniciais de pintura para ele e Glauco Rodrigues, que depois foram aperfeiçoados com a chegada de José Moraes a Bagé. Interessado pela pintura, ingressou no Instituto de Belas Artes em Porto Alegre no ano seguinte – mas não chegou a finalizar o curso.   Fundou, em 1951, ao lado de Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Carlos Scliar, o Clube de Gravura de Bagé, tendo Bianchetti a maior produção de gravuras da época. Na década de 1960, mudou-se com sua família para Brasília (cidade onde viveu o resto de sua vida), devido ao convite de Darcy Ribeiro para lecionar na recém-inaugurada Universidade de Brasília, mas sendo afastado devido à perseguição na ditadura militar, sendo reintegrado apenas em 1988. Atualmente, sua casa-ateliê, com seu grande acervo, é mantida por sua família.