A obra impactante de Berna Reale

25/mai

 

 

A Nara Roesler São Paulo, SP, apresenta “Agora: Right Now”, individual de Berna Reale com curadoria de Claudia Calirman. A mostra abre ao público dia 28 de maio e permanece em exibição até 23 de julho. Berna Reale é conhecida por sua prática performática de contundente discurso político. Nesta exposição apresenta um novo corpo de trabalho, entre fotografias, instalações e, pela primeira vez, pinturas.

 

Agora é uma palavra que comunica a urgência, convocando nossa atenção para os acontecimentos do presente, assim, a escolha do título da terceira individual de Reale na Nara Roesler visa ressaltar a ideia de atualidade. Para isso, Berna Reale busca na linguagem da moda, em suas cores e abordagens publicitárias, as formas para comunicar o modo como a mídia contemporânea lida com a violência. Assim como as passarelas e revistas ditam tendências que serão superadas instantes depois, os veículos de comunicação passam de um crime a outro, sempre com imagens impactantes a serem consumidas pelo público. Por outro lado, a mostra nos lembra que o tempo da violência é também o tempo presente, tendo em vista que, a cada instante, em algum lugar do mundo, alguém é vítima de alguma forma de agressão. Observando isso, Reale criou uma série de fotografias que poderiam facilmente estar em publicações de moda e outdoors, se não fosse a estranheza dos acessórios que elas parecem anunciar, tais como algemas, em Cabeças raspadas (2022), e tornozeleiras eletrônicas, em Ligadas (2022) e Acorda Alice (2022). Apesar de serem imagens construídas pela artista, Reale não visa celebrar ou estetizar ações abomináveis, justamente por compreender os riscos da banalização da violência. Na realidade, para revelar seus efeitos, apontar os algozes e evidenciar os modos como a violência é fetichizada e espetacularizada na cultura, a artista recorre muitas vezes à alegoria como estratégia, construindo imagens cuja força reside justamente na abertura de sentidos possíveis e na abrangência com que lida com o tema da violência. Em uma das salas da galeria, revestida – das paredes ao chão – de prateado, encontram-se seis pinturas à óleo sobre chapas de metal, portando representações de corpos violentados. Essas pinturas de Reale são, nas palavras da artista, “sobre a realidade, sem serem realistas”. A artista não está preocupada em representar a violência tal como ela a encara em seu trabalho como perita criminal no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, em Belém, mas de recriá-la de modo a evidenciar a ambiguidade de nossa relação com essas imagens. Como os títulos dos trabalhos apontam – Olhe para mim, Ela disse não, e Desistir, para citar alguns – essas pinturas instauram o fascínio e o horror, o desejo e a abjeção. Reale também apresenta, uma instalação que, assim como O tema da festa (2015), joga com a ambiguidade entre a celebração e a violência. A artista constrói uma mesa, sobre a qual estão dispostas diversas formas de bolo de metal, em diferentes tamanhos e formatos. A superfície imaculada do metal, contudo, é marcada por perfurações que criam representações de armas brancas, criando riscos e reentrâncias que são rastros de gestos agressivos capazes de modificar, de modo incontornável, o material. Em especial, Reale se debruça sobre temas que lhe são caros: a violência contra identidades subalternizadas em nossa sociedade, como o feminicídio e a lgbtfobia, sem, contudo, se restringir à elas. O que interessa à artista é, por fim, nos retirar do estado de indiferença disseminado pela banalização da mídia. Suas imagens provocadoras têm o poder de nos perturbar e nos acompanhar, mostrando a urgência de lidar com as políticas da violência do presente. Como sintetiza a curadora Claudia Calirman “Ao disparar contra diversas formas de injustiças sociais, o trabalho de Berna Reale tem uma mira certeira. Criando situações limite, sua obra é lúdica ao mesmo tempo em que beira o absurdo causando espanto e desconcerto. O tempo retratado por Reale na exposição Agora: Right Now é o presente impregnado da violência que está em todo lugar, profanando e devastando o aqui e agora.”

 

Sobre a artista

 

Berna Reale é uma das artistas mais importantes no cenário brasileiro atual, sendo reconhecida como uma das principais expoentes da prática de performance no país. Reale iniciou sua carreira artística no começo da década de 1990. Seu primeiro trabalho de grande impacto, Cerne (25º Salão Arte Pará, 2006), intervenção fotográfica realizada no Mercado de Carne do Complexo do Ver-o-Peso, conduziu a artista ao Centro de Perícias Renato Chaves, onde passou a trabalhar como perita a partir de 2010. Desde então, Reale tem explorado seu próprio corpo como elemento central da produção de suas performances, fotografias e vídeos. Seus trabalhos, marcados pela abordagem crítica aos aspectos materiais e simbólicos da violência e aos processos de silenciamento presentes nas mais diversas instâncias da sociedade, investigam a importância das imagens na manutenção de imaginários e ações brutais. A potência de sua produção reside na contraposição entre o desejo de aproximação e o sentimento de repulsa, ressaltando a ironia que resulta da combinação entre o fascínio e a aversão da sociedade pela violência. A fotografia, nesse contexto, desempenha um papel fundamental. Ela não é apenas o meio de registro de suas ações, capaz de perpetuá-las, mas um desdobramento de seu processo de criação.

 

Francisco Sobrino na Dan Galeria

 

 

A Dan Galeria, Jardins, São Paulo, SP, anuncia a representação do artista Francisco Sobrino (1932 – 2014). Para celebrar este momento, promove a abertura da exposição “Francisco Sobrino, Estrutura Modular e Luz”, primeira individual do artista no Brasil. Com curadoria de Franck James Marlot, a mostra contará com esculturas, pinturas e serigrafias que datam do final dos anos 1950. Será lançado nesta ocasião, o livro “Francisco Sobrino”, uma co-edição da Dan Galeria que conta com textos de Matthieu Poirier, Marjolaine Lévy e Alfonso de la Torre. A Dan Galeria, gradece à Celia, Delia e Daniel Sobrino, filhos do artista, pela possibilidade de realização dessa parceria, um projeto que foi desejado ansiosamente para dividir com o público apreciador de arte.

