O Ministério da Cultura, Instituto Olga Koss de Inclusão Cultural e a Cinemateca Brasileira, convidam para o lançamento no próximo dia 10, do livro sobre o M. Grassmann, “Matéria dos sonhos” e abertura simultânea de exposição de obras do artista na Cinemateca Brasielira, Largo Senador Raul Cardoso, 107, Vila Clementino, São Paulo, SP. O livro é de autoria do crítico de arte Jacob Klintowicz.
A palavra de Jacob Klintowicz
Eu amaria que o Marcello ainda estivesse entre nós, pois a cada afirmação minha corresponderia longas conversas, como os comoventes diálogos que mantivemos durante décadas. O meu livro é insuficiente para dizer da grandeza deste artista, mas é capaz de oferecer indícios, rastros, trilhas, sensações, vislumbres, sensíveis aproximações. A obra de um artista não se esgota no afetivo olhar do interlocutor, ao contrário, ela se abre para novos encontros.
Eu separei alguns recortes do meu ensaio para este convite. Também não esgotam o tema, mas enunciam o meu sentimento, pois são, na verdade, como disse mestre Barthes, fragmentos de um discurso amoroso.
1. Talvez nada seja mais belo, poético, revelador, profético e inspirador do que a “Tempestade”, de 1612, a última peça de Shakespeare (1564-1616). E, é provável, que este texto outonal seja o testamento do poeta, a derradeira mensagem, a sua síntese sobre a humanidade e a saga dos homens. Nele, Próspero, a sublime criatura sonhada por William Shakespeare, define a natureza do homem e da vida: “Somos feitos da matéria dos sonhos”.
Ao contemplar as formas criadas por Marcello Grassmann, a extraordinária qualidade do seu desenho, o aprofundamento do tema de maneira tão elevada e com tanta propriedade, resta em nós a convicção de que entramos num universo antes desconhecido e agora revelado pela lucidez do artista. Este mundo que ele nos descobre e do qual sentimos que dele habitava em nós certo conhecimento, agora recuperado e reconhecido, esta enevoada e submersa realidade: a estranheza deste lugar de cavalheiros e armaduras, animais míticos, seres das sombras, quimeras, donzelas intangíveis e belas, e no qual o destino paira sobre todos. É o mundo feito da mesma matéria de que se fabricam os sonhos.
Marcello Grassmann elabora com a matéria sutil e a sua revelação é a de uma estrutura metafísica e ideal, densa e soberana, mas, e aqui uma das marcas do artista, construída na atmosfera da energia delicada e inapreensível, aquela feita de mitos e fábulas, que somente se acende quando a consciência adormece.
2. E como são figuras arcaicas e atemporais, a perenidade lhes confere, por sua vez, a fatalidade. Eternamente esta cena e este olhar se repetirão.
3. A característica atemporal da cena e o fantástico das figuras representam uma intervenção nas ordenações rotineiras do nosso mundo.
4. Em arte a nuança é tudo. Mais que a nuança, o subjacente é tudo. O que permeia, o não explícito, o intervalo, o silêncio entre os ruídos, o oculto entre os sinais, o simplesmente impregnado. A nuança é o sol e a lua, o dia e a noite e, quando se trata de Marcello Grassmann, o subjacente é a treva e o diálogo entre o perecível e o destino, entre a fragilidade do vital e a entropia da morte.
5. Lilith assumiu o seu próprio destino, a sua natureza, é o ser diante do mundo. Lilith recusou a proteção divina e as regras impostas por Deus às suas criaturas. De certa maneira, Lilith cria o seu próprio metro. Os filhos da lendária Lilith são personagens de Grassmann na recriação do mundo. Marcello Grassmann não nos devolve o paraíso, mas o mundo a partir de Lilith.
6. …é o mais próximo da intenção do artista, é o confronto do ser humano com o seu inelutável destino. O diferencial entre o ser humano e a vida puramente animal é a consciência que é identificada, fundamentalmente, pela percepção do tempo. O homem é aquele que sabe que morrerá.
7. Marcello Grassmann penetra neste universo não cotidiano da mesma maneira como isto sempre ocorreu, através da vidência. E a vidência não é um estado de delírio. Ao contrário, é um se colocar noutro tempo e espaço conservando a lucidez e a memória. O vidente é aquele capaz de retornar com a memória da visão. 8. “Eles não entendem. Eu nunca escreverei um grande romance. Meu grande romance é o mosaico de todo os meus pequenos romances. Entende?”. G. Simenon em entrevista a C.Collins. Carvell Collins entendeu. Eu entendi. E o Marcello Grassmann, a seu próprio respeito, sempre soube disto.