Empoderamento e resgate étnico

10/out

Na nova exposição do Museu Inimá de Paula, “NOW”, Centro, Belo Horizonte, MG, o destaque da mostra são os vários núcleos de artistas brasileiros contemporâneos, afrodescendentes e indígenas, apresentando 80 artistas da produção contemporânea nacional e mundial. A curadoria é de Romero Pimenta.

A coleção se abre para a arte brasileira e traz nomes como Adriana Varejão, Beatriz Milhares, Luiz Zerbini, Jaider Esbell, Pedro Neves, Maxwell Alexandre e outros.

A explosão da arte dos afrodescendentes é o maior salto estético da arte contemporânea nas primeiras décadas deste século. Configurando uma arte de autoexpressão, empoderamento e resgate étnico. É nesse ambiente que a exposição NOW apresenta o grupo de artistas afro Elian Almeida, Pedro Neves, o bastardo, Jota, Kika Carvalho, Gustavo Nazareno, Desali e Renan Teles.

Até março de 2023.

 

 

Exposição e interferências espaciais

 

Uma exposição coletiva com 23 artistas e cerca de 70 obras, “Ópera Citoplasmática”, ocupa até novembro o espaço do Olho, no Museu Oscar Niemeyer (MON), Centro Cívico, Curitiba, PR. A curadoria é de Diego Mauro e Luana Fortes e a curadoria adjunta e concepção é de João GG.

“Ópera Citoplasmática” propõe um diálogo com o próprio espaço expositivo do Olho, fazendo com que a sua especificidade arquitetônica participe do projeto. A luminosidade controlada do local possibilita um desenho expográfico e uma ambientação experimental, incorporando a curvatura do teto e o vidro escuro das janelas imensas como elementos importantes.

A seleção dos artistas considerou a multiplicidade de linguagens, que inclui desde as mais tradicionais pintura e escultura, passando por instalações, vídeos, projeções de texto, intervenções sonoras feitas especialmente para a exposição e interferências espaciais.

Os participantes são Boto, Darks Miranda, Fernanda Galvão, Gabriel Pessoto, Giulia Puntel, Hugo Mendes, Iagor Peres, Ilê Sartuzi, Janaína Wagner, João GG, Juan Parada, Juliana Cerqueira Leite, Luiz Roque, Mariana Manhães, Marina Weffort, Maya Weishof, Miguel Bakun, Motta & Lima, Paola Ribeiro, Rafael RG, Renato Pera, Rodrigo Evangelista e Wisrah Villefort.

 

Relatos, Retalhos e profecias

05/out

 

A multiartista Clara Pechansky exibe sua mais recente série de trabalhos que obedece a titulação geral de “Relatos, Retalhos e profecia”, depoimento visual memorialístico até 29 de outubro na Galeria Gravura, Porto Alegre, RS. O evento de abertura, na verdade, traz  duas exposições. A Sala Branca da galeria receberá a colorida exposição “Relatos, retalhos e profecias”, com 19 desenhos inéditos com temas judaicos.  A Sala Negra vai expor a edição 43 – MINIARTE MAGIA – do tradicional projeto criado e coordenado por Clara Pechansky. Desta vez, trazendo 192 artistas de 12 países: Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, Equador, Estados Unidos, índia, Irã, México e Portugal.

Um novo olhar sobre a tradição

por Cíntia Moscovich

Nesta que é sua primeira exposição com temática judaica, Clarita relembra as origens de sua família materna e paterna. Em 19 desenhos nos quais a música se faz presente, em que predominam a expressividade dos traços, a exuberância da cor e a graça das colagens, Clarita festeja suas origens e o fato de pertencer a uma das 10 gerações de descendentes abençoados pelo rabi Levi Itzhak – ela pertence à sexta geração. Com suavidade, com cor, com brilho, mas também com amor pelas lembranças e com fé na bênção recebida: aqui está Relatos, Retalhos e Profecias e nossa Clara Pechansky em sua melhor forma a nos abençoar com vida e com beleza.