 

Sobre o artista

 

Nascido em Guadalajara, Espanha, participou do grupo GRAV (Paris, 1961), que desenvolveu a pesquisa estética ligada a arte ótica, cinética e interativa. Entre os artistas pertencentes ao movimento estavam Julio Le Parc, Horacio Garcia Rossi, François Morellet, Joël Stein e Yvaral Vasarely. Francisco Sobrino participou de diversas exposições importantes como a 36ª Bienal de Veneza de 1972, a 3ª Documenta Kassel, de 1964, e a mostra “Responsive Eye”, no MoMA, em 1965. Além de ter obras pertencentes a acervos institucionais como Beacon Collection (Boston, United States), Fondazione Peggy Guggenheim (Venezia, Italia), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madrid, España), Musée national d’art moderne – Centre Georges Pompidou (Paris, France), Museo de Arte Contemporáneo (Madrid, España), Musée Tamayo (Ciudad de México, México), Tate Modern entre outros. Em 2015 foi inaugurado o Museo Francisco Sobrino em sua cidade natal (Guadalajara, Espanha), que abriga obras representativas da trajetória do artista.

 

Até 30 de julho.

 

A trama da Terra na Gentil Carioca, SP

23/mai

 

A Gentil Carioca, Higienópolis, São Paulo, SP, tem o prazer de apresentar a exposição “A Trama da Terra que Treme”. Com curadoria de Victor Gorgulho, a mostra reúne obras de artistas representados pela galeria e convidados: Aleta Valente, Cabelo, Ernesto Neto, Jarbas Lopes, João Modé, José Bento, Laura Lima, Lucas-k, Luisa Brandelli, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Mayara Velozo, Novíssimo Edgar, Vinicius Gerheim e Vivian Caccuri.

 

A presente exposição gentilmente apropria-se do título do texto homônimo de Hélio Oiticica, escrito em 1968, para refletir poeticamente acerca das tramas, teias e nós nas quais nos encontramos envoltos e embaralhados. A mostra coletiva investiga a matéria têxtil em suas múltiplas possibilidades de uso e de experimentações – formais, conceituais, políticas – na busca trôpega e errante de tecermos, quem sabe, um novo tecido do comum, uma tramavivência capaz de conectar os muitos retalhos e fragmentos espalhados pelo caminho, até aqui.

 

 

 

 

Um diálogo: vigor, força e tensão.

 

 

A Galeria Mamute, Porto Alegre, RS, exibe até 30 de junho a exposição “O som que o silêncio esconde“. A mostra com curadoria de Henrique Menezes apresenta um diálogo entre duas artistas representadas pela galeria: Camila Elis e Fernanda Valadares. Camila Elis, representante da nova geração de artistas gaúchas, estudou na University of the Arts London e atualmente é mestranda em Artes Visuais pela USP. Através da pintura a óleo, pesquisa sistemas de interação entre objetos, pessoas, ambientes e sensações abstratas. Fernanda Valadares, paulista, Mestre em Artes Visuais pela UFRGS, dedica-se à prática artística há quase duas décadas, investigando por meio da técnica milenar da encáustica os espaços percorridos e as temporalidades.

 

 

A palavra do curador

 

O som que o silêncio esconde

 

 

Conjugar as obras de Camila Elis e Fernanda Valadares em uma única exposição poderia conduzir – por uma análise primeva, assentada na superfície do que se vê – à reflexão sobre as técnicas ensaiadas pelas duas artistas. Seria suficientemente rico descrever os pigmentos e as veladuras, o traço e as pinceladas, perpassar cada fatura e as tantas camadas sedimentadas na epiderme da obra. Apesar de evidenciar a qualidade dos processos, contudo, não daríamos conta do que considero o êxito desse diálogo: a vibração, a harmonia e o tom da exposição. Não é à toa que esses três termos tenham reverberações também no campo da música. Em suas conferências e escritos, o compositor experimental John Cage costumava narrar um episódio ao mesmo tempo físico e poético: certa vez, ao entrar em uma câmara que simulava o absoluto silêncio, Cage percebeu ecos de um som grave e de um agudo. Ao questionar um engenheiro de Harvard sobre suas sensações, foi prontamente surpreendido pela resposta: o agudo era seu sistema nervoso funcionando; o grave, seu sangue circulando. O corpo esconde o som, sendo necessário um exercício de suspender todos os outros sentidos para revelar seus tons através da percepção atenta. Recorrer à ambiguidade da palavra tom nos revela um índice que aproxima a audição e a visão: remete igualmente à inflexão da voz e à intensidade dos instrumentos, mas também denota as qualidades da cor em suas diversas gradações, matizes e nuances. Camila e Fernanda situam-se na fronteira entre a liberação emocional e o limite da disposição racional. No quase silêncio de uma base alva, Camila Elis compõe obras com acordes da psicanálise e da mitologia, nas quais pintura e desenho embaralham-se com traços imprecisos, ladeados com frequência por um vermelho intenso: um possível alerta de que sua produção se distancia de um apelo dócil, inerte ou lentamente ritmado. Em justo equilíbrio, os horizontes e geometrias de Fernanda Valadares, construídos pela alquimia entre pigmentos e cera de abelha, acrescentam unidade não apenas pelas coincidências na paleta de cores, mas também pela demarcação orgânica que mais sugere do que esclarece, entre formas e texturas, entre construções líricas da paisagem e da psique. Ressaltar a harmonia formal que aproxima as duas artistas não significa apaziguar suas distinções: a obra que encerra o percurso – uma densa e soturna encáustica de Valadares – porta-se como um clímax, reverberando a grande tela de Elis que impõe-se suspensa: essas obras lembram-nos que a palavra tom ainda pode significar vigor, força e tensão.

