Marcelo Guarnieri exibe Iolanda Gollo Mazzotti

30/set

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, apresenta até 03 de novembro, “Luz que emana”, primeira mostra na unidade de São Paulo da artista Iolanda Gollo Mazzotti. A exposição reúne pinturas, esculturas e frotagens produzidas durante os anos de 2021 e 2022 e conta com texto crítico do curador Ricardo Resende.

Iolanda Gollo Mazzotti nasceu em 1952, em Caxias do Sul, RS, einiciou sua produção ainda na década de 1990, exibindo seu trabalho em museus como MAM São Paulo; MAM Rio de Janeiro; Paço Imperial do Rio de Janeiro; MAC Paraná; MAC Rio Grande do Sul e Itaú Cultural de São Paulo. Em sua pesquisa, a artista investiga questões relacionadas à luz e ao poder da imagem, através de uma aproximação com o universo da estatuária religiosa e da experimentação com a técnica da gravura em um campo expandido.

Filha e neta de artesãos marceneiros de altares e santos, Iolanda Gollo Mazzotti cresceu rodeada de figuras religiosas, que, ao seu olhar, pareciam sempre perfeitas e inalcançáveis, distanciadas do plano terreno. Movida por essa inquietação e interessada pelos aspectos plásticos daqueles objetos escultóricos, a artista deu início a um trabalho – que já dura mais de vinte anos – de distorção e desmanche da Nossa Senhora da Luz, uma santa da Igreja Católica tradicionalmente invocada por pessoas com deficiência visual, que em sua imagem original carrega uma lamparina.

Sua curiosidade pelas questões do invisível a levou a associar a sua pesquisa sobre a imagética religiosa ao campo das percepções sensoriais, questionando a importância que havia sido socialmente atribuída ao sentido da visão para a experiência humana. Em meados da década de 90, Iolanda Gollo Mazzotti acompanhou de perto o trabalho da APADEV – Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais de Caxias do Sul, trocando experiências e reflexões com os associados em torno das potencialidades e limitações das pessoas videntes e das pessoas não-videntes. Essa vivência permitiu à artista refletir que nem sempre a luz possibilita uma apreensão da realidade, já que pode inibir outros sentidos e, quando em excesso, pode cegar. Retirando a lamparina das mãos da santa em seu trabalho, Iolanda Gollo Mazzotti ressignifica a imagem da Nossa Senhora da Luz como uma maneira de explorar questões não somente filosóficas, como também plásticas. “Em meu trabalho, essa imagem tem a mão vazia porque a luz agora se apresenta de diferentes formas. Modelando, delimitando e se diluindo para gerar diferentes intensidades de sombras.”, diz Iolanda.

Iolanda Gollo Mazzotti apresenta esculturas, pinturas e objetos que se constroem por meio de técnicas como a frotagem, a moldagem e a costura, e materiais como o carvão, a seda e o gesso. Todas essas obras são provenientes de uma única matriz: a escultura de uma Nossa Senhora da Luz. Para produzir um dos trabalhos, são retiradas dessa matriz impressões frotadas em seda com carvão e gesso que geram imagens fragmentadas da santa, como se fossem registros imperfeitos de um corpo sagrado, suspensos pelo teto. Outro conjunto de peças apresentadas se aproxima um pouco mais do campo tridimensional, embora ainda se relacionem com o ato de gravar e com o interesse da artista pela linguagem da gravura. Moldadas sobre tecido, compõem corpos deformados da santa cujos aspectos podem ser percebidos através de um efeito de drapeado. A artista explica que “a santa nunca se reconstrói totalmente, apenas dá indícios de sua totalidade”.

Indo além no exercício de desmanchar tal figura, Iolanda Gollo Mazzotti exibe também os moldes de silicone e as camas de gesso, não mais suspensas e aéreas, mas dispostas no chão, em contato com o solo: “As camas que acolhem os moldes contém a força de uma forma impregnada de conceitos e limitações, mas agora descansam sob uma luz tênue que se desprende da estrutura rígida da matéria.” Outros moldes menores feitos de gesso, resina e cera são apresentados, mas o que se vê são apenas suas cavidades interiores iluminadas por pequenas lâmpadas de baixa voltagem. Duas máquinas em paredes opostas riscam a superfície com carvão – uma linha na horizontal e outra na vertical – e compõem uma cruz desmembrada, deixando também no chão o registro da ação em forma de Galeria Marcelo Guarnieri.

 

 

Pinturas de Felipe Carnaúba na GEMA

29/set

 

 

O título da mostra é “Uma Pintura é Uma Bandeira, primeira exibição individual do multiartista Felipe Carnaúba até 30 de outubro em São Paulo na GEMA, Jardim América, sob a curadoria de Eduarda Freire. Com, aproximadamente, 40 trabalhos entre pinturas, desenhos, vídeos, NFTs, objetos e game, propor um ambiente social e informal de debate diante obras “ironicamente” políticas. Entre as telas, pode-se encontrar algumas representações artísticas feitas em conjunto com componentes do coletivo Palácio Guanabara. “Felipe propõe uma flexibilização dos limites do espectador, diante de seus excessos; provoca o público com postulados por vezes perigosos, não-lineares e pouco esclarecidos”, delibera a curadora.

