Coletiva na Central Galeria

02/jun

 
A Central Galeria apresenta até 30 de julho, “Nunca foi sorte”, Vila Buarque, São Paulo, SP, exposição coletiva com curadoria de Ludimilla Fonseca que explora noções de meritocracia, a partir das pesquisas das/dos artistas Allan Pinheiro, Ana Hortides, Fábio Menino, Gabriella Marinho, Gustavo Speridião, Janaína Vieira, Leandra Espírito Santo e Marta Neves.

 

Apresentando trabalhos configurados a partir de visões e vivências do aqui-agora, o projeto aborda questões como a da “precariedade enquanto realidade inevitável”, do “sucesso como providência divina” e do “empreendedorismo como salvação”.

 

“Trata-se de um exercício curatorial que justapôs conceitos e impressões decantados de cada um dos repertórios artísticos, a fim de que a reunião das obras no espaço expositivo produzisse uma imagem de coletividade”, comenta a curadora.

 

A maioria dos trabalhos são inéditos e giram em torno de ideias como precariedade, hierarquização, mercado de arte, subúrbio, vernissage, propaganda, meme, plano, ironia e decepção. Assumindo, assim, uma certa confusão entre artes visuais, comunicação social e cultura material no neoliberalismo. “A estrutura social, com toda sua complexidade e desigualdade, está reduzida a uma questão de foco, fé e força.

O Pequeno Colecionador

01/jun

 

Projeto com brinquedos criados por destacados artistas contemporâneos, para crianças de todas as idades, chega ao Rio de Janeiro a partir do dia 03 de junho e será apresentado na galeria samba arte contemporânea. Grandes nomes da arte moderna do século passado, como Torres Garcia, Alexandre Calder e Paul Klee dedicaram parte de suas trajetórias para criar brinquedos para crianças. Inspirados neles, os artistas Artur Lescher, Mariane Klettenhofer e a diretora vice-presidente do Instituto Inhotim, Paula Azevedo, criaram o projeto “O Pequeno Colecionador”, que convida destacados artistas contemporâneos a criarem brinquedos para crianças de todas as idades. “O projeto busca pensar sobre a arte e a experiência do brincar em suas diversas formas, histórias e culturas”, dizem os idealizadores.

 

Lenora de Barros, Julio Villani, Irmãos Campana, Leda Catunda, Laura Vinci, entre outros 36 artistas já criaram brinquedos para o projeto, que surgiu em 2018, em São Paulo, e chega pela primeira vez ao Rio de Janeiro, sendo apresentado na samba arte contemporânea, em São Conrado.  Apesar de serem brinquedos, as obras não são voltadas apenas para o público infantil, mas para pessoas de qualquer faixa etária que queiram trabalhar o lúdico, o brincar, e também começar uma coleção. “A experiência do brincar estimula a criatividade, o senso de trabalhar em conjunto, que são coisas que os adultos também podem levar para as suas vidas pessoais. Achamos que muitas vezes falta um pouco de humor e criatividade na vida dos adultos e isso pode ser estimulado com os brinquedos”, afirmam os idealizadores.

 

Mais do que um brinquedo, as peças são obras de arte, com tiragem limitada, assinadas e certificadas. “Todos guardam uma identidade muito forte com o autor. O coeficiente artístico daquele brinquedo está presente, então é possível identificar a poética do artista em todos esses elementos. Além da experiência do brincar, do coletivo, do jogar, também tem uma experiência estética”, ressaltam Artur Lescher, Mariane Klettenhofer e Paula Azevedo. Com o projeto, os idealizadores pretendem estimular a relação com as artes desde a infância, aproveitando o gosto das crianças pelo colecionismo de forma geral, para estimular uma relação de afeto com a arte, assim como em pessoas que desejam começar uma coleção. “Criança gosta de colecionar, e não é necessário esperar chegar à fase adulta para começar uma coleção de arte. Além de não colecionar só pelo valor financeiro, mas também criar uma outra relação com a arte, um outro olhar, repensando até mesmo o mercado de arte”, afirmam. O projeto tem uma forte carga educacional e, além dos brinquedos, os organizadores também promovem oficinas, palestras e atividades on-line.

 

 

Imagens de Silvia Velludo

31/maio

 

 

A Galeria Marcelo Guarnieri apresenta, entre 14 de maio e 25 de junho, “Hipocampo”, segunda exposição individual de Silvia Velludo no endereço de São Paulo, Jardins, SP. Além das pinturas da série “Hipocampo”, realizadas entre 2016 e 2022, a mostra reúne algumas das obras produzidas pela artista durante a década de 2000, como as pinturas das séries “Penumbras” (2003-2004), “Divisas” (2007-2012), o livro-objeto em letreiro digital “Ida” (2012) e a videoinstalação “Projeto de Aurora” (2002). A exposição conta com texto assinado por Fernando Cocchiarale.

