Curadoria de Angélica de Moraes

15/out

A Galeria Mamute, Centro, Porto Alegre, RS, apresenta a exposição “De Longe e de Perto”, com curadoria da crítica de arte Angélica de Moraes. A mostra marca o novo posicionamento da galeria e apresenta seus representados:  Antonio Augusto Bueno, Bruno Borne, Claudia Barbisan, Claudia Hamerski, Clóvis Martins Costa, Danilo Christidis, Dione Veiga Vieira, Fernanda Gassen, Fernanda Valadares, Hélio Fervenza, Hugo Fortes, Ío, Letícia Lampert, Marília Bianchini, Mariza Carpes, Nathalia Garcia, Pablo Ferretti, Patricia Francisco e Sandra Rey.

 

A exposição “De longe e de Perto” propõe uma prática curatorial executada em dois momentos/exposições consecutivos. A primeira mostra resulta de seleção e concepção de montagem à distância, via recursos digitais. A segunda, reúne escolhas presenciais. São duas exposições sucessivas que poderão reafirmar ou substituir obras, gerando novo conjunto e propondo uma avaliação das escolhas efetuadas.

 

 

Sobre a galeria

 

A galeria Mamute realizou em dois anos, inúmeras ações destinadas à produção prática e teórica na área. Propôs diálogos entre o segmento e cruzamentos com produções artísticas contemporâneas, por meio de exposições, palestras, mostras de vídeo, conversas com artistas, lançamentos de publicações, debates, cursos, residências artísticas, entre outros. Com o novo posicionamento, pontuado na sua atuação comercial como galeria de arte, a Mamute propõe instaurar no cenário local um ponto de referência comercial de arte contemporânea no Sul do Brasil.

 

 

De 25 de outubro a 22 de dezembro.

Guilherme Dable em Salvador

09/out

O artista plástico Guilherme Dable, um dos jovens expoentes da arte contemporânea nacional, faz sua primeira exposição em Salvador na Roberto Alban Galeria, bairro Ondina. Guilherme Dable trabalha com formas geométricas em carvão e acrílica, traduzindo o desejo confesso de abstração diante de um mundo sobrecarregado de imagens. Seus trabalhos são reconhecidos pela crítica e já integram importantes coleções, como as de Gilberto Chateaubriand, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outras.

 

A mostra em Salvador tem um título, no mínimo, intrigante: “Desse lugar entre meio-dia e duas horas da tarde”, reunindo trabalhos em pinturas numa perspectiva que revela o criativo equilíbrio do artista entre a forma e a cor na apreensão dos flagrantes do seu cotidiano.

 

Ao apresentar a mostra, o crítico, curador e estudioso das artes visuais, Guilherme Bueno, enfatiza o papel do desenho nas telas de Dable: “A linha que corre os planos num momento serve para cercar uma área a ser pintada; noutro, delimita a superfície já pintada. Ela se esvai assim do mero caráter projetivo atribuído ao desenho, conferindo-lhe antes um valor de eixo para articular a relação entre esses planos, porém fazendo-o pela anulação de uma estrutura “imediata” de figura e fundo”, diz.

 

 

Reorganizando o mundo

 

Revelando paisagens, o artista aposta num conceito muito particular de abordagem da realidade. Como ele mesmo confessa, o seu trabalho é a maneira que encontrou para “ um reorganizar interno do mundo”. Das caminhadas que faz pelas cidades que se encontra, anotando o que vê em cadernos, fotografando coisas, ele constrói repertório para alimentar o seu ateliê de criações.

 

“Meu trabalho não tem uma figuração explícita, ele alude à cidade, mas na verdade essas anotações sobre a arquitetura, as observações sobre como a luz incide nas coisas pela rua ou como a refração da luz altera a percepção, por exemplo, do que tenho dentro do ateliê em determinada hora do dia, servem como uma espécie de desculpa pra trabalhar, pra mexer com os materiais, pra achar alguma maneira de dialogar com essa experiência quando vou pra frente do suporte”, explica o artista.

 

 

Sobre o artista

 

Guilherme Dable, Porto Alegre, RS, 1976, é bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado em Poéticas Visuais. Já participou de coletivas internacionais – como por exemplo, em Londres e Nova Iorque – e realizou seis individuais no país, em cidades como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.

