Fulgor na Noite

08/nov

A Galeria de Arte Mamute, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, promove a abertura da exposição “Fulgor na Noite”, da artista representada Camila Elis, dia 10 de novembro, 19h. Com a curadoria de Mario Gioia essa mostra reúne um conjunto de obras inéditas em pintura sobre tela, e integra até 30 de dezembro o roteiro de exibições da Bienal do Mercosul 2022, no projeto Portas para a Arte.

 

Texto curatorial de Mario Gioia

Em paredes, pisos, vazios, enquadramentos, extracampos, curvaturas, superfícies, traços, texturas e proposições de Fulgor na noite, segunda individual de Camila Elis na Galeria de Arte Mamute, diversos eixos poéticos se coadunam num corpus de obra provocativo e inquieto. Numa investigação que não cessa, ela não se esquiva de embates próprios do fazer diário de ateliê e, ao mesmo tempo, passeia por fantasmagorias e temporalidades, se aproxima dos âmbitos da cosmologia e do fenomenológico, forjando uma bem amalgamada reunião de conceito e matéria a explorar o campo ampliado e contemporâneo da pintura.

“O meu trabalho poético gira em torno das tensões entre corpo, imagem e fantasia. Acredito que, como me utilizo de signos abstratos para tanto, essas relações se dão de maneira rápida e direta. Quero dizer, quando alguém encontra um trabalho meu (e agora descrevo em função de relatos) vê, sente, traduz e simboliza em pouco tempo. Isso se dá por conta do meu interesse maior em sensações físicas, táteis. Utilizo, além dos sonhos, de temas fundamentados em romances e mitologia grega para produzir coisas muito simples, mas muito diretas no espaço” (1), sintetiza a artista acerca do recorte apresentado neste final de 2022.

Fulgor na noite é formada apenas por pinturas, um dado importante na trajetória da artista gaúcha, que desenvolve uma faceta gráfica na produção bem relevante. O conjunto de 14 Sleeping pills, telas em escala mais reduzida – a maioria, seis, de 50 cm x 50 cm -, vem acrescido de cinco recentes peças de maior tamanho. Parte fulcral da exibição de agora se fundamenta em Veladuras, inspirada dissertação de mestrado da artista para a ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo).

Nas conversas com Camila, por e-mail, o título da mostra foi sugerido pelo autor por conta da leitura havia pouco de Relâmpagos, coletânea de críticas de Ferreira Gullar (1930-2016). Nela, Goeldi: Fulgor na noite, lançava conexões não tão óbvias do texto sobre o grande mestre do expressionismo e da xilogravura no Brasil e o recorte atualíssimo da artista emergente. “A cor que costuma ser festa, alegria, seria uma ameaça à voz dramática (de contrabaixo) das gravuras de Goeldi. Mas ele, com mão de mestre, doma-a, dá-lhe raiz em sua linguagem noturna e a faz ali brotar poderosa e verdadeira”(2), escreve Gullar. Na edição, Céu vermelho (1950) ilustra o texto sobre Goeldi (1895-1961).

Na discreta série das 14 pinturas de Camila, há pulsões nada olvidáveis de cor em meio ao negror. Surgem laranjas e avermelhados robustos e assertivos, porém não explosivos. São como existências que não querem sucumbir e que lançam um brilho vital, que não é parco, e, no entanto, não é ostensivo. Quase que como resistências em um ambiente que pode não ser favorável. Resiliências que se revelam pouco a pouco estratégias essenciais para tal matéria.

“O processo de elaboração destes trabalhos é trazer a temática da materialidade, conferindo a cada uma qualidades específicas. Porque, sempre a partir da mancha, começava a pensar as formas com a cor, criando luz dentro da escuridão. São todas fragmentos de movimentos, de sensações, de coisas com dimensões internas e oníricas, inventariadas na memória”(3), relata a artista sobre o conjunto em sua dissertação. “Para além de serem exercícios de cor e de luz, tornam-se exercícios de fantasia.  14 Sleeping pills concernem o sono, o sonho também.”(4) Camila também conta a influência da vista ao vivo da obra-prima A morte de Sardanapalo (1844), de Delacroix (1798-1863), e é evidente na tela do romântico o duo desfoque/vibração, habilmente lidado hoje por ela – é bom frisar que, para Camila, viver e estudar em 2016 no Reino Unido pôde gerar repertório importante em sua formação. Também deve se comentar que Da alma, e as coisas suspensas, individual da artista no mesmo espaço, em 2019, tinha lastro em mitologia grega e na Renascença, a partir da história de Psiquê e Eros retratada nos afrescos de Rafael realizados na Villa Farnesina, em Roma, nos anos de 1517-18.

Já a configuração dos trabalhos mais atuais apresentados em Fulgor na noite poderia ganhar o título de Pinturas moles pela autora. Formalmente se ligam a quadros já vistos em momentos anteriores expositivos dela. Reflexo da aurora e O úmido medem 150 cm x 140 cm. Calor lunar e O macio são de 137 cm x 150 cm. E 4 horas da madrugada tem 95 cm x 80 cm. Exceto o último, são óleo e carvão mineral sobre linho (Em 4 horas…, não é utilizado carvão). Nos três citados inicialmente, há destacada presença daquele laranja-avermelhado citado. Ao lado de O macio, que se mostra já no próprio título, podem ser encarados como peças solares, otimistas. “Mole é uma matéria que tem corpo e por isso pesa”(5), salienta Camila sobre as novas telas.