 

Formada por mais de 300 pinturas, a série “Hipocampo” dá continuidade à investigação de Silvia Velludo sobre a produção e a reprodução de imagens através da pintura. A artista faz uso de um extenso acervo de fotografias de celular, de notícias de jornal, cenas de filmes e posts de redes sociais para refletir sobre a aparente banalidade dessas imagens e o ritmo acelerado em que são difundidas, traduzindo os códigos da linguagem fotográfica digital para a linguagem pictórica. O título remete à estrutura cerebral responsável pelo armazenamento da memória e faz uma alusão ao registro involuntário que fazemos das imagens que nos rodeiam e as infinitas associações inconscientes que podem ser estabelecidas entre elas. O conjunto de pinturas de tamanhos variados é distribuído por toda a extensão das paredes da galeria, formando um grande painel diagramático de retratos do cotidiano, intercalados ora com telas recobertas por pigmentos metálicos, ora com placas reflexivas de aço, bronze, cobre e latão que, ao espelharem a imagem do espectador, interrompem o fluxo do “scrolling” visual e servem como zonas de respiro.

 

“A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência.”, observa o crítico Fernando Cocchiarale.

 

A reapresentação das séries “Penumbras” (2003-2004) e “Divisas” (2007-2012) propicia ao público um reencontro com as origens da pesquisa de Silvia Velludo sobre a formação da imagem através da pintura. Ao longo da década de 2000, a artista estava menos interessada pela imagem enquanto representação figurativa do que por sua constituição enquanto fenômeno físico. Em “Penumbras” a artista trabalha a dispersão da luz através do embate entre pequenos pontos de cor, formando, em cada tela, estruturas reticuladas que podem remeter à imagem granulada dos televisores de tubo. Se nessa série Velludo explora efeitos ópticos através do uso da tinta acrílica e das diferentes combinações e tonalidades possíveis de serem alcançadas pelo material, em “Divisas” ela escolhe trabalhar com as propriedades inerentes das contas de vidro. O caráter cintilante do vidro colorido é intensificado nestas pinturas pelo agrupamento de uma grande quantidade de pequenas esferas coladas em uma superfície de 4m², causando aos olhos a impressão de que há uma desintegração da cor em milhares de pontos de luz.

 

Anterior a essa investigação desenvolvida por Silvia Velludo através da pintura sobre a formação da imagem como um fenômeno óptico, é a sua produção de videoinstalações. A videoprojeção surgia para a artista como uma linguagem que lhe permitia trabalhar com a materialidade da própria luz, explorando a variação de cores, formas e palavras a partir dos recursos da imagem em movimento. “Projeto de Aurora” (2002) consiste em uma sequência de cores projetadas em uma superfície quadrada formada por cerca de 30 kg de sal grosso. Similar ao interesse de Velludo pela incidência da luz na matéria vítrea é o interesse pela incidência luminosa na estrutura cristalina do sal e sua alta capacidade de reflexão. As cores projetadas fazem referência às cores produzidas pelas Auroras Polares, fenômenos físico-químicos que resultam de interações entre o campo magnético terrestre e o plasma solar e que podem ser observados pela emissão de luzes coloridas que se movem pelo céu.

 

“Ida” (2012) é um livro-objeto em formato de letreiro digital que reúne diversos escritos produzidos pela artista ao longo de doze anos a partir daquilo que ocorria ao seu redor – em espaços públicos, privados ou mesmo na televisão. O trabalho foi apresentado pela primeira vez na exposição “Há mais de um poema em cada fotograma” em 2012, onde a artista ocupou todas as paredes da galeria com centenas de detalhes ampliados de fotografias realizadas durante dez anos em uma operação similar, registrando excessivamente as imagens de seu entorno. Se em “Ida” a artista escolhe a palavra como ferramenta para dar conta desse registro e em “Há mais de um poema em cada fotograma” ela escolhe a fotografia digital, em “Hipocampo” Velludo executa um procedimento já iniciado em sua exposição anterior “Autorretrato com Iphone 5C”, traduzindo o registro fotográfico para a linguagem da pintura. A noção de velocidade é uma questão que perpassa todos esses trabalhos, tanto no embate entre o ritmo ágil de uma escrita de observação baseada na associação livre e a leitura regulada pela lentidão do letreiro, como no embate entre a rapidez da captação da fotografia e o moroso feitio de uma pintura figurativa.

 

Texto de Fernando Cocchiarale

 