 

Em 2009, conquistou as suas primeiras premiações, entre as quais é destaque a seleção no Rumos Artes Visuais 2011-2013, maior mapeamento da produção artística brasileira, organizado pelo Itaú Cultural. O último reconhecimento ocorreu em 2013 com a conquista do cobiçado Premio Marcantonio Vilaça, concedido pela Funarte. Além disso, seus trabalhos integram coleções importantes, como Gilberto Chateaubriand/ MAM- RIO; Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS; e Museu de Arte Contemporânea, MAC-RS, Porto Alegre.

 

 

O texto do curador

 

Há duas cenas marcantes da história da pintura na metade do século XX: a primeira, mais conhecida, é a sequência com Jackson Pollock filmada por Hans Namuth, na qual ele comenta rapidamente seu método de trabalho, logo a seguir “demonstrado” em uma tela e um vidro; a segunda, célebre mas menos vista, traz o encontro de Duke Ellington e Joan Miró no ateliê do último em Jan les Pins, no sul da França.  Não é à toa que remetemos a tais referencias para refletir sobre as pinturas de Guilherme Dable. Evidentemente, os sessenta anos que as separam corresponde as diferenças de lugar, prioridades e objetivos. Contudo, servem de pretexto para discutirmos como o artista gaúcho lida com dois termos ali visíveis e correntes em sua produção – a musicalidade e o improviso.

 

Os dois se apresentam principalmente em alguns trabalhos que Dable realiza com seus colegas do Ateliê Subterrânea em Porto Alegre. Neles há a alternância entre composição musical, performance e desenho, criando um “perímetro de energia poética” onde as três linguagens se fundem e se retroalimentam. O improviso ali funciona como um transplante não de uma obra, e sim de uma dinâmica do ateliê enquanto trabalho, isto é, do processo – com suas manobras e soluções – enquanto matéria poética. Nisso eles se desloca da pintura moderna (e os filmes citados testemunham melhor que ninguém) na medida em que tanto no caso de Pollock quanto de Miró / Ellington, a ênfase recaía sobre a correspondência, e não necessariamente sobre a convergência entre meios artísticos. Mas, para nos atermos ao nosso ponto, devemos nos perguntar: o que há e o que não há em comum entre o Dable do ateliê coletivo e o que vemos aqui em sua mostra individual? Esta pergunta se mostra fundamental naquilo em que percebemos suas pinturas como uma condensação num objeto (a tela) daquele campo delineado pela performance. Mais além, nos indaga sobre qual o lugar do improviso – se improviso há – em seus trabalhos. Nesse ponto justo notamos sua incisiva reflexão sobre a pintura.

 

Retornemos momentaneamente a Pollock, tal como o filósofo francês Hubert Damisch analisava sua pintura: “A questão desses entrelaçamentos [ele se refere ao dripping] não é […] um dado sobre o qual a pintura trabalha: ela nasce do gesto, do qual traduz cada um dos desvios, a menor hesitação, as recusas. É a conquista de uma relação imediata […] Um quadro de Pollock não é apenas o resultado de um trabalho, produto acabado que escapa ao produtor, mas o registro das etapas sucessivas de gênese de uma obra em que cada gesto vem, por sua vez, modificar ou completar a estrutura¹”.

 

A lógica aqui descrita é oportuna e permite em certa medida ser transposta para as preocupações de Dable. E nelas sentimos a inflexão, ou melhor, ajuste, entre o improviso e a articulação de uma ordem pictórica. Isso pode ser melhor notado por três fatores: o valor maleável do desenho, o sistema de “cortes” de algumas pinceladas e a equalização de determinadas qualidades plásticas a um meio nem sempre afável a elas.  Desdobremos cada uma das partes.

 

O desenho nas telas de Dable oscila entre uma marcação inicial e uma final. A linha que corre os planos num momento serve para cercar uma área a ser pintada; noutro, delimita a superfície já pintada. Ela se esvai assim do mero caráter projetivo atribuído ao desenho, conferindo-lhe antes um valor de eixo para articular a relação entre esses planos, porém fazendo-o pela anulação de uma estrutura “imediata” de figura e fundo. Ele é um anti-contorno duplamente, naquilo em que não pré-determina o design da pintura, nem produz uma compartimentação que separa em definitivo as áreas, fazendo com que elas se permitam assumir valores conforme as relação com o todo e com segmentos vizinhos. O desenho pode, como dissemos, ser uma marcação final, mas ele não tem um sentido finalista de “concluir” a pintura, de lhe impor o “toque final”.