Assim, a artista acredita que conseguiu ir em direção de uma mais nítida divisão entre desenho e pintura, além de articular mais uma poética da encenação e do drama junto de explorações sobre corpo, matéria e olhar. Nessa perspectiva entre, híbrida e multifacetada, tal pictórico mais flexível e permeável pode ficar perto de visadas e investigações tão nacionais como a levantada pelo neoconcretismo, da série Obra mole, de Lygia Clark (1920-1988), dos anos 1960 iniciais, por exemplo. Ou seja, essa fragilização da racionalidade do concreto, esse tipo de geometria sensível, brilhantemente desenvolvida por grandes nomes da arte brasileira, provoca ecos não literais sobre pensamentos e práticas dos artistas do agora, que são atravessados e contaminados por contextos atuais críticos.

No caso de Camila, o isolamento deflagrado pela pandemia, a virtualidade das relações humanas, a superficialidade, o esvaziamento e o franco combate ao debate público mais racional, entre variadas chagas novíssimas, disparam procedimentos e situações outros na produção, mesmo que ainda difíceis de se determinar com exatidão. “Sempre utilizei memória para pintar e desenhar, mesmo antes da pandemia. A diferença é que, durante este período, a memória crescentemente parecia ser o que nos restava”(¨6), conta a artista.

E é gratificante perceber no conjunto de Fulgor na noite exemplos plástico-visuais que fogem de uma interpretação linear, estanque e lógica. 4 horas da madrugada abriga algo do matérico palpável em 14 Sleeping pills, se vale do basilar óleo sobre linho e é um objeto que não tem óbvia leitura. Distancia-se e, num mesmo golpe, pode coexistir com as Pinturas moles do mesmo período. Atesta a liberdade persistente da práxis de Camila Elis, que consegue ler Cy Twombly, Luc Tuymans, Daria Martin, Merleau-Ponty e uma certa melancolia da pintura do Sul, em tempos que incensam solipsismos vazios e encenações cotidianas desprovidas de razão. Não é pouco.

 

Mario Gioia – Curador e crítico de arte

 

Entrevista da artista para o autor, via e-mail, outubro de 2022.

Gullar, Ferreira. Relâmpagos – Dizer o ver. São Paulo, Cosac Naify, 2003, p. 120

Schneider, Camila Elis. Veladuras: Notas sobre a prática em pintura e desenho. Dissertação de mestrado – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 95, 2022.

Schneider, Camila Elis. Op. cit., p. 95.

Entrevista da artista para o autor, via e-mail, outubro de 2022.

Schneider, Camila Elis. Op. cit., p. 25.

 

 

 

Primeira individual no Rio

 

Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a partir de 10 de novembro, a exposição “Depois que entra ninguém sai”, com obras recentes do artista Thiago Barbalho, que faz sua primeira individual no Rio de Janeiro. Até 28 de janeiro de 2023. Com curadoria de Raphael Fonseca, a mostra reúne desenhos sobre papel em grande formato e sobre tela, e ainda a escultura “Gônadas” (2022), com cerca de 2 metros de altura, feita em isopor estrutural, fibra de vidro, impressão 3D, resina cristal, pigmento e pintura automotiva. Na abertura da exposição, o artista fará uma visita guiada às 19h.

Thiago Barbalho tem despontado no cenário nacional e internacional – fez uma individual em 2018, no Kupfer Project Space, em Londres – com seus desenhos em grandes folhas de papel completamente cobertas por intrincadas formas, feitas com lápis de cor, grafite, pastel, caneta esferográfica, marcador permanente, acrílica, tinta óleo, bastão oleoso, spray e resina. A trama de suas histórias é composta pelo olhar do público. No final do ano passado a Pinacoteca do Estado de São Paulo adquiriu uma obra sua, e também no circuito internacional o artista tem sido reconhecido: ele foi o único artista brasileiro a integrar o compêndio de desenho contemporâneo “Vitamin D3 – Today Best in Contemporary Drawing” (Phaidon, 2021), um conceituado indicador das futuras estrelas da arte.

“Depois que entra ninguém sai” mostra o resultado da pesquisa desenvolvida por Thiago Barbalho nos últimos dois anos, em que dá prosseguimento ao seu interesse pelas relações entre desenho, pintura e cor, em trabalhos que se caracterizam pelo horror vacuum – horror ao vazio – conceito que atravessa a história da humanidade, percorrendo filosofia, arte, religião e até psicanálise. Thiago Barbalho nos convida a contemplar imagens cheias de detalhes. “Sobre as superfícies de diferentes folhas de papel, ele cria aglutinações de situações, figuras, manchas e traços que se acoplam umas às outras. Vistas de longe, essas imagens se destacam pela presença vibrante da cor, ao passo que, vistas de perto, são como uma trama onde prazer, humor, violência e nonsense se irmanam na justaposição de imagens ricas em possíveis interpretações”, escreve o curador Raphael Fonseca no texto que acompanha a mostra.

 

Desenhos sobre tela

Esse período mais recente da produção de Thiago Barbalho é marcado pela sua mudança de São Paulo – cidade em que viveu por uma década após deixar Natal, em 2010 – para o interior do estado, onde está em maior contato com a natureza. É nesse momento que surgem os desenhos em tela que compõem a exposição. Apesar do suporte, esses trabalhos não são pinturas. Thiago Barbalho segue utilizando os mesmos materiais empregados nas obras sobre papel, por vezes acrescentando à tela tecido tingido com pigmento natural. Significativamente menores do que estes últimos, os trabalhos sobre tela mantêm a noção de intimidade do gesto de desenhar.

Ainda sobre este conjunto de desenhos, Raphael Fonseca afirma: “Vemos figuras individuais que, por meio de formas orgânicas e um expressivo uso da cor, se apresentam como retratos ou estudos anatômicos de seres fantásticos. Como em toda a sua pesquisa, os limites fictícios entre figuração e abstração, representação e exploração formal se bagunçam e se plasmam em uma coisa só”.