A palavra da artista

Uma forma bem humorada de traduzir o judaismo

Das lojas do meu pai e do meu avô, ficou a lembrança do papel de embrulho onde eu desenhava. Dos retalhos de seda e de brocado, e dos botões que me fascinavam, recolhi a matéria para esta exposição. Cresci ouvindo histórias sobre o Rabino de Berdichev, meu antepassado. Os relatos se mesclam com a cantoria da noite de Pessach, com o Profeta Elias para quem eu abria a porta da casa, com o Rei David e sua música, com minhas próprias fantasias infantis, com as fábulas da Bíblia e com as lendas da família. O resultado é uma exposição em que retalhos e relatos se aproximam de profecias, num tempo que não existe, mas que perdura dentro de mim. Minhas raízes se situam na região da cidade histórica de Berdichev, no norte da Ucrânia. Lá viveu e compôs canções o Rabino Levi Itzhak (1740 – 1809), que era uma espécie de santo, e que benzeu as 10 gerações posteriores a ele. Pertenço à 6ª geração bendita pelo Rabino de Berdichev, e portanto minhas próximas gerações também estão abençoadas. Da Ucrânia imigraram meus avós paternos e maternos, meu pai e minha mâe. Ao produzir esta exposição, movida pela situação que a Ucrânia está vivendo, senti necessidade de localizar a cidade de Korets, onde nasceu em 1840 e viveu até 1934 meu ancestral Jukah Scaletzky, bem como as cidades de Lipovets, Novokontantinov e Voronovitza. Todas estes pequenos povoados (shtetls) de onde a família é originária orbitam a província de Zhitomyr, na região de Kiev. Os amuletos contra o mau olhado, como a hamsa, o olho grego, a estrela de David, estão presentes na maioria das obras, mas a ambientação é brasileira, com nossa floresta e nossas cidades, numa maneira muito pessoal de representar as tradições judaicas. Para criar estes desenhos, usei nanquim, lápis de cor, pastel, tecido e tinta acrílica, em técnicas combinadas de pintura, desenho a traço e colagem. É uma exposição que evoca o passado mas que prevê o futuro, como fazia o Rabino. Uma forma bem humorada de festejar a vida, as mulheres e a tradição.

Sobre a artista

Clara Pechansky nasceu em Pelotas, RS, 1936. Vive e trabalha em Porto Alegre, RS. Diplomou-se Bacharel em Pintura aos 19 anos, com Medalha de Ouro, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL, 1956). Começou sua carreira profissional em Porto Alegre em 1957, trabalhando para jornais e agências de publicidade. Produziu mais de 100 capas de livros e ilustrações para diversos fins. Licenciada em Desenho e História da Arte, e especializada em Educação Audiovisual pela UFRGS, criou o Atelier Clara Pechansky em 2001, onde orienta grupos de Desenho e Pintura. Trabalha em diferentes técnicas, como desenho, gravura em metal, litografia e pintura. Realizou 75 exposições individuais em galerias e museus da Alemanha, Brasil, Bélgica, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, Holanda, México e Portugal. Selecionada e convidada para mais de 200 exposições coletivas, premiada e homenageada em muitos países, atua também como gestora social e cultural no Brasil e América Latina. Criou em 2003 o Projeto Miniarte Internacional, que depois de 45 edições já percorreu 5 continentes. Em 2018, criou o Projeto Fiesta de Paz Brasil, que está em sua 5ª edição. Homenageada em 2022 pela Gravura Galeria de Arte com a Sala Clara Pechansky.

Sobre Cintia Moscovich

Cintia Moscovich é escritora, jornalista e mestre em Teoria Literária, com especialização na área de oficinas de criação literária. Autora de oito livros individuais, tem publicações nos Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Espanha, Portugal, Itália, França, Argentina e Uruguai. Recebeu os prêmios Açorianos (Secretaria Municipal da Cultura), Jabuti (Câmara Brasileira do Livro), Portugal Telecom e Clarice Lispector, da Fundação Biblioteca Nacional. Foi patrona da 62ª Feira do Livro de Porto Alegre. Escreve uma coluna semanal no jornal Zero Hora em Porto Alegre, cidade onde vive.

 

 

Modernas no Instituto Goethe Porto Alegre

28/set

 

O jornalista Airton Tomazoni é o coordenador de “Modernas eram elas – A dança na Porto Alegre da primeira metade do século XX”, em exposição na Galeria do Goethe-Institut Porto Alegre, RS.