Nos trabalhos do artista não há uma definição clara entre a busca pelo aplauso ou pela rejeição. Por vezes, pode-se até pensar Felipe Carnaúba como um advogado de causas próprias ao perceber o grau de “malicia” presente nas criações. “Hoje, sou obrigada a repensar essa figura. A presente produção me provoca mais questionamentos, do que conclusões. (…..) Como seria conviver com uma silenciosa tensão toda vez que receber alguém para conhecer a casa? Essa imagem de um metro de altura do rosto do presidente, feia, mal-pintada e bem representada, não é algo que se consiga explicar facilmente para alguém num primeiro encontro romântico. Agora, notem a beleza que é perceber a naturalidade como se pensa arte como algo para se colocar na parede da sala. Estes questionamentos estão imersos na minha visão circunstancial de quem tem uma pintura do Felipe na entrada de casa. É evidente que a polêmica é ingrediente da massa do trabalho. No entanto, não diria que isto é um foco, e sim um fato”, discorre Eduarda Freire. Definir como experimentação também seria um conceito muito vago visto que, seja em suas performances, vídeos, músicas, NFTs, textos ou pinturas, as intenções do artista são atuais. Uma Pintura é Uma Bandeira. Por que? Copos de Guaravita em pedaços de papelão, ou assentos de privada na parede expressam, na verdade, o Brasil por um carioca suburbano, subentendido e subestimado”, responde a curadora. “Felipe se caracteriza pelo acúmulo, excesso e desorganização. Sua produção incansável e/ou exaustiva, detestável e/ou divertida, desafia a se deparar com níveis baixos da realidade atual, a um alto grau de insolência e destemor. Em meio a frenéticos (senão épicos) aspectos antiglamurosos, gira uma ciranda do fracasso. Talvez seja essa a insinuação de que o veneno é o antídoto.” Eduarda Freire

Sobre o artista

Felipe Carnaúba nasceu no Rio de Janeiro em 1998. Artista e curador independente, bacharelando em Pintura na Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA – UFRJ). Atua em diversas linguagens como artista entre a pintura, instalação, música, performance e videoarte. Sua pesquisa investiga sobre o acúmulo de elementos populares da indústria cultural como indagação de politizar o produto alienante; utiliza a linguagem dos memes pelo engajamento pós-irônico na era global. Suas obras remetem um trágico e humorado retrato da banalização da informação, como das redes sociais, a qual nossas relações de convívio exaustivamente, cada vez mais, fricciona entre o lazer à política.

Sobre a GEMA

GEMA, de Eduarda Freire e Clara Johannpeter, é um núcleo de arte contemporânea emergente, dedicado a fomentar a produção e divulgação de artistas que nunca foram representados por galerias. Funciona como uma ferramenta de consultoria de arte, com foco em artistas independentes. Reuniu um acervo em um espaço, em São Paulo, e até o presente momento atua em locais temporários que permitam exposições presenciais. No momento, trabalha com quinze artistas, mas também tem como foco incentivar artistas que estão fora de seu time, através de iniciativas como realizações de exposições individuais destes, ou inclusão em exposições coletivas. A GEMA se apresenta como uma nova opção de fomento ao circuito artístico, de modo alternativo ao convencional modelo de exposição em cubo branco.

 

 

 

Modernas no Instituto Goethe Porto Alegre

28/set

 

O jornalista Airton Tomazoni é o coordenador de “Modernas eram elas – A dança na Porto Alegre da primeira metade do século XX”, em exposição na Galeria do Goethe-Institut Porto Alegre, RS.

 

A exposição está concentrada nas figuras pioneiras de Lya Bastian Meyer (dançou em Berlim em 1938), Tony Seithz Pethzold e Salma Chemale. Essas mulheres ajudaram a fundar a Associação Gaúcha de Dança (ASGADAN), em 1969; criaram e administraram escolas, grupos e companhias; encenaram centenas de obras e formaram gerações de artistas que marcaram a cena local como Morgada Cunha, Lenita Ruschel Pereira, João Luis Rolla, Tais Virmond, e também nomes de projeção nacional e internacional como Beatriz Consuelo, Rony Leal, Antonio Carlos Cardoso, Eleonora Oliosi, Jane Blauth, Carlos Moraes e Emilio Martins.

 

Sobre o coordenador

 

Airton Tomazzoni é coreógrafo, jornalista e diretor do Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre. Doutor em Educação pela UFRGS.

 

Equipe e Ficha Técnica:

 

Proposta e coordenação geral: Airton Tomazzoni; pesquisa, curadoria e textos: Airton Tomazzoni e Clarice Alves; edição e tratamento de imagens: Clarice Alves, Duda Mosseline e Grace Fernandes; cenografia e direção de arte: Rodrigo Shalako; assessoria de Comunicação: Ilza do Canto; design gráfico: Refazenda Comunicação; captação de imagens e edição dos vídeos: Fernando Muniz; montagem: Shalako Produções; iluminação: Daniel Fetter; realização: Centro de Dança da SMCEC; com apoios de Goethe-Institut Porto Alegre, Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, Centro de Memória do Esporte (CEME).

 

Até 29 de outubro.