 

O sistema de “cortes” da pinceladas vai em sentido análogo. A impressão inicial que algumas partes podem suscitar é a de uma geometria, porém o contrário parece ocorrer. Afinal, a geometria é, queira-se ou não, uma estrutura senão aplicada, um instrumental previamente determinado a partir do qual o artista estabelece um método segundo o qual pretende conceituar o espaço dado da tela. Em Dable, as linhas e planos são antes a busca de um modo de definir até onde uma parte se assenta, quando separa ou junta duas áreas, como a pintura se organiza entre a contenção e o transbordamento da tela. Seria lícito, inclusive, perceber que não é contraditória a coexistência entre alguns desses cortes mais secos e a assimilação dos escorridos de tinta, uma vez que ambos trazem a justaposição entre uma dimensão física (a materialidade propriamente dita) e outra ótica (a organização espacial da tela, com seu jogo entre profundidade e superfície) constituintes da pintura, sem fazer a primeira tentar recalcar a segunda.

 

Por fim, o “atrito” entre certas qualidades plásticas e o meio que escolhem. Isto talvez soe estranho, mas se resume ao seguinte desafio: produzir transparências e veladuras com tinta acrílica. As características do acrílico não são das mais afáveis – aliás, tendem muito mais a serem arredias – a tal possibilidade. O acrílico exige execução ágil, na contramão da cadência demorada do óleo, que permite uma acumulação gradativa ou raspagens. A secagem rápida não daria margem para decisões ponderadas mais lentamente, como exigiria a obtenção de uma veladura. Ademais, um plano inferior pode deixar uma “cicatriz” naquele mais externo, dada a corporeidade adquirida pela tinta.  Ou seja, Dable obtém uma qualidade pictórica mediante condições razoavelmente hostis: ela precisa conciliar uma substancial quantidade de intuição com um timming das tintas e misturas de cores num gesto cuja chance do improviso comprometer irremediavelmente a pintura é considerável. Afora isso, há ainda o bom desafio de obter de uma determinada matéria aquilo que ela parecia não oferecer, levando-nos então a reconhecer o quanto um discreto passo é capaz de desencadear um repertório de novos problemas para a pintura.

 

Comprometer-se com a pintura, mesmo sabido que ela não credita mais a sua longa tradição um privilégio hierárquico, não deixa com isso de guardar grandes ambições e expectativas. Depende da sensibilidade em reconhecer diante de supostos limites a fresta que permite esse passo – não para além, nem para trás, tampouco para o lado – certeiro em ativá-la como uma linguagem apta a nos dizer e fazer descobrir sua enorme potência e atualidade.

 

Guilherme Bueno

 

 

De 09 de outubro a 10 de novembro.

Fotografias de Daniel Sasso

06/out

Um verdadeiro paradoxo toma conta do Museu do Trabalho, Porto Alegre, RS, quando as fotografias de Daniel Sasso, repletas de vivacidade e frescor invadem o espaço expositivo do Museu na mostra “Ideia Morta – A Frustração em Delírios Cintilantes”. Essa exposição no Museu do Trabalho é um desdobramento da mostra “Ideia Morta – A Frustração em Devaneios Coloridos”, apresentada por Sasso em 2010, na Livraria Cultura de Porto Alegre, sucesso de público e crítica. Publicitário, artista e principalmente fotógrafo, Daniel Sasso sempre mergulhou profundamente no estudo das mais diversas técnicas fotográficas. Daí o seu perfil ousado que mistura o tradicional com a inovação, captando imagens com técnicas rudimentares como a pinhole (câmera fotográfica sem lente), até a tecnologia digital de captura e tratamento. Inquieto, Sasso já está trabalhando em um novo projeto totalmente diferente do exposto no Museu, mas que ainda está em segredo.

 

Texto de Vitor Necchi

 

Há uma tríade de efes sugerida pelas imagens reunidas na exposição Ideia Morta – A Frustração em Delírios Cintilantes, de Daniel Sasso: fato-farsa-fantasia.

 

Cada palavra decorre de uma leitura, da maneira que se reage à visão nada corriqueira de uma mulher se lançando ao espaço, quando os pés se desgrudam de uma superfície elevada. Ou ainda quando ela se detém sobre trilhos, confrontando o vagão que se aproxima. Não há fim em nenhuma delas – tudo é começo. Cada cena surpreende e instaura uma nova possibilidade, principalmente para quem traduz o mundo ancorado na vida que se tem, e não na que se poderia ter.

