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O Bem e o Mal
A Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, recebe a exposição “Antonio Dias – Potência da Pintura”, com curadoria do crítico Paulo Sergio Duarte, que apresenta um recorte da produção mais recente do artista. As pinturas e esculturas produzidas entre 1999 e 2011 revelam os questionamentos atuais de Antonio Dias, que se volta com força para as questões pictóricas do pigmento, do plano e da composição, afastando-se dos objetos, instalações e telas tridimensionais característicos de sua produção dos anos 60 e 70, a parte mais divulgada de sua obra para o público. “Antonio Dias – Potência da Pintura” é composta, majoritariamente, por obras como “Refém: John Wayne encontra Harum Al-Hashid”, de 2007, e “Fornalha”, de 2006, montagens de telas que se encaixam e sobrepõem, sobre as quais são aplicadas tinta vermelha e branca, cobre, ouro e malaquite, em formas e texturas particulares. Essas composições incorporam traços característicos na trajetória de Antonio Dias, como o retângulo incompleto e o vermelho puro, recorrentes em sua obra desde as fases iniciais. Separando a pintura em elementos, Antonio Dias revela novas possibilidades para a bidimensionalidade da tela – que, em sobreposição, adquire um caráter tridimensional – e para os pigmentos, que se contaminam, fundem e variam.
Além das telas, integram a exposição objetos criados em bronze e argila, também parte da investigação mais recente do artista. “Duas torres”, obra de 2002, é composta por peças de bronze moldadas a partir de pilhas de latas, que passam a falsa impressão de um precário equilíbrio, em referência ao ataque terrorista ocorrido em Nova York, em 11 de setembro do ano anterior. Já as pequenas moradias de “Quatro casas” e “O bem e o mal” – algumas em cerâmica, outras em bronze – coexistem lado a lado, com suas portas abertas e objetos em escalas irreais, todas sem teto, obrigando o espectador a olhar do alto, em direção ao chão. No ar, os “Satélites” – peças em bronze moldadas a partir de latas de queijo e penduradas por fios de nylon – puxam o olhar para cima. O humor de Antonio Dias vem personificado na obra “Seu marido”, um boneco amarelo e peludo, sentado no átrio da Fundação, aparentemente apático – até que desperta, treme por alguns instantes e volta à imobilidade inicial, em um retrato divertido e crítico do homem contemporâneo. O público terá a chance de conhecer, no átrio, 3º e 4º andares da Fundação, trabalhos pouco vistos deste importante artista brasileiro e presenciar os desdobramentos mais recentes de sua obra.
Sobre o artista
Nascido em 1944, o artista aprendeu com o avô os rudimentos do desenho e foi aluno de Oswaldo Goeldi. A partir de 65, viveu em Paris, Milão e Nova York e, em 1977, passou uma temporada na Índia e no Nepal, estudando técnicas de produção de papel artesanal. Desde 1988, vive na Alemanha, onde é professor.
A palavra do curador
Esta é uma exposição de obras recentes de Antonio Dias. O bom é viajar pelas telas e pelas outras obras, mas a primeira tentação é compreender “recentes” em um cerco cronológico, pela datação da obra e, a partir do momento atual, recuar relativamente pouco no tempo e marcar assim um período: “recente”, aquilo que data de pouco tempo, novo, fresco. Afinal de contas, é esse mesmo o sentido da palavra. Mas é na sua evidência que o “recente” sutilmente aprisiona o nosso olhar e lhe retira a liberdade. E, tampouco, está livre a obra mantida no interior das barreiras do tempo recente. É uma dupla prisão – do olhar e da obra – construída pela evidência primeira do sentido de um adjetivo – recente – que simplifica em demasia a ordem do tempo. O que quer dizer ser recente? Quer dizer feito há pouco tempo. Aqui, nos últimos quatorze anos. Mas será que o tempo, na obra, se reduz a esse tempo do relógio, da ampulheta ou mesmo do grego cronos? Não, na obra de arte o presente traz uma história e seus fantasmas, e se essa obra é uma aventura que se prolonga ao longo de mais de cinco décadas é, também, uma história de conflitos. O que temos diante de nossos olhos não é uma acumulação de trabalho, nem a acumulação de um patrimônio tal como o capital de um portfólio de aplicações nas bolsas de valores; o que temos é o resultado mais recente de uma luta simbólica entre a matéria e o pensamento que atravessou muitas brigas até chegar a esse ponto; esse é o trabalho do artista. Tampouco temos