 

Henrique Menezes

 

 

Temas cotidianos de Wilma Ramos

20/mai

 

 

Jacques Ardies exibe em sua galeria, Vila Mariana, São Paulo, SP, e assina a curadoria de uma exposição em tributo a uma artista parceira de muitos anos: “Homenagem a Wilma Ramos”. Composta por 24 telas em acrílico pintadas pela artista no período entre 1981 e 2005, serve como homenagem e agradecimento à lealdade e presença da artista junto a trajetória da galeria desde os seus primórdios em 1979 (Galeria Cravo e Canela). Conhecida e reconhecida como artista naïf, Wilma Ramos criou obras de colorido intenso e figuras com detalhamento minucioso. Mesmo sendo inserida na classificação de uma arte onde a espontaneidade, a criatividade autêntica, o fazer artístico sem escola nem orientação, a artista possui características baseadas na simplificação dos elementos, valorizando a representação de temas cotidianos e manifestações culturais de um povo.

 

 

As obras de Wilma Ramos possuem especificidades, de um colorido vibrante; ela pintava, principalmente com a tinta acrílica, que tem uma luminosidade maior que a tinta óleo; contornava seus personagens, que no geral tinham um aspecto muito comum, parecendo ser da mesma família. Os temas dos oxuns, pescadores trabalhando, feiras livres, colheitas de laranja e cana de açúcar, festas populares – como a do bumba meu boi, os bonecos gigantes, a malhação de Judas, as procissões religiosas e a festa do Divino Espírito Santo, os retratos de imagens sacras, como a incrível Nossa Senhora do Arco-Íris e de São Francisco dormindo na mata brasileira, rodeado de animais e de índios – estão entre os temas preferidos da artista. Foi com a obra “As Baianas” que Wilma Ramos conquistou reconhecimento e sucesso no mundo da Arte Naïf. Elas são únicas, com saia geométrica estampada, que lembra os panos de chita, muito comum na arte popular. Na parte superior, usam uma blusa branca de mangas curtas enfeitadas por colares de contas coloridas e levam na cabeça um pano branco amarrado, típico. O rico universo dos orixás e oxuns tiveram espaço garantido na obra da artista. Nas palavras da artista, em declaração dada em 2007, “Quase tudo que pinto ligo a fauna e a flora. Sou defensora da natureza. Essa é uma forma de dar um alô sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.” Não necessariamente o artista naif está isolado dos acontecimentos de sua época e momento cultural. Já em São Paulo, para onde se transfere na década de 1970, através de uma amiga artista, Wilma Ramos tem acesso e contato com artistas do movimento modernista como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, além de outros grandes expoentes culturais como Manabu Mabe, Takeschi Susuki, Takaoca Fukushima, Alzira Pecarari e Flávio de Carvalho. A arte ingênua de Wilma Ramos se mantém intacta mas, o contato com outras vertentes criativas possibilita influências e opções antes indisponíveis ao pequeno universo pessoal da artista. O curador explica e justifica, com maestria, a mostra: “Wilma Ramos se dedicou a pintura bem cedo, em 1968. Encontrou sua linguagem e manteve-se fiel ao seu estilo particular de se expressar. Rostos redondos, olhos puxados, os seus personagens são inconfundíveis e, na maioria das vezes, parecem formar um grupo de pessoas entrosadas e de boa convivência e isto é totalmente coerente com o seu próprio jeito carismático de se relacionar. Wilma era meiga, doce e sensível. Interessou-se pelos rituais afro-brasileiros do candomblé e pelas festas folclóricas, tão populares Brasil afora e, mais intensamente, na Bahia. Gostava também de interpretar cenas campestres com cores harmoniosas e bem orquestradas que demonstrava seu inabalável otimismo em relação ao dia de amanhã. Após uma estada de 4 anos na Espanha, em 1979, Wilma juntou-se a turma dos artistas que iam apoiar a nova Galeria Cravo e Canela, no Alto da Boa Vista. A partir desse momento passou a aceitar todos os convites para participar de exposições. Recebemos um apoio irrestrito da artista Wilma Ramos e hoje, 43 anos depois, montamos esta exposição para expressar e demonstrar nosso agradecimento”.

 

 

Sobre a galeria

 

 

A Galeria Jacques Ardies, localizada na Vila Mariana, ocupa uma casa antiga completamente restaurada. A galeria, que iniciou suas atividades em agosto de 1979 (Galeria Cravo e Canela), tem por vocação a divulgação e a promoção da arte naïf brasileira. Ao longo de 42 anos, muitas exposições foram realizadas: 120 mostras individuais e mais de 200 coletivas, no seu próprio espaço e também em museus como o MAC de Campinas (SP), MAM de Goiânia (GO), Espace Art 4 de Paris (FRA), Espaço Cultural de FMI em Washington D.C. (USA), Musée International de Arte Naïf Anatole Jakovski em Nice (FRA), Memorial da America Latina em São Paulo (SP), para citar apenas alguns e também em galerias de arte como a Galeria Jacqueline Bricard, em Lourmarin (França), a Galeria Pro Arte Kasper, em Morges (Suíça) e a Gina Gallery em Tel-Aviv (Israel). Em 1998, Jacques Ardies lançou o livro Arte Naïf no Brasil com a colaboração do crítico Geraldo Edson de Andrade e em 2003, publicou o livro sobre a vida e obra do artista pernambucano Ivonaldo, com texto do professor e crítico de arte Jorge Anthonio e Silva. Em 2010, lançou o segundo livro sobre a “Arte Naïf no Brasil” com texto da sua autoria e comentários de 4 amigos também apaixonados por esta arte. Quatro anos depois, em 2014, foi editado este mesmo livro numa versão em francês. A galeria expõe permanentemente quadros e esculturas de 80 artistas selecionados e considerados como representativos do movimento da arte naïf brasileira.

 

 

De 24 de maio a 18 de junho.

 

 

Escrita-gesto de Rafaella Braga na Kogan Amaro

19/mai

 

 

A artista visual Rafaella Braga exibe a partir de 26 de maio e até 02 de julho a exposição individual  “Céu da Boca”, sob a curadoria de Carollina Lauriano na Galeria Kogan Amaro, Jardim Paulista, São Paulo, SP.