 

Fato. Se encaradas dessa forma, esta seria a associação imediata: suicídio. Esqueça-se disso. O mundo está farto de literalidade. No universo das possibilidades sugeridas pelo trabalho de Daniel, abandone a leitura que cumpre o protocolo da obviedade. O mundo pode ser tão previsível que o entendimento das pessoas beira a grosseria, deformação de olhos viciados, embrutecidos ou preguiçosos. A vida é mais do que fatos.

 

Farsa. Esqueça também. Não existe tapeação nessas imagens que sugerem mulheres aladas e destemidas, quase mitológicas, quase impossíveis, senhoras do acaso. Não há engodo, mentira, embuste. Não seja ingênuo em pensar que a fotografia guarda compromisso com a realidade. Nem mesmo da foto documental se poderia exigir um estatuto de verdade, como se o registro fosse testemunho de fé sobre a existência de algo. A verdade é uma perspectiva, um compromisso do autor com a situação ou o personagem fotografados. Trata-se de uma relação ética, uma intenção. A farsa resulta da traição do olhar de quem faz – ou de quem vê.

 

Fantasia. Bem-vindo seja a este reino tão necessário e abandonado. Humanos são terrestres e não nasceram para voar, mas as mulheres de Daniel conseguem mais do que meramente caminhar porque o artista se insurge. Ele desdenha a previsibilidade dos fatos e a doença coletiva que torna o olhar refém da mesmice. Se manipulou, se de fato flagrou uma das cenas, pouco importa – a fantasia independe do que se vê, ela resulta de como se vê. Sem ela, resta a loucura.

 

 

Até 23 de novembro.

O vasto mundo de Romy

29/set

A fotógrafa Romy Pocztaruk exibe em exposição individual na SIM Galeria, Batel, Curitiba, PR, com fotos e vídeos realizados em diversos países que viajou observando os detalhes arquitetônicos das cidades que foram sedes de Olimpíadas durante a história. O mote é o Brasil, o próximo país olímpico, em 2016. A mostra, denominada de “Um, vasto mundo”, apresenta imagens das vilas olímpicas de Berlim, na Alemanha, que organizou o evento esportivo em 1936, e Saravejo, na Bósnia, sede de 1984. A partir dos resquícios abandonados, na maior parte das vezes instalações em ruínas, a artista rastreia o impacto do evento, que caracteriza como “apocalíptico”. A curadoria é de Gabriela Motta. Destaque da cena nacional, Romy Pocztaruk inaugurou exposição individual no Santander Cultural, Porto Alegre, RS, e participa da delegação brasileira na atual edição da 31ª Bienal Internacional de São Paulo.

 

 

Um vasto mundo

 

O exercício de olhar, olhar, olhar e de novo olhar estas e outras dezenas de imagens traz à tona uma constante no percurso da Romy: a viagem como trabalho. Amazonas, Islândia, Uruguai, Alemanha, Nova Iorque, Bósnia, China são algum dos lugares para os quais a artista apontou sua câmara. No entanto, ao ver as imagens, salvas poucas exceções, não é possível dizer precisamente em qual país cada uma delas foi feita. Os trailers estacionados estão na Islândia ou no Uruguai? Os restos de concreto tomados por vegetação são sobras de obras em Manaus ou em Sarajevo? O carro funerário está ao lado de um prédio administrativo ou do muro de Gaza ou de uma igreja em Reykjavík? A resposta “certa” dessas perguntas é sempre a segunda opção: Uruguai, Sarajevo e Reykjavík; mas a insistente indefinição geográfica das imagens conduz a outras reflexões.

 

Quando se sabe em que lugar cada fotografia foi feita, claro, contextualizam-se as imagens, atribui-se a elas uma história, um clima, uma identidade. No entanto, tudo isso logo se perde novamente, fazendo emergir do conjunto de trabalhos uma tônica dominante que revela não o específico de cada lugar, mas o comum de todos eles. Essa imprecisão dos locais nos leva à compreensão de um mundo não delimitado por fronteiras políticas, aquelas que acabam sempre, em algum momento, gerando guerras, mortes, destruição. Uma constante entre tantas outras que nos definem.