 

Escultura

“Gônadas”, uma escultura inédita coberta por desenhos, é um desdobramento de “Leite derramado”, obra que o artista expôs em “Rocambole”, exposição coletiva em que suas obras estavam em diálogo com as das artistas Yuli Yamagata e Flora Rebollo, e que foi apresentada em duas ocasiões: em São Paulo, em 2018, e em Lisboa, em 2019. Nesta escultura, Thiago Barbalho experimenta as possibilidades de construção sobre um espaço tridimensional cuja topografia é oposta àquela da planaridade do papel.

A exposição “Depois que entra ninguém sai” é um convite ao público para entrar em contato com o universo visual de Thiago Barbalho. Para Raphael Fonseca, o próprio título da mostra é uma metáfora não apenas do processo de criação do artista, mas também para sua recepção. “Depois que o artista insere algumas formas sobre a amálgama de elementos de suas composições, lá estão elas se relacionando com outros elementos e abertas para o deleite de nossos olhos. De forma semelhante, depois que nosso olhar e corpo adentram o universo proposto por Thiago Barbalho, fica difícil nos esquecermos dele.”

 

Sobre o artista

Thiago Barbalho nasceu em 1984, em Natal, e vive e trabalha em São Roque, São Paulo. Escritor e artista visual, Thiago Barbalho encontrou no desenho um modo de expressão que suplantou uma crise com a palavra. Trabalhando em diferentes dimensões e com diversos materiais – lápis de cor, grafite, spray, óleo, pastel oleoso e marcador sobre papel – suas composições trazem aos olhos do público universos intrincados, em que formas e cores se entrelaçam e embaralham em narrativas psicodélicas capazes de abolir a relação entre figura e fundo. Thiago Barbalho entende o desenho como uma tecnologia ancestral, que atravessa eras e culturas. Sua pesquisa visual vê no desenho o rastro de uma presença e da relação entre a mente – a imaginação -, e o corpo – o gesto -, entre a consciência e a realidade.

Para a crítica e curadora Kiki Mazzuccheli: “Ao trabalhar essencialmente com desenho, Barbalho produz composições extremamente intricadas, porém não planejadas, nas quais uma multiplicidade de imagens, símbolos e campos de cor se fundem umas nas outras para criar superfícies vibrantes ininterruptas”. O aparente caos de suas imagens surge do vagar do gesto que traceja, recusando a submeter-se às lógicas formais ditadas pela racionalidade. De fato, deparamo-nos em seu trabalho com fragmentos diversos, uma profusão de referências de diferentes esferas, conjugando cultura popular nordestina, personagens de desenhos animados, assim como signos e símbolos advindos do universo do comércio e da cultura de massa. Somadas às leituras e pesquisas de Barbalho no campo da filosofia, da antropologia e da mística a partir de seu interesse pelas relações entre matéria e pensamento, seus desenhos instauram um universo visual cuja maior constante é a própria revolução. Dentre suas principais exposições individuais destacam-se: “Correspondência” (2019), na Galeria Marília Razuk, em São Paulo; e “Thiago Barbalho” (2018), no Kupfer Project Space em Londres. Suas principais coletivas recentes incluem: “Electric Dreams” (2021), na Nara Roesler Rio de Janeiro; “AVAF” (2018), na Casa Triângulo, em São Paulo; “Rocambole” (2018), no Pivô, em São Paulo, e na Kunsthalle Lissabon (2019), em Lisboa; “Voyage” (2017), na Galeria Bergamin; Gomide São Paulo; Shadows & Monsters (2017), no Gasworks, em Londres. Suas obras integram coleções como a da Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil.

 

Sobre Nara Roesler

Nara Roesler é uma das principais galerias brasileiras de arte contemporânea, representando artistas brasileiros e internacionais fundamentais, que iniciaram suas carreiras na década de 1950, bem como artistas consolidados e emergentes cujas produções dialogam com as correntes apresentadas por essas figuras históricas. Fundada por Nara Roesler em 1989, a galeria tem consistentemente fomentado a prática curatorial, sem deixar de lado a mais elevada qualidade da produção artística apresentada. Isso tem sido ativamente colocado em prática por meio de um programa de exposições criterioso, criado em estreita colaboração com seus artistas; a implantação e estímulo do Roesler Curatorial Project, plataforma de iniciativas curatoriais; assim como o contínuo apoio aos artistas em mostras para além dos espaços da galeria, trabalhando com instituições e curadores. Em 2012, a galeria ampliou sua sede em São Paulo; em 2014 expandiu para o Rio de Janeiro e, em 2015, inaugurou um espaço em Nova York, dando continuidade à sua missão de oferecer a melhor plataforma para seus artistas apresentarem seus trabalhos.

 

 

Galeria de Arte Ibeu reabertura pós-pandemia

Foi um longo período de espera para Mario Camargo, que teve a individual adiada quando a crise pandêmica impôs suas normas, fazendo com que os estabelecimentos fechassem as portas ao público. Dois anos depois, o artista irá inaugurar a primeira exposição inédita da Galeria de Arte Ibeu, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, desde o início da pandemia: “No Campo das Beterrabas” que abre no dia 09 de novembro, às 17h, sob curadoria de Cesar Kiraly. Na ocasião, o Coral do Ibeu, apresentará algumas canções de seu repertório, às 19h.

 

Os trabalhos surgem como peles nas paredes, sustentadas por agulhas.

Em cerca de dez obras apresentadas, a tinta será a substituída pela costura industrial. Movimentos de encolhimentos e franzidos surgirão e substituirão a cor, de forma pictórica, deixando à mostra uma infinidade de buracos e rasgos, tais como arados, representados pelas costuras industriais, onde só faltam as sementes germinarem para revelar, futuramente as cores.

“São tantos os caminhos para esta germinação que quase perdermos o fôlego. A cor não é mobilizada na lógica dos pigmentos, mas do tingimento; a integridade da costura é a protagonista até o último momento. A despeito de todos esforços, a coloração não se sobrepõe à poética do acidente costurado e a abstração se pratica impura, provocando a imaginação a descobrir alternativas”, revela o artista.