 

A exposição está concentrada nas figuras pioneiras de Lya Bastian Meyer (dançou em Berlim em 1938), Tony Seithz Pethzold e Salma Chemale. Essas mulheres ajudaram a fundar a Associação Gaúcha de Dança (ASGADAN), em 1969; criaram e administraram escolas, grupos e companhias; encenaram centenas de obras e formaram gerações de artistas que marcaram a cena local como Morgada Cunha, Lenita Ruschel Pereira, João Luis Rolla, Tais Virmond, e também nomes de projeção nacional e internacional como Beatriz Consuelo, Rony Leal, Antonio Carlos Cardoso, Eleonora Oliosi, Jane Blauth, Carlos Moraes e Emilio Martins.

 

Sobre o coordenador

 

Airton Tomazzoni é coreógrafo, jornalista e diretor do Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre. Doutor em Educação pela UFRGS.

 

Equipe e Ficha Técnica:

 

Proposta e coordenação geral: Airton Tomazzoni; pesquisa, curadoria e textos: Airton Tomazzoni e Clarice Alves; edição e tratamento de imagens: Clarice Alves, Duda Mosseline e Grace Fernandes; cenografia e direção de arte: Rodrigo Shalako; assessoria de Comunicação: Ilza do Canto; design gráfico: Refazenda Comunicação; captação de imagens e edição dos vídeos: Fernando Muniz; montagem: Shalako Produções; iluminação: Daniel Fetter; realização: Centro de Dança da SMCEC; com apoios de Goethe-Institut Porto Alegre, Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, Centro de Memória do Esporte (CEME).

 

Até 29 de outubro.

 

 

Grande exposição no Recife

21/set

 

Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra “Necrobrasiliana” chegou em Recife, PE, e permanecerá em exibição até 29 de janeiro de 2023 na Galeria Vicente do Rego Monteiro, da Fundação Joaquim Nabuco. A nominata de artistas participantes é composta por Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Thiago Martins de Melo, Tiago Sant’Anna, Yhuri Cruz e Zózimo Bulbul. Para o curador, a exposição é um desdobramento das pesquisas que desenvolve desde 2008, sob a relação entre arte e política, partucularmente o Brasil contemporâneo e essas investigações resultaram em alguns projetos de exposição, que permitiram a ele se “aproximar da produção de vários artistas que lidam com as violências que formaram e ainda constituem” o Brasil. “Comecei a perceber a recorrência de trabalhos de artistas, principalmente afrodescendentes e indígenas, mas não apenas, que estavam fazendo, em suas obras, embates críticos com essas imagens que supostamente retratavam o Brasil entre os séculos 16 e 19. A partir daí, comecei a pesquisar mais ativamente esta produção”.

 

Moacir dos Anjos ainda revela que a mostra foi concebida em 2019, pela Fundaj. No ano seguinte, a Fundação e o Museu Paraense (MUPA) fizeram um acordo de cooperação técnica e cultural, que teve como primeiro fruto a exposição “Educação pela Pedra”, realizada em 2021, no museu paranaense. Por causa das agendas das instituições, ambas decidiram que “Necrobrasiliana” seria primeiro exibida em Curitiba e, depois, no Recife.

 

Com os anos de pandemia e o agravamento da crise política que o Brasil atravessa, a exposição se tornou ainda mais relevante, de acordo com o curador. “As questões que ela apresenta, e o racismo, em particular, tornaram-se mais urgentes. A coincidência com as comemorações dos 200 anos da Independência também deram maior pertinência, pois muitas das obras se referem, de modo crítico, a imagens feitas naquele tempo, que ainda hoje informam a memória que temos do Brasil dos tempos de colônia e império”, avalia.

 

O título da mostra é uma alusão ao conceito de necropolítica – políticas de morte, para o controle das populações -, elaborado pelo filósofo, teórico político, historiador e professor universitário camaronês Achille Mbembe. E se refere, também, à brasiliana, nome dado à produção de viajantes europeus ao País, durante o período colonial, por artistas, escritores, cartógrafos e cientistas, como Albert Eckout, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas e Nicolas-Antoine Taunay.

 

“É também o título de um trabalho de Thiago Martins de Melo, que conheci numa exposição do artista em São Paulo, no início de 2019. Duas pinturas dessa exposição estão presentes em Necrobrasiliana, mas não aquela de título idêntico”, diz.