 

 

As cores sólidas de Germana Monte-Mór

26/set

 

A Galeria Estação, uma das mais celebradas vitrines da arte brasileira, inaugurou a exposição “Da infinidade da linha e da (im)perfeição das pedras”, que poderá ser vista pelo público até 05 de novembro. Sob a curadoria de Camila Bechelany, a mostra reúne cerca de 25 pinturas produzidas por Germana Monte-Mór nos últimos três anos. “São obras de diferentes dimensões caracterizadas por cores sólidas e justapostas, derivando as formas orgânicas que expressam a linguagem imagética da artista. Nelas, o plano da pintura ganha profundidade pela criação de fronteiras entre as formas por meio da aplicação de pigmentos, de asfalto sobre o tecido ou, ainda, por meio de incisões na tela”, diz Camila, que, ao abordar o trabalho de Germana, evoca um trecho do poema “Educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto, que diz assim: “… No Sertão a pedra não sabe lecionar/ e se lecionasse, não ensinaria nada/ lá não se aprende a pedra: lá a pedra/ uma pedra de nascença, entranha a alma”.

De acordo com a galerista e colecionadora de arte Vilma Eid, anfitriã da Galeria Estação, a artista aproveitou muito bem o período de confinamento durante a pandemia para produzir bastante. Agora, essas pinturas compõem a segunda exposição individual de Germana Monte-Mór neste espaço cultural de Pinheiros. A primeira aconteceu em 2017, quando ela desenvolveu, na galeria, o núcleo de trabalho com artistas contemporâneos. “Germana é uma artista experiente, talentosa e consagrada. Ela mantém as mesmas formas de linhas orgânicas e curvilíneas, introduziu a cor, o feltro e as telas duplas, mantendo a mesma assinatura que nos leva imediatamente a reconhecer sua obra”, afirma Vilma.

Ainda nas palavras de Camila, a exposição espelha as múltiplas perspectivas pelas quais Germana observa as dimensões da vida. “Nas pinturas maiores, as formas lembram caminhos de rios sobre um terreno acidentado e rochoso, assemelhando-se a detalhes de mapas topográficos. A artista, que busca, desde o início de sua trajetória, modos de traçar linhas sobre o plano delimitando áreas de cor e matéria, encontrou uma nova forma de transposição de sua poética do papel para um espaço tridimensional criado sobre a superfície”, analisa.

Germana segue abrindo novos caminhos em sua sofisticada e engenhosa geografia criativa. “As formas que eu criava eram acompanhadas de sombras, que eu fazia na própria pintura. Agora, utilizo duas telas sobrepostas e essas sombras surgem em uma das camadas de forma concreta”, explica.

Sobre a artista

Germana Monte-Mór nasceu no Rio de Janeiro, em 1958, e vive em São Paulo desde 1983. É desenhista, gravadora, pintora e escultora. Formou-se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em Gravura pela Escolinha de Arte do Brasil e em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Em 2002, concluiu o mestrado em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Em 1989, recebeu a bolsa Ateliê II da Oficina Cultural Oswald de Andrade e o prêmio aquisição no 1º Prêmio Canson, do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM. Em 2004, ganhou a Bolsa Vitae de Artes, da Fundação Vitae. A busca por novos materiais é uma característica marcante da artista. Em sua trajetória, participou de importantes exposições coletivas e individuais em galerias e instituições renomadas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Paço Imperial (RJ) e o Instituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto (SP). Suas obras integram coleções particulares e acervos célebres, como, dentre outros, o da Fundação Biblioteca Nacional (RJ), do Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP), do Itaú Cultural (SP) e da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS).

Sobre a curadora

Camila Bechelany atua como pesquisadora, crítica e curadora.  Em 2020, foi curadora da exposição Lugar Comum – Mostra 3M de Arte, SP com comissionamento de 10 obras para o espaço público. No mesmo ano foi residente do BAR Project em Barcelona e participante do programa de jovens curadores da ARCO Madrid em 2020. Em 2019, foi curadora do programa de residência, Pivô Pesquisa (SP). Foi integrante do grupo de críticos de arte do Centro Cultural São Paulo entre 2018 e 2019. Foi curadora convidada na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2019 e curadora assistente no MASP entre 2016 e 2018. onde trabalhou nas mostras Histórias da sexualidade, Avenida Paulista, Guerrilla Girls entre outras. Entre seus projetos independentes estão Parques e outros pretextos (galeria Mendes Wood, 2019); Museu Vivo (Centro Pompidou, Paris, 2016) e a criação do espaço independente La Maudite em 2013. Foi participante bolsista do ICI, NY em 2012. É mestre em Antropologia Cultural pela EHESS de Paris e em Artes e Políticas Públicas pela Universidade de Nova York (NYU).

Sobre a Galeria Estação

Com um acervo entre os pioneiros e mais importantes do país, a Galeria Estação foi inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp e consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não-erudita. A sua atuação foi decisiva pela inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco, que passou a ocupar espaço na mídia especializada, vem conquistando ainda a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições “Histoire de Voir”, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França), em 2012, e da Bienal “Entre dois Mares – São Paulo | Valencia”, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual do “Veio – Cícero Alves dos Santos”, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, além de individuais e de integrar coletivas prestigiadas, os artistas da galeria têm suas obras em acervos de importantes colecionadores brasileiros e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (São Paulo), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (São Paulo), o Instituto Itaú Cultural (São Paulo), o SESC São Paulo, o MAM- Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.