 

 

Texto de Carollina Lauriano

 

 

Quando eu fui até o ateliê da artista Rafaella Braga para acompanhar o desenvolvimento das pinturas que compõem esta exposição, me chamou atenção que a grande escala de suas pinturas e o acúmulo de informações nelas contido trazem uma sensação inversa a essa primeira vista. Isso porque Rafaella consegue transmutar – como poucos – a cacofonia presente nos grandes centros urbanos em sensações opostas às que ela nos oferece. No lugar de desamparo, temos o acolhimento. Da racionalidade, o acaso. E do caos; silêncio. Isso talvez porque para a artista, pintar, antes de mais nada, seja um processo meditativo, de autoconhecimento e cura. No entanto, o texto é algo muito presente em suas pinturas. Rafaella utiliza o suporte como uma espécie de diário o qual a escrita está fora de sua função original de destinação, ou seja, expressam em si a essência do ato de escrever: a gestualidade. Aqui, sua escrita-gesto serve como um elogio ao ilegível, que também retoma aos anos que a artista dedicou-se ao graffiti – que foi seu primeiro lugar de incursão na arte. E aqui precisamos lembrar a marginalidade que esse tipo de expressão artística ainda é colocado e como trazer essa simbologia para dentro de uma pintura contemporânea, ainda hoje, é um ato transgressor. Aliás, aqui eu levanto um ponto importante sobre as pinturas de Rafaella. Elas estão o tempo todo nos fazendo lidar com uma sensação de oposição, e porque não, dualidade. Ao mesmo tempo que a gestualidade da sua escrita se expande a ponto de quase dominar todo o canvas, os gigantescos e imponentes seres imaginários que a artista pinta recorrentemente em suas telas têm um caráter introspectivo. E nesse exercício constante de expansão e retração, Rafaella nos mostra que é preciso um pouco de sonho e fantasia para encarar a realidade, e vice-versa. E é exatamente essa busca de equilíbrio que torna a pintura de Rafaella interessante. Observar uma jovem pintora desbravar lugares antes não dados a ela (geográfico e mentalmente) é pensar que sim: o céu é o limite. Céu, inclusive, é uma palavra que permeia todas as criações da artista. Um lugar de refúgio que ela se conecta para buscar conforto em qualquer lugar do mundo que ela esteja, em uma forma de nos dizer que para voar é preciso tirar os dois pés do chão. Todo esse otimismo pode parecer juvenil, e em parte é (sem aqui invalidar toda história de vida da artista, mesmo com sua pouca idade). Mas aqui precisamos nos atentar que Rafaella faz parte de uma geração comprometida com as mudanças que as gerações anteriores tem proposto como possibilidades de futuros mais plurais, diversos e inclusivos. E a artista decidiu fazer isso numa tentativa de conexão consigo e com seu entorno. Então essa exposição, nada mais é do que um convite a adentrar esse espaço como se entra em um templo meditativo e deixar com que os seres que podem nos assombrar, também nos acolham. Se Rafaella conseguiu docilizar os seus, porque nós não podemos tentar a mesma experiência? Às vezes os mais velhos ensinam os mais jovens. Às vezes o inverso também acontece. Eu tenho aprendido com a troca.

 

 

Sobre a artista

 

 

Rafaella nasceu em Goiânia, Brasil, 1998. Começou a traçar seu próprio caminho nas artes através do graffiti e depois se descobriu na pintura, explorando-a livremente e sem qualquer pré-concepção. Ela tem desenvolvido e materializado suas ideias principalmente em telas de grande porte, que podem ocupar paredes inteiras, revelando um método de trabalho fisicamente intenso. Usando a tela como diário, sua prática tem o corpo como matéria-prima, investigando o próprio delineado por suas vulnerabilidades e segredos, e gira em torno da interação entre realidade e fantasia, identidade e tempo, oferecendo uma alternativa onírica à realidade. A artista vem desenvolvendo projetos próprios, em colaboração com iniciativas internacionais como exposições coletivas. Rafaella Braga atualmente vive e trabalha em Berlim.

 

 

Paulo von Poser, desenhos de nus

13/mai

 

 

A mostra apresenta obras inéditas produzidas pelo artista durante os últimos 40 anos, refletindo sobre o corpo nu masculino e a plataforma do desenho.

 

A VERVE Galeria, Av. São Luis, 192, sobreloja 06, Edifício Louvre, República, São Paulo, SP, apresenta a exposição “Desenhos nus: 1982-2022”, individual do paulistano Paulo von Poser, com um recorte de trabalhos do artista em suas reflexões sobre o corpo nu masculino. A mostra cobre um arco de 40 anos de produção artística de von Poser, com desenhos, colagens e esculturas, além de um livro de artista dedicado a Hudinilson Jr (1957-2013). A exposição inaugura neste sábado, dia 14 de maio e permanecerá em cartaz até o dia 14 de junho.

 

As obras apresentadas são inéditas, algumas guardadas pelo artista há décadas em seus arquivos, envolvidas por um tom íntimo, observador e confessional. A exposição, que enfatiza o gesto do desenho, as paixões e os trabalhos sobre papel, reapresenta outras narrativas aprofundadas por von Poser, amplamente reconhecido por seus desenhos de rosas e paisagens.

 

Nas palavras de Giancarlo Hannud, curador da exposição, “há mais de quatro décadas, von Poser vem se engajando de forma constante com o desenho, cotidianamente registrando as infinitas possibilidades expressivas do marcar a traços uma dada superfície, à guisa de outra coisa qualquer”. É a partir dos mecanismos do olhar, do admirar e do desenhar que se estrutura a exposição, onde, continua o curador, “seus desenhos do corpo representado falam tão alto quanto seu gesto marcador, desenhador e desenhado, confluindo-se para dar origem a algo novo. Dissolvidos artista e modelo, tornam-se, ambos, desenho, sugestão tátil e imorredoura de um encontro vivido e passado. Como disse o artista: “Se o desenho pode ser considerado amoroso na sua relação com o olhar, essa condição diz respeito ao encontro do traço do carvão com o papel, do encontro do modelo com as outras imagens projetadas do seu corpo, do encontro do artista com seus desejos e medos.” Desses três encontros engendra-se o desenho de von Poser.”, conclui Hannud.