Como quase todas as crianças, Mario Camargo demonstrou, desde sempre, interesse pelo desenho. Por convite de uma amiga pintora, fez sua primeira exposição e nunca mais parou. Esther Emílio Carlos, crítica de arte do Ibeu, se apaixonou pelo seu trabalho e abriu várias portas: ele chegou a expor em Santiago do Chile e depois em Paris. Quando participou da feira de arte MAC 2000, em Paris, foi o único brasileiro presente entre 100 artistas franceses. Chamou atenção neste evento sua forma de pintar, executada diretamente no chão, ao sol, usando tinta acrílica líquida. Mario interrompia a secagem com jato d’água e, neste processo de busca quase arqueológica, criava suas obras. Na ocasião, Pierre Restany, crítico de arte francês, profetizou: “você abandonará os chassis e sua pintura se tornará a pele das paredes”. Durante anos o artista conviveu com estas palavras, que se tornaram realidade há pouco tempo.

 

  A palavra do curador

“Não são telas, não há molduras, nem esculturas, são entomologicamente presas por agulhas às paredes, há como ver que as partes das quais são feitas oscilam em origem, mais chegam à mão do artista do que o contrário, as costuras pouco têm de sutura, nem sempre o que costuram precisa ser costurado, apesar da feminilidade da linha e agulha, trata-se do uso não funcional da indústria e do trabalho, mais do que o carinho com o pano da roupa. Se o mundo não se tornar apenas um campo de beterrabas, arruinando a poética, é de tal endereçamento indeterminado que nasce sua beleza, porque é preciso sentir, na obra, as topografias sendo contornadas, aceitas, até certo ponto, o estabelecimento de sequências harmônicas que, depois, interrompidas, são retomadas, como numa frase cheia de apostos. Os tubérculos brotam, outras imagens germinam junto, concorrentes, mas elas não são arbitrárias, habitam o contexto, como ervas daninha. É um sonho, sim, no qual as acepções vizinhas tornam as demais fascinantes, não se esquivando delas”.

Cesar Kiraly é curador da Galeria de Arte Ibeu desde 2015, além de professor de Estética e Teoria Política da UFF.

 

Até 22 de dezembro.

 

 

 Verger por Maureen Bisilliat       

04/nov

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta, entre 19 de novembro e 28 de janeiro de 2023, “Ver a vida com Verger por Maureen Bisilliat”, exposição que promove um encontro entre a obra de Maureen Bisilliat (1931, Englefield Green, Reino Unido) e Pierre Verger (1902, Paris, França – 1996, Salvador, Bahia), dois fotógrafos que, através do olhar estrangeiro, contribuíram para a formação de um imaginário afirmativo da cultura popular brasileira. A mostra reúne uma seleção feita por Bisilliat de fotografias realizadas por Verger entre as décadas de 1930 e 1950 e fotografias de sua série “Perspectivas” (2021), elaborada a partir de um trabalho de imersão no seu arquivo. “Ver a vida com Verger por Maureen Bisilliat” também inaugura o novo espaço da Galeria Marcelo Guarnieri, que a partir de 19 de novembro funcionará no número 1054 da Alameda Franca. O catálogo da exposição, publicado pela Editora Vento Leste, será lançado durante a abertura.

Em “Perspectivas” (2021), Maureen Bisilliat resgata fotografias dos ensaios “Pele preta”, “Sertões”, “Caranguejeiras” e “A João Guimarães Rosa” para imprimi-las em novas configurações. O formato de 32 x 112 cm escolhido permitiu à artista experimentar com a composição a partir de duas operações: montando sequências de imagens de uma mesma série ou ocupando um terço do canvas com apenas uma fotografia, sendo o restante do espaço dominado pela total ausência de luz. Esse formato, 32 x 112 cm, remete ao da fotografia panorâmica, que permite registrar até 360º de uma paisagem através de capturas de diversos pontos de vista. Embora incorpore em “Perspectivas” (2021) a ideia de uma visão panorâmica, a montagem de Bisilliat não pretende formar uma sequência linear, mas uma sobreposição de temporalidades que lhe permite trabalhar em narrativas de repetições e cortes abruptos. O formato do canvas também remete ao do filme fotográfico e a total ausência de luz que ocupa mais da metade do espaço em algumas dessas obras poderia aludir a uma imagem não revelada da sombria realidade atual. Por meio dessas operações, a fotógrafa coloca em perspectiva o tempo passado, da captura da imagem, e o tempo presente, de suas intervenções, utilizando-se dos contrastes entre luz e sombra, mecanismo estrutural da fotografia, para refletir sobre a opacidade do tempo presente.

“Pele preta”, datado do começo da década de 1960 e realizado nas cidades de São José do Rio Pardo e São Paulo, foi o primeiro ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat e marca a transição de seu trabalho da pintura para a fotografia. “A série deriva de meus tempos de estudante, quando frequentava ateliês de modelo vivo, atenta à anatomia, à movimentação do corpo e à iluminação. O corpo humano, minha porta de entrada na pintura, acabou por me levar à fotografia”, conta Maureen. Em 1966, o trabalho foi exposto no MASP, naquela que seria sua primeira grande exposição individual.

A série “Sertões” é composta por fotografias feitas entre 1967 e 1972 em aldeias e lugares santos dos municípios de Canindé, Juazeiro do Norte e Bom Jesus da Lapa, nos estados do Ceará e da Bahia, e contou com o incentivo de uma Bolsa da Fundação Guggenheim. Algumas das imagens dessa série deram origem à publicação “Sertões: Luz & Trevas”, de 1982, que combina trechos do clássico “Os Sertões” (1902) de Euclides da Cunha com os seus registros fotográficos, produzindo diálogos, justaposições e dissonâncias.