 

Ao reconhecer a importância da viagem para o trabalho da Romy, é preciso comentar esse tipo de procedimento em relação à arte como um todo. Muito se fala de uma pegada etnográfica da arte contemporânea. Pelo menos desde os anos 1970, identifica-se uma parcela de artistas preocupada em investigar/entender outros mundos além daquele que lhes diz respeito. Isso também, reiteradamente, aponta para a fragilidade desse modo de agir, geralmente moldado por vícios de um olhar exterior aos contextos, incapaz – porque é mesmo impossível – de se libertar de seus próprios códigos. De fato, esse problema já era reconhecido pelos próprios etnógrafos, como Lévi-Strauss, que falava da equivalência das culturas e da limitação de falar de algum povo sem fazer parte dele.

 

Quando a imagem fotográfica é o principal meio através do qual se materializa a obra de um artista, por sua vez, construída a partir de andanças pelo mundo, a relação com esse outro se complica ainda mais, já que a tendência é associar a fotografia à realidade. Por mais que já tenha se escrito muito sobre o risco de se entender a fotografia como meio privilegiado para tratar do real, ainda costumamos vê-la como apreensão e registro de alguma verdade. Entretanto, a única verdade de uma foto é sua própria realidade, tamanho, cor, contraste, textura, recorte de imagem. Elas até podem partir de um “real”, mas jamais irão além daquilo que enquadram, do espaço que escapa à lente do fotógrafo.

 

Assim é que a obra da Romy, o recorte aqui apresentado, se situa entre um procedimento etnográfico que não tenta destacar do estrangeiro seu exotismo e o entendimento da fotografia enquanto imagem construída. No olhar da artista sobre o “outro”, sobre a paisagem cultural estrangeira, há pouco sobre o específico de um povo, de uma região, de um país. Nessas fotografias, há muito sobre o que nos equipara, sobre o que nos torna sempre o mesmo homem, que destrói, constrói, arruma a casa, transporta seu mundo sobre quatro ou duas rodas. Entender-se como igual, nem mais, nem menos, nem melhor, nem pior é um partido que não necessariamente nega as singularidades da cada indivíduo, mas assume aquilo que temos em comum como o verdadeiramente extraordinário de todos nós.

 

Ao mesmo tempo, esses trabalhos de Romy insistem em nos lembrar que, como as palavras desse texto, fotografia é linguagem. Enquanto linguagem, essas imagens não encerram um sentido, e sim uma multiplicidade de significados, tanto sobre suas características individuais quanto sobre o real do qual partem, bem como sobre quem as fez. Porém, ao contrário do que se poderia concluir, a autonomia dessas imagens não as retiram do mundo do qual partem. Essas fotografias, ao se apresentarem também como linguagem, assumem a ambiguidade do meio, contribuindo para o sentimento de dúvida gerado pelo conteúdo das imagens.

 

 

Arrumar a casa

 

Dois interiores. Duas salas arrumadas, cores, flores, cadeiras, quadros na parede. Um ambiente doméstico que, em breve, receberá quem vive ali. Duas casas, uma na China e outra na Amazônia. Tão distantes e tão próximas, porque feitas por gente: cabeça, ombro, joelho e pé. Tudo igual, tudo radicalmente o mesmo e diferente. O instante captado no relógio da casa brasileira também permite congelar o tempo na China. Enquanto aqui o sol está prestes a atingir seu ápice, lá a noite já chegou. No dia seguinte, o ciclo se repetirá, as tarefas do dia serão realizadas, as cadeiras receberão o peso dos corpos. Talvez nossa maior diferença não passe das onze horas de fuso horário que nos distanciam.

 

 

Habitar espaços

 

Há um conjunto de fotografias de rastros de ocupação no interior de algumas ruínas. Não se sabe por que essas construções foram abandonadas. Intui-se que, como sempre, a violência ou o descaso esvaziaram esses lugares. Nas três imagens, janelas se abrem para o exterior, fazendo com que o ar atravesse esses ambientes, arejando-os. As carcaças desses prédios e os vestígios de novos usos dessas estruturas fazem com que se sobressaia dessas imagens muito mais uma noção de transformação do que de pesar. Ao mesmo tempo, a dramaticidade das fotos apresenta esses lugares como cenários. Assim como aqueles que, possivelmente, ali realizaram um ritual, uma pintura, um espetáculo teatral, Romy também ocupa esses lugares, enquadra-os atenta às sobreposições temporais e de uso que abrigam.