O afeto em Pedro Carneiro

20/set

 

 

A Galeria Movimento, Gávea, Rio de Janeiro, RJ,  apresenta até o dia 08 de outubro a exposição “Pedro Carneiro – Cartas ao Afeto”, onde aborda o afeto como perspectiva de cura coletiva. Com presença crescente no circuito da arte, participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”, no Instituto Moreira Salles em São Paulo, e terá trabalhos na 13ª Bienal do Mercosul, na mostra “Parada 7 – Arte em Resistência”, no Centro Cultural Justiça Federal e no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro -, além de quatro pinturas no Museu de Arte do Rio, a partir de setembro, expostas na coletiva “Um Defeito de Cor”. Ainda em setembro, Pedro Carneiro terá quatro pinturas expostas no Arte Pará 2022, que vai ocupar espaços da Casa das Onze Janelas e do Museu de Arte Sacra, em Belém.

 

A exposição “Cartas ao Afeto”, é a primeira exibição individual do artista Pedro Carneiro (1988, Rio de Janeiro), que reúne quinze pinturas recentes e inéditas com registros de cenas e memórias familiares, dentro de sua investigação artística em que mistura referências da história da arte, da linguagem de HQ, e de sua história pessoal. Nas obras, as pessoas retratadas estão em paletas de cinza e preto, contra um fundo rosa. Depois de uma série “Azul”, em que tratou de embates e conflitos sociais, e também imagens de família, Pedro Carneiro conta que começou a experimentar o rosa. “Queria trabalhar o afeto, a possibilidade de cura coletiva pelo carinho, mesmo sem esquecer os traumas sofridos”, diz. “Um olhar para frente, utópico, e para o espaço construído, e o que está em construção. A resistência como um foco de luz, que acende a cena”, comenta Pedro, usando uma referência de seu trabalho como iluminador teatral. “Quero dar atenção aos pequenos movimentos, gestos que antecedem os abraços, o olhar, a delicadeza do instante, e o rosa ilumina essas cenas”, explica. Para ele, as tramas individuais encontram eco na coletividade. Com presença crescente no circuito de arte, Pedro Carneiro participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros” (25/9/2021 a 3/4/2022), no Instituto Moreira Salles em São Paulo, e terá trabalhos na 13ª Bienal do Mercosul (15 de setembro a 20 de novembro de 2022), na exposição “Transe”, em Porto Alegre, na mostra “Parada 7 – Arte em Resistência” (a partir de 7 de setembro de 2022, no Centro Cultural Justiça Federal e no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro), além de quatro pinturas no Museu de Arte do Rio, a partir de setembro, expostas na coletiva “Um Defeito de Cor”. Ainda em setembro, Pedro Carneiro terá quatro pinturas expostas no Arte Pará 2022, que vai ocupar espaços da Casa das Onze Janelas e do Museu de Arte Sacra, em Belém. Em maio de 2020, foi um dos artistas selecionados pelo edital de artes visuais da série Arte como respiro: múltiplos editais de emergência, do Itaú Cultural. Sua pintura “Cuidado” (2021) integra o acervo do Museu de Arte do Rio.  Na entrada da Galeria Movimento estará a instalação “Carta ao Pai”, em que um texto manuscrito de Pedro Carneiro ao pai, falecido há alguns anos, é o elemento de ligação entre uma pintura feita a partir da fotografia de formatura de seu pai, e a fotografia de formatura do próprio artista. Uma versão inicial e diferente desta obra integrou o festival virtual Respiro, do Itaú Cultural, em 2020, durante a pandemia.

 

Pinturas – Resistência e Afeto

 

As sete pinturas que formam a série “Vol II – Track”(2021/2022) estarão na sala à direita da entrada. O trabalho é resultado da residência Pesquisa em Artes 2021, do MAM Rio. Os demais oito trabalhos, todos de 2022, são da série apelidada de “Rosa”: “Algumas lembranças não devem ser guardadas só em memórias”, “Antes da despedida”, “O mundo cabe em um instante”,“O olhar de Lisa”, “Laços II”, “Ekundayo”, e “Estamos entre rainhas e reis”. Este último faz alusão à icônica imagem de Beyoncé e seu marido Jay-Z no clipe de “Apeshit” (2018), filmado no Museu do Louvre. No lugar da Monalisa, Pedro Carneiro retratou Abdias do Nascimento, e colocou no rosto do casal máscaras do Pantera Negra. “O desenho não obedece à formalidade de uma pintura figurativa, e é uma mistura de muitas referências, do Renascimento às HQs. As pinceladas são livres”, diz Pedro Carneiro. “Quero que um garoto de Oswaldo Cruz (bairro da zona norte do Rio, local importante na formação do artista) olhe e entenda as referências: “Essa pessoa me lembra o fulano da rua”. Pedro Carneiro conta que suas grandes referências na pintura são os alemães Anselm Kiefer  (1945), Gerhard Richter (1932) e o norte-americano Kerry James Marshall. Mas entrega: : “Um dia quero ser como Arjan Martins e Cildo Meireles”. Thayná Trindade, assistente curatorial e pesquisadora no Museu de Arte do Rio, e uma das fundadoras do laboratório de Estudos Africanos e Ameríndios Geru Maa, da UFRJ, escreve no texto que acompanha a exposição: “Transcender os traumas sem apagá-los torna-se estratégia sacralizada em suas pinceladas. Se tempos antes os tons de cinza reforçaram estéticas violentas e ares de melancolia, hoje tornam-se ponto de partida para reivindicação desses corpos em levantes, somados a alegorias que versam sobre possibilidades de cura, proteção, reivindicação, amor e agência nas mais variadas formas”. Para ela, a dimensão pictórica de Pedro Carneiro encontra eco no conceito de escrevivências; de Conceição Evaristo: “Ele apresenta cotidianos, experiências, desejos, sonhos de um povo que renega o lugar de objeto e retoma o lugar de protagonista e de poder – no âmbito do existir, do conceder e do permitir – subvertendo a lógica hegemônica de um lugar-comum, marginalizado, violento”.