Durante os anos em que trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril (1964-1972), Maureen Bisilliat pôde fotografar em contextos diversos do Brasil, produzindo ensaios que ficaram célebres, entre eles “Caranguejeiras”, no qual retrata mulheres catadoras de caranguejos na aldeia paraibana de Livramento. O ensaio, que foi capa da edição de março de 1970 da revista Realidade, integrava uma reportagem que contava com texto de Audálio Dantas. Em 1984, as fotografias foram publicadas em livro, acompanhadas pelo poema “O cão sem plumas” (1950), de João Cabral de Melo Neto.

“A João Guimarães Rosa”, realizado durante a década de 1960 em algumas viagens pelo sertão mineiro, surgiu do desejo de Bisilliat de conhecer e retratar os gerais de Guimarães Rosa depois da leitura de “Grande sertão: veredas” (1956). As viagens da fotógrafa eram intercaladas por encontros e trocas com o escritor, que, diante das imagens feitas por ela, indicava nomes de pessoas, lugares, roteiros a seguir e outros detalhes. Em 1969, o ensaio foi publicado em livro, acompanhado por trechos do romance, o que marca o início do seu trabalho de “equivalências fotográficas” com a literatura brasileira que geraria, posteriormente, outros ensaios e publicações produzidas em diálogo com autores brasileiros.

Assim como Maureen, Verger também consolidou sua linguagem fotográfica por meio de viagens, embora não fosse fotojornalista. Durante a década de 1930, passou por países como China, Filipinas, Egito, Máli, Níger, Vietnã e Djibuti. Entre os anos de 1934 e 1939, publicou mais de 1.200 fotografias em jornais, revistas e livros, como o jornal francês Paris Soir e prestigiosas revistas como Life, Daily Mirror, Arts et Métiers Graphiques. Em 1945, depois de ter vivido por dois anos em Buenos Aires e já no Peru, trabalhando para o Museu de Lima, Verger publicou aquele que seria um dos primeiros fotolivros feitos na América Latina e também um dos primeiros registros de antropologia visual: “Fiestas y danzas en el Cuzco y en los Andes”. Ao chegar ao Brasil, em 1946, começou a trabalhar para a revista O Cruzeiro e realizou, durante os dois anos subsequentes, um de seus mais importantes trabalhos sobre a cultura popular nordestina.

A partir de então, Verger também deu início a uma investigação sobre as relações entre Bahia e África, mais especificamente sobre os rituais e costumes das culturas e religiões afro-brasileiras e africanas em Salvador e na Costa do Benin – e se tornou um estudioso do culto aos orixás. Com uma bolsa de estudos, partiu para a África, onde renasceu em 1953 como Fatumbi – “nascido de novo graças ao Ifá” – e foi iniciado como babalaô, um adivinho que se utiliza do jogo do Ifá. Sua pesquisa, que resultou em inúmeros livros, escritos avulsos, fotografias e exposições, é tida como obra de referência para os estudos sobre as culturas diaspóricas. Em 1988 Verger criou a Fundação Pierre Verger, instituição que preserva seu acervo e divulga sua obra até hoje, notadamente através de publicações e exposições realizadas na Bahia, no Brasil e no mundo, assim como incentiva o desenvolvimento da fotografia baiana. A Fundação atende também pesquisadores que dialogam com as temáticas estudadas por Verger ao longo de sua vida e desenvolve através de seu Espaço Cultural atividades educacionais e culturais com as pessoas oriundas dos bairros populares ao seu redor.

Nas fotografias de Pierre Verger selecionadas por Maureen Bisilliat é possível observar uma predominância de retratos, cenas de trabalho e de celebrações. São situações de igual interesse para Bisilliat, nas quais é possível conhecer a cultura de uma população por meio de seus movimentos de corpo e expressões faciais, vestimenta, costumes, instrumentos musicais e arquitetura. Os trabalhos retratados em suas obras, por exemplo, são aqueles comumente executados por pessoas racializadas; trabalhos informais que podem remontar às tradições sertanejas e da pesca ou mesmo do âmbito da construção civil, realizados de maneira coletiva por exigirem grande esforço físico. Verger registra a puxada de rede em 1946 na praia de Itapuã, na Bahia, enquanto Bisilliat vai registrar, vinte anos depois, a cata de caranguejos na aldeia de Livramento, na Paraíba. Imagens que surgem de situações de estranhamentos e afinidades entre fotógrafo e fotografado e que se constroem nessa relação. Tanto para Pierre Verger como para Maureen Bisilliat, essas fotografias tinham o objetivo não só de apresentar Brasis muitas vezes desconhecidos para o próprio Brasil dos grandes centros – no caso de Verger, Áfricas e Ásias para o resto do mundo – como também de reconhecer a importância de tais atividades na preservação de tradições culturais.

 

 

Artistas reunidos

03/nov

 

Coletiva de artistas instiga questionamentos através de trabalhos apresentados em técnicas, escalas e suportes diversos.

O Consulado Geral da República Argentina, Botafogo, Rio de Janeiro, apresenta a exposição “Territórios Insustentáveis”. Artistas oriundos de países distintos, como a Argentina e a França, em conjunto com artistas brasileiros, convergem ao lidar com um vasto horizonte de relações – sejam elas referentes à história da arte, aos diversos saberes que incidem sobre os seus trabalhos ou às questões concernentes ao tempo histórico. A coletiva foi inaugurada no dia 04 de novembro, na Sala Antonio Berni, sob curadoria de Aline Reis, e reúne 26 artistas: Adriana Nataloni, Albarte, Bernar Gomma, Beth Ferrante, Beatriz Calmon, Camila Morgado, Daniela Barreto, Graça Pizá, Isadora F., Jack Motta, JaquesZê, Jannini Castro, Jeni Vaitsman, Julia Garcia, Katia Politzer, Marcelo Palmar Rezende, Mario Camargo, Nando Paulino, Nora Sari, Regina Dantas, Reitchel Komch, Ricardo Laranjeira, Sandra Sartori, Solange Jansen, Tathyana Santiago e Verônica Camisão. Os trabalhos possuem diferentes formatos e vão da pintura à fotografia, passando pela escultura, instalação, objeto, vídeo e intervenção.