 

 

Inventar imagens

 

A imagem de quatro colunas que abre a exposição se conecta àquela de uma construção no deserto. Enquanto a miragem que vemos ao longe é “real”, uma construção perdida no meio de um mundo de areia, as colunas, altivas e imponentes num outro deserto, são “falsas”, restos de um set de filmagem. Esse jogo entre o que é visível e o que não é – por exemplo, quando vemos as colunas, mas não vemos sua artificialidade – se revela agudamente nessas fotografias e atravessa todas as obras aqui reunidas.

 

Romy manipula habilmente aquilo que tem em mãos, o aparato tecnológico capaz de gerar imagens. A máquina a serviço de um olhar que se quer sempre múltiplo, ambíguo, abrangente. Assim, a artista compartilha com o espectador um olhar perplexo com uma certa dureza do mundo. Mas, sobretudo, nos convida a duvidar dessas e de todas as imagens e de qualquer ideia de verdade absoluta.

 

Gabriela Motta

 

 

Até 31 de outubro.

Novidades no Inhotim

05/set

Quem visitar o Inhotim, MG, vai poder conferir diversas novas obras. Artistas do Leste Europeu, Ásia e Estados Unidos propõem um novo olhar sobre a produção artística contemporânea.

 

Segundo o diretor de arte e programas culturais do Instituto, Rodrigo Moura, nos últimos 10 anos, houve um aumento do interesse mundial pela arte latino-americana e de outras regiões que fogem aos centros hegemônicos de produção. “Esse movimento está muito ligado a uma perspectiva de descentralização das narrativas. Nesse contexto, entendemos que o papel de um espaço como o Inhotim não é apenas colecionar nomes consagrados, mas introduzir outros, menos conhecidos por aqui”, afirma.

 

Uma nova galeria permanente, a décima oitava do Instituto, será dedicada ao pintor norte-americano Carroll Dunham. A galeria irá abrigar um ciclo de pinturas chamado Garden (2008), composto por cinco telas que refletem as impressões do artista sobre o Inhotim.

 

A Galeria Lago, um dos quatro espaços do Inhotim para exposições temporárias, receberá trabalhos de três artistas. A romena Geta Brătescu, ganha uma grande mostra individual de sua produção, com trabalhos que datam de 1986 a 2013, intitulada “O jardim e outros mitos”.

 

Dominik Lang, da República Tcheca, apresenta “Sleeping City” (2011), uma instalação composta por esculturas de bronze criadas pelo pai do artista. Em meio a estruturas de ferro e madeira, as peças adquirem novos significados.

 

Já do filipino David Medalla, será apresentada a obra “Cloud-Gates” (1965/2013) da série “Bubble Machines” – esculturas cinéticas formadas por espuma e criadas pelo artista pela primeira vez na década de 1960.

 

Para comemorar a inauguração dos novos projetos, os músicos Jards Macalé e Jorge Mautner sobem ao palco do Inhotim em Cena para uma apresentação especial. Parceiros musicais e amigos de longa data, os dois artistas relembram sucessos da música popular brasileira e prometem surpresas. O show começa às 15h, próximo ao Magic Square.

 

 

A partir de 4 de setembro.

No Santander Cultural

A terceira artista da edição 2014 do Projeto RS Contemporâneo no Santander Cultural, Porto Alegre, RS, apresenta, na Galeria Superior, os trabalhos de Romy Pocztaruk. A exposição “Feira de Ciências”, com curadoria de Guilherme Bueno, traz uma provocação sobre como a arte, por meio da fotografia, e a ciência, pelos seus métodos, podem “iludir” quem os vê e analisa. Ao transpor arte e ciência no seu trabalho, Romy Pocztaruk coloca em dúvida se as imagens representam registros científicos ou artísticos.

 

O Projeto RS Contemporâneo é um dos projetos mais promissores para o Santander, ao refletir, na sua essência, a transformação e promoção da nova produção artística local, oferecendo oportunidade aos jovens artistas de terem uma exposição individual, com toda organização e suporte profissional necessário para ser exibida na galeria do Santander Cultural.

 

 

Até 28 de setembro.

