Pequeno Notável

16/nov

 

 

 

Miman, Minimuseu de Arte Naïf de Paraty, abre as portas no coração do Centro Histórico de Paraty, RJ.

 

Uma joia localizada no Caminho do Ouro, o Mini Museu de Arte Naïf de Paraty, que foi idealizado pelo artista naïf André Cunha, nasce com a proposta de enriquecer ainda mais a cidade detentora do título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO. O Miman se instala no mezanino da galeria da qual André Cunha é fundador, juntamente com seu sócio, Pedro Cruz Lima. A partir do dia 20 de novembro, o museu abrigará um acervo permanente formado por obras de menores formatos de 122 artistas naïfs das cinco regiões do país, entre nomes consagrados e recém-chegados, provenientes de coleções particulares e de doações. Todas as telas passaram pela análise e filtro da equipe de curadores experientes no assunto: Jacqueline Finkelstein, museóloga e diretora do MIAN (Museu Internacional de Arte Naif do Brasil, RJ); Augusto Luitgards, doutor em Linguística Aplicada e especialista em História da Arte e Pedro Cruz Lima, publicitário que também participa da curadoria.

 

Vocação para ser uma ponte entre artistas naïfs de todo o Brasil

 

Recebendo os visitantes, um vibrante painel da arte naïf brasileira reúne nomes de longa estrada apresentados lado ao lado com novos talentos, reforçando a vocação de ser um espaço democrático, com a proposta de organizar mostras temáticas e temporárias abertas para artistas de todo o Brasil.

 

“Pretendemos estabelecer contato direto de visitantes nacionais e estrangeiros com uma extensa gama de artistas naïfs brasileiros, estreitando os laços entre público e artistas”, afirma André Cunha, que pretende realizar projetos de formação de novos artistas locais, estabelecendo forte vínculo com a comunidade.

 

O Mini Museu Naïf será aberto gratuitamente ao público e às escolas da região e projetos de educação e arte estão sendo conversados com as Secretarias de Educação e de Cultura de Paraty.

“A ideia é le

 

Miman, Minimuseu de Arte Naïf de Paraty, abre as portas no coração do Centro Histórico de Paraty, RJ.

 

Uma joia localizada no Caminho do Ouro, o Mini Museu de Arte Naïf de Paraty, que foi idealizado pelo artista naïf André Cunha, nasce com a proposta de enriquecer ainda mais a cidade detentora do título de Patrimônio da Humanidade da UNESCO. O Miman se instala no mezanino da galeria da qual André Cunha é fundador, juntamente com seu sócio, Pedro Cruz Lima. A partir do dia 20 de novembro, o museu abrigará um acervo permanente formado por obras de menores formatos de 122 artistas naïfs das cinco regiões do país, entre nomes consagrados e recém-chegados, provenientes de coleções particulares e de doações. Todas as telas passaram pela análise e filtro da equipe de curadores experientes no assunto: Jacqueline Finkelstein, museóloga e diretora do MIAN (Museu Internacional de Arte Naif do Brasil, RJ); Augusto Luitgards, doutor em Linguística Aplicada e especialista em História da Arte e Pedro Cruz Lima, publicitário que também participa da curadoria.

 

Vocação para ser uma ponte entre artistas naïfs de todo o Brasil

 

Recebendo os visitantes, um vibrante painel da arte naïf brasileira reúne nomes de longa estrada apresentados lado ao lado com novos talentos, reforçando a vocação de ser um espaço democrático, com a proposta de organizar mostras temáticas e temporárias abertas para artistas de todo o Brasil.

 

“Pretendemos estabelecer contato direto de visitantes nacionais e estrangeiros com uma extensa gama de artistas naïfs brasileiros, estreitando os laços entre público e artistas”, afirma André Cunha, que pretende realizar projetos de formação de novos artistas locais, estabelecendo forte vínculo com a comunidade.

 

O Mini Museu Naïf será aberto gratuitamente ao público e às escolas da região e projetos de educação e arte estão sendo conversados com as Secretarias de Educação e de Cultura de Paraty.

“A ideia é levar a arte naïf para outros locais da cidade, entrando para o calendário de eventos de Paraty”, conclui Pedro Cruz Lima.

 

Com a palavra, os curadores

 

“Este espaço dedicado à arte naïf brasileira é um convite para que o público desfrute o encantamento produzido por talentosos artífices das cores, verdadeiros guardiões da ampla diversidade cultural brasileira. É possível constatar, com emoção, que pequenos formatos podem acolher grandes expressões, com beleza, colorido e lirismo”.

 

var a arte naïf para outros locais da cidade, entrando para o calendário de eventos de Paraty”, conclui Pedro Cruz Lima.

 

Com a palavra, os curadores

 

“Este espaço dedicado à arte naïf brasileira é um convite para que o público desfrute o encantamento produzido por talentosos artífices das cores, verdadeiros guardiões da ampla diversidade cultural brasileira. É possível constatar, com emoção, que pequenos formatos podem acolher grandes expressões, com beleza, colorido e lirismo”.

 

 

Exibição de esculturas de José Resende

08/nov

 

No dia 13 de novembro, às 14h, a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, abrirá sua nona e última exposição de 2021, “Na membrana do mundo”. Com curadoria de Luisa Duarte, Porto Alegre recebe, pela primeira vez, um conjunto significativo de obras – produzidas entre 1974 e 2018 – que marca a trajetória de José Resende.

Em mais de 50 anos dedicados às artes plásticas, uma das principais características de Resende é a apropriação de materiais comuns e ressignificação em instalações com uma forte densidade poética e grande potência visual. Ao todo, serão apresentadas 18 esculturas de grandes dimensões misturando diversos materiais, como parafina, feltro, aço, ferro, chumbo, latão, cobre, madeira, pedra, borracha, que têm ao mesmo tempo o desafio de fazer um trabalho com humor, tensão, oposições de sentido e movimento latente.

 

Até 06 de março de 2022.

Lucas Arruda e Iberê Camargo

04/nov

 

O lugar da pintura de Lucas Arruda e Iberê. Curadora apresenta as relações entre as mostras “Lugar sem lugar” e “Tudo te é falso e inútil”, duas exposições na Fundação lberê Camargo.

 

Pode-se dizer, grosso mo­do, que o artista paulista Lucas Arruda vem há dez anos depurando de maneira quase ritualística um mesmo tema: a paisagem como construção do olhar. É o que se pode verificar na exposição “Lucas Arruda: lugar sem lugar”, em cartaz na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. (*)

 

As pinturas de Arruda nos permitem ver, ao mesmo tempo, um pouco além da abstração e antes da figuração. Construídas a partir de camadas de tinta sobrepostas, escovadas, arranhadas, esfregadas, são obras que invocam o gênero paisagem usando por vezes tão somente a sugestão de uma linha de horizonte. E ela, afinal, que constitui recurso fundamental dessa tradição pictórica, uma espécie de menor denominador comum da composição paisagística, já que, como espectadores, tendemos a atribuir sentido a qualquer marquinha num espaço aberto, a imediatamente interpretar uma linha horizontal como um horizonte, a enxergar nuvens nas mudanças de direção de pinceladas, a ver um chão de terra numa camada grossa de impasto.

 

Os trabalhos da série “Deserto-Modelo”, presentes na mostra, sugerem lugares desprovidos de referências geográficas, mas que se edificam na memória e evocam vistas da natureza, marinhas e de matas. Nossa experiência diante dessas pinturas – embora certamente permeada por memórias, associações pessoais, narrativas indiretas e conotações artísticas históricas – nos remete, sobretudo, ao fenômeno sensual e sensorial da pintura.

 

A insistente frontalidade e a paleta contida de Arruda estão presentes nos vários trabalhos reunidos na mostra. A seleção abrange quatorze anos da produção do artista, incluindo desde pinturas do início da carreira àquelas realizadas em 2021, além de obras em outros suportes, como vídeo e instalação de luz. São obras silenciosas, caracterizadas por uma luminosidade insólita e sutil que se revela aos poucos, recompensando a observação prolongada. Entre o devaneio e a tatilidade da aplicação da tinta, evidencia-se a habilidade extraordinária do pintor. A incansável experimentação pictórica de suas pinturas é comovente, em especial quando vistas ao vivo.

 

Paralelamente, é apresentada a mostra “Iberê Camargo: tudo te é falso e inútil”, uma seleção de obras do artista gaúcho, concebida juntamente com Arruda, pertencentes ao acervo da Fundação Iberê. Oferece-se aqui uma experiência imersiva nas últimas criações de Iberê, a partir das cinco célebres pinturas da série “Tudo te é falso e inútil”, reunidas pela primeira vez na Fundação. Pretende-se dessa forma explorar momentos de intersecção e diálogo entre os trabalhos de Arruda e Iberê, sugerindo pontos de acesso ao entendimento de questões compartilhadas por ambos.