 

Pai, Histórias em quadrinhos, Desenhos, UERJ e Spataculu

 

Criado em grande parte nos bairros de Madureira e Oswaldo Cruz, berço das tradicionais escolas de samba Portela e Império Serrano, de uma família trabalhadora e consciente politicamente, que aposta na educação como crescimento pessoal e social, Pedro Carneiro ganhou do pai “um monte” de revistas em quadrinho. O pai atendia a uma sugestão do professor do menino na classe de alfabetização, que distraído não estava participando das atividades em sala de aula. Rapidamente o Pedro passou a desenhar para copiar as figuras que via. Enquanto aguardava ser buscado pelos pais, depois da escola, ele desenhava na casa da patroa da avó, trabalhadora doméstica. Na adolescência, quis trabalhar na criação de videogames e histórias em quadrinho, e ingressou na faculdade de artes visuais na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em 2007, pelo sistema de cotas. Na época, as bolsas que permitiam transporte e alimentação só tinham duração de seis meses. E ao buscar bolsas de pesquisa na universidade, uma professora sugeriu que ele fizesse iluminação para teatro e cenografia. Ao se graduar na Uerj, em 2011, com um trabalho de final de curso sobre as transformações que a cidade, em especial a Zona Norte, estavam sofrendo com os preparativos para a Olimpíada, Pedro Carneiro foi aluno e depois passou a trabalhar na Spectaculu, instituição de formação e inserção profissional criada pelo artista e cenógrafo Gringo Cardia. Nos dois anos seguintes cursou com bolsa a EAV do Parque Lage, e passou a integrar coletivos que realizavam eventos e ocupações artísticas em espaços públicos.Sem parar de desenhar, ele participou de eventos na rua até 2017, quando passou a se concentrar na sua pintura.

 

Sobre o artista

 

Nascido em 1988, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha, Pedro Carneiro constrói sua produção pautado pelas questões relativas à herançadiaspórica afro-latina e a cultura pop. Em pinturas, intervenções urbanas, instalações e desenhos, seus trabalhos refletem histórias reais e inventadas tendo como ponto de partida o reencontro com sua ancestralidade. Pedro Carneiro é mestrando em Arte e Cultura Contemporânea na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e em 2021 fez a residência Pesquisa em Artes do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foi selecionado para a 13ª Bienal do Mercosul, através da Chamada Aberta para a exposição “Transe”. Participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”; no Instituto Moreira Salles em São Paulo. Sua pintura “Cuidado” (2021) integra a coleção do Museu de Arte do Rio.

 

Cartas ao afeto – Pedro Carneiro

 

Thayná Trindade

 

Cartas ao afeto – primeira exposição individual de Pedro Carneiro – nos convida a um vir a ser coletivo, construindo novos pressupostos e viradas poéticas acerca da encruzilhada contínua do existir em diáspora, como corpo preto que se dispõe a olhar as vicissitudes que fazem parte de suas histórias, bem como o transbordar de sua humanidade a partir do reencontro para com os seus e os diversos graus de sentimentos que navegam no seu mar existencial, tecendo linhas e contornos através de seus trabalhos para perpetuar memórias outras. Bell Hooks nos ensina que a perspectiva de estética é, para além da própria ideia e teoria de arte, um modo pelo qual olhamos e habitamos os espaços, a fim de nos tornarmos também parte integrante daquilo que construímos. O belo também é o pertencimento. Como no conceito de escrevivência de Conceição Evaristo, a dimensão pictórica de Pedro Carneiro apresenta cotidianos, experiências, desejos, sonhos de um povo que renega o lugar de objeto e retoma o lugar de protagonismo, presença e de poder – no âmbito do existir, do conceder e do permitir – subvertendo a lógica hegemônica de um lugar-comum, marginalizado, violento, descartável. Transcender os traumas sem apagá-los se tornam estratégias sacralizadas em suas pinceladas. Se tempos antes os tons de cinza reforçaram estéticas violentas e ares de melancolia, hoje são ponto de partida para reivindicação desses corpos em levantes, somados a alegorias que versam sobre possibilidades de cura, proteção, reivindicação, amor e agência nas mais variadas formas. A dimensão dos afetos toma corpos apresentados em primeiro plano, mediante a formulação de futuros possíveis embebidos num certo anacronismo simbólico, percorridos nos elementos que constituem os espaços em cada tela: nas tecnologias ancestrais de recobro em meio às ervas medicinais e de anteparos, associados a presenças divinizadas e heróicas de personas que se tornam reais e vivas, tramadas sob o arcabouço de uma paisagem que não se revela por completo, mas que é desejada e habitada na casa das matriarcas de Oswaldo Cruz, nos Quilombos que vêm de Palmares e desembocam em Irajá, se fortalecem nas esquinas sonoras de Madureira, passam por ideais filmíticos de Wakanda, Dakota, Soho. Experimenta a teatralidade e o poder político do negro liderados por Abdias Nascimento e companhia, reveste os corpos protegidos pela espada de Ogum, saúda mares e pede benção para inaugurar uma nova fase que abraça, acarinha em tons rosa anseios de um povo. Abdias, Beatriz, Lélia, Sr. Nilson, Sr. Tonico, D.ª Ridete, Dª Luiza, D.ª Glória, Seu Carlos e tantos outros apresentam ferramentas e embalam presenças que caminham junto, onde a ideia de Sankofa é presença, energia vital, ASÈ. Afinal, como construir futuros possíveis sem reverenciar aqueles que antes vieram?