A crescente presença dos meios digitais em nossa era definiu novas práticas e questões aos artistas que se utilizam das imagens como meio de criação poética. Como uma contraposição crítica à natureza funcional e pragmática da economia da imagem, muitos artistas têm buscado diferentes modos de refletir sobre a sociedade tecnológica contemporânea. Embora a origem artesanal da imagem tenha sido gradualmente substituída por meios técnicos como a fotografia, com a expressividade da mão cedendo lugar à objetividade das lentes e à rapidez e acessibilidade das câmeras, a reprodução manual de imagens de origem fotográfica ou digital em pintura é uma operação que investiga e reavalia de modo amplo o processo evolutivo dos meios técnicos e tecnológicos e suas possíveis rearticulações. A reunião de pinturas que Silvia Velludo apresenta nesta exposição tem por origem a coleção de inúmeros arquivos de imagem de internet e fotos digitais de celular que a artista seleciona e reproduz em suas obras como repertório visual para o seu fazer poético. Silvia se utiliza da mídia digital como um caderno de notas em que pessoas, lugares e momentos a serem lembrados são guardados em imagem e posteriormente trabalhados em tinta sobre tela. Suas pinturas retratam cenas e acontecimentos que espelham um panorama imagético próprio do universo da cultura digital e da dinâmica das redes sociais em sua profusão de temas, recortes e registros, situando-se entre o memorável e o comum, o admirável e o banal, o insólito e o corriqueiro. As pinturas a partir de arquivos de imagens digitais remontam à última exposição individual realizada por Silvia, Autorretrato com iPhone 5c, em 2016, quando voltou a se dedicar à pintura de observação. As múltiplas cenas do trabalho atual resultam das constantes temporadas de viagem de Silvia Velludo entre sua cidade natal, Ribeirão Preto, e São Paulo, onde também reside e trabalha, e outras localidades em que, acompanhada de pincéis, tintas e telas portáteis, a artista registra suas pinturas diretamente em cada lugar de estadia, justificando a escala diminuta de suas obras. As 295 pinturas realizadas por Silvia Velludo ao longo de seguidas temporadas de viagem estão dispostas por todas as paredes do espaço de maneira a compor uma extensa rede de campos visuais em frações irregulares. Com o aspecto de um diagrama descontínuo, suas cenas deslizam visualmente em séries horizontais, verticais e diagonais que, também em saltos, se remetem a outras cenas por proximidade, semelhança ou oposição, um fluxo de imagens que forma narrativas sequenciais, cruzadas ou aleatórias em associação direta com a observação do espectador. Silvia articula diferentes níveis de significação para as suas imagens. Entre formas e cores sortidas de centenas de pequenas telas de pintura figurativa esmerada, um visitante atento notará a presença de retratos e olhares que parecem dialogar em silêncio com o observador, formando uma narrativa paralela; em outro momento, cenas frugais de crianças e animais de estimação se impõem pela força afetiva, doméstica e familiar que evocam, ainda que seja a intimidade anônima e distante das imagens da internet. Cenas de peixes nadando em círculos parecem estar em ação, como se a pintura guardasse a memória do movimento e capturasse a atenção do espectador. Bonecas, brinquedos e obras de arte se alternam entre paisagens, fruteiras e personagens obscuros das redes sociais e do noticiário em busca de uma contextualização plausível e de sentidos inteligíveis. As pinturas aqui reunidas por Silvia Velludo adquirem sentido pela noção de conjunto que toda coleção estabelece. As diversas situações pintadas sobre tela se interpõem enquanto campos espaciais e planos figurativos, condição aberta que possibilita inúmeras combinações narrativas por justaposição, deslocamento e associação livre. O passeio visual que este dispositivo pictórico propõe reconstitui uma dimensão temporal fílmica da imagem, tanto pela sugestão de movimento contínuo das cenas pintadas – peixes em círculos, olhos em órbita -, como pela ação do próprio olhar que percorre as superfícies das pinturas à procura de novos estímulos e significações. Estas pinturas parecem propor, repetidas vezes, um jogo de adivinhação em torno da identificação das cenas escolhidas pela artista. Como em um desafio ou charada, tentamos reconhecer quais entre aquelas imagens referem-se a notícias, personagens e momentos que lembramos – ou ignoramos. Ou como estas cenas se recombinam em histórias particulares, eventos públicos ou acontecimentos desprovidos de informação alguma enquanto somos levados a imaginar situações, relações e desfechos entre os episódios retratados. Diante desta grande reunião de pinturas somos tomados por um labirinto narrativo de notas cifradas, imagens privadas e públicas, todas fadadas à efemeridade de postagens perdidas e noticiários esvaziados. A visão panorâmica que Silvia nos propõe para estas imagens aponta para uma solução original. A plural diversidade de assuntos exibidos se entrelaça com as inúmeras associações possíveis formadas pelos encadeamentos das cenas como campos de leitura. À maneira de um jogo de palavras-cruzadas composto por imagens em desdobramento visual contínuo, nosso olhar é levado a rastrear superfícies, identificar sinais e construir nexos a partir de um caleidoscópio de fragmentos da realidade. A disposição das telas é alternada por quadros metálicos luminosos e brilhantes em aço, bronze, cobre e latão que provocam um rebatimento do olhar imersivo da pintura e emprestam ritmo ao intenso fluxo de imagens. Como zonas de respiro e contemplação, abrem um intervalo de tempo que parece condensar as vivências imagéticas em um plano de emanações reluzentes e silenciosas. A ágil circulação das imagens digitais nas mídias eletrônicas desvela, por sua vez, sua natureza temporal efêmera que as conduz tanto ao desaparecimento quanto à obsolescência. Em seu pensamento poético, Silvia apropria-se de cenas cotidianas aparentemente comuns e as transfere do meio digital ao suporte material, artesanal e analógico da pintura, meio que empresta um sentido de permanência e duração às imagens. A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência. O jogo poético firmado entre o universo particular de suas imagens e as notícias e postagens das redes sociais tensiona a nossa percepção do real. Tal qual um dispositivo expositor de memórias e lembranças, somos seduzidos pela curiosidade e pelo espírito imaginativo que tantas imagens reunidas são capazes de estimular. A instalação de pinturas de Silvia revela-se, assim, um inventário de vivências a serem reconstituídas que, como cápsulas de tempo, retém uma dimensão existencial que as imagens resistem em desvelar. A proposição artística de Silvia Velludo nos proporciona, assim, uma experiência contrária àquela celebrada pelo frenesi do mundo digital: a desaceleração intuitiva que reestabelece correlações poéticas entre o real e suas representações a partir da apropriação afetiva e artesanal das imagens. A contemporaneidade de suas pinturas e questões entrecruza-se com a dominante e frágil onipresença das imagens digitais em nosso cotidiano.