“Os trabalhos de arte não repetem mundos, mas criam mundos. Os artistas vivem num momento histórico sempre muito próprio e isso aparece na visualidade de suas obras. Não como ilustração de um tempo, mas como uma força propositiva frente aos desafios que sentem na própria carne, produzindo diferenças que são fruídas pelo espectador”, diz a curadora.

A guerra das narrativas incide sobre todos os conceitos que são utilizados na curadoria: a globalização – desde as grandes navegações e as ideias iluministas modernas até a discussão se há ou não integração econômica, social e cultural no espaço geográfico em escala mundial, no que tange aos fluxos de capitais, mercadorias, pessoas e informações, proporcionada pelo avanço técnico na comunicação e nos transportes numa mesma condição ética -, o pensamento descolonial (opção pela grafia portuguesa da palavra não desconsiderando a diferença entre o termo Decolonial e Descolonial, mas assumindo tanto a importância de falar sobre o colonialismo referente à dominação social, política, econômica e cultural dos europeus sobre os outros povos do mundo quanto à colonialidade que diz respeito à permanência da estrutura de poder até os dias de hoje) e o antropoceno, referente à época em que as ações humanas começaram a provocar alterações biofísicas em escala planetária e uma crise definitiva da natureza.

 

Sobre a curadora

Aline Reis é carioca, formada em Comunicação Social, pós-graduada em Crítica e Curadoria de Arte Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes-EAV, em Psicologia Clínica Fenomenológica-Hermenêutica e em História da Filosofia. Tem mestrado em Filosofia, lecionou por mais de vinte anos. É colunista semanal do BLOGDEARTE.art, participa do Grupo de Pesquisa Entre – Educação e arte contemporânea (CE/UFES), tem trabalhos de arte contemporânea expostos nas plataformas ArtMaZone e Acessoartecontemporanea e integra a oficina Antiformas de Intervenção sob a orientação do artista David Cury, no Parque Lage. Em sua formação filosófica e artística integrou vários grupos de estudo, fez cursos com curadores e artistas do circuito, tais como Paulo Sergio Duarte, Marcelo Campos, Daniela Labra, Clarissa Diniz, Ligia Canongia, Lia do Rio, Fernando Cocchiarale. Participou de exposições coletivas: “Ainda fazemos as coisas em grupo”, em 2020, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, “Fixo só o prego”, em 2019, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, ambas exposições com curadoria de Ana Miguel, Brigida Balthar e Clarissa Diniz; “Uma afirmação da presença”, no Centro Cultural dos Correios, em 2018, no Acesso arte contemporânea – Qual é seu link?, em 2016, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, ambas com as curadorias de Lúcia Avancini e Marilou Winograd, entre outras. Aline Reis vive e trabalha no Rio de Janeiro.

 

Até  05 de dezembro.

 

 

Galatea representará a obra de Marília Kranz

28/out

 

A Galatea, Jardins, São Paulo, SP, anuncia a representação do espólio da artista Marília Kranz (1937-2017). Marília Kranz nasceu e viveu na cidade do Rio de Janeiro, cuja paisagem é assunto recorrente em sua obra. Desenhando desde a infância, inicia aos 17 anos seus estudos formais em arte, cursando pintura no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 1956, ingressa na Escola Nacional de Belas Artes, onde estuda durante três anos. Passa, ainda, pelos ateliês de Catarina Baratelli (pintura, 1963-66) e Eduardo Sued (gravura, 1971).

Em um primeiro momento de sua produção, até meados da década de 1960, Marilia Kranz se dedica ao desenho e ao estudo da pintura. Na sequência, começa a produzir relevos abstratos em gesso, papelão e madeira, que integraram a sua primeira exposição individual, em 1968, na Galeria Oca, no Rio de Janeiro. Em 1969, ao retornar de viagens que fez à Europa e aos Estados Unidos, passa a produzir os relevos a partir da técnica de moldagem a vácuo com poliuretano rígido, fibra de vidro, resina e esmaltes industriais; além das esculturas com acrílico cortado e polido, chamadas de Contraformas

Marilia Kranz inova ao produzir quadros-objetos a partir da técnica de vacum forming, pouco difundida no Brasil naquela época, até mesmo no setor industrial. Além disso, o conteúdo dos trabalhos também guarda forte caráter experimental. Segundo o crítico de arte Frederico Morais, as formas abstratas e geométricas exploradas nestas obras e na produção de Marília Kranz como um todo se aproximariam mais de artistas como Ben Nicholson, Auguste Herbin e Alberto Magnelli do que das vertentes construtivistas de destaque no Brasil, como o Concretismo e o Neoconcretismo.

A partir do ano de 1974, Marilia Kranz retoma a prática da pintura, trazendo para o centro da tela elementos constituintes das suas paisagens preferidas no Rio de Janeiro. Comparada a artistas como Giorgio de Chirico e Tarsila do Amaral, os seus cenários e figuras geometrizados, beirando a abstração, contêm solenidade e erotismo ao mesmo tempo. Os tons pasteis, por sua vez, tornam-se a sua marca. “A cor cede diante da intensidade luminosa”, diz Frederico Morais. Ao observarmos as flores e as frutas que protagonizam com grande sensualidade várias de suas pinturas, pensamos também em Georgia O’Keeffe, considerada por Kranz sua “irmã de alma”.

A artista carioca é também conhecida pela defesa da liberação sexual feminina e da liberdade política durante a ditadura militar no Brasil, além da luta pelas causas ambientais, atuando como uma das fundadoras do Partido Verde em 1986.