 

Thayná Trindade (1988, Rio de Janeiro, Brasil) é Assistente Curatorial e Pesquisadora no Museu de Arte do Rio (MAR). É Historiadora da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Curadora Adjunta na 01.01 Art Platform.

 

 

Karin Cagy no Solar de Botafogo

 

 

Karin Cagy tem no DNA a postura livre e destemida retratada nas telas de sua primeira exposição individual, “Beau Voir”, na Galeria Vertical do Centro Cultural Solar de Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, sob curadoria de Alexandre Murucci. Oriunda de uma família de mulheres fortes, sua mostra é fruto da virada existencial e profissional que se confirmou no período sabático durante a pandemia, quando ela assumiu sua persona artística cultivada desde a juventude. Como grande diferencial de sua investigação temática, suas personagens são mulheres na faixa a partir dos anos 1960/70, quase sempre apresentadas em protagonismos inesperados. Em seu universo pictórico, as figuras escolhidas pela artista se mostram donas de seus percursos e escolhas, contrariando estereótipos e restrições naturalizadas pela sociedade ocidental, que, apesar de se mostrar cada vez mais aberta ao enfrentamento do ageísmo, ainda mantém o culto à juventude como seu maior ativo econômico e simbólico.  A exposição vai até o dia 19 de outubro e reúne cerca de 20 obras em médios formatos, utilizando técnicas de tinta a óleo e acrílica, numa paleta “cupcake”, cores dóceis que contrastam com a atitude de suas personagens.

 

“Sempre desenhei mulheres. Sempre muito feminista. Minha pesquisa na pintura sobre ‘ageísmo’, um preconceito que atinge de forma mais contundente o sexo feminino, é onde sinto que meu trabalho mais tem a conectar as pessoas. E a imagem que eu tenho das mulheres de mais idade vem de minha mãe e avó, que sempre foram ativas e potentes, cheias de vida – é o meu parâmetro. Eu mesma não me imagino de outra forma e é assim que eu pretendo envelhecer. Por que envelhecer tem que ser feio, ser inexpressivo?”, diz Karin Cagy.

 

A palavra do curador Alexandre Murucci

 

“Apresentando uma série de trabalhos que falam de questões caras à sua sensibilidade e que envolvem o universo feminino, suas mulheres são fortes, destemidas, surpreendentes. Fruto de sua dinâmica de atelier nos últimos três anos, a mostra ‘Beau Voir’ brinca com suas acepções linguísticas, ao ser traduzida livremente como algo bonito de ver, certamente um contraponto quando nos deparamos com o ‘status quo’ estético vigente, ao mesmo tempo em que é uma expressão de afirmação e convicção na língua francesa, e flerta com a musa existencialista Simone de Beauvoir, autora do livro capital do feminismo – “O Segundo Sexo” (Le Deuxième Sexe) publicado em 1949, uma das obras mais celebradas e importantes para o movimento, analisando a condição feminina nas esferas sexual, psicológica, social e política. Karin Cagy elege um olhar solidário a uma mulher no seu entorno próximo – família, amigas e pessoas do universo profissional como designer e criadora de moda, onde atuou por três décadas, e onde estes aspectos são tratados com a crueza e dramaticidade de uma cultura ao corpo inóspita e impositiva, e que, mesmo não sendo seu lugar de fala presente, se coloca em seu horizonte de forma latente, em angústias e expectativas de seu lugar no mundo, que ela transforma em poesia libertadora ao criar Senhorinhas livres e donas de seus destinos.  Realmente bonito de ver!”

 

Sobre a artista

 

Com o desenho presente em sua vida desde seus cinco anos, Karin Cagy já ministrava aos dezoito anos, aulas de pintura em seda no Club Med. Cursou Modelo Vivo no Parque Lage com Astrea El Jaick e Gianguido Bonfante e, posteriormente, Desenho Industrial na Faculdade da Cidade e Moda na Universidade Candido Mendes. Com ampla experiência na indústria da moda, onde trabalhou por mais de duas décadas em 2018, Karin realinhou sua investigação artística e voltou à Escola de Artes Visuais do Parque Lage, tendo como professores Luiz Ernesto, Bruno Miguel e Charles Watson, retornando a pintura de forma visceral e profícua.

 

 

Artista francês em Ipanema

 

 

Expoente da arte contemporânea da França ocupa, com obras inéditas e recentes, os dois andares da galeria Nara Roesler, Ipanema, Rio de Janeiro, em sua primeira exposição na cidade. Com obras em coleções prestigiosas como a do Centre Georges Pompidou, em Paris, e representante de seu país na Bienal de Veneza em 2017, Xavier Veilhan mostra esculturas em vários materiais e formatos – três delas interativas -, e um grande móbile, de 4,5 metros, que exploram seu interesse em criar espaços e contextos que alteram a experiência do espaço e a percepção do tempo. Em paralelo à exposição, a Cinemateca do MAM já exibiu filmes de Veilhan.