 

Fernando Cocchiarale

Março de 2022

 

Obras têxteis e esculturas

 

 

A Galeria Luisa Strina, Cerqueira Cesra, São Paulo, SP, apresenta “Desconhecido para o mundo”, de Tonico Lemos Auad, sua quarta individual na galeria. Reunindo um conjunto de obras têxteis de parede e esculturas produzidas com madeira de demolição e dormentes de trem reutilizados, a exposição explora as relações desses materiais com a arquitetura e a paisagem. É central, ainda, na obra de Tonico a noção de “reparo”, abordada tanto por meio dos métodos que emprega na execução das obras em tecido (cerzir, amarrar, desfiar) quanto na escolha da madeira de reuso como matéria-prima das esculturas. Outro importante foco de interesse do artista são as práticas e técnicas artesanais passadas através de gerações, como o bordado e o entalhe em madeira ou pedra; muitas delas à beira da extinção no âmbito da economia global.

 

Entre os trabalhos apresentados está “Desconhecido para o mundo” – escultura que empresta o título à exposição -, formada por quatro vigas de reuso com alturas variadas e posicionadas verticalmente. As peças retêm as marcas do desgaste acumulado em sua vida pregressa e, em algumas delas, o artista adicionou pedaços de linho em tons quentes cuja materialidade contrasta com a solidez da madeira. Além disso, o entalhe sutil realizado pelo artista faz com que esses tocos ora adquiram feições antropomórficas, ora pareçam absolutamente abstratos.  Na última década, o trabalho com a matéria têxtil tornou-se um dos principais eixos da obra de Tonico. O artista trabalha com uma variedade de técnicas e métodos – incluindo tear manual, tricô, crochê, bordado, entre outros -, misturando pontos feitos à mão e à máquina para criar superfícies híbridas onde se mesclam diferentes tradições e saberes ancestrais. Embora o resgate das práticas artesanais tenha uma importância fundamental em sua pesquisa, a subversão das regras do “bom artesanato” é a essência de seu trabalho. A trama e a urdidura do tecido, com sua organização rígida e ortogonal, são desfeitas e desorganizadas por meio da remoção dos fios e subsequentemente reorganizadas por meio do bordado a fim de criar imagens ou padrões integrados ao tecido original.

 

As obras têxteis de parede apresentadas na exposição são em sua maioria executadas em ponto tunisiano, uma forma híbrida entre o tricô e o crochê, e incluem uma variedade de tipos de lãs e linhas que se mesclam nas composições. Nesses trabalhos, Tonico explora uma extensa gama de variações tonais que se tornam visíveis apenas quando os diferentes tipos de linha são colocados lado a lado em imagens semi-abstratas que evocam paisagens noturnas. Além disso, as molduras dessas obras, feitas em madeira roxinho, se tornam parte integral da composição, adicionando mais uma camada de contraste e enquadramento. Reforçam, ainda, que o papel da madeira na prática de Tonico não é nunca de neutralidade. A matéria têxtil aparece também nas cordas confeccionadas pelo artista, utilizadas como material escultórico em sistemas de amarração baseados no shibari, técnica milenar de amarração japonesa originalmente desenvolvida para imobilizar prisioneiros e mais tarde incorporada à cultura do bondage.

 

Em “Desconhecido para o mundo”, Tonico Lemos Auad dá continuidade a uma pesquisa longa e consistente com o tecido e a madeira, produzindo obras nas quais predominam ideias relativas aos saberes artesanais em contrapartida à produção massificada de bens de consumo e ao elogio do reuso e do reparo em oposição à noção de obsolescência programada. Em última instância, são trabalhos que propõem uma temporalidade estendida que vai contra o modelo econômico do capitalismo avançado, apontando, ao contrário, para as dimensões ambientais e psíquicas da cura através do restauro e do reaproveitamento de recursos que encontramos à nossa volta.