Marília Kranz expôs em galerias e instituições nacionais e internacionais e recebeu inúmeros prêmios pelas suas pinturas e esculturas, entre eles: o prêmio em escultura do 13º Panorama de Arte Atual Brasileira, em 1981, e o prêmio de aquisição do Salão de Artes Visuais do Estado do Rio, em 1973. Em 2007, contou com a exposição retrospectiva Marília Kranz: relevos e esculturas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ocasião em que foi lançada a monografia Marília Kranz, escrita pelo crítico de arte Frederico Morais, que acompanhou a artista durante toda a sua carreira.

É com grande entusiasmo, portanto, que assumimos a missão de representar e difundir a obra de Marília Kranz e o seu legado para a arte brasileira. Iniciaremos esse trabalho com uma individual da artista em março de 2023, abrindo o programa de exposições do próximo ano.

 

 

Impacto visual na Alban

 

A Alban Galeria, Ondina, Salvador, Bahia, apresenta a exposição “Baile”, exibição individual inédita da artista paulistana Thalita Hamaoui. Destaque na cena nacional, ela apresenta pinturas produzidas segundo sentimentos particulares e emoções que partem de um tema recorrente em sua trajetória: as paisagens. A exposição poderá ser visitada pelo público até o dia 28 de novembro.

O título da mostra reflete fielmente a proposição criativa de Thalita Hamoui, que promove um verdadeiro “baile” de cores com suas pinturas exuberantes. Na mostra, são 15 telas de forte impacto visual – uma delas com 5m de comprimento x 2m de altura –  em que os vermelhos, amarelos e verdes vibram em meio à delicadeza das múltiplas variações do branco, preto e cinza. Em conjunto, as cores passeiam pelo imaginário da artista, que se diz assumidamente comprometida com o inesperado e as possibilidades do acaso e da intuição.

“Vejo minha pintura como uma miragem, um vislumbre, algo que se delineia na medida em que a minha criação se exterioriza sem obedecer a um pensamento prévio sobre qual será o resultado. Tudo acontece pela força do próprio movimento. Dai que associo o meu fazer artístico à noção da impermanência. Tudo muda, nada está parado ou fixo. O meu trabalho acompanha essa força da própria natureza”, analisa Thalita Hamaoui.

Segundo ela, a paisagem faz parte de sua vida desde sempre. São paisagens que via quando criança ao sair da capital paulista para as praias do Litoral Norte de São Paulo. São paisagens que vivenciou em viagens por diversas partes. São paisagens aprisionadas em lembranças e que, no momento de produção, mostram a sua força emocional enquanto base criativa do trabalho da artista.

Como reconhece Victor Gorgulho, curador da mostra, o trabalho de Thalita Hamaoui se traduz por “uma singular abordagem da temática da paisagem, atribuindo expressiva contemporaneidade a um universo amplamente trabalhado e discutido secularmente”. Para o curador, ao trabalhar simultaneamente em diferentes obras, a artista instaura “um fluxo a um só tempo orgânico e intuitivo” que acaba dando origem a uma “coreografia involuntária”, permitindo que “a memória da natureza, dos espaços naturais por ela vivenciados e nela retidos afetivamente seja transposta para o plano pictório”.

 

Sobre a artista

Thalita Hamaoui nasceu em São Paulo em 1981. Formou-se na Fundação Álvares Penteado (FAAP) em 2006. Sua primeira exposição individual aconteceu no Centro Cultural São Paulo em 2017. Outras exposições individuais aconteceram em São Paulo, Curitiba e Lisboa. Entre as mostras coletivas destacam-se Possession (Galeria Folley, Nova Iorque| 2016); Coexistência (NowHere, Lisboa| 2021) e Mothering (Kupfer, Londres|2022).

 

 

Galatea anuncia mostra inaugural

26/out

 

José Adário é a exposição que inaugura dia 09 de novembro o espaço físico da Galatea e a primeira individual do artista na cidade de São Paulo. A mostra conta com textos críticos de Alana Silveira, produtora e pesquisadora baiana que acompanha Adário há mais de três anos, e Rebeca Carapiá, artista baiana que trabalha com linguagens construídas a partir da lida com o ferro, além de projeto expográfico de Tiago Guimarães. A exposição reúne mais de cinquenta esculturas, em sua maioria criadas para a ocasião, que serão acompanhadas de fotografias de Adenor Gondim, fotógrafo baiano que retrata José Adário no contexto de seu ateliê há mais de três décadas

José Adário (1947) nasceu no bairro de Caixa d’Água, em Salvador, na Bahia. Foi iniciado aos 11 anos de idade no trabalho de ferreiro de candomblé pelo seu mestre e mentor Maximiano Prates, cuja oficina, situada na histórica Ladeira da Conceição da Praia, foi passada para Adário, que ali trabalha até hoje. As ferramentas de santo, esculturas de ferro que operam, no candomblé, uma espécie de mediação entre os homens e os orixás, entre o mundo físico – Aiyê – e o mundo espiritual – Orum -, são utilizadas nos terreiros em rituais e para devoção. Por produzi-las com grande sofisticação formal e originalidade, José Adário, também chamado de Zé Diabo, passou a ser reconhecido não só como o escultor-ferreiro mais celebrado dos terreiros de candomblé da Bahia, mas como um artista cuja prática é intimamente vinculada às raízes afro-diaspóricas da cultura de sua região – lembremos que Salvador é considerada a cidade mais negra fora da África.