 

Sobre o artista

 

Xavier Veilhan (1963, Lyon, França, radicado em Paris) é conhecido por trabalhos que transitam entre escultura, pintura, instalação, performance, vídeo e fotografia. Na exposição estarão qinze obras, entre esculturas de dois metros de altura, esculturas cinéticas em madeira, e um grande móbile, de 4,5 metros de altura, que oferecem ao público uma excelente oportunidade de conhecer o trabalho deste grande artista. A originalidade das suas proposições, que tensionam a relação entre o bidimensional e o tridimensional, resulta em espaços e contextos que alteram a experiência do espaço e a percepção do tempo, um dos interesses do artista. Sua obra está em coleções de importantes museus, como o Centre George Pompidou, e além de exposições em instituições de arte ele se interessa por espaços públicos, e já realizou obras específicas para locais em várias cidades do Japão, Coréia do Sul, EUA, Suíça, Suécia, Itália, Portugal, China e França. Suas exposições e intervenções in situ em cidades, jardins e casas questionam nossa percepção ao criar um envolvente percurso em que o público se transforma em participante ativo.

 

 

Beatriz Milhazes em NY

 

Na sua primeira exposição em Nova York em mais de uma década, Beatriz Milhazes apresenta “Mistura sagrada” na Pace Gallery, apresentando dez novas pinturas e uma escultura móvel em grande formato. Os motivos florais e geométricos de Milhazes – entre arabescos e mandalas – têm um aspecto cinético que leva a uma experiência ampliada da pintura, criando uma atmosfera em movimento que extrapola a bidimensionalidade do plano.

Até 29 de outubro.

 

 

Ocorrências visuais de Bechara na LURIX

16/set

 

A LURIXS: Arte Contemporânea, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, apresenta até 28 de outubro “Nervo Combustão Fluxo”, exposição individual de José Bechara, com texto de Felipe Scovino.

 

Em sua sexta exposição individual na galeria, o artista ocupa as duas salas expositivas do prédio para apresentar 15 obras inéditas entre oxidação de metais sobre lona e esculturas em vidro. Como aponta Scovino: “O que reúne, com mais força, as obras nesta exposição é o fato de estarem em moto-contínuo mesmo em um estado de aparente repouso. Há uma ação, um devir, que acontece ininterruptamente mesmo essas mudanças não sendo perceptíveis a olho nu.”

 

O crítico evidencia também que o artista “não abandonou o grid – um signo constante em sua trajetória -, mas o tornou mais complexo nos últimos anos. Adicionou mais elementos a essa estrutura, transmitindo uma sensação de agilidade e aumentando a potência alegórica de um estado transitório em suas pinturas.” e conclui “Bechara continua, como um dínamo, a produzir novas e incessantes paisagens movidas a combustão e alta intensidade.”

 

Moto-contínuo

Por Felipe Scovino

 

O que reúne, com mais força, as obras nesta exposição é o fato de estarem em moto-contínuo mesmo em um estado de aparente repouso. Há uma ação, um devir, que acontece ininterruptamente mesmo essas mudanças não sendo perceptíveis a olho nu. É de conhecimento daqueles que acompanham a trajetória de José Bechara que o fenômeno da oxidação de emulsão ferrosa e/ou cúprica sobre lona de caminhão é algo que persiste desde o início da sua trajetória. Uma certa magia acontece na distribuição, quantidade e gestualidade que Bechara emprega utilizando as emulsões sobre a lona. Mas quero ir além desse fato notório e apontar que suas obras na última década, uma ínfima parte aqui exposta, evidenciam outros gestos (ou movimentos, se quiserem assim chamar).

 

Bechara também não abandonou o grid – um signo constante em sua trajetória , mas o tornou mais complexo nos últimos anos. Adicionou mais elementos a essa estrutura, transmitindo uma sensação de agilidade e aumentando a potência alegórica de um estado transitório em suas pinturas. Digo isso porque, para além do fato de o artista não abdicar do processo de oxidação na construção de formas geométricas sobre a lona, há outro regime de temporalidade sendo explorado. Se, nas partes oxidadas encontradas na pintura, a passagem do tempo, demarcada pela ação da emulsão sobre a lona, é vagarosa, minuciosa e “imperceptível” à experiência do olho, nas formas que caracterizam o grid, o nosso olhar percorre a superfície da pintura de forma acelerada e descontínua. Não há centro, tudo está a se mover de forma esquiva e instável. Os pontos de cor, chamativos, quentes e espalhados pelos mais distintos pontos da lona, intensificam essa operação. No díptico Margarida Cabeça Stripe (2018), o que prevalece é a oxidação na lona superior, formando metaforicamente não só uma matéria em combustão, mas a constituição de uma paisagem, notadamente, de um nevoeiro. É perspicaz a escolha, até certo ponto ocasional, que Bechara faz de como, onde e com que intensidade o processo químico da oxidação ocorrerá sobre a lona e, em um segundo momento, as formas alusivas ao mundo que são criadas.