 

Sobre o artista

 

Paulo von Poser (São Paulo, 1960) graduou-se em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP) em 1982. Trabalha sobretudo com desenho, cerâmica, escultura, gravura e ilustração, refletindo sobretudo acerca da cidade, do corpo e das flores. Lecionou, de 1986 a 2018, na Universidade Católica de Santos (Unisantos) e leciona desde 2007 na Escola da Cidade, em São Paulo. Há uma forte relação entre o trabalho de professor e de desenhista, uma vez que as caminhadas com seus alunos alimentam a produção. Paulo von Poser participou de dezenas de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, e seus trabalhos integram inúmeras coleções privadas e públicas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC USP), o Museu da Casa Brasileira (MCB) e o Museu Afro Brasil.

 

Sobre a galeria

Galeria Verve

 

A Verve é uma galeria de arte contemporânea fundada em São Paulo, em 2013. Nascida do entusiasmo e inspiração que animam o espírito da criação artística, a Verve é abrigo para diferentes plataformas de experimentação da arte contemporânea. A eloquência e sutileza que caracterizam o nome do espaço também estão presentes na cuidadosa seleção de artistas e projetos expositivos. Por entender que as linguagens artísticas compreendem processos contínuos e complementares, a galeria representa novos talentos e profissionais consagrados que transitam livremente entre a pintura, o desenho, fotografia, escultura e a gravura. Dirigida pelo artista visual Allann Seabra e o arquiteto Ian Duarte, a galeria ocupa um espaço no mezanino do histórico Edifício Louvre, em franco diálogo com o patrimônio construído da cidade de São Paulo. Na diversidade de seus espaços expositivos emergem possibilidades de curadoria que vão além do cubo branco, estendendo-se para a rua e cumprindo a função integradora entre a arte, o público e a cidade. A Verve é membro da Associação Brasileira de Arte Contemporânea [ABACT] e integra o Comitê Consultivo da SP-Arte.

 

 

Waltercio Caldas, exposição na Raquel Arnaud, SP

12/mai

 

 

A Galeria Raquel Arnaud, Vila Madalena, São Paulo, SP, apresenta até o dia 18 de junho a exposição “O estado das coisas”, individual de Waltercio Caldas com apresentação do crítico de arte Paulo Sergio Duarte.

 

 

Arte política e política da arte

 

 

Na época que vivemos, e não por acaso, a política contamina a arte mais do que qualquer variante do vírus durante a pandemia. Não faltam razões para isso: razões étnicas, de gênero, fascismo pelo mundo afora e tantas outras. A história da arte está carregada de grandes exemplos de arte política. A morte de Marat, 1793, de David; A Liberdade conduzindo o povo, 1830, de Delacroix; e, antes desta, A jangada da Medusa, 1818-1819, de Géricault; pela primeira vez, um bando de personagens anônimos, marinheiros náufragos, foram retratados em alto-mar numa tela cuja escala estava reservada para grandes eventos históricos, batalhas, coroações de monarcas e outros. Ela mede 491 por 716 centímetros. O artista tomou conhecimento do naufrágio por uma notícia de jornal dois anos antes, um fait divers. Quando os sobreviventes chegaram à terra, contaram suas agruras – até se alimentaram da carne do corpo de companheiros mortos –, e Géricault se motivou. Guernica, 1937, de Picasso, fica como o momento mais elevado da arte política do século XX. Mas nenhuma dessas obras estaria na história da arte pelas suas motivações políticas externas; estão lá porque, cada uma a seu modo, contribuíram para modificar a linguagem da arte de seu tempo: esta, a política da arte.

 

 

Na exposição O Estado das Coisas, de Waltercio Caldas, temos inúmeros exemplos da experiência política em obras com experimentos inéditos na longa trajetória do artista. E não são poucas as surpresas. O modo como conjuga pintura e escultura numa mesma peça é uma delas. Há um jogo e este é dado pela linguagem, a única política estritamente artística passível de ser praticada no interior da obra de arte: a transformação da linguagem, aquela política que não está presente em praças ou manifestações, mas que clama por novas experiências de percepção.

 

 

Examine-se três dessas demonstrações.

 

 

Observe-se Mondrian em casa. Duas reproduções de Mondrian sobre papel estão dispostas diante de nossos olhos, de dimensões diferentes. Dependendo da distância que tomamos, exige um certo estrabismo, a distância que os separa dilata o espaço pela simples presença. A intervenção do elástico esticado traz uma sutil ironia. Sabe-se que no final de 1919, início de 1920, Mondrian começou suas grades, sempre ortogonais; o elástico traça uma diagonal, além de projetar-se em volume para sustentar um copo que se apoia num simulacro de mesa; ao se estender para o copo, soma três diagonais. Além da curva que contorna o volume do copo. Essas transgressões e transformações em relação à obra que se encontra presente no título, sempre sutis e rigorosas, nos ensinam: não há política da arte sem experiências de linguagem.

 

 

Não existe arte contemporânea que não seja experimental. Sabemos disso desde Adorno e sua Teoria Estética. Mas existe algo em Waltercio Caldas, além do experimentalismo: um ascetismo que não se confunde com aquele da Minimal Art, trata-se de uma economia que não é avessa ao campo semântico, à polissemia. Isso estimula a experiência da obra.

 

 

Em Acústica II, o exercício sobre o negro domina a cena, apesar da presença sutil do vermelho e do amarelo. De novo, para quem tem memória, a história da arte se infiltra. Como não lembrar o Quadrado negro, 1916, de Malevich, os anos de pinturas negras de Ad Reinhardt e, pela tela à esquerda, Soulages. Nesta, como em todas as obras desta exposição, é preciso não ver alegorias no sentido tradicional do termo. Não há imagens substituindo narrativas. Existe, sim, associação de ideias, mas não aquela freudiana, a associação livre da situação psicanalítica. Aqui as associações de ideias são induzidas pelas obras com a possibilidade da multiplicação de sentidos na apreensão subjetiva de seus significados.