 

Sobre o artista

 

Tonico Lemos Auad nasceu em Belém e vive e trabalha em Londres. Seu trabalho explora o significado cultural e pessoal atribuído aos objetos cotidianos. Muitas vezes incorporando noções de paisagem e arquitetura, o trabalho de Tonico subverte as técnicas tradicionais associadas às artes aplicadas. Entre suas exposições individuais recentes encontram-se Unknown to the World (Cample Line, Nithsdale, 2021); Tonico Lemos Auad (De La Warr Pavilion, Bexhill, 2016) e O que não tem conserto (Pivô, São Paulo, 2016). Exposições coletivas recentes incluem a Biennale Gherdëina (Ortisei, Itália, 2020); Sharjah Biennial 13 (Sharjah, 2017); Folkestone Triennial (Folkestone, 2011). Em 2019, foi vencedor do Frieze Stand Prize na Frieze Londres. Seu trabalho está representado em importantes coleções insternacionais incluindo Herbert F. Johnson Museum of Art, Nova York, EUA; Pizzuti Collection, Ohio, EUA; San Diego Museum of Art, California, EUA; West Collection, Pennsylvania, EUA; FLAG Art Foundation, New York, EUA; Santa Barbara Museum of Art, California, EUA; Zabludowicz Collection, Londres, UK; Tate, Londres, UK; Museum of Contemporary Art, Vigo, Espanha; British Friends of the Art Museums of Israel, Israel Museum, Jerusalem, Israel; Pinacoteca de São Paulo, São Paulo, Brasil; e Instituto Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais, Brasil.

 

Até 25 de junho.

 

 

Finissage da mostra de Victor Arruda

26/maio

 

 

 

A Belizário Galeria, Pinheiros, São Paulo, SP, por ocasião do finissage da mostra “Babado e Confusão”, recebe neste sábado, 28 de maio, das 16h às 18h, para uma conversa o artista Victor Arruda, o curador da exposição Marcus Lontra e, como convidados, o artista visual Francisco Hurtz e a historiadora, crítica e curadora Daniela Bousso. Nesse encontro, vão falar da arrojada e longa trajetória de 50 anos do artista e sua coragem e ousadia em destacar assuntos importantes, mas incômodos, para a sociedade.

 

Ao contrário do que podem sugerir os temas escolhidos pelo artista, para essa exposição, os trabalhos não são agressivos nem com caráter sombrio. Suas telas são compostas de uma profusão de cores e figuras, traços incomuns mas que trazem mensagens fortes e necessárias. “O mundo contemporâneo explode nas telas de Victor Arruda”, define o curador. A pintura permite que o artista critique conscientemente suas angústias através dos registros de seu inconsciente. “Ela dialoga com as vertentes marginais do modernismo; abraça despudoradamente a arte popular, o grafite, a linguagem visual urbana anônima, e introduz soluções estéticas de extrema sofisticação” explica Marcus Lontra.

 

Com sua maestria no domínio das técnicas artísticas, Victor Arruda mostra, desde os anos de 1970, exemplos de racismo, homofobia e segregação social. Enquanto o artista, Marcus Lontra e Daniela Bousso conversam sobre os anos vividos, Francisco Hurtz oferece a visão atual, presente, da reação pública à arte engajada. O mestre Victor Arruda é enfático em suas denúncias sem nunca esquecer de embalá-las em ironia e cor.

 

***transmissão simultânea pelo Instagram @belizariogaleria

 

 

A obra impactante de Berna Reale

25/maio

 

 

A Nara Roesler São Paulo, SP, apresenta “Agora: Right Now”, individual de Berna Reale com curadoria de Claudia Calirman. A mostra abre ao público dia 28 de maio e permanece em exibição até 23 de julho. Berna Reale é conhecida por sua prática performática de contundente discurso político. Nesta exposição apresenta um novo corpo de trabalho, entre fotografias, instalações e, pela primeira vez, pinturas.

 

Agora é uma palavra que comunica a urgência, convocando nossa atenção para os acontecimentos do presente, assim, a escolha do título da terceira individual de Reale na Nara Roesler visa ressaltar a ideia de atualidade. Para isso, Berna Reale busca na linguagem da moda, em suas cores e abordagens publicitárias, as formas para comunicar o modo como a mídia contemporânea lida com a violência. Assim como as passarelas e revistas ditam tendências que serão superadas instantes depois, os veículos de comunicação passam de um crime a outro, sempre com imagens impactantes a serem consumidas pelo público. Por outro lado, a mostra nos lembra que o tempo da violência é também o tempo presente, tendo em vista que, a cada instante, em algum lugar do mundo, alguém é vítima de alguma forma de agressão. Observando isso, Reale criou uma série de fotografias que poderiam facilmente estar em publicações de moda e outdoors, se não fosse a estranheza dos acessórios que elas parecem anunciar, tais como algemas, em Cabeças raspadas (2022), e tornozeleiras eletrônicas, em Ligadas (2022) e Acorda Alice (2022). Apesar de serem imagens construídas pela artista, Reale não visa celebrar ou estetizar ações abomináveis, justamente por compreender os riscos da banalização da violência. Na realidade, para revelar seus efeitos, apontar os algozes e evidenciar os modos como a violência é fetichizada e espetacularizada na cultura, a artista recorre muitas vezes à alegoria como estratégia, construindo imagens cuja força reside justamente na abertura de sentidos possíveis e na abrangência com que lida com o tema da violência. Em uma das salas da galeria, revestida – das paredes ao chão – de prateado, encontram-se seis pinturas à óleo sobre chapas de metal, portando representações de corpos violentados. Essas pinturas de Reale são, nas palavras da artista, “sobre a realidade, sem serem realistas”. A artista não está preocupada em representar a violência tal como ela a encara em seu trabalho como perita criminal no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, em Belém, mas de recriá-la de modo a evidenciar a ambiguidade de nossa relação com essas imagens. Como os títulos dos trabalhos apontam – Olhe para mim, Ela disse não, e Desistir, para citar alguns – essas pinturas instauram o fascínio e o horror, o desejo e a abjeção. Reale também apresenta, uma instalação que, assim como O tema da festa (2015), joga com a ambiguidade entre a celebração e a violência. A artista constrói uma mesa, sobre a qual estão dispostas diversas formas de bolo de metal, em diferentes tamanhos e formatos. A superfície imaculada do metal, contudo, é marcada por perfurações que criam representações de armas brancas, criando riscos e reentrâncias que são rastros de gestos agressivos capazes de modificar, de modo incontornável, o material. Em especial, Reale se debruça sobre temas que lhe são caros: a violência contra identidades subalternizadas em nossa sociedade, como o feminicídio e a lgbtfobia, sem, contudo, se restringir à elas. O que interessa à artista é, por fim, nos retirar do estado de indiferença disseminado pela banalização da mídia. Suas imagens provocadoras têm o poder de nos perturbar e nos acompanhar, mostrando a urgência de lidar com as políticas da violência do presente. Como sintetiza a curadora Claudia Calirman “Ao disparar contra diversas formas de injustiças sociais, o trabalho de Berna Reale tem uma mira certeira. Criando situações limite, sua obra é lúdica ao mesmo tempo em que beira o absurdo causando espanto e desconcerto. O tempo retratado por Reale na exposição Agora: Right Now é o presente impregnado da violência que está em todo lugar, profanando e devastando o aqui e agora.”