 

Bechara também opera pela fratura e podemos observar essa característica sob dois pontos de vista. Primeiro, eu diria, uma fratura que se dá no material escolhido. O artista faz uso, e não são raros os casos, de remendos, isto é, pedaços de lona sobrepostos sobre a lona maior. Essa operação de corte e costura torna aparente um universo de sujidade, gambiarra, fúria, cheiro e atmosfera de metrópole. Essa fratura, por assim dizer, exala visceralidade. A outra possibilidade de fratura é a divisão em módulos de suas pinturas; sejam dípticos, trípticos ou polípticos. Há a dimensão de uma escala que não se contenta em ser diminuta, circunspecta ou regida por uma timidez formal, pelo contrário, ela deseja o espaço. E essa aparição ao mundo se dá de forma conflituada, determinada, impositiva e essencialmente vigorosa.

 

Por suas obras abraçarem sintomas como ruptura e descontinuidade, evidentes na forma como o artista constrói sua malha geométrica e na dispersão espacial dos círculos cheios e vazados, assim como em barras e outras figuras que habitam o espaço de suas pinturas, elas acabam deixando de lado o ofício das sutilezas. A brutalidade própria da lona de caminhão me parece reforçar esse dado. Bechara deixa transparecer em várias obras palavras (como o nome da fábrica que produziu a lona ou a companhia que transportou tal produto guardado sob a lona) e riscos e vincos que reforçam, respectivamente, o lugar e o uso que foram dados a essas lonas. As pinturas continuam a propagar as histórias e memórias das lonas visto que elas – pinturas – são resultado direto desse material. O caráter de desgaste das lonas e, claro, a passagem de tempo ficam marcados no que chamo de “acidentes”, isto é, suas dobras, cortes e sujidades, que por sua vez são incorporados pelas pinturas.

 

O políptico feito com oxidação em cobre, para além de exibir operações geométricas sobre uma malha, leva a pintura de Bechara para outro terreno simbólico. Sua cor, uma tonalidade entre o esverdeado e o esbranquiçado, e seguramente o processo de oxidação que gerou formas e texturas orgânicas, próximas de um material biológico sendo investigado por um microscópio, acabam por associar a superfície da pintura a pele. Não se sabe bem se humana ou de um bicho. De qualquer forma, a pintura passa a representar um padrão biológico que particulariza a superfície da lona.

 

As duas esculturas que fazem uso do vidro como um desenho no espaço corroboram a ideia de fratura. Com caráter de site specific, as placas de vidro são aproximadas, sempre respeitando um intervalo, e eventualmente suspensas, formando uma malha geométrica. As duas obras se estendem ao longo das respectivas paredes em que estão instaladas, criando uma relação temporária com o espaço: afetando e sendo afetadas por ele. A forma como o vidro se apresenta, ora rígido, ora cambaleante, e em outros momentos frágil, especialmente quando é elevado, reforça uma qualidade de inquietude e velocidade da obra. Nesse terreno oscilante, há ainda o jogo de translucidez e opacidade que o vidro leitoso oferece em contraponto ao vidro que não recebe qualquer tipo de tratamento; o vidro não é mais o elemento pelo qual se pode ver através, mas uma instância de obstáculo. Por sua vez, os tubos de neon, em uma das esculturas, estão desejosos de formar figuras geométricas tridimensionais. É a luz quem delimita o desenho, recortando o espaço, produzindo área e dando uma propriedade de ar ao trabalho. A luz também traz um senso de vibração e vigor à escultura, realçando a cor no espaço. Não podemos esquecer que o neon tem uma espécie de aura hipnótica, remetendo aos anúncios comerciais cintilantes, abundantes nos centros urbanos.

 

Os trabalhos em formato circular com a sua superfície em lona sobreposta por listras indicam mais uma vez o caráter dispersivo e fraturado da obra do artista. No andar superior, as pinturas dispostas de forma aleatória sobre a parede enaltecem um olho que não para de se movimentar, determinando as associações formais, cromáticas e fenomenológicas desse conjunto. A cor é protagonista nesse políptico, ao mesmo tempo que veda parcialmente – portanto, sem deixar de exibir – as “ocorrências visuais”, como Bechara chama. As “ocorrências” são os registros – manchas, cortes, vincos, restos de palavras, sua história e memória – contidos na lona que não só compõem uma paisagem abstrata, que é a tônica do trabalho de Bechara, mas singularmente são registros da gestualidade do artista. Em muitos casos, elas não precisam ser pintadas por meio de um pincel, mas eleitas (pelos olhos do artista). É o que Bechara nos ensina. As obras em formato circular de maiores proporções tornam ainda mais evidentes as “ocorrências visuais” e um certo grau informalista da sua pintura. Oxidação se torna mancha, que se torna nuvem, que se torna paisagem. São pequenos pedaços de mundo.

 

Bechara continua, como um dínamo, a produzir novas e incessantes paisagens movidas a combustão e alta intensidade.

 

Na São Paulo Flutuante de Regina Boni

15/set

 

 

A marchand Regina Boni convoca para sua Galeria São Paulo Flutuante, Brigadero Galvão, 130, Barra Funda, São Paulo, SP, no dia 21 de setembro, às 20hs, a fim de “…prestigiar o encontro musical muito especial dentro da programação” da exposição “Animália 22”, que traz obras de artistas brasileiros sobre esse tema primordial e atual, o bicho. Assucena, Alessandra Leão, Thaís Nicodemo e Manu Maltez, são parceiras de longa data em projetos diversos e se reuniram novamente para bolar essa apresentação que traz canções com o mesmo tema da exposição, entre composições inéditas e clássicos da música popular brasileira. “…Será uma ótima ocasião para quem ainda não viu a exposição, poder desfrutá-la antes de seu encerramento no dia 01 de outubro”, conclui.