 

“Tudo te é falso e inútil” parece ser para onde converge – e de certa forma submerge – toda a trajetória artística de Iberê Camargo. Elementos constitutivos do léxico singular do pintor – carretéis, manequins, caixas d’água, bicicletas – compartilham com figuras débeis e pesadas, quase andrógenas, o lugar elusivo e movediço demarcado pelas pinturas e desenhos. A seleção – onze pinturas e trinta e cinco desenhos das séries “Ciclistas” e “Idiotas”, além da série completa e esboços preparatórios para “Tudo te é falso e inútil” – busca explicitar justamente o processo obsessivo desse “retorno das coisas que adormeceram na memória”, como definiu o próprio Iberê, no qual a re-emergência dos mesmos elementos oferece ao espectador uma imersão profunda no imaginário singular do artista.

 

Na obra de Iberê, como na de Arruda, há um contínuo retrabalhar de certas imagens. Ambos, ao invés de se intimidar diante da repetição, a abraçam como recurso de decantação e depuração de ideias que, em última análise, nos levam para além do tema e de volta à pintura.

 

Cumpre dizer que, desde o primeiro encontro de Lucas Arruda com a série “Tudo te é falso e inútil”, há sete anos, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, essas pinturas se tornaram uma forte referência para seu trabalho. O artista conta que voltou repetidas vezes à exposição para observar as pinturas: “O que mais me impressionou foi o perfeito alinhamento entre a execução e o assunto do trabalho. O drama daquelas imagens não reside somente no conteúdo, mas em como Iberê as construiu, no modo como a tinta é posta e raspada, riscada, depositada e removida múltiplas vezes, resultando na fantasmagoria das figuras. A angústia do tema é expressa na própria carne da pintura. Parece existir uma ansiedade no fazer, estreitamente conectada ao assunto, que traz uma potência muito grande para o trabalho. Essa qualidade da pintura do Iberê foi uma das coisas que mais me chamou a atenção”. Em “Tudo te é falso e inútil”, resume Arruda, “Iberê tenta captar esse momento em que as coisas perdem sentido”. No entanto, a despeito da atmosfera distópica, “da evidente falta de otimismo manifesta nas pinturas, é notável a capacidade do trabalho de gerar um consolo à inquietação existencial do ser humano”, conclui.

 

Tanto na série “Tudo te é falso e inútil”, de Iberê, quanto na “Deserto-Modelo”, de Arruda, há uma suspensão de referências de espaço e tempo que torna possível dizer que “o lugar sem lugar” onde opera o primeiro e equivale ao deserto do segundo. Este, nas palavras de Arruda, “não tem data, pode vir antes de tudo ou depois de tudo. Você não sabe se o deserto é um momento de formação ou do fim das coisas. E, ao memo tempo, gênese e apocalipse. E algo que busco nas minhas pinturas, essa atemporalidade”. Palavras que poderiam descrever também o espaço ambíguo criado por lberê.

 

Os dois artistas constroem pinturas compostas de inúmeras superposições de marcas, acidentes e camadas que muitas vezes resultam em superfícies onde se vê quase nada. Como bem articulou o colega de oficio Paulo Pasta, é “o emprego de um esforço monumental para expressar a inutilidade de qualquer esforço”. Uma perfeita analogia tanto da arte quanto da vida.

 

Lilian Tone (*)

 

“Lucas Arruda: Lugar sem lugar – Até 16 de janeiro de 2022.

 

“lberê Camargo: Tudo te é falso e inútil” – Até 13 de fevereiro de 2022.

 

Agendamento: bileto.sympla.com.br

(*) Curadora das mostras ”Lucas Arruda: Lugar sem lugar” e “Iberê Camargo: Tudo te é falso e inútil”. Curadora independente que, até recentemente, integrava o Departamento de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

 

Fontes: Fundação Iberê Camargo-Correio do Povo

Oficina Brennand, 50 anos

26/out

 

Foi em 11 de novembro de 1971 que Francisco Brennand (1927-2019) iniciou a reforma das ruínas da antiga Cerâmica São João, transformando-a em seu ateliê. Ao longo de décadas, aquele foi seu espaço de criação, ao passo em que ocupava os jardins e galpões com instalações de suas obras, ganhando contornos de museu.

A Bergamin & Gomide e o Instituto Brennand convidam para a celebração dos 50 anos da Oficina Brennand e abertura da exposição “Devolver a terra à pedra que era”, com curadoria de Julieta González e Júlia Rebouças, que integra um programa comemorativo do cinquentenário e marca um novo momento institucional.

Devolver a terra à pedra que era
20 de novembro 2021
Reserve esta data e junte-se a nós nessa comemoração.

RSVP até 29 de outubro

Mais informações em 50anos@oficinabrennand.org.br

Mauro Fuke no Instituto Ling

22/out

 

Neiva Bohns assina a curadoria da exposição “O Rio, a Nuvem, o Arquipélago e a Árvore”, exibição individual do escultor Mauro Fuke no Instituto Ling, Porto Alegre, RS.

 

O Rio, a Nuvem, o Arquipélago e a Árvore

 

Mauro Fuke é desses artistas que se deixam encantar pelas qualidades táteis e visuais das matérias – e fazem questão de participar de todo o processo de produção de suas peças, desde o projeto gráfico até a finalização. Escultor nato, embrenhou-se nos raciocínios da arte contemporânea sem dispensar a experiência direta da feitura dos artefatos que têm nome, identidade própria e existência física, como criaturas dotadas de inteligência.

Longas horas são marcadas pela constância dos gestos certeiros. Na companhia da música que lhe chega pelos fones de ouvido, as ideias desenhadas vão tomando forma, sob a aparente calma do ateliê-refúgio, habitado por uma miríade de objetos e de pensamentos.

Nesta exposição, as obras são traduções exclusivas que o artista fez de elementos da natureza. Há um rio de pequenas ondas, que muda o seu curso para desviar de obstáculos. Há uma nuvem composta de peças milimetricamente encaixadas. Há um arquipélago de formas orgânicas, cujas partes parecem ter brotado de profundezas desconhecidas. E há uma árvore-síntese dos impulsos vitais em oposição, com extremidades pontiagudas se desenvolvendo em ambos os polos. Qualquer alteração nesse movimento poderia ser fatal ao organismo metafórico, em que pulsões opostas disputam a dominância.

Numa era em que as experiências tendem a ser transitórias, tudo o que surge do embate entre o artista-demiurgo e a matéria inerte ganha a aura das coisas únicas que merecem existir no mundo. Não há réplicas. Não há simulacros. O que existe é energia produtiva materializada em obras que, além do impacto estético que produzem – sim, estamos precisando valorizar as pequenas delicadezas da vida cotidiana -, nos falam de resiliência, determinação e esperança de tempos melhores.

Curadora: Neiva Bohns

 

Sobre o artista

 

Escultor, principalmente trabalhos com madeira. Formado pelo Instituto de Artes da UFRGS. Participou da exposição “Como Vai Você Geração 80” e dos “Panoramas de Arte no MAM/SP”, sendo premiado no ano de 1988. Realizou diversas exposições pelo Brasil e participou de duas Bienais do Mercosul (1999 e 2005). Executou diversas obras públicas, em locais como a Unicamp (Praça das Bandeiras), a Casa de Cultura Mário Quintana e o Aeroporto Salgado Filho, ambas em Porto Alegre, cidade onde nasceu e trabalha.

Até 30 de novembro.

Rodrigo Andrade na Paulo Darzé Galeria

30/set

 

 

“Variações sobre paisagem” é o título da exposição de pinturas de Rodrigo Andrade, na Paulo Darzé Galeria, Salvador, BA, a partir do dia 07 de outubro, com temporada até o dia 06 de novembro, podendo ser visitada, sem agendamento, no horário de funcionamento da galeria, de segunda à sexta, de 9h às 19h, e aos sábados de 9h às 13h.

 

 

A mostra pode também ser vista virtualmente, acessando o endereço @paulodarzegaleria nas redes sociais Facebook e Instagram, ou o site www.paulodarzegaleria.com.br, onde serão encontradas todas as imagens das obras e o catálogo da exposição.

 

 

Quanto ao dia do lançamento, 07 de outubro, a visitação do público será das 17 às 21 horas, seguindo o protocolo do uso obrigatório de máscara, sem serviço de bebidas alcoólicas, e estará aberta das 17 às 21 horas.