 

Moacir dos Anjos argumenta que os trabalhos expostos revelam duas estratégias artísticas principais, em curso, que se debruçam sobre a reavaliação da representação colonial no Brasil. Por um lado, diz ele, há obras que focam na exposição de danos impostos às populações racializadas, ao longo da história do País, a exemplo das criações de Thiago Martins de Melo, Jaime Lauriano ou Rosana Paulino. Outros, apontam para uma “dimensão de cura e redesenho” do que poderia ser o Brasil no futuro, a saber, os trabalhos de Gê Viana, Ana Lira e Yhuri Cruz e Dalton Paula. “Em alguns, essas duas operações se embaralham um pouco. Como está no título do ensaio publicado no catálogo, são estratégias artísticas que querem ‘defender os mortos e animar os vivos’, pondera. “Ou seja, defender os mortos de suas dores, mas, também, simultaneamente, animar os vivos a fazerem valer, no tempo de agora, os desejos frustrados ou sufocados de tantos no passado. Insistir nessa relação de ‘intimidade’ entre a experiência dos que vivem agora com as vidas dos que há muito morreram me parece, de fato, fundamental.”

 

Duas exibições de Rodrigo Andrade

 

 

Além de um recorte de sua trajetória, as primeiras exposições de Rodrigo Andrade no Rio Grande do Sul – até 09 de abril de 2023 e também sob a curadoria de Taisa Palhares, “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” – em cartaz até  04 de dezembro de 2022 – na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresenta versões em óleo sobre tela de obras de Iberê Camargo.

 

Antes da inauguração de sua mostra o artista participou como convidado do Instituto Ling para um bate-papo com a curadora e crítica de arte Taisa Palhares. Durante o encontro, Andrade, considerado um dos mais importantes nomes da arte contemporânea brasileira, abordou temas como a materialidade e o espaço da pintura, as relações entre a autonomia do fazer pictórico e a cultura em geral e antecipou detalhes sobre as duas exposições. No terceiro andar, “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” reúne, pela primeira vez em Porto Alegre, um recorte de 30 trabalhos, que representam uma visão significativa de sua produção em quase 40 anos de trajetória singular.

 

Pintura e Matéria – 3º andar

 

Com curadoria de Taisa Palhares, o percurso de “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” – em cartaz até  04 de dezembro de 2022 – é organizado em três tempos: dos primórdios de seu trabalho, ainda no âmbito do ateliê Casa 7, às grandes telas realizadas a partir de imagens fotográficas que Andrade começa a pintar em 2009, com a série “Matéria Noturna”, apresentada na 29a Bienal Internacional de São Paulo (2010). Uma das salas é dedicada às telas “abstratas”, que são realizadas pela aplicação com máscara de volumes densos de tinta a óleo em formas geométricas simples sobre a superfície da tela, em geral branca e sempre em pares. O intuito é evidenciar o movimento espiral que baliza a sua produção. Por isso, não se trata de dividir a sua trajetória em fases ou estilos fixos, mas compreendê-la como a retomada, sempre por novos ângulos, de problemas centrais para o fazer artístico em seu embate com o mundo contemporâneo.

 

“Rodrigo Andrade se interessa em explorar, mediante trabalhos de aparências díspares, as relações profícuas, e nem sempre apaziguadas, entre matéria e expressão, gestualidade e repetição, colocando em questão o caráter de ‘pureza’ da arte e a sua inevitável contaminação pelo entorno, seja por meio da cultura de massas, seja pela criação de uma linguagem que se apropria do cinema, da fotografia, do graffiti e da história em quadrinhos. Ele mantém, desde sempre, um diálogo profícuo com os gêneros da história da pintura, por meio da reflexão sobre a construção da paisagem, de cenas urbanas e de interiores que nos remetem a temas clássicos da arte. Por fim, o que se percebe em suas últimas pinturas, feitas a partir de fotografias (autorais ou não), é o questionamento da verossimilhança, restabelecendo‑se, agora por outra via, o jogo entre a ilusão e a densa massa de tinta. Curiosamente é também por meio da apropriação de imagens que o artista reencontra a História da Arte. Oswaldo Goeldi, Pieter Bruegel, Gustave Courbet, Camille Corot, Claude Lorrain, Nicolas Poussin, John Constable, Johannes Vermeer, Caspar David Friedrich, Claude Monet: reminiscências que ressurgem numa fotografia do Tsunami, de uma estrada para o litoral, fotos de viagens ou registros pessoais de locais familiares. De novo, aquilo que parece banal invade o espaço pictórico, num movimento tensionado com as convenções da pintura. Desta forma, tanto o ordinário quanto a convenção são deslocados. Afinal de contas, é essa região fronteiriça que o trabalho de Rodrigo Andrade quer habitar”, conta Taisa Palhares.