 

Sobre a artista

 

Berna Reale é uma das artistas mais importantes no cenário brasileiro atual, sendo reconhecida como uma das principais expoentes da prática de performance no país. Reale iniciou sua carreira artística no começo da década de 1990. Seu primeiro trabalho de grande impacto, Cerne (25º Salão Arte Pará, 2006), intervenção fotográfica realizada no Mercado de Carne do Complexo do Ver-o-Peso, conduziu a artista ao Centro de Perícias Renato Chaves, onde passou a trabalhar como perita a partir de 2010. Desde então, Reale tem explorado seu próprio corpo como elemento central da produção de suas performances, fotografias e vídeos. Seus trabalhos, marcados pela abordagem crítica aos aspectos materiais e simbólicos da violência e aos processos de silenciamento presentes nas mais diversas instâncias da sociedade, investigam a importância das imagens na manutenção de imaginários e ações brutais. A potência de sua produção reside na contraposição entre o desejo de aproximação e o sentimento de repulsa, ressaltando a ironia que resulta da combinação entre o fascínio e a aversão da sociedade pela violência. A fotografia, nesse contexto, desempenha um papel fundamental. Ela não é apenas o meio de registro de suas ações, capaz de perpetuá-las, mas um desdobramento de seu processo de criação.

 

Francisco Sobrino na Dan Galeria

 

 

A Dan Galeria, Jardins, São Paulo, SP, anuncia a representação do artista Francisco Sobrino (1932 – 2014). Para celebrar este momento, promove a abertura da exposição “Francisco Sobrino, Estrutura Modular e Luz”, primeira individual do artista no Brasil. Com curadoria de Franck James Marlot, a mostra contará com esculturas, pinturas e serigrafias que datam do final dos anos 1950. Será lançado nesta ocasião, o livro “Francisco Sobrino”, uma co-edição da Dan Galeria que conta com textos de Matthieu Poirier, Marjolaine Lévy e Alfonso de la Torre. A Dan Galeria, gradece à Celia, Delia e Daniel Sobrino, filhos do artista, pela possibilidade de realização dessa parceria, um projeto que foi desejado ansiosamente para dividir com o público apreciador de arte.

 

Sobre o artista

 

Nascido em Guadalajara, Espanha, participou do grupo GRAV (Paris, 1961), que desenvolveu a pesquisa estética ligada a arte ótica, cinética e interativa. Entre os artistas pertencentes ao movimento estavam Julio Le Parc, Horacio Garcia Rossi, François Morellet, Joël Stein e Yvaral Vasarely. Francisco Sobrino participou de diversas exposições importantes como a 36ª Bienal de Veneza de 1972, a 3ª Documenta Kassel, de 1964, e a mostra “Responsive Eye”, no MoMA, em 1965. Além de ter obras pertencentes a acervos institucionais como Beacon Collection (Boston, United States), Fondazione Peggy Guggenheim (Venezia, Italia), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madrid, España), Musée national d’art moderne – Centre Georges Pompidou (Paris, France), Museo de Arte Contemporáneo (Madrid, España), Musée Tamayo (Ciudad de México, México), Tate Modern entre outros. Em 2015 foi inaugurado o Museo Francisco Sobrino em sua cidade natal (Guadalajara, Espanha), que abriga obras representativas da trajetória do artista.

 

Até 30 de julho.