 

 

Caravaggio pode servir de síntese de tudo que acima foi dito. Não existe referência à vida atribulada do artista que dá título ao trabalho. Sabemos de seus duelos, de suas múltiplas prisões, de seu exílio, de sua vida curta – morreu aos 38 anos, em morte controversa. Nada disso está presente no Caravaggio desta exposição, certamente não é uma alegoria. O que interessa é que o artista pioneiro do que viria a ser o Barroco ficou na história da arte não por esses fatos, mas por ter dominado o chiaroscuro como nenhum outro havia feito anteriormente. E é esse que está presente, com seu nome grafado escultoricamente, na pintura-escultura de Waltercio Caldas. Os exercícios nas duas pinturas, a maior verde-escura e a menor vermelho-escura, apesar das diferentes dimensões, são similares: enunciam duas regiões separadas por uma curva. As regiões se distinguem habilmente, o vermelho e o verde mais escuros seguem em direção a apenas um pouco, apenas um pouco mesmo, mais claro. Observem que a verde, maior, é pintada sobre uma tela bem menos espessa que a menor, vermelha. Mas as pinturas estão conversando com outros elementos escultóricos. São elementos dourados que interferem sobre a visão da pintura verde e deixam a vermelha livre, e ao mesmo tempo constroem uma profundidade. Estabelecem um limite físico de aproximação. Vamos rever Caravaggio de outro modo de agora em diante. Temos entre nós um Caravaggio nosso contemporâneo.

 

 

Essa é a política da arte, diferente da arte política.

Paulo Sergio Duarte, abril de 2022.

 

 

Iluminuras de Walter Carvalho

10/mai

 

 

Conhecido por seu trabalho em fotografia, cinema e televisão, Walter Carvalho apresenta ao público pela primeira vez sua produção artística autoral em Platinotipia. Na mostra “Iluminuras”, na Mul.ti.plo Espaço Arte, no Leblon, Rio de Janeiro, RJ, o artista reúne uma vigorosa produção composta de trabalhos inéditos a partir de suas experiências poéticas com processos alternativos e rudimentares de impressão. A mostra será inaugurada no dia 12 de maio, às 17h, ficando em cartaz até 24 de junho, com entrada franca.

 

 

Utilizando como matriz seu acervo autoral de fotografias, Walter Carvalho atua sobre as imagens com pinceladas de platina em um complexo processo de impressão. O resultado são as “Iluminuras”. “Novas formas e imagens surgem do inesperado e se aconchegam ‘desplanejadas’. Uma profusão de pretos e meios tons surge de repente, podendo ser lascas de luz sobre os objetos ou derivados deles, mas com espessura”, conta Walter Carvalho. Nas obras, de aproximadamente 70 X 90 cm, feitas sobre papel, um ferro de engomar gira como se estivesse fora do ritmo, numa dança improvável. Manchas, resíduos ou vestígios – o rastro do pincel – de alguma maneira dilaceram as imagens e formas originais sem entretanto, abalar sua estabilidade.

 

 

Há mais de 20 anos, Walter Carvalho dedica-se a sua pesquisa artística no universo de impressões alternativas e rudimentares: “Em 1998 comecei a experimentar impressão com gelatina de prata. Cheguei a expor em 2004, no Instituto Moreira Salles (Rio) e no Paço Imperial (Rio). Depois fui aos poucos tentando outros caminhos, até chegar à Platinotipia. São dez anos nesse estudo”, conta o artista. “Vejo nesses trabalhos uma guinada importante. O artista nesse tempo desencantado desestabiliza a forma, investe em temporalidades que se somam ao seu gesto revelador. Walter Carvalho aposta no experimento e no risco poético”, completa Maneco Müller, diretor da galeria Mul.ti.plo. Um dos interesses de Walter pela técnica, patenteada em 1873 pelo inglês William Willys (1841-1923), é a possibilidade de unir processos diferentes separados por séculos de distância. “As matrizes são feitas a partir de fotos mecânicas com filme fotográfico ou arquivos digitais. A Platinotipia permite esse encontro entre o passado longínquo e os elementos de hoje”, diz o artista, ressaltando também a longa durabilidade conferida pelo uso do nobre metal nas impressões fotográficas. “A platina resiste à impiedosa passagem do tempo”, afirma. Entre os grandes nomes da fotografia mundial que se dedicaram ao processo estão Alfred Stieglitz (1864-1946), Edward Weston (1886-1958), Irving Penn (1917-2009) e Robert Mapplethorpe (1946-1989).

 

 

Sobre o artista

 

 

Walter Carvalho nasceu em João Pessoa, PB, 1947. Fotógrafo e cineasta, é formado em Design Gráfico pela Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro (ESDI). Desde 1972, desenvolve intensa atividade como profissional da imagem: em fotografia, no cinema e na TV. No cinema, foi responsável pela direção de fotografia de “Lavoura arcaica”, “Abril despedaçado”, “Madame Satã”, “Central do Brasil”, “Amarelo manga” e “Terra estrangeira”, entre outros. Conquistou o Golden Frog, no Film Festival of Cinematography Camerimage, com Central do Brasil, e The International Cinematographers Film Festival “Manaki Brothers” por três vezes. Conquistou a Golden Camera com os filmes: “Terra estrangeira”, “Central do Brasil” e “Lavoura arcaica”. Seu percurso duplo de fotógrafo e cineasta reflete-se em todo seu trabalho autoral. Conta com diversas publicações, como o livro “Contrastes simultâneos” e “Fotografias de um filme”, ambos da Cosac Naify; “Walter Carvalho – Fotógrafo”, editado pelo IMS (2003), “Terra Estrangeira, Leitura das imagens do filme Terra Estrangeira”, Ed. Dumará. Em cinema, recebeu mais de 80 prêmios nacionais e internacionais. Em fotografia, destacam-se os prêmios no Concurso Nacional de Fotografia da Revista Realidade, 1972; e o primeiro lugar no Concurso Nikon (Viagem ao México), 1973. Suas últimas exposições foram “Retraço”, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, 2018, com texto de Texto Agnaldo Farias; e no Paço Imperial do Rio de Janeiro, 2019. Sua obra fotográfica integra as coleções do Museu de Arte do Rio (MAR), do Maison Européenne de la Photographie (MEP-Paris), da Coleção Pirelli/Masp, do Instituto Moreira Salles, do Museu de Arte Moderna (São Paulo) e da Coleção Fnac, entre outros. Integra a “Photographers Encyclopaedia International, 1839 to the present”. É membro da Academia de Cinema de Hollywood. Participou de mais de 30 exposições de fotografia no Brasil e no exterior. Como artista, é representado pela Mul.ti.plo Espaço Arte.