 

Assombrações: um diálogo pictórico com Iberê Camargo – No 4º andar

 

Na Fundação Iberê Camargo, alguns artistas em exposição são convidados a selecionar obras do anfitrião, criando mostras inéditas. Rodrigo Andrade, para surpresa do centro cultural, decidiu produzir versões em óleo sobre tela de doze pinturas de Iberê Camargo, que pertencem ao acervo, para colocá-las lado a lado em “Assombrações”. Segundo o artista, a mostra nasce do desejo de encontrar modos de pintar de Iberê, incorporando-os ao seu repertório pictórico, muito embora ele encontre mais de si do que o pintor gaúcho nesta experiência.

 

“Se Iberê, no fim da vida, já vislumbrava o além diante de si, suas memórias já o assombravam desde antes. (…) A lama do fundo dos riachos, os riachos da infância… Jaguari, lama verde disposta com espátula… A pintura de Iberê vem da lama e à lama torna. Da lama da memória à lama pictórica. Vultos que emergem da tinta revolvida… Quanta lembrança, quanta saudade, quanta tinta! Quanto a mim, não sinto saudade de nada. Não desejo desenterrar memória nenhuma. Pelo contrário, quero me ver livre delas. (…) Esta imersão na obra de Iberê Camargo só fez crescer minha admiração por ela, mas com todo o respeito, alguma subversão ao mestre precisa haver, até para honrar o seu legado subversivo. Iberê não fazia pinturas agradáveis para o paladar do cidadão civilizado. Iberê não fazia concessões ao bom gosto e à elegância e chafurdava na sua pintura como quem busca uma verdade. Apesar de sua adesão à tradição, não era submisso a seus mestres, e se rebelava contra muitos dos dogmas modernistas, como a redução ao plano e a proibição de modelar as formas. A ele invoco uma velha máxima anarquista que diz: “Quem respeita, decai!”, diz o artista.

 

Para “Assombrações”, Rodrigo Andrade escolheu as seguintes obras de Iberê Camargo: Jaguari (1941), Sem título (c.1941), Contraste (1982), Outono no Parque da Redenção I (1988), Figura I (1964), Ciclista (1990), Fantasmagoria IV (1987), Tudo te é falso e inútil II (1992), Autorretrato (1984), Figura (1991), Solidão (1994) e Sem título (1991).

 

Trajetória

 

Nos anos 1990, Rodrigo Andrade passou a realizar pinturas com massas concentradas de cor em formas que sinalizam uma passagem da figuração para a abstração. Essas pinturas, subtituladas “Goeldianas”, remetem aos espaços densos do grande gravurista brasileiro e seus contrastes marcados de luz e opacidade. Também apontam a tendência do artista em trabalhar os limites entre figuração e abstração, o que marcaria sua trajetória até hoje. Um núcleo importante da exposição reúne as telas “abstratas” dos anos 2000, em que Andrade busca a redução da pintura a um certo grau zero: formas geométricas feitas de massas de tinta que são diretamente aplicadas sobre a tela. Esses blocos de cor sobre fundo branco trazem à tona a ideia de composição como um jogo relacional entre as cores e o espaço (da tela e do espectador). Por fim, numa terceira etapa, Andrade restitui a figuração por meio da utilização de imagens fotográficas a partir da série “Matéria Noturna”, realizada para a 29ª Bienal de São Paulo. Prevalece a materialidade assertiva das pinturas anteriores, mas com o intuito de friccionar a noção de representação. São paisagens que remetem também a locais vazios, mas ao mesmo tempo densos de sentido. Como se o artista desejasse transformar a aparência plana e descarnada do mundo das imagens em uma matéria latente de significados prontos a extravasar a tela, como na grande pintura “A Chegada do Tsunami”.