 

A trama da Terra na Gentil Carioca, SP

23/maio

 

A Gentil Carioca, Higienópolis, São Paulo, SP, tem o prazer de apresentar a exposição “A Trama da Terra que Treme”. Com curadoria de Victor Gorgulho, a mostra reúne obras de artistas representados pela galeria e convidados: Aleta Valente, Cabelo, Ernesto Neto, Jarbas Lopes, João Modé, José Bento, Laura Lima, Lucas-k, Luisa Brandelli, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Mayara Velozo, Novíssimo Edgar, Vinicius Gerheim e Vivian Caccuri.

 

A presente exposição gentilmente apropria-se do título do texto homônimo de Hélio Oiticica, escrito em 1968, para refletir poeticamente acerca das tramas, teias e nós nas quais nos encontramos envoltos e embaralhados. A mostra coletiva investiga a matéria têxtil em suas múltiplas possibilidades de uso e de experimentações – formais, conceituais, políticas – na busca trôpega e errante de tecermos, quem sabe, um novo tecido do comum, uma tramavivência capaz de conectar os muitos retalhos e fragmentos espalhados pelo caminho, até aqui.

 

 

 

 

Um diálogo: vigor, força e tensão.

 

 

A Galeria Mamute, Porto Alegre, RS, exibe até 30 de junho a exposição “O som que o silêncio esconde“. A mostra com curadoria de Henrique Menezes apresenta um diálogo entre duas artistas representadas pela galeria: Camila Elis e Fernanda Valadares. Camila Elis, representante da nova geração de artistas gaúchas, estudou na University of the Arts London e atualmente é mestranda em Artes Visuais pela USP. Através da pintura a óleo, pesquisa sistemas de interação entre objetos, pessoas, ambientes e sensações abstratas. Fernanda Valadares, paulista, Mestre em Artes Visuais pela UFRGS, dedica-se à prática artística há quase duas décadas, investigando por meio da técnica milenar da encáustica os espaços percorridos e as temporalidades.

 

 

A palavra do curador

 

O som que o silêncio esconde

 

 

Conjugar as obras de Camila Elis e Fernanda Valadares em uma única exposição poderia conduzir – por uma análise primeva, assentada na superfície do que se vê – à reflexão sobre as técnicas ensaiadas pelas duas artistas. Seria suficientemente rico descrever os pigmentos e as veladuras, o traço e as pinceladas, perpassar cada fatura e as tantas camadas sedimentadas na epiderme da obra. Apesar de evidenciar a qualidade dos processos, contudo, não daríamos conta do que considero o êxito desse diálogo: a vibração, a harmonia e o tom da exposição. Não é à toa que esses três termos tenham reverberações também no campo da música. Em suas conferências e escritos, o compositor experimental John Cage costumava narrar um episódio ao mesmo tempo físico e poético: certa vez, ao entrar em uma câmara que simulava o absoluto silêncio, Cage percebeu ecos de um som grave e de um agudo. Ao questionar um engenheiro de Harvard sobre suas sensações, foi prontamente surpreendido pela resposta: o agudo era seu sistema nervoso funcionando; o grave, seu sangue circulando. O corpo esconde o som, sendo necessário um exercício de suspender todos os outros sentidos para revelar seus tons através da percepção atenta. Recorrer à ambiguidade da palavra tom nos revela um índice que aproxima a audição e a visão: remete igualmente à inflexão da voz e à intensidade dos instrumentos, mas também denota as qualidades da cor em suas diversas gradações, matizes e nuances. Camila e Fernanda situam-se na fronteira entre a liberação emocional e o limite da disposição racional. No quase silêncio de uma base alva, Camila Elis compõe obras com acordes da psicanálise e da mitologia, nas quais pintura e desenho embaralham-se com traços imprecisos, ladeados com frequência por um vermelho intenso: um possível alerta de que sua produção se distancia de um apelo dócil, inerte ou lentamente ritmado. Em justo equilíbrio, os horizontes e geometrias de Fernanda Valadares, construídos pela alquimia entre pigmentos e cera de abelha, acrescentam unidade não apenas pelas coincidências na paleta de cores, mas também pela demarcação orgânica que mais sugere do que esclarece, entre formas e texturas, entre construções líricas da paisagem e da psique. Ressaltar a harmonia formal que aproxima as duas artistas não significa apaziguar suas distinções: a obra que encerra o percurso – uma densa e soturna encáustica de Valadares – porta-se como um clímax, reverberando a grande tela de Elis que impõe-se suspensa: essas obras lembram-nos que a palavra tom ainda pode significar vigor, força e tensão.

 

Henrique Menezes

 

 

Temas cotidianos de Wilma Ramos

20/maio

 

 

Jacques Ardies exibe em sua galeria, Vila Mariana, São Paulo, SP, e assina a curadoria de uma exposição em tributo a uma artista parceira de muitos anos: “Homenagem a Wilma Ramos”. Composta por 24 telas em acrílico pintadas pela artista no período entre 1981 e 2005, serve como homenagem e agradecimento à lealdade e presença da artista junto a trajetória da galeria desde os seus primórdios em 1979 (Galeria Cravo e Canela). Conhecida e reconhecida como artista naïf, Wilma Ramos criou obras de colorido intenso e figuras com detalhamento minucioso. Mesmo sendo inserida na classificação de uma arte onde a espontaneidade, a criatividade autêntica, o fazer artístico sem escola nem orientação, a artista possui características baseadas na simplificação dos elementos, valorizando a representação de temas cotidianos e manifestações culturais de um povo.