As ferramentas produzidas por José Adário vinculam-se a diferentes orixás que “trabalham com o ferro”, que o possuem como matéria-prima – a começar por Ogum, o guerreiro e senhor das tecnologias. Cada ferramenta traz, de forma geometrizada, signos e aspectos gráficos vinculados à mitologia de cada entidade. Exu, o primeiro orixá no panteão das divindades iorubás, é o mensageiro entre os humanos e os deuses, a corporificação da encruzilhada, e é evocado através de formas que reproduzem os pontos riscados de cada qualidade distinta da entidade (Gira Mundo, Tranca Rua, Caveirinha), compostos por tridentes, lanças, círculos etc. A ferramenta de Ogum, entre as suas variações, trará sempre um arco de onde penderão utensílios agrícolas (machados, pás, facas, foices, lanças, martelos, enxadas, tesouras), sempre em número 7 ou seus múltiplos. Oxóssi, o caçador, tem como símbolo maior o arco e a flecha, seus instrumentos. Ossain, o senhor das ervas, frequentemente contará com folhas e um pássaro no topo de sua ferramenta. Oxumarê, termo de origem iorubá que significa “arco-íris”, é o orixá dos ciclos e da transformação, sendo frequentemente simbolizado por uma ou mais serpentes que envolvem a haste principal da escultura.

O reconhecimento do trabalho de José Adário não vem de hoje. Já em 1968, o estadunidense historiador da arte Robert Farris Thompson (1932-2021), especialista em arte e cultura afro-americana, conheceu o trabalho de Adário em visita à cidade de Salvador, incorporando-o à sua pesquisa. Assim, podemos encontrar menções e análises das esculturas em diversos livros e artigos, como Icons of the Mind: Yoruba Herbalism Arts in Atlantic Perspective (Ícones da mente: artes do herbalismo iorubá na perspectiva atlântica) (1975), Flash of the Spirit: African & Afro-American Art & Philosophy (A carne do espírito: arte & filosofia africana e afro-americana) (1983) e Face of the Gods: Art and Altars of Africa and the African Americas (A face dos deuses: arte e altares da África e das Américas Africanas) (1993). Em todos eles, Farris descreve e relaciona os signos abordados por Adário com a iconografia e liturgia dos povos iorubás, cujas tradições foram trazidas ao Brasil por populações negras escravizadas vindas dos territórios que hoje são países como Nigéria, Benin e Togo.

No que tange à inserção de José Adário no circuito brasileiro das artes, ela se deve, em grande parte, às iniciativas curatoriais do artista e curador Emanoel Araújo (1940-2022) a partir da década de 1990. Adário esteve presente em algumas das principais exposições em que Araújo pôde reunir e difundir a arte e a cultura afro-brasileira, até então fortemente negligenciadas pelas nossas instituições. Entre as mostras, estão: Os herdeiros da noite – fragmentos do imaginário negro, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1994; Arte e religiosidade no Brasil: heranças africanas, Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega – Parque do Ibirapuera, São Paulo, 1997; e A África por ela mesma, Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega – Parque do Ibirapuera, São Paulo, 1998.

Para Adário, trabalhar com o ferro é se inscrever na linhagem de descentes de Ogum a que pertence: seus pais, avós e bisavós todos tinham alguma relação com esse orixá. E, como explica Farris Thompson, Ogum “vive nas chamas da forja do ferreiro, no campo de batalha e, mais especificamente, no fio da faca.” Assim, a prática de José Adário é uma forma de conexão e reverência à entidade. Para além da destreza técnica, fazer as ferramentas de santo requer sensibilidade para que se possa captar os desejos do orixá que dará vida e energia ao artefato. É como se a construção de cada ferramenta partisse do anseio da própria entidade em materializar-se no mundo, sendo o artista, neste caso, o mediador, unindo o campo espiritual e material. Não por acaso, José Adário também é considerado um grande babalorixá.

 

 

Galeria Movimento comemora um ano na Gávea

 

A Galeria Movimento comemora um ano de sua sede na Gávea com a exposição “Oráculo” que reúne pinturas inéditas de Marcela Gontijo com abertura no dia 05 de novembro, às 14h. A artista nasceu em Belo Horizonte e está radicada em Brasília. Marcela Gontijo usou o tratado milenar chinês “I Ching” (o “Livro das Mutações”) para criar uma série de obras em que adiciona o acaso – os hexagramas resultantes do jogo de moedas – a seu processo de construção das tramas de linhas horizontais e verticais em cores fortes. Marcela Gontijo tomou contato com o “I Ching” quando morou em Hong-Kong, entre 2012 e 2015, e ao voltar ao Brasil começou a experimentar este sistema em seu trabalho, cujos resultados são agora apresentados ao  público. A exposição tem curadoria de Felipe Scovino.

A Galeria Movimento inaugurou seu espaço no Baixo Gávea com a exposição, “O Banquete”, também com obras de uma artista mulher, Viviane Teixeira, e curadoria de Victor Gorgulho. Desde então, já fez mais cinco exposições, entre coletivas e individuais, com os artistas Arthur Arnold, Edu Monteiro, Hal Wildson, Jan Kaláb, Marcela Gontijo, Marcos Roberto, Mateu Velasco, Paulo Vieira, Pedro Carneiro, Tinho, Viviane Teixeira e Xico Chaves.

 

 

Segredos e enigmas de Lize Bartelli

21/out

A Simões de Assis, Jardins, São Paulo, SP, apresenta a mostra “Skeleton Closet”, primeira individual de Lize Bartelli em seu espaço paulista. A série “Skeleton Closet” é um vislumbre da construção de um mundo que mistura imaginação e realidade, propondo criações figurativas, mas não necessariamente realistas. A artista convida amigas e familiares a posar para retratos absolutamente íntimos, geralmente solitários, em ambientes particulares e interiores domésticos. Ocasionalmente, um gato ou uma criança acompanham as modelos, carregando as cenas de um simbolismo misterioso. Lançando mão de cores não-naturalistas, as peles das figuras são esverdeadas e azuladas, evocando certa decadência, a mortalidade inerente a todas nós. O próprio título da mostra alude aos esqueletos no armário, apontando, de um lado, para o aspecto da morte, enquanto também sugere os segredos e enigmas que todas as suas personagens insinuam.

 

Até 10 de dezembro.