Ranulpho: Arte em Estilos, a exposição

01/set

Uma das galerias mais antigas e atuantes do país, a Ranulpho galeria de arte, Bairro do Recife, Recife, PE, inaugurou a exposição coletiva “Arte em estilos”.  Em sua nova exposição obras e artistas de tradição na casa exibidora composto por nomes como Juarez Machado, Reynaldo Fonseca, Virgolino, Vicente do Rego Monteiro, Alcides Santos, Romanelli, Claudio Tozzi, Isolda, Mário Nunes e Iracema Arditi. Na divulgação do evento destaca-se a seguinte afirmativa: “…É da maior importância para uma galeria com uma trajetória profissional de 46 anos, revelar um novo e raro talento que estamos apresentando nesta exposição”.  O talento apontado é o jovem pintor Rafael Guerra.

 

 

Sobre Rafael Guerra

 

Rafael Guerra, nascido no Recife, PE, o jovem de 27 anos seguiu sua paixão pela natureza e formou-se em Biologia na UFPE. Entretanto, seu desejo de estudar e observar a mesma natureza pelo viés artístico o levou a explorar suas habilidades na pintura, algo que até então era um mero passa tempo em sua vida. Assim, em 2009, ele se mudou para Itália, onde começou seus estudos em desenho e pintura na Florence Academy of Art (FAA), deixando a biologia para trás. Durante seu tempo na Academia, Rafael recebeu prêmios pelo seu desempenho estudantil, incluindo uma bolsa de estudos, que lhe garantiu uma estada de mais um ano na instituição de ensino. Durante este quarto ano na FAA, Guerra trabalhou com o Diretor do local, Daniel Graves, em seu estúdio em Florença. Paralelo a isso, o artista assumiu o papel de professor assistente no Programa Intensivo de Desenho da FAA durante um ano. Atualmente o pernambucano trabalha como pintor em Florença ao passo que está montando um estúdio pessoal no Sul da Finlândia e outro no Brasil, locais onde pretende dedicar seu tempo à pintura.

 

 

Até 12 de setembro.

Um Salto no Espaço

25/ago

Partindo de “Um Salto no Vazio”, do artista francês Yves Klein, a nova mostra da Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS, exibe múltiplas percepções do espaço.  A mostra ocorre por conta das comemorações dos 10 anos da Fundação Vera Chaves Barcellos. A organização é da artista plástica Vera Chaves Barcellos, que também preside a instituição. Essa mostra configura-se como uma múltipla abordagem do espaço tanto de sua forma mais literal,  – sua ocupação física – , como a de uma forma conceitual ou metafórica.

 

Partindo do “Salto no Vazio”, de Yves Klein, metáfora do fazer artístico por excelência, deste jogar-se de corpo inteiro numa ação de risco, e tendo como axis a representação museológica de um meteorito de Michel Zózimo, esta mostra, através de diferentes mídias, oferece um mergulho em tudo aquilo que pode gerar um trabalho artístico que se ofereça ao espectador como espaço de reflexão.

 

A exposição reúne um grupo expressivo de artistas brasileiros e alguns artistas europeus de diversas gerações, com trabalhos que apresentam desde a ocupação do espaço real à sua representação virtual, do espaço íntimo ao espaço urbano, do universo psicológico ao território social, da reconstrução ficcional ao documento do real, do cheio ao vazio, do sólido ao etéreo, da presença material ao jogo da imaginação.

 

Participam de “Um Salto no Espaço”: Angelo Venosa, Anna Bella Geiger, Claudio Goulart, Clovis Dariano, Daniel Acosta, Daniel Santiago, Elaine Tedesco, Eliane Prolik, Flávio Damm (foto), Goto, Lucia Koch, Luciano Zanette, Marlies Ritter, Mario Röhnelt, Nelson Wiegert, Michel Zózimo, Pedro Escosteguy, Regina Silveira, Regina Vater, Rochelle Costi, Romy Pocztaruk e Vera Chaves Barcellos, além da participação especial de Grégoire Dupond e Yves Klein.

 

Consolidando-se como uma instituição que difunde a produção artística contemporânea e estimula o debate em torno dela, a Fundação Vera Chaves Barcellos segue na promoção de encontros com artistas, palestras com teóricos e visitas mediadas, apostando, através do seu Programa Educativo, no potencial socialmente transformador da arte.

 

 

De 23 de agosto a 29 de novembro.  

LIMITES SEM LIMITES. DESENHOS E TRAÇOS DA ARTE POVERA

21/ago

 

A Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresenta a exposição “LIMITES SEM LIMITES. Desenhos e Traços da ARTE POVERA”, mostra de caráter internacional cuja curadoria é de Gianfranco Maraniello.