 

 

As obras de Wilma Ramos possuem especificidades, de um colorido vibrante; ela pintava, principalmente com a tinta acrílica, que tem uma luminosidade maior que a tinta óleo; contornava seus personagens, que no geral tinham um aspecto muito comum, parecendo ser da mesma família. Os temas dos oxuns, pescadores trabalhando, feiras livres, colheitas de laranja e cana de açúcar, festas populares – como a do bumba meu boi, os bonecos gigantes, a malhação de Judas, as procissões religiosas e a festa do Divino Espírito Santo, os retratos de imagens sacras, como a incrível Nossa Senhora do Arco-Íris e de São Francisco dormindo na mata brasileira, rodeado de animais e de índios – estão entre os temas preferidos da artista. Foi com a obra “As Baianas” que Wilma Ramos conquistou reconhecimento e sucesso no mundo da Arte Naïf. Elas são únicas, com saia geométrica estampada, que lembra os panos de chita, muito comum na arte popular. Na parte superior, usam uma blusa branca de mangas curtas enfeitadas por colares de contas coloridas e levam na cabeça um pano branco amarrado, típico. O rico universo dos orixás e oxuns tiveram espaço garantido na obra da artista. Nas palavras da artista, em declaração dada em 2007, “Quase tudo que pinto ligo a fauna e a flora. Sou defensora da natureza. Essa é uma forma de dar um alô sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.” Não necessariamente o artista naif está isolado dos acontecimentos de sua época e momento cultural. Já em São Paulo, para onde se transfere na década de 1970, através de uma amiga artista, Wilma Ramos tem acesso e contato com artistas do movimento modernista como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, além de outros grandes expoentes culturais como Manabu Mabe, Takeschi Susuki, Takaoca Fukushima, Alzira Pecarari e Flávio de Carvalho. A arte ingênua de Wilma Ramos se mantém intacta mas, o contato com outras vertentes criativas possibilita influências e opções antes indisponíveis ao pequeno universo pessoal da artista. O curador explica e justifica, com maestria, a mostra: “Wilma Ramos se dedicou a pintura bem cedo, em 1968. Encontrou sua linguagem e manteve-se fiel ao seu estilo particular de se expressar. Rostos redondos, olhos puxados, os seus personagens são inconfundíveis e, na maioria das vezes, parecem formar um grupo de pessoas entrosadas e de boa convivência e isto é totalmente coerente com o seu próprio jeito carismático de se relacionar. Wilma era meiga, doce e sensível. Interessou-se pelos rituais afro-brasileiros do candomblé e pelas festas folclóricas, tão populares Brasil afora e, mais intensamente, na Bahia. Gostava também de interpretar cenas campestres com cores harmoniosas e bem orquestradas que demonstrava seu inabalável otimismo em relação ao dia de amanhã. Após uma estada de 4 anos na Espanha, em 1979, Wilma juntou-se a turma dos artistas que iam apoiar a nova Galeria Cravo e Canela, no Alto da Boa Vista. A partir desse momento passou a aceitar todos os convites para participar de exposições. Recebemos um apoio irrestrito da artista Wilma Ramos e hoje, 43 anos depois, montamos esta exposição para expressar e demonstrar nosso agradecimento”.

 

 

Sobre a galeria

 

 

A Galeria Jacques Ardies, localizada na Vila Mariana, ocupa uma casa antiga completamente restaurada. A galeria, que iniciou suas atividades em agosto de 1979 (Galeria Cravo e Canela), tem por vocação a divulgação e a promoção da arte naïf brasileira. Ao longo de 42 anos, muitas exposições foram realizadas: 120 mostras individuais e mais de 200 coletivas, no seu próprio espaço e também em museus como o MAC de Campinas (SP), MAM de Goiânia (GO), Espace Art 4 de Paris (FRA), Espaço Cultural de FMI em Washington D.C. (USA), Musée International de Arte Naïf Anatole Jakovski em Nice (FRA), Memorial da America Latina em São Paulo (SP), para citar apenas alguns e também em galerias de arte como a Galeria Jacqueline Bricard, em Lourmarin (França), a Galeria Pro Arte Kasper, em Morges (Suíça) e a Gina Gallery em Tel-Aviv (Israel). Em 1998, Jacques Ardies lançou o livro Arte Naïf no Brasil com a colaboração do crítico Geraldo Edson de Andrade e em 2003, publicou o livro sobre a vida e obra do artista pernambucano Ivonaldo, com texto do professor e crítico de arte Jorge Anthonio e Silva. Em 2010, lançou o segundo livro sobre a “Arte Naïf no Brasil” com texto da sua autoria e comentários de 4 amigos também apaixonados por esta arte. Quatro anos depois, em 2014, foi editado este mesmo livro numa versão em francês. A galeria expõe permanentemente quadros e esculturas de 80 artistas selecionados e considerados como representativos do movimento da arte naïf brasileira.

 

 

De 24 de maio a 18 de junho.