 

De 12 de maio até 24 de junho.

 

 

Hipocampo, individual de Silvia Velludo

 

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, apresenta, entre os dias 14 de maio e 25 de junho, “Hipocampo”, segunda exposição individual de Silvia Velludo no endereço de São Paulo. Além das pinturas da série “Hipocampo”, realizadas entre 2016 e 2022, a mostra reúne algumas das obras produzidas pela artista durante a década de 2000, como as pinturas das séries “Penumbras” (2003-2004), “Divisas” (2007-2012), o livro-objeto em letreiro digital “Ida” (2012) e a videoinstalação “Projeto de Aurora” (2002). A exposição conta com texto assinado por Fernando Cocchiarale.

 

 

Formada por mais de 300 pinturas, a série “Hipocampo” dá continuidade à investigação de Silvia Velludo sobre a produção e a reprodução de imagens através da pintura. A artista faz uso de um extenso acervo de fotografias de celular, de notícias de jornal, cenas de filmes e posts de redes sociais para refletir sobre a aparente banalidade dessas imagens e o ritmo acelerado em que são difundidas, traduzindo os códigos da linguagem fotográfica digital para a linguagem pictórica. O título remete à estrutura cerebral responsável pelo armazenamento da memória e faz uma alusão ao registro involuntário que fazemos das imagens que nos rodeiam e as infinitas associações inconscientes que podem ser estabelecidas entre elas. O conjunto de pinturas de tamanhos variados é distribuído por toda a extensão das paredes da galeria, formando um grande painel diagramático de retratos do cotidiano, intercalados ora com telas recobertas por pigmentos metálicos, ora com placas reflexivas de aço, bronze, cobre e latão que, ao espelharem a imagem do espectador, interrompem o fluxo do “scrolling” visual e servem como zonas de respiro.

 

 

“A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência.”, observa o crítico Fernando Cocchiarale.

 

 

A reapresentação das séries “Penumbras” (2003-2004) e “Divisas” (2007-2012) propicia ao público um reencontro com as origens da pesquisa de Silvia Velludo sobre a formação da imagem através da pintura. Ao longo da década de 2000, a artista estava menos interessada pela imagem como representação figurativa do que por sua constituição enquanto fenômeno físico. Em “Penumbras” a artista trabalha a dispersão da luz através do embate entre pequenos pontos de cor, formando, em cada tela, estruturas reticuladas que podem remeter à imagem granulada dos televisores de tubo. Se nessa série Silvia Velludo explora efeitos ópticos através do uso da tinta acrílica e das diferentes combinações e tonalidades possíveis de serem alcançadas pelo material, em “Divisas” ela escolhe trabalhar com as propriedades inerentes das contas de vidro. O caráter cintilante do vidro colorido é intensificado nestas pinturas pelo agrupamento de uma grande quantidade de pequenas esferas coladas em uma superfície de 4m², causando aos olhos a impressão de que há uma desintegração da cor em milhares de pontos de luz. Anterior a essa investigação desenvolvida por Silvia Velludo através da pintura sobre a formação da imagem como um fenômeno óptico, é a sua produção de videoinstalações. A videoprojeção surgia para a artista como uma linguagem que lhe permitia trabalhar com a materialidade da própria luz, explorando a variação de cores, formas e palavras a partir dos recursos da imagem em movimento. “Projeto de Aurora” (2002) consiste em uma sequência de cores projetadas em uma superfície quadrada formada por cerca de 30 kg de sal grosso. Similar ao interesse de Silvia Velludo pela incidência da luz na matéria vítrea é o interesse pela incidência luminosa na estrutura cristalina do sal e sua alta capacidade de reflexão. As cores projetadas fazem referência às cores produzidas pelas Auroras Polares, fenômenos físico-químicos que resultam de interações entre o campo magnético terrestre e o plasma solar e que podem ser observados pela emissão de luzes coloridas que se movem pelo céu.

 

 

“Ida” (2012) é um livro-objeto em formato de letreiro digital que reúne diversos escritos produzidos pela artista ao longo de doze anos a partir daquilo que ocorria ao seu redor – em espaços públicos, privados ou mesmo na televisão. O trabalho foi apresentado pela primeira vez na exposição “Há mais de um poema em cada fotograma” em 2012, onde a artista ocupou todas as paredes da galeria com centenas de detalhes ampliados de fotografias realizadas durante dez anos em uma operação similar, registrando excessivamente as imagens de seu entorno. Se em “Ida” a artista escolhe a palavra como ferramenta para dar conta desse registro e em “Há mais de um poema em cada fotograma” ela escolhe a fotografia digital, em “Hipocampo” Velludo executa um procedimento já iniciado em sua exposição anterior “Autorretrato com Iphone 5C”, traduzindo o registro fotográfico para a linguagem da pintura. A noção de velocidade é uma questão que perpassa todos esses trabalhos, tanto no embate entre o ritmo ágil de uma escrita de observação baseada na associação livre e a leitura regulada pela lentidão do letreiro, como no embate entre a rapidez da captação da fotografia e o moroso feitio de uma pintura figurativa.