 

A exposição termina com seus quadros mais recentes, nos quais Andrade intensifica as relações entre cor, matéria e imagem, movendo-se com certa fluidez pelos elementos de sua pintura, mas sem deixar de tensionar seus limites.

 

O projeto da Fundação Iberê, assinado pelo arquiteto Álvaro Siza, sugere que as visitas às exposições comecem pelo 4º andar, e sigam pelas rampas até o átrio.

 

13ª Bienal do Mercosul

16/set

 

 

O evento de artes visuais, 13ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS, sob a titulação geral de “Trauma, Sonho e Fuga” tem abertura para o público em geral a partir desta sexta-feira, dia 16.

 

Após dois anos de pandemia, a exposição oferece o reencontro com arte e a oportunidade de refletir sobre momento atual da sociedade. Esta edição reconhece nos traumas – individuais ou coletivos – o maior combustível da arte de todos os tempos e entende os sonhos como um estratagema para a fuga.

 

Uma instalação de Túlio Pinto, chamada “Batimento”, que interfere poéticamente, com faixas alaranjadas, na paisagem, oferece a possibilidade de sonhar dentro do inusitado e o impacto do trabalho. Outra obra que se destaca é a cabeça gigante do artista catalão Jaume Plensa disposta na frente da Fundação Iberê Camargo, uma arte potente que convida a uma reflexão sobre a dimensão do homem e em sua relação com o meio ambiente. As duas obras serviram como o prenúncio da promessa do curador geral Marcello Dantas ao dizer que a Bienal irá oferecer o impacto no imaginário comum, por meio da ativação do onírico, dos sonhos e dos delírios, abrindo portas para o escape de uma condição imposta a todos nós. “Trabalhando na fronteira entre a arte e a tecnologia, o curador-geral desta edição, a mostra acontecerá em cinco plataformas distintas, cada uma objetivando atingir uma combinação de públicos diferentes e conteúdos originais, provocando de forma disruptiva, sensorial e reflexiva”, pontua Dantas.

 

Participam da Bienal 100 artistas de 23 países, destacando-se:

 

Tino Sehgal, britânico radicado em Berlim, reconhecido por suas performances de situações construídas – nomeadas por ele como interpretações. Ele apresenta “This Element”, que ocorrerá em diferentes espaços expositivos da Bienal.

 

De Marina Abramovic –  artista sérvia – será exibida “Seven Deaths”, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Margs, que recria em vídeo cenas de mortes da cantora greco-americana Maria Callas. A trilha sonora é composta por áreas de óperas interpretadas pela cantora lírica, como “La Traviata”.

 

A brasileira Lygia Clark (1920-1988)terá sua obra também no Margs, pela primeira vez, trechos do diário clínico da artista mineira, umas das mais importantes artistas do século 20. Serão exibidos objetos relacionais confeccionados por ela e utilizados nas sessões de arteterapia com seus pacientes.

 

Jaume Plensa, um dos escultores contemporâneos de maior relevância, terá mostra individual na Fundação Iberê Camargo. Além da escultura que recebe o público, poderão ser conferidos 12 trabalhos compostos de diferentes materiais como resina, aço, ferro, vidro e náilon.

 

O mexicano-canadense Rafael Lozano-Hemmer exibirá cinco obras interativas criadas a partir de seus conhecimentos como cientista físico-químico no Farol Santander. Por meio de dispositivos tecnológicos que coletam em tempo real dados biométricos do espectador, como frequência cardíaca e respiração, suas obras são ambientes responsivos.

 

O Instituto Ling recebe “Hypnopedia”, projeto colaborativo do artista mexicano Pedro Reyes. A proposta é apresentar uma enciclopédia de sonhos por meio de filmes feitos a partir de memórias oníricas.

 

A ideia do curador da Bienal

 

Marcello Dantas, curador-geral, frisa que esta edição da Bienal do Mercosul nasceu do desejo profundo de criar uma situação presencial forte entre as pessoas.

 

“A arte como algo que pudesse ser vivido fisicamente, com a participação do público e dos vetores que estão ligados à exposição”.