 

 

A exposição “Variações sobre paisagem”, de Rodrigo Andrade, é composta de 33 trabalhos em óleo sobre tela, sobre mdf, ou em óleo sobre cartão, em dimensões variadas, tem como apresentação texto do crítico José Bento Ferreira:

 

 

“O rápido desenvolvimento dos centros urbanos e o impacto dos avanços tecnocientíficos a partir da segunda metade do século dezenove alteraram os posicionamentos dos artistas acerca das relações produtivas e da interação humana com o meio ambiente. Nas primeiras décadas do século 21, enfrentamos uma situação análoga, não apenas pela intensificação da exploração do trabalho e da natureza, mas também devido à acelerada difusão dos meios eletrônicos de comunicação. Ao impor determinados formatos de socialização e monitoramento, os dispositivos digitais reconfiguram a mobilidade, os relacionamentos, a memória e o próprio modo de se estar presente em algum lugar”.

 

 

“As imagens surgiram como presenças que demarcam ausências e que, em determinados lugares, promovem trocas de olhares com os que já não estão. Conforme passamos os dedos pelas telas dos dispositivos eletrônicos, os rostos sem olhar, que aparecem momentaneamente por meio de mensagens e notificações, distraem a atenção para longe de onde estamos para outro lugar. Ao contrário das imagens físicas, que necessariamente estão em algum lugar, as imagens digitalizadas estão em toda e em nenhuma parte, pois habitam, nas nuvens do ciberespaço, um “não-lugar”, conforme os antropólogos denominam os locais de passagem, caracterizados pela hipervisibilidade e pela ausência de signos identitários relevantes, como aeroportos e terminais viários, por exemplo. Submetidos a um regime sob o qual somos convocados a responder aos chamados das telas a cada minuto, fomos condenados a nunca estar atentos onde estamos. As paisagens de Rodrigo Andrade exercem um contraponto a essa desterritorialização automatizada. Não apenas convidam, como toda obra de arte, a uma contemplação duradoura e a uma imersão reflexiva, cada vez mais rara na época da avaliação visual instantânea, mas também proporcionam uma experiência de fruição que se configura como acontecimento, uma vez que muda o modo como vemos a própria pintura. Rodrigo Andrade faz da pintura de observação a reafirmação de uma modalidade de presença que a cultura digital agride”.

 

 

Trajetória

 

 

Rodrigo Andrade nasceu em 1962, São Paulo, SP. Vive e trabalha em sua cidade natal. A materialidade da tinta e referências sobre a história da pintura permeia o trabalho de Rodrigo Andrade. Sua gestualidade vibrante manifesta-se, sobretudo na pintura, mas também transita por suportes como desenho, gravura e objetos. Nos anos 1980, o artista integrou o grupo Casa 7 e, sob a influência do neo-expressionismo alemão, sua obra é apresentada em grandes formatos, com pinceladas expressivas e cores fortes. Na década seguinte, alternou trabalhos figurativos e abstratos e, a partir de 1999, passou a criar obras em que espessas massas de tinta a óleo, em formas geométricas, são aplicadas sobre a tela. Ele instalou suas pinturas matéricas de cor e forma em espaços públicos de São Paulo, e em seu contato com esses entornos é que reside sua potência: há uma permeabilidade entre a concentração e a contenção dos elementos presentes nos trabalhos do artista e nos ambientes nos quais foram instalados.

 

 

 

Sobre o artista

 

 

 

Rodrigo Andrade realizou mostras em importantes instituições nacionais e internacionais. Entre as individuais recentes, destacam-se: Pinturas da era do absurdo, Galeria Millan, São Paulo (2020); Diálogo cromático, Galeria Simões de Assis, Curitiba, PR (2019); Pintura e Matéria (1983-2014), Estação Pinacoteca, São Paulo, SP (2017); Pinturas de Estrada, Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, SP (2013); Pinturas: Seleção 99-06, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG (2006); e Paredes da Caixa, Museu da Caixa Cultural, São Paulo, SP (2006). Entre suas participações em exposições coletivas, estão: 1981/2021: Arte Contemporânea Brasileira na Coleção Andrea e José Olympio Pereira, Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, RJ; Já estava assim quando eu cheguei, Galerie Ron Mandos, Amsterdam, Holanda (2020); Oito décadas de abstração informal, Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP e Cependant, la peinture: Rodrigo Andrade, Fabio Miguez, Paulo Monteiro, Sérgio Sister, Galerie Emmanuel Hervé, Paris, França (2018); Troposphere, Beijing Minsheng Art Museum, Pequim, China (2017); Pequenas Pinturas, Auroras, São Paulo, SP (2016); Pivô, São Paulo, SP (2015); Deserto-Modelo “As Above, So Below”, Harold St., Londres, Reino Unido (2015); Iberê Camargo: Século XXI, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS (2014); Lugar Nenhum, Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, RJ (2013); 30 x Bienal, Pavilhão da Bienal, São Paulo, SP (2013); e 29ª Bienal de São Paulo, SP (2010). Em 2008, foi publicado o livro monográfico Rodrigo Andrade, que reúne seus trabalhos desde 1983 (Editora Cosac Naify). Sua obra integra importantes coleções públicas, como do Museu de Arte de Brasília, DF; Instituto Cultural Itaú, São Paulo, SP; Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG; Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP; Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP; Museu de Arte Contemporânea de Niterói, RJ; além de coleções particulares.

 

 

Texto de José Bento Ferreira

 

 

O rápido desenvolvimento dos centros urbanos e o impacto dos avanços tecnocientíficos a partir da segunda metade do século dezenove alteraram os posicionamentos dos artistas acerca das relações produtivas e da interação humana com o meio ambiente. Nas primeiras décadas do século 21, enfrentamos uma situação análoga, não apenas pela intensificação da exploração do trabalho e da natureza, mas também devido à acelerada difusão dos meios eletrônicos de comunicação. Ao impor determinados formatos de socialização e monitoramento, os dispositivos digitais reconfiguram a mobilidade, os relacionamentos, a memória e o próprio modo de se estar presente em algum lugar.

 

 

As imagens surgiram como presenças que demarcam ausências e que, em determinados lugares, promovem trocas de olhares com os que já não estão. Conforme passamos os dedos pelas telas dos dispositivos eletrônicos, os rostos sem olhar, que aparecem momentaneamente por meio de mensagens e notificações, distraem a atenção para longe de onde estamos para outro lugar. Ao contrário das imagens físicas, que necessariamente estão em algum lugar, as imagens digitalizadas estão em toda e em nenhuma parte, pois habitam, nas nuvens do ciberespaço, um “não-lugar”, conforme os antropólogos denominam os locais de passagem, caracterizados pela hipervisibilidade e pela ausência de signos identitários relevantes, como aeroportos e terminais viários, por exemplo. Submetidos a um regime sob o qual somos convocados a responder aos chamados das telas a cada minuto, fomos condenados a nunca estar atentos onde estamos. As paisagens de Rodrigo Andrade exercem um contraponto a essa desterritorialização automatizada. Não apenas convidam, como toda obra de arte, a uma contemplação duradoura e a uma imersão reflexiva, cada vez mais rara na época da avaliação visual instantânea, mas também proporcionam uma experiência de fruição que se configura como acontecimento, uma vez que muda o modo como vemos a própria pintura. Rodrigo Andrade faz da pintura de observação a reafirmação de uma modalidade de presença que a cultura digital agride.

 

Frequente na pintura antiga e oriental, a natureza ressurge como pano de fundo de ações na pintura italiana. Na Legenda de São Francisco (Giotto di Bondone, 1300), a paisagem urbana aparece como lugar da futilidade, onde todos estão fora de si mesmos e a cidade está infestada por demônios. No ermo da paisagem rural, porém, ocorrem gestos milagrosos e encontros com o divino. Na Alegoria do bom e do mau governo (Ambrogio Lorenzetti, 1338), por sua vez, invertem-se os sinais dos enunciados produzidos pelas pinturas sobre a cidade e o campo. Uma cidade bem administrada apresenta atividades econômicas pulsantes. Homens e mulheres circulam livremente para dentro e fora das fronteiras. A paisagem rural estende-se, não como um lugar ermo onde ocorre o milagre, mas como consequência de políticas públicas salutares. Tanto a mobilidade e a vivacidade que caracterizam o bom governo quanto à violência e o medo que predominam no outro lado da Alegoria apenas remotamente se devem a fatores teológicos. Os afrescos do Palácio Público de Siena confrontam os da Basílica de Assis com uma versão secular do contraste entre a cidade e o campo.