 

 

Fernando Cocchiarale

 

Março de 2022

 

 

A crescente presença dos meios digitais em nossa era definiu novas práticas e questões aos artistas que se utilizam das imagens como meio de criação poética. Como uma contraposição crítica à natureza funcional e pragmática da economia da imagem, muitos artistas têm buscado diferentes modos de refletir sobre a sociedade tecnológica contemporânea. Embora a origem artesanal da imagem tenha sido gradualmente substituída por meios técnicos como a fotografia, com a expressividade da mão cedendo lugar à objetividade das lentes e à rapidez e acessibilidade das câmeras, a reprodução manual de imagens de origem fotográfica ou digital em pintura é uma operação que investiga e reavalia de modo amplo o processo evolutivo dos meios técnicos e tecnológicos e suas possíveis rearticulações. A reunião de pinturas que Silvia Velludo apresenta nesta exposição tem por origem a coleção de inúmeros arquivos de imagem de internet e fotos digitais de celular que a artista seleciona e reproduz em suas obras como repertório visual para o seu fazer poético. Silvia se utiliza da mídia digital como um caderno de notas em que pessoas, lugares e momentos a serem lembrados são guardados em imagem e posteriormente trabalhados em tinta sobre tela. Suas pinturas retratam cenas e acontecimentos que espelham um panorama imagético próprio do universo da cultura digital e da dinâmica das redes sociais em sua profusão de temas, recortes e registros, situando-se entre o memorável e o comum, o admirável e o banal, o insólito e o corriqueiro. As pinturas a partir de arquivos de imagens digitais remontam à última exposição individual realizada por Silvia, Autorretrato com iPhone 5c, em 2016, quando voltou a se dedicar à pintura de observação. As múltiplas cenas do trabalho atual resultam das constantes temporadas de viagem de Silvia Velludo entre sua cidade natal, Ribeirão Preto, e São Paulo, onde também reside e trabalha, e outras localidades em que, acompanhada de pincéis, tintas e telas portáteis, a artista registra suas pinturas diretamente em cada lugar de estadia, justificando a escala diminuta de suas obras. As 295 pinturas realizadas por Silvia Velludo ao longo de seguidas temporadas de viagem estão dispostas por todas as paredes do espaço de maneira a compor uma extensa rede de campos visuais em frações irregulares. Com o aspecto de um diagrama descontínuo, suas cenas deslizam visualmente em séries horizontais, verticais e diagonais que, também em saltos, se remetem a outras cenas por proximidade, semelhança ou oposição, um fluxo de imagens que forma narrativas sequenciais, cruzadas ou aleatórias em associação direta com a observação do espectador. Silvia articula diferentes níveis de significação para as suas imagens. Entre formas e cores sortidas de centenas de pequenas telas de pintura figurativa esmerada, um visitante atento notará a presença de retratos e olhares que parecem dialogar em silêncio com o observador, formando uma narrativa paralela; em outro momento, cenas frugais de crianças e animais de estimação se impõem pela força afetiva, doméstica e familiar que evocam, ainda que seja a intimidade anônima e distante das imagens da internet. Cenas de peixes nadando em círculos parecem estar em ação, como se a pintura guardasse a memória do movimento e capturasse a atenção do espectador. Bonecas, brinquedos e obras de arte se alternam entre paisagens, fruteiras e personagens obscuros das redes sociais e do noticiário em busca de uma contextualização plausível e de sentidos inteligíveis. As pinturas aqui reunidas por Silvia Velludo adquirem sentido pela noção de conjunto que toda coleção estabelece. As diversas situações pintadas sobre tela se interpõem enquanto campos espaciais e planos figurativos, condição aberta que possibilita inúmeras combinações narrativas por justaposição, deslocamento e associação livre. O passeio visual que este dispositivo pictórico propõe reconstitui uma dimensão temporal fílmica da imagem, tanto pela sugestão de movimento contínuo das cenas pintadas – peixes em círculos, olhos em órbita -, como pela ação do próprio olhar que percorre as superfícies das pinturas à procura de novos estímulos e significações. Estas pinturas parecem propor, repetidas vezes, um jogo de adivinhação em torno da identificação das cenas escolhidas pela artista. Como em um desafio ou charada, tentamos reconhecer quais entre aquelas imagens referem-se a notícias, personagens e momentos que lembramos – ou ignoramos. Ou como estas cenas se recombinam em histórias particulares, eventos públicos ou acontecimentos desprovidos de informação alguma enquanto somos levados a imaginar situações, relações e desfechos entre os episódios retratados. Diante desta grande reunião de pinturas somos tomados por um labirinto narrativo de notas cifradas, imagens privadas e públicas, todas fadadas à efemeridade de postagens perdidas e noticiários esvaziados. A visão panorâmica que Silvia nos propõe para estas imagens aponta para uma solução original. A plural diversidade de assuntos exibidos se entrelaça com as inúmeras associações possíveis formadas pelos encadeamentos das cenas como campos de leitura. À maneira de um jogo de palavras-cruzadas composto por imagens em desdobramento visual contínuo, nosso olhar é levado a rastrear superfícies, identificar sinais e construir nexos a partir de um caleidoscópio de fragmentos da realidade. A disposição das telas é alternada por quadros metálicos luminosos e brilhantes em aço, bronze, cobre e latão que provocam um rebatimento do olhar imersivo da pintura e emprestam ritmo ao intenso fluxo de imagens. Como zonas de respiro e contemplação, abrem um intervalo de tempo que parece condensar as vivências imagéticas em um plano de emanações reluzentes e silenciosas. A ágil circulação das imagens digitais nas mídias eletrônicas desvela, por sua vez, sua natureza temporal efêmera que as conduz tanto ao desaparecimento quanto à obsolescência. Em seu pensamento poético, Silvia apropria-se de cenas cotidianas aparentemente comuns e as transfere do meio digital ao suporte material, artesanal e analógico da pintura, meio que empresta um sentido de permanência e duração às imagens. A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência. O jogo poético firmado entre o universo particular de suas imagens e as notícias e postagens das redes sociais tensiona a nossa percepção do real. Tal qual um dispositivo expositor de memórias e lembranças, somos seduzidos pela curiosidade e pelo espírito imaginativo que tantas imagens reunidas são capazes de estimular. A instalação de pinturas de Silvia revela-se, assim, um inventário de vivências a serem reconstituídas que, como cápsulas de tempo, retém uma dimensão existencial que as imagens resistem em desvelar. A proposição artística de Silvia Velludo nos proporciona, assim, uma experiência contrária àquela celebrada pelo frenesi do mundo digital: a desaceleração intuitiva que reestabelece correlações poéticas entre o real e suas representações a partir da apropriação afetiva e artesanal das imagens. A contemporaneidade de suas pinturas e questões entrecruza-se com a dominante e frágil onipresença das imagens digitais em nosso cotidiano.