 

“Como um evento do outro lado do mundo pode afetar meu sonho, minha estratégia de vida, algo que me aconteceu, e eu não sei como falar a respeito”.

 

“As pessoas precisam encontrar um caminho e uma forma de tornar tangível um sentimento a partir de uma sequência de experiências vividas. O impacto disso é algo latente no mundo e como isso aparece nos sonhos, no inconsciente, interessa e é tema desta Bienal”.

 

Afinidades e contrastes em exposição

12/set

 

 

A exposição “Anima e Furor”, Galeria Mamute, Porto Alegre, RS, integrando o roteiro de mostras da 13ª Bienal do Mercosul, no projeto Portas para a Arte, reúne cinco artistas que participam da Bienal – Bruno Borne, Elias Maroso, Karola Braga e o duo Ío (Laura Cattani e Munir Klamt), apresentando obras inéditas. A mostra com a curadoria de Henrique Menezes multiplica as oportunidades de encontro do público com a produção de nomes em ascensão na arte nacional.

 

A palavra do curador

 

Operando na mediação entre a consciência e o mundo, a linguagem intervém como um universo de construção de sentidos e expressão do pensamento. Ao mesmo tempo que a opacidade da língua apresenta-se como um desafio para espelhar de forma cristalina o mundo, essa mesma característica é também a vocação mais fértil dos vocábulos: as palavras permitem a constante expansão de seus sentidos, tanto pela fricção de seus significados quanto pela soma ou repulsa de suas acepções.

 

Encarar a língua como uma entidade viva, talvez, seja uma das abstrações mais fascinantes da cultura: seja pela tradução, pelas migrações e trânsitos, ou puramente pela evolução natural dos signos a partir do seu exercício, há sempre uma intimidade essencial entre os indivíduos e as palavras.

 

Ferreira Gullar – exímio ao lapidar imagens através do vigor e do rigor das palavras – sugere: “Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem”. Conjugar esses três conceitos aparentemente díspares – o Ser, a vertigem e a língua – é uma das possíveis provocação para adentrar Anima e Furor, uma exposição que oscila entre as afinidades e os contrastes evocados por tais termos.

 

Com origem no Latim, a palavra anima remete à imagem de sopro, ar ou brisa, assumindo ao longo do tempo os conceitos de princípio vital ou alma – este último, altamente combalido pelo misticismo e pela religiosidade. Recorrente na poesia, a expressão ganhou novos semblantes através da psicologia analítica de Carl Jung: anima é empregado como um dos componentes da psique ligado ao inconsciente coletivo, uma das estruturas que representam a característica contra-sexual de cada indivíduo. Se anima nos transmite uma aura de placidez, o emprego de furor, por sua vez, evoca estados de grande excitação, frenesi e inspiração. É um impulso incontrolável, igualmente impetuoso e inconsequente: percebemos aqui uma vibração intensa ora apontando à fúria e ora acercando-se da paixão desmedida.

 

A exposição Anima e Furor reúne obras inéditas de Bruno Borne, Elias Maroso, Karola Braga e o duo Ío (Laura Cattani e Munir Klamt), cinco artistas presentes na Bienal do Mercosul de 2022 – não é coincidência que o tema dessa mostra seja Trauma, sonho e fuga, remetendo a fenômenos que se manifestam no inconsciente. Sem buscar limitações ou similitudes entre as obras, o conjunto de trabalhos expande e aprofunda as pesquisas individuais de cada artista, entrelaçando a centralidade do indivíduo a sistemas simbólicos que trazem ecos da mitologia e da ótica, perpassando a percepção sensorial e espacial.

 

Transpor qualquer discurso em gesto artístico assume ritmos e tons imprevisíveis: Jung via o processo da anima como uma das fontes da potência criativa, aliada à sensibilidade e ao inconsciente. Em uma aproximação semântica e sintática, furor é também o sintoma de certos delírios, evocando a agitação violenta dos ânimos – manifestada por palavras, ações ou intenções.

 

Até 29 de outubro

 

Artista multifacetado

 

“Natureza torta – Renato Matos 70 anos” é o evento de abertura da exposição e visitação de 09 de setembro a 23 de outubro, de terça a domingo, das 10h às 20h, no Espaço Cultural Renato Russo – Praça Central, Sala Marco Antônio Guimarães, Brasília, DF.

Consagrado pelas frequentes aparições no Concerto Cabeças, baiano de Salvador,  Renato se mudou para Brasília e ajudou a desbravar a capital federal. Inventou o reggae tipicamente candango, onde mesclava romantismo e urbanismo, compôs a clássica canção Um telefone é muito pouco. Ainda assim, as obras do artista não se limitaram à musical, tendo visitado o cinema, o teatro e as artes visuais.

Desde 1970, o talento do artista brinda a cidade com obras em diversas linguagens. Diante disso, Renato se vê em uma relação de reciprocidade para com Brasília. “A própria Brasília, para mim, é uma grande influência. É um lugar contemporâneo, e eu já vim trabalhando a minha arte em cima do tropicalismo e da arte moderna. Brasília é um grande resultado disso”, afirma o autor. Ele explica que o propósito da exposição passa por aproximar o público das origens locais e da diversidade artística que realiza. “É uma mistura de tendências. Não tenho um perfil, é uma exposição de quase tudo o que eu faço”, complementa.

“Natureza Torta – Renato Matos 70 anos” expressa a identidade cultural dos brasilienses. Com a curadoria e a expografia do arquiteto, artista plástico, escritor e cineasta mineiro Luis Jungmann Girafa, a seleção das obras explora o que há de mais extraordinário em Renato. “Ele tem uma pintura irônica. É um cara ousado, que não tem medo de errar, então é um cara que faz”, comenta o curador. Para ele, cabe a cada pessoa presente interagir com o conteúdo trazido. “A narrativa é poética. As peças falam por si. Vai valer muito a vivência de cada espectador para absorver, da melhor forma possível, o trabalho que o Renato apresenta.”

A partir de um recorte muito significativo, a idealização da data comemorativa foi projetada para imergir o público nos trabalhos que expõem uma cidade de delírios, por meio de sons, palavras, cores e imagens percorridas por diferentes linguagens. Nesse cenário, a versatilidade da mostra também abrange o audiovisual, com a exibição dos filmes “Acaso” (2021), de Luis Jungmann Girafa, e “Ziriguidum Brasília – A arte e o sonho de Renato Matos” (2014), de André Luiz Oliveira, além do lançamento do catálogo e da videoarte “Ruidismos limítrofes”, com produção musical homônima.

Natureza torta – Renato Matos 70 anos

Os filmes serão exibidos toda quinta-feira, às 19h, entre 15 de setembro e 20 de outubro. O lançamento do catálogo ocorre em 25 de setembro, às 16h.

O espaço contará com monitores habilitados em Libras para guiar os visitantes que precisarem de auxílio. O projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).

Até 23 de outubro.

 

 

Harmonia nas obras de Patricio Farías

31/ago

 

 

A exposião “Reticulados & Mitológicos” abrange duas vertentes da produção recente do artista Patricio Farías envolve gravuras digitais, desenhos e esculturas. A mostra – em cartaz até 01 de outubro – é uma realização da Ocre Galeria, Centro Histórico, Porto Alegre, RS. A exibição conta com o apoio da Fundação Vera Chaves Barcellos, e o texto de apresentação é de Adolfo Montejo Navas.

 

Artista chileno radicado há quase 40 anos no Brasil, Patricio Farías possui uma ampla produção escultórica, além de sua atuação como desenhista, gravador e com experimentações multimídia. Na série “Reticulados” (2020/2022), estão reunidas composições minimalistas com herança cinética incluída, que respondem a uma geometria icônica – mais onírica e sonhadora como pedia o neoconcretismo brasileiro. Já a série “Mitológicos” (2021/2022) traz figuras antropomórficas e animais imaginários mitológicos, com inspiração em formas pré-colombianas que ressaltam a simplificação do essencial.

 

“Há uma compressão visual em ambos trabalhos apresentados, aumentando sua compreensão energética e semântica, seu “minimal” expressivo atinge ao máximo compartido: austeridade, síntese, manufatura em peças que exalam simetria, harmonia, ritmo, com sua chave de humor própria, para abrir a fechadura das imagens. Aliás, no caso do artista chileno, rigor e humor nunca são instâncias antípodas e sim combinatórias.” (Trecho do texto de Adolfo Montejo Navas, em agosto de 2022).