 

A Arte Povera marca um distanciamento decisivo com a tradição do “quadro” e dos gêneros artísticos tradicionais em favor da redução de sinais, do encontro com as formas do tempo e da experiência lutando contra o fetiche das obras. Quase todos os artistas do grupo abordaram a prática do desenho, mas com uma técnica muito específica e de renovação do modo considerado “tradicional” de desenhar. Esses artistas enxergavam as obras como janelas para observar o nosso comportamento, para fazer coincidir a arte com o mundo – e tomar o espaço da obra como uma experiência transitória para dar forma à vida e ao tempo. São trabalhos que por vezes parecem extrapolar o perímetro do desenho em direção ao mundo em movimento que está em frente ao trabalho. Sendo assim, o desenho torna-se um limiar do mundo – está também no espaço não circunscrito na parede. As obras feitas com desenhos e que serão apresentadas “fundem” essa técnica com outras, resultando na criação de obras importantes e, por vezes, bastante espetaculares. O tema do desenho, pouco estudado na Arte Povera, será o norte conceitual da exposição.

 

A mostra – na Fundação Iberê Camargo – é o primeiro grande exame do modo como os protagonistas do movimento interpretaram a prática do desenho. Tal técnica é empregada como um traçar, um delinear de signos que identificam e em conjunto superam as margens das obras, desconstruindo, portanto a sua execução, não somente para observação, mas incitando os espectadores a questionar a sua posição, a investigar a superfície do mundo como uma pele ou um limiar, e a considerar a proximidade de suas vidas com os processos naturais e a inesgotável energia da imaginação.

 

 

Sobre Gianfranco Maraniello

 

Nascido na Itália, em 1971. Formou-se em Filosofia e foi professor de Estética dos Novos Meios na Academia de Belas Artes de Brera, Milão. Foi curador do MACRO – Museo Arte Contemporanea de  Roma, 2002-2005, do Palazzo delle Papesse – Centro d’Arte Contemporanea di Siena e da VI Bienal Internacional de Arte de Xangai. Desde janeiro de 2013, é diretor da Instituição dos Museus de Bolonha, que inclui MAMbo, Museo Morandi e outros 11 museus pertencentes à cidade de Bolonha. Foi curador de várias mostras coletivas e individuais realizadas em museus e nacionais e internacionais. Foi autor de artigos e ensaios, encomendados por instituições tais como o Centre Georges Pompidou, Paris; Hiroshima City Museum of Contemporary Art;  Palais de Tokyo, Paris; Fundação de Serralves, Portugal e Galerie pele Zeitgenossiche Kunst , Leipzig.

 

 

De 22 de agosto a 02 de novembro.

Hildebrando de Castro na Paulo Darzé

20/ago

Hildebrando de Castro é pernambucano, mas vive em São Paulo. “Ilusões do real” é sua primeira exposição na Bahia, estreando  na Paulo Darzé Galeria de Arte, Corredor da Vitória Salvador.

 

 

Texto sobre o artista

 

Hildebrando de Castro tem uma trajetória singular, solitária e inteiramente pessoal. Autodidata, sempre teve a ousadia de pintar o que lhe interessa, de tratar obsessivamente um tema e passar a outro assunto quando o considera esgotado. O artista brinca com o desafio de criar a ilusão da realidade, e seu trabalho impressiona pela perfeição da execução – em qualquer uma das técnicas que utiliza. Sua obra é essencialmente narrativa, mas suas histórias não espelham a realidade, elas evocam um mundo paralelo – que o artista enxerga colado ao real. E Hildebrando vê coisas incríveis: a crueldade presente num espeto de corações de galinha, a perversidade inerente ao mundo infantil, a estranheza de seres humanos fantásticos, a agudeza por trás de um olhar flagrado, a impregnação da personalidade num retrato sem foco, a beleza aterrorizante da natureza nas suas manifestações de força. na sua pesquisa mais recente Hildebrando detém a luz que brinca sobre a arquitetura. Fixa sombras, revela detalhes e acentua contrastes. Daí resultam imagens quase concretistas, mas seu trabalho não se esgota na forma, pois, transcendendo a geometria, guarda de forma velada a presença humana que as criou. Sem se deixar guiar por regras ou modismos o artista se impõe como um dos mais originais e criativos do cenário artístico nacional.

Denise Mattar

 

 

Até 20 de setembro.