 

Tão atento ao elitismo do mundo da arte quanto às referências históricas da pintura, Rodrigo Andrade participou do projeto Ali Leste de ensino de artes em Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, e produziu a exposição Um lugar, lugar nenhum (Galeria Marília Razuk, 2021), com pinturas de paisagens e observações feitas por artistas do centro e da periferia na região onde atua a “escola nômade”. Desde Courbet, Monet, Cézanne e Van Gogh, a atitude de pintar ao livre para captar uma pura sensação visual reafirma a autonomia do artista em relação ao meio de arte e torna a pintura capaz de registrar uma visão pré-reflexiva, inacessível no interior do estúdio, onde o desenho dos objetos representados tende a ser enquadrado por categorias, ao passo que, no calor da hora, sob a intempérie e com uma paleta restrita, o contato direto com a natureza produz uma experiência intuitiva do espaço. A própria pintura abstrata, da qual Rodrigo Andrade também é contumaz praticante, é devedora da revolução impressionista, uma vez que as relações entre formas e campos de cor também resultam da dimensão pré-reflexiva desbravada pela pintura ao ar livre.

 

 

Os lugares visitados por Rodrigo Andrade e seu grupo para a retomada dessa prática artística moderna estão entre a cidade e o campo. Centros urbanos modernos possuem “zonas de vazio”, conforme os antropólogos denominam certos correlatos dos “não-lugares”, áreas ermas incrustadas na cidade. No Brasil, a urbanização ao mesmo tempo precária e acelerada provocou um descompasso entre a estruturação do tecido urbano e o afluxo de imigrantes, de modo que apenas para perfis socioeconômicos privilegiados é possível atribuir a condição de sociedade propriamente urbanizada. Em São Paulo, populações inteiras não deixam as regiões periféricas onde residem senão a trabalho e somente participam da urbanização exercendo funções subalternas.

 

 

Rodrigo Andrade encontrou no mato e na quebrada da zona leste paulistana as paisagens que faziam sentido para o seu trabalho. As especificidades desses lugares e a colaboração com o artista urbano Link Museu impactam sua pintura. O artista já havia se deixado levar pelas pinceladas de um outro ao produzir versões para as pinturas de Ranchinho, o “Van Gogh de Assis”, em 2012. A troca com Link Museu, porém, é diversa, pois se trata de caminhar juntos e não seguir os passos de alguém. Em incursões para a pintura de observação ao ar livre, parcerias em galerias e ateliê, a dupla reata o apuro técnico à capacidade de encontrar valores pictóricos no tecido urbano.

 

 

Essa “partilha do sensível” entre o artista culto e o artista urbano transparece nas paisagens de Rodrigo Andrade que descobrem a riqueza visual das zonas vazias paulistanas e a vitalidade de regiões aparentemente áridas do cerrado brasileiro, confundindo os valores estabelecidos pelas referências de Giotto e Ambrogio. Não há encontros com o divino, mas uma tonalidade ígnea em contraste com a obscuridade dominante. Em monturos, poças e córregos, a pintura descobre uma consistência de magma que arde e pulsa em meio ao verde turvo e noturno do matagal em Terreno baldio e Terreno baldio II. Nestas pinturas é possível observar o uso de compactas massas de tinta que marca a obra de Rodrigo Andrade, utilizadas com apuro e parcimônia, formando figuras semelhantes a arabescos e ornamentos em contraste com as formas regulares das janelas com luzes acesas que salpicam a escuridão da região desprovida de iluminação pública. Uma área abandonada e negligenciada pelo poder público foi transformada em “horta urbana” por Link Museu e seus companheiros. O lugar tornou-se um ponto de encontro e convivência improvisado. A Vista da horta urbana de Rodrigo Andrade explora a irregularidade do terreno, caracteriza um mundo sem planos, linhas,  nem retas. A presença difusa de torres de eletricidade e fiação elétrica põe-se em contraste com o verde vivo da folhagem, como se o progresso tecnológico apenas passasse por esse espaço a serviço de outras paragens, secando as árvores por onde passa.

 

 

Ainda assim, apesar dessa recusa do desenvolvimento urbano como algo distante da comunidade, os lugares mostrados nas paisagens de Rodrigo Andrade resultam do trabalho humano, seja a horta, os blocos de construção, ruínas ou as vistas da quebrada. O mundo humano está sempre por se fazer, por toda parte há “espaço em obra”. A irregularidade e a profusão de formas da natureza observadas em Desfiladeiro, Paredão rochoso, Despenhadeiro, Arbusto com paisagem rochosa, Rochedo e Cavernas contaminam as paisagens urbanas com uma titanomaquia entre o mineral e o vegetal encenada por pinceladas eletrizantes e as massas volumosas de tinta que, por sua vez, insinuam na pintura um flerte com a antiga linguagem do relevo. As massas constituem uma verticalidade hierática que se inclina sobre o espectador. O aparente desmoronamento dessas massas em As ondas verdes do mar sinaliza a fragilidade humana em face da resistência das coisas. No título da pintura ressoa o canto épico das Canções praieiras (Dorival Caymmi, 1954) sobre a trágica e “doce” morte que assola uma comunidade de pescadores. O que demarca as paisagens de Rodrigo Andrade não é o trabalho alienado que se configura na sociedade industrial e que a revolução digital conduz ao ápice da alienação sob o manto da autonomia. Uma solidariedade tácita reúne as vistas observadas pelos ocupantes pré-históricos da Serra da Capivara, cujas pinturas Rodrigo Andrade não apenas visitou, mas estuda com afinco, aos artistas modernos que recusam o progresso tecnológico em proveito da “segunda técnica” de práticas artísticas que favorecem vínculos comunitários e reconstituem a nossa atenção ao lugar onde estamos, como, por exemplo, a pintura de observação.

 

 

Nas duas Cavernas, áreas planas e escuras aparecem rodeadas pelas formas rochosas, barrentas, aquosas, ígneas e aéreas que compõem, com galhos retorcidos e gramíneos, um vocabulário pictórico constituído por Rodrigo Andrade em seu contato vivo com a paisagem semiárida. Nas pinturas de zonas vazias, a relação se inverte. Carros estacionados sobre aclives, moradias precárias, a cintilação das luzes domésticas e a própria constituição do espaço como mundo da vida possuem a dignidade do trabalho coletivo e da comunidade que se forma, vive e, apesar de ter sido marginalizada pelo sistema econômico, sustenta-se em meio à obscuridade que permeia. Se a experiência de expressão pictórica proporciona ao artista uma visão privilegiada, intuitiva ou pré-reflexiva, nas pinturas de Rodrigo Andrade esta visão não se transmite sem a consciência da “responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam”, conforme a formulação do Ensaio sobre a cegueira (José Saramago, 1995). Cara à pintura italiana do trezentos e à pintura holandesa do quinhentos, a figura do anacoreta, emulada por Rodrigo Andrade no estudo O ermitão, traduz o sentimento de responsabilidade que impele o artista à partilha do sensível. O anacoreta que se retira para o ermo não vive necessariamente sozinho, mas funda uma comunidade que se quer à parte do Império. Nas pinturas de observação que revisitam o gênero da paisagem, Rodrigo Andrade propõe exercícios de “ascese desespiritualizada” para uma forma de vida resistente ao enquadramento narcísico que nos distrai do espaço ao redor e fecha nossa atenção, assim como o “mal branco” prefigurado pelo escritor português.

 

 

Quacors e Prismas 2021

28/set

 

 

 

O escultor Ascânio MMM realiza a exposição individual,  “Quacors e Prismas 20121”, até 27 de Novembro na Galeria Simões de Assis, Curitiba, PR .

 

 

Ascânio MMM – Como nos fazer sentir em casa no mundo

 

Vivemos em uma época em que nos distanciamos da realidade sensível, na medida em que habitamos, a maior parte do tempo, zonas digitais cujas telas, sempre lisas e limpas, simulam uma temporalidade não humana para a qual as marcas do tempo, as imperfeições, nunca chegam. Essa época marcada pela virtualidade, pela diluição da dimensão corpórea da relação com o mundo, é ainda aquela na qual prevalece o elogio do pragmatismo, da eficácia. A cada atitude, a cada gesto, a cada fala, somos chamados a calcular o resultado que irá se retirar dali. Gratuidade e inutilidade são palavras desvalorizadas na gramática vencedora da atualidade. Ao longo deste texto esperamos mostrar como os trabalhos de Ascânio MMM, reunidos em sua exposição “Quacors e Prismas”, na Simões de Assis, estão na contramão de tais imperativos que marcam o nosso tempo.

 

Antes de nos aproximarmos das obras hoje reunidas, cabe recordar brevemente o contexto que permeava o começo da trajetória do artista, pois esse princípio parece até hoje ecoar em sua poética. Nascido no vilarejo de Fão, em Portugal, em 1941, Ascânio chega ao Brasil em 1959, onde passa a morar no Rio de Janeiro. No começo daquela década ocorreu a primeira edição da Bienal de São Paulo, em 1951. Sediada no pavilhão do Trianon (onde posteriormente seria construído o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), a exposição teve como um dos seus protagonistas o suíço Max Bill (1908-1994), cuja escultura “Unidade tripartida” (1948/1949) foi decisiva para os rumos de certa produção local. O Brasil veria o seu meio artístico acolher muitas das lições do construtivismo geométrico sintetizadas na produção do artista suíço. Ou seja, passava-se a ter como modelo uma manifestação que espelhava um ideal racionalista fundador da modernidade europeia.

 

 

No fim daquela mesma década, no ano da chegada de Ascânio ao Brasil, veríamos nascer uma inflexão do projeto construtivo por intermédio do movimento neoconcreto. Com a participação de nomes como Franz Weissmann, Lygia Clark e Lygia Pape, o neoconcretismo criaria um atrito entre a assepsia ideal característica da abstração geométrica e o registro pulsante daquilo que é vivo, pois parte do corpo, da natureza, da rua, do cotidiano. Assim, Ascânio chega a um Brasil que respirava o ar do construtivismo, ao mesmo tempo em que começava a tencioná-lo por meio das investidas dos artistas locais da sua geração. Era ainda este o momento da etapa final da construção de Brasília, capital assinada por Oscar Niemeyer, que se tornaria um marco da arquitetura moderna mundial.

 

 

Em meados da década de 1960, o artista passa a frequentar o círculo ao redor do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, simultaneamente à sua passagem pela Escola Nacional de Belas Artes. Ascânio graduou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ) em 1969. Concomitantemente ao início da sua pesquisa artística, atua como arquiteto até 1976.

 

Mas o leitor deve estar se perguntando: por que fazer essa introdução (de resto bem conhecida por aqueles que acompanham a sua trajetória) para chegar até à exposição que hoje vemos, “Quacors e Prismas – 2021”? O fazemos por acreditar que em toda a sua obra testemunha-se uma espécie de mescla singular e potente dos elementos que estão presentes nesse princípio. Sua produção vincula-se, de maneira decisiva, a uma “vontade construtiva” que tem origem na abstração geométrica; o seu olhar, forjado pela arquitetura, está marcado em cada um dos seus trabalhos, ao mesmo tempo em que, mesmo sem ter feito parte do movimento neoconcreto, sua obra sempre abriu brechas para as indeterminações provenientes do chamado mundo da vida.

 

 

Uma das séries que compõem a presente exposição é a batizada “Quacors” – um neologismo criado pelo artista que une as palavras quadrado e cor. Estamos diante de híbridos de esculturas e pinturas. Parte da longa pesquisa de Ascânio sobre as possibilidades do alumínio, os “Quacors” surgem como espécies de blocos nos quais uma sucessão de módulos quadrados – ora vazados, ora preenchidos – são articulados por parafusos dotados de certa folga, de tal forma que as composições sejam a um só tempo tesas e fluidas.

 

Note-se que estamos diante de uma simultaneidade na divergência. O artista opera sobre uma grade rígida, mas no interior dela é infiltrada certa maleabilidade, organicidade insuspeitada. O distencionamento do rigor geométrico, a abertura que convoca o outro a se engajar não somente através da retina, mas de corpo inteiro, ficam evidentes, por exemplo, na peça “Quacors 24”. Aqui o trabalho não está preso à parede, mas sim pendurado desde o teto. Tal escolha gera uma espécie de colchão de ar que o separa do fundo, deixando-o flutuar levemente no espaço. Os parafusos que unem as dezenas de módulos ficam frouxos o suficiente para que a peça ganhe um sentido cinético, podendo se movimentar ao menor sopor de ar ao seu redor. Tal movimento, por sua vez, pode produzir um som, adicionando mais uma camada sensorial à experiência.

 

 

Temos, portanto, a chance de vivenciar distintas percepções diante da mesma obra. Dependendo da perspectiva que a olhamos, um novo desenho se forma. Quando nos colocamos frontalmente diante de “Quacors 24”, o trabalho desvela-se como uma composição quadrada de grande dimensão. A vasta área de elementos vazados (que faz da parede e de suas sombras parte da obra) ganha a presença de uma linha vermelha incompleta em seu meio à direita, cujo rebatimento se dá na parte inferior do quadro, com uma linha azul. Na parte inferior esquerda, uma série de quadrados brancos formam um triângulo. Mas essa é somente uma de suas feições possíveis, talvez a mais rígida, acompanhando o olhar frontal. Caso desloquemos o corpo um pouco para o lado, e com isso a nossa mirada passe a ser de soslaio, temos simultaneamente a mesma e outra obra. Agora saltam os amarelos, azuis e vermelhos que habitam a parte interna dos módulos, o que transforma de maneira decisiva a experiência que se tem do trabalho. Note-se que a introdução da cor, pontual, mas aguda, cumpre papel fundamental para essa variedade de perspectivas. Esse engajamento, que faz com que aquilo que vemos também nos olhe, tornando a obra parte de um agenciamento que mobiliza a um só tempo a visão e o corpo, é reflexo de uma poética que ao longo dos últimos cinquenta e cinco anos tece uma união ímpar entre a medida exata que deriva dos números e aquela que advém dos corpos, sendo, portanto, sempre variável, pois parte do mundo da vida.

 

Se a série “Quacors” convoca uma relação corpórea, tal vínculo se intensifica com as esculturas nomeadas “Prismas”, nas quais são sublinhadas as variações entre transparência e opacidade. Comparece também aqui a vocação para a escala pública tão presente na produção do artista. O próprio uso do alumínio veio responder às necessidades postas pela colocação da obra ao ar livre – o material é muito mais resistente do que a madeira às intempéries do tempo. Assim como os “Quacors”, dependendo do ângulo pelo qual olhamos cada um dos “Prismas”, estes ganham ora visualidade mais opaca, ora mais etérea, ora prevalecem os cheios, ora os vazios. Vale notar como os títulos dos trabalhos estão sempre acompanhados de um número, o que os aproxima dos postulados concretos ao indicar a serialidade como dado relevante. Porém, tal sentido de serialidade, de repetição, é quebrado pela multiplicidade de percepções que a obra oferece, assim como pelo seu fazer manual que finda por introduzir um rastro de diferença e singularidade em cada uma das peças.

 

 

Se sublinhamos o registro corpóreo da produção de Ascânio, isso só pode ser plenamente abordado caso nos lembremos do processo que envolve a sua realização. A confluência entre cálculo e contingencialidade que forja toda a sua “poética da razão” é construída no trabalho cotidiano, corpóreo mesmo, que se dá no interior de seu amplo e fértil ateliê. Trabalho este que desfaz as fronteiras tão comuns entre aquele que pensa e aquele que executa. A sua formação em arquitetura, que poderia tê-lo feito separar tais etapas, resultou o contrário. Em depoimento ao curador Paulo Miyada, Ascânio deixa isso evidente: “Na minha obra há uma questão importante. Todos os trabalhos são executados no meu ateliê, o percurso PROJETO / OBJETO é realizado no meu ateliê. Eu projeto e construo a obra, determino o perfil do alumínio, que chega ao ateli em barras de seis metros. O alumínio é um material usado na indústria, especialmente na construção civil. A manipulação do material, a descoberta de novas potencialidades do material – tanto na madeira quanto no alumínio, no cortar, no furar etc. – tem sido muito importante na pesquisa e nas descobertas de novos caminhos. Os Quasos, minha pesquisa de hoje, só foi possível no meu dia a dia no ateliê. Com certeza eu não chegaria a eles sem esse embate diário.”

 

 

Me parece que a passagem acima guarda uma pista decisiva para compreendermos melhor a fina intercessão entre razão técnica e fazer poético que perpassa toda a obra do artista. Para avançarmos nessa compreensão, faço antes uma breve digressão. É conhecida entre os que estudam o campo da fenomenologia a passagem do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) presente em seu ensaio “O Olho e o Espírito”: “A ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las. Fabrica para si modelos internos delas e, operando sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição, só de longe em longe se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolto, esse parti pris de tratar todo ser como “objeto em geral”, isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios.”

 

Ora, leiamos novamente: “manipula as coisas”, “renuncia a habitá-las”, “só de longe se defronta com o mundo atual”, “trata todo o ser como ‘objeto em geral’, isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós”. Tais afirmações descortinam de modo crítico o papel da ciência. De acordo com Merleau-Ponty, a ciência, no seu enfrentamento com o mundo, se coloca de maneira distanciada, instrumental, anulando assim toda sorte de singularidade que povoa a dimensão tangível da vida. A diluição do mundo exterior em estados subjetivos (herança da filosofia cartesiana) legou um mundo para a modernidade em que tudo a que se tem acesso sobre o mesmo se restringe a resultados filtrados por algum tipo de medição. O que está em jogo, neste sentido, nunca seria realidade palpável.

 

 

A passagem de Merleau-Ponty, escrita em 1960, delineia de maneira sintética um ethos no qual se dá o domínio da técnica, ou seja, o domínio de uma maneira de apreender o mundo capaz de eclipsar o seu registro sensível e privilegiar aquilo que é passível de exercer utilidade clara. Não parece exagero afirmar que passado mais de meio século a experiência ao nosso redor se tornou, crescentemente, a de uma época que faz o elogio incessante da eficácia em todas as esferas da vida cotidiana. Em contraposição ao império do pragmatismo, daquilo que pode ser medido em números, a arte seria o território em que ainda estaria preservado o modo de habitar o mundo marcado por alguma dose de inutilidade, de imprevisibilidade. Assim como se daria, ali, a chance de valorização da dimensão sensível no contato com o real. No limite, a arte uniria as pontas divorciadas do olho e do espírito.

 

 

Podemos agora retornar ao depoimento do artista. Ao afirmar que o seu ateliê não funciona somente como espaço onde se concebe o projeto das obras, que poderiam depois ser executadas fora dali, mas o contrário, que se trata de um território onde se dá projeto e execução; o que está sendo endereçado é a chance de intercâmbio entre os parâmetros ideais da técnica e os ensinamentos trazidos pela experiência processual que o fazer cotidiano agrega. É nessa travessia, entre o que foi projetado e realizado, com todos os aprendizados e acasos incluídos, que se dá a chance de unir as pontas entre “a vontade da forma, por um lado, e a abertura às indeterminações variadas da vida por outro.”

 

 

Ao contrário da ciência que “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, Ascânio manipula os materiais com vias a habitá-los, a dar uma segunda e insuspeitada pele para os mesmos. Restitui assim ao termo “técnica” o sentido dado pelos gregos antigos, qual seja, techné como arte do fazer e arte do pensar. Os gestos de cortar, furar, torcer, pesar, medir, aparafusar, pintar, se conformam como um embate corpóreo que ensina, modifica, gera desvios, descobertas, surpresas. O frio e asséptico alumínio, que tem utilidade clara no campo da indústria da construção, ao adentrar o ateliê ganha outro destino, desprovido de função evidente, com vias a se tornar parte de um singular acontecimento poético. Nesse sentido, podemos afirmar que a obra de Ascânio ecoa uma preciosa passagem da filósofa judia Hannah Arendt: “Os únicos objetos que parecem destituídos de fim são os objetos estéticos, por um lado, e os homens, por outro. Deles não podemos perguntar com que finalidade? Para que servem? Pois não servem para nada. Mas a ausência de fim da arte tem o ‘fim’ de fazer com que os homens se sintam em casa no mundo.”

 

 

Ora, os trabalhos reunidos em “Quacors e Prismas 2021” sintetizam o belo desenho que forja a trajetória do arquiteto que se tornou o artista que jamais abandonou os preceitos da arquitetura em sua produção. Assim, ao longo dos últimos cinquenta e cinco anos, Ascânio MMM vem sendo capaz de nos endereçar obras que, unindo “a lógica da matemática e a emoção estética da forma”, são dotadas da potência rara de nos fazer sentir em casa no mundo.

 

 

Luisa Duarte

 

 

 

Um jardim imaginário

03/set

 

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul, MARGS, instituição vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do RS, Sedac, exibe a partir do dia 04 de setembro, a exposição inédita “Yeddo Titze – Meu jardim imaginário”.

A mostra tem por objetivo prestar uma homenagem ao professor e artista gaúcho falecido em 2016, aos 81 anos. Com curadoria de Paulo Gomes e Carolina Grippa, “Yeddo Titze – Meu jardim imaginário” tem lugar na Galeria Iberê Camargo e na sala Oscar Boeira, no segundo andar do Museu, e seguirá em exibição até 28 de novembro.

Apresentando mais de 40 obras desde a década de 1950 até 2010, “Meu jardim imaginário” contempla a trajetória de Yeddo Titze (1935-2016) desde o início da sua formação até seus últimos anos de produção. Com ênfase na temática de jardins, flores e paisagens, destaca uma série de tapeçarias e pinturas, produzidas em diversas técnicas.

A exposição traz a público obras dos acervos do MARGS, da Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre e da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo da UFRGS, que são agora pela primeira vez reunidas e exibidas. Trata-se de um conjunto de peças adquiridas recentemente pelos acervos, por meio de doação da família do artista, ao qual se somam obras já anteriormente pertencentes às coleções das instituições.

No texto curatorial, os curadores Paulo Gomes e Carolina Grippa escrevem:

“Yeddo Titze é um nome que, quando citado, lembra antes a sua atuação como professor na UFSM e na UFRGS. Em Santa Maria, instalou o primeiro curso de tapeçaria em uma universidade federal, divulgando o suporte têxtil em toda sua potencialidade artística; e, em Porto Alegre, dedicou-se ao ensino da pintura. Mas e o artista? (…) A maioria dos trabalhos, agora expostos, nunca foi vista pelo público, sendo este um gesto de reconhecimento da importância do artista para a arte sul-rio-grandense e um convite à aproximação entre os seus públicos e a sua poética.”

“Yeddo Titze – Meu jardim imaginário” integra o programa expositivo do MARGS intitulado “Histórias ausentes”, voltado a projetos de resgate, memória e revisão histórica. Com o programa, procura-se conferir visibilidade e legibilidade a manifestações e narrativas artísticas, destacando trajetórias, atuações e produções artísticas, em especial aquelas inviabilizadas no sistema da arte e/ou pelos discursos dominantes da historiografia oficial. Assim, a presente exposição dá prosseguimento ao programa “Histórias ausentes”, que estreou com a mostra “Otacílio Camilo – Estética da rebeldia”.

Nas palavras do diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol: 

“Esta exposição presta uma homenagem ao mestre e artista Yeddo Titze, tendo por objetivo oferecer um justo e necessário resgate em sua memória. Assim, com essa união de esforços entre as instituições, a intenção é também valorizarmos as políticas de aquisição de nossos acervos públicos, celebrando esta importante doação da família em seu conjunto e conferindo a devida e necessária solenidade ao gesto.”

Desde sua reabertura, em 11.05.2021, o MARGS mantém uma série de medidas sanitárias e de regras de acesso para garantir uma visita segura e que ofereça uma experiência que possa ser aproveitada da melhor maneira: controle de fluxo de entrada e quantidade de público, uso obrigatório de máscara, medição de temperatura e respeito à distância de 2m.

TEXTO CURATORIAL

Yeddo Titze – Meu jardim imaginário

“Quando acordo pela manhã, abro minha janela e através de uma leve cortina vejo o meu jardim imaginário. Ele está bem próximo de mim, oferecendo-me suas folhas e flores, que pelo visto tentam dialogar comigo, transmitindo-me uma mensagem”. Yeddo Titze, março 2004

Yeddo Titze (1935 – 2016) é um nome que, quando citado, lembra antes a sua atuação como professor na UFSM e na UFRGS. Em Santa Maria, instalou o primeiro curso de tapeçaria em uma universidade federal, divulgando o suporte têxtil em toda sua potencialidade artística; e, em Porto Alegre, dedicou-se ao ensino da pintura. Mas e o artista? Essa exposição, inserida no programa “Histórias ausentes” do MARGS, tem como objetivo destacar o Yeddo artista, mostrando um recorte de sua produção, desde a década de 1950, enquanto aluno no Instituto de Artes, até o ano de 2010, próximo ao seu falecimento. A mostra é uma ação conjunta de três instituições públicas de Porto Alegre, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (Instituto de Artes, UFRGS) e a Pinacoteca Aldo Locatelli (Prefeitura de Porto Alegre), que já possuíam obras do artista, mas que receberam recentemente importantes doações de trabalhos e documentos.

As flores, as paisagens e as cores são elementos distintivos na produção de Yeddo Titze, que perpassam as diversas técnicas e os gêneros que ele praticou. A maioria dos trabalhos, agora expostos, nunca foi vista pelo público, sendo este um gesto de reconhecimento da importância do artista para a arte sul-rio-grandense e um convite à aproximação entre os seus públicos e a sua poética.

Paulo Gomes e Carolina Grippa 

Sobre o artista

Yeddo Nogueira Titze nasceu em 10 de janeiro de 1935, em Santana do Livramento, RS, filho de Roberto Titze e de Desideria Nogueira Titze. Em 1955, matriculou-se no Curso de Artes Plásticas no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, sendo diplomado em 1960. Entre 1960 e 1962, foi bolsista do governo francês em Paris, estudando pintura no ateliê de André Lhote e na École Nationale Superieure des Arts Decóratifs, onde foi aluno de Marcel Gromaire. Após essa temporada em Paris, mudou-se para Florença, onde estudou na Academia de Belas Artes. Ao retornar ao Brasil, recebeu o Prêmio de Pintura no 9º Salão de Artes Plásticas do Instituto de Belas Artes (1962) e, em seguida, foi contratado como professor para a Faculdade de Belas Artes, na recém-criada Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Um dos primeiros professores do curso, Yeddo foi o responsável por implementar a disciplina de Arte Decorativa, baseando-se nas experiências adquiridas no Instituto de Belas Artes e na École de Paris. Retornou à França entre 1968 e 1969, para estudar tapeçaria em Aubusson. Após o período lecionando em Santa Maria, transferiu-se para o Rio de Janeiro e, depois, para Brasília. Nesta cidade, entre 1976 a 1979, foi o responsável pelo Setor de Artes Plásticas na Funarte e também coordenador da Galeria Oswaldo Goeldi. Após essa temporada, retornou ao Rio Grande do Sul, atuando como professor na UFSM e, após, no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde permaneceu até a sua aposentadoria, em 1993.  Em 2011, recebeu foi homenageado com Destaque Especial do Prêmio Açorianos, da Prefeitura de Porto Alegre, e no mesmo ano teve sua obra reconhecida e homenageada em uma mostra na Sala Angelita Stefani na Universidade Franciscana (UNIFRA), em Santa Maria. Faleceu em Porto Alegre, em 2016.

Homenagem ao mestre e artista

Considerado um importante representante da geração moderna das artes visuais do Rio Grande do Sul no século 20, Yeddo Titze morreu em 2016, aos 81 anos, após ser vítima da fatalidade de um atropelamento em Porto Alegre. Notabilizou-se sobretudo como professor, tendo uma trajetória que o consagrou em nossa história da arte como um dos pioneiros da tapeçaria, uma referência da arte têxtil, tendo por isto obtido reconhecimento nacional e mesmo internacional. Mas Yeddo foi mais do que tapeceiro. Dedicou boa parte de sua produção à pintura, sendo apontado como um dos primeiros a explorar ou flertar com a abstração no Rio Grande do Sul ao lado de artistas como Rubens Cabral, Nelson Wiegert e Carlos Petrucci. Era um passo ousado, uma vez que a pintura abstrata foi repelida pelo então cenário conservador do Estado, que via nela a invasão de uma tendência internacional descomprometida politicamente e capaz de corromper os valores da arte figurativa vigente e de viés regionalista. “Yeddo Titze – Meu jardim imaginário” presta uma homenagem ao mestre e artista, tendo por objetivo oferecer um justo e necessário resgate em sua memória. A exposição traz a público obras dos acervos do MARGS, da Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre e da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo da UFRGS, que são agora pela primeira vez reunidas e exibidas. Trata-se de um conjunto de peças adquiridas recentemente pelos acervos, por meio de doação da família do artista, ao qual se somam obras já anteriormente pertencentes às coleções das instituições. Assim, com essa união de esforços, a intenção é também valorizarmos as políticas de aquisição de nossos acervos públicos, celebrando esta importante doação em seu conjunto e conferindo a devida e necessária solenidade ao gesto. “Yeddo Titze – Meu jardim imaginário” integra o programa expositivo do MARGS intitulado “Histórias ausentes”, voltado a projetos de resgate, memória e revisão histórica. Com o programa, procura-se conferir visibilidade e legibilidade a manifestações e narrativas artísticas, destacando trajetórias, atuações e produções artísticas, em especial aquelas inviabilizadas no sistema da arte e/ou pelos discursos dominantes da historiografia oficial. Assim, a presente exposição dá prosseguimento ao programa “Histórias ausentes”, que estreou com a mostra “Otacílio Camilo – Estética da rebeldia” (2019).

Francisco Dalcol – Diretor-curador do MARGS

Sobre os curadores

Paulo Gomes 

Professor Associado no Bacharelado em História da Arte na UFRGS e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da mesma instituição. Historiador, curador e crítico de arte. Atua como membro do Comitê de Acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli (PMPA) e do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e coordena a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (Instituto de Artes/UFRGS). É membro das seguintes instituições: AICA – Associação Internacional de Críticos de Arte, ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte, CBHA – Comitê Brasileiro de História da Arte e da ANPAP – Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Dentre suas publicações, destacam-se: “MARGS 50 anos” (2005), “Artes plásticas no Rio Grande do Sul: uma panorâmica” (2007), “Pedro Weingärtner: obra gráfica” (2008), “100 anos de artes plásticas no Instituto de Artes da UFRGS” (2012), “Pinacoteca Barão de Santo Ângelo: catálogo geral 1910-2014” (2015), “Zoravia Bettiol: o lírico e o onírico” (2016), com Paula Ramos.

Carolina Bouvie Grippa

Mestra em História, Teoria e Crítica de Arte (UFRGS), bacharela em História da Arte (UFRGS) e em Moda (Universidade Feevale). Desde 2017, pesquisa sobre tapeçaria brasileira, com foco na produção do Rio Grande do Sul. Desenvolve trabalhos em curadoria, como as mostras que realizou juntamente com Caroline Hädrich: “Influências da arte pop em acervos de Poa”, no MARGS (2018), pela qual receberam o Prêmio Açorianos 2019 na categoria “Difusão de acervos”; e “Os quatro – Grupo de Bagé”, na Fundação Iberê Camargo (2019). Também atua na produção cultural, sendo produtora da 12° e 13° Bienal do Mercosul.

Aquarelas de Nemer

02/set

 

 

Depois de passar pelo Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, a exposição “Nemer – aquarelas recentes”, do mineiro José Alberto Nemer, chega no dia 18 de setembro à Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS. A mostra é a continuação de uma série que vem sendo apresentada desde os anos 1990 e reúne 20 obras produzidas sobre papel francês. São quadrados, retângulos, grelhas, hachuras, círculos, trapézios, elipses, cruzes e arcos que povoam peças de diferentes formatos, começando nos 100 x 100 cm, até o inusual, pelas grandes dimensões, formato de 150 x 200 cm.

 

 

“Trabalho com a geometria, com o gestual, com as manchas, com as formas mais rigorosas. Às vezes eu começo construindo uma geometria, que na metade acaba se desconstruindo; é quando você reconhece que a aquarela é indomável, escorre até onde ela quer escorrer e o pigmento se concentra onde sequer imaginávamos. Todos os deslizes, todos os ‘erros’ são incorporados e fazem parte do processo não só da aquarela, mas da arte como um todo”, diz Nemer, pertencente à geração dos chamados Desenhistas Mineiros, que se afirmou no cenário da arte brasileira, a partir da década de 1970.

 

Para o curador Agnaldo Farias, os trabalhos de Nemer propiciam um intermitente confronto entre uma orientação construtiva e um impulso orgânico. Diluídos na água, seus pigmentos correm pela folha, adivinhando suas minúsculas fissuras e revelando o acidentado da topografia do papel. A dimensão construtiva de suas obras se expressa, continua Farias, no recurso a figuras geométricas variadas, veloz e cuidadosamente executadas com lápis de grafite duro, com o apoio de régua, compasso.

 

Também chama a atenção em suas aquarelas o preto, uma cor pouco usada na técnica e terminantemente proibida na época em que estudou na Escola de Belas Artes: “Durante o curso, senti uma atração muito grande pela aquarela como técnica. Cada vez que eu começava pintar, os professores vinham e diziam: ‘a aquarela tem que ser mais transparente, e você está pesando muito. Isso aí está mais para guache do que para aquarela’. Outras vezes colocava um preto, e eles voltavam e falavam: ‘atenção, nunca se usa o preto na aquarela’. Foi aí que guardei a aquarela e me dediquei ao desenho. Os anos passaram, em um processo terapêutico, resolvi fazer algumas reflexões desenhadas e com aquarela. E, sintomaticamente, comecei pelo preto e nunca mais parei”, conta.

 

 

Aliás, foi por meio da psicanálise que a aquarela entrou na vida do artista. “Perguntei à analista se podia fazer um relatório usando aquarelas, e a técnica se adequou à minha introspecção e silêncio, ao meu temperamento. Domou a vontade de controle sobre tudo”, conta. A partir daí veio a primeira série, intitulada “Ilusões Cotidianas”, exposta, nos anos 1980, em São Paulo e na Bienal de Cuba.

 

 

Espaço em movimento

 

 

Em uma das itinerâncias de “Nemer – aquarelas recentes”, um visitante escreveu ao artista sobre o que encontrou na mostra e que, agora, os gaúchos verão na Fundação Iberê Camargo: “Aquarelas que fluem, flutuam e ocupam o espaço em movimento, como nuvens de cor preenchendo o olhar. Com sutil delicadeza, convidam para um momento de serenidade e paz”.

 

 

“A aquarela ensina o imponderável. Ao trabalhar numa superfície com água e pigmento, você tem um controle muito relativo, e essa impossibilidade de querer controlar tudo trouxe ensinamentos para a vida. Na Fundação Iberê, o visitante vai encontrar o silêncio, a possibilidade de silêncio interior, do que aprendi com a técnica e que vem muito ao encontro do meu processo de produção”, afirma Nemer.

 

 

Ateliê de Gravura

 

 

Para marcar sua passagem pela Fundação Iberê Camargo, José Alberto Nemer participará do projeto “Artista Convidado”, do Ateliê de Gravura. Ele já está em conversação com Eduardo Haesbaert, responsável pelo Ateliê, sobre sua nova criação.

 

 

Sobre o artista

 

 

José Alberto Nemer é doutor em Artes Plásticas pela Université de Paris VIII. Lecionou em universidades brasileiras e estrangeiras, como a UFMG (1974 a 1998) e a Sorbonne (1974 a 1979). Pertencente à geração dos chamados desenhistas mineiros, que se afirmou no cenário da arte brasileira a partir da década de 1970, Nemer participa de salões e bienais no Brasil e no exterior. Sua obra obteve, entre outros, o Prêmio Museu de Arte Contemporânea da USP (1969), Prêmios Museu de Arte de Belo Horizonte (1970 e 1982), Prêmios Museu de Arte Contemporânea do Paraná na Mostra do Desenho Brasileiro (1974 e 1982), Grande Prêmio de Viagem à Europa no Salão Global (1973), Prêmio Museu de Arte Moderna de São Paulo no Panorama da Arte Brasileira (1980). Incluído pela crítica e por júri popular entre os dez melhores artistas de Minas Gerais na década de 1980, Nemer foi o artista homenageado, com Sala Especial, no Salão Nacional de Arte Edição Centenário, realizado no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte (1997/1998). Entre suas exposições, destacam-se a do Centro Cultural Banco do Brasil/CCBB Rio (2000), a dos espaços culturais do Instituto Moreira Salles, em circuito itinerante pelo País (2003 a 2005), e a da Galeria Anna Maria Niemeyer, no Rio (2009). Num ensaio sobre a obra do artista, intitulado Razão e Sensibilidade (2005), Olívio Tavares de Araújo diz: “Só um virtuose da aquarela – a mais exigente de todas as técnicas, a mais inflexível, na qual é impossível enganar –  conseguiria dar este enorme salto de escala sem atraiçoar-lhe em absolutamente nada a essência. Ao que eu saiba, ninguém nunca, em qualquer tempo, fez aquarelas das dimensões dessas, de Nemer. Mas, a despeito do tamanho, elas permanecem, definitivamente, aquarelas. Conservam sua natureza de música de câmara, e não sinfônica, delicada, econômica, sempre transparentemente instrumentadas. Parece-me terem fluído com a naturalidade, quase, de uma fonte”.

 

Célia Euvaldo na Roberto Alban Galeria

25/ago

 

 

 

A Roberto Alban Galeria, Salvador, tem o prazer de anunciar a primeira exposição da artista Célia Euvaldo na galeria, também sua primeira mostra individual na Bahia. A artista, amplamente conhecida por suas pinturas em preto e branco, realizadas ao longo de mais de três décadas, apresenta um conjunto inédito de trabalhos em que explora a presença da cor, dando continuidade à sua pesquisa iniciada em 2016. A galeria estará aberta para visitação de 04 de setembro até o dia 16 de outubro. A mostra também poderá ser vista de modo virtual pelo site da galeria (www.robertoalbangaleria.com.br).

 

 

A partir de meados dos anos 1980, Célia Euvaldo investiga, majoritariamente no campo da pintura, as relações entre gesto e matéria. Suas telas de grande formato exploram as múltiplas possibilidades da relação entre o branco e o preto, em uma fatura marcada pela riqueza de texturas, nuances e gestualidade.

 

 

A dimensão física do corpo da artista na realização de seus trabalhos é um dos aspectos fundamentais como chave de leitura para a compreensão de sua produção artística. Suas telas são fortemente marcadas pela relação entre seu corpo e a escala do quadro, revelando – em camadas insuspeitadas e mesmo surpreendentes – a presença do gesto como força motriz e fundamental em sua criação.

 

 

“Um aspecto do meu trabalho é a presença do gesto. Mas não me refiro ao gesto expressivo, impulsivo, de descarga emocional. É o gesto em si, ou melhor dizendo, o esforço, a energia do gesto. Para isso, as dimensões grandes são essenciais. Isso vem desde meus trabalhos mais antigos, de 30 anos atrás”, afirma a artista.

 

 

Desde 2016, Célia Euvaldo tem se dedicado a uma investigação inédita em sua vasta produção pictórica, realizando um corpo de trabalho com a presença de cores abertas, como o vermelho, o laranja e o lilás. Os trabalhos reunidos para sua primeira exposição na Roberto Alban Galeria apontam, justamente, para este momento de ruptura e renovação de sua obra.

 

 

São pinturas que instauram, portanto, uma harmoniosa convivência entre o usual p&b e uma nova paleta de cores – telas que conjugam o preto em suas habituais texturas espessas, a partir de um uso robusto da tinta a óleo, a seções coloridas realizadas com a tinta mais diluída, em tons mais discretos de cinza ou em tonalidades fortes de cores laranja, azul e variações.

 

 

“Em todos os quadros eu deixo uma parte da tela sem pintar. Faço isso porque vejo essas duas matérias como “coisas”, “corpos”, algo quase escultórico. Se eu cobrisse toda a tela, essas “coisas” virariam áreas, e não quero isso. Quero esse peso e materialidade de coisa”, acrescenta a artista.

 

 

O texto do historiador e crítico de arte Ronaldo Brito reflete também sobre esta nova fase da pesquisa de Célia Euvaldo:

 

 

“A meu ver, as cores vibrantes surgem como fatores a mais de irritação e questionamento em uma pintura que opera numa área exígua e tira sua força ao vencer, repetidamente, a ameaçadora entropia. A questão substantiva passa a ser a seguinte: como agem esses contrastes cromáticos, às vezes gritantes, em um espaço pictórico que até então se resumia às invasões maciças do preto sobre o branco, a renegociar os limites entre a forma e o informe? Assim como ocorre com o preto marfim, também as cores abertas não destilam uma química de pintura, empenhadas em revelar a identidade única deste violeta, desse laranja ou daquele azul. Elas irrompem no quadro, resolutas, instintivamente misturadas e diluídas”.

 

 

Sobre a artista

 

 

Pintora e desenhista, Célia Euvaldo nasceu em 1955, em São Paulo, onde atualmente vive e trabalha. Realizou suas primeiras exposições coletivas no circuito nacional em 1987, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e em 1988, no Projeto Macunaíma, Funarte, também na mesma cidade. Obteve o 1º prêmio – Viagem ao Exterior – no 11º Salão Nacional de Artes Plásticas em 1989. Nos anos 90, realizou individuais na Paulo Figueiredo Galeria de Arte, em São Paulo, em 1991 e 93; no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em 1995 e em 1999; dentre outras. Suas últimas individuais foram na Galeria Simões de Assis, em Curitiba, em 2020, e na Galeria Raquel Arnaud, em São Paulo, em 2018. Suas obras estão em diferentes coleções públicas como no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), Coleção de Arte da Cidade de São Paulo, Fundação Cultural de Curitiba e Museu do Estado do Pará. Célia Euvaldo marca um importante período da arte contemporânea brasileira, participando de mostras como a 7ª Bienal Internacional de Pintura de Cuenca, no Equador, em 2001 e da 5ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, em 2005, e realiza individuais em instituições como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, intitulada “Brancos”, em 2006, Instituto Tomie Ohtake em 2013, entre outros. No âmbito internacional, a artista participou da mostra coletiva “Cut, Folded, Pressed & Other Actions” na David Zwirner Gallery, em Nova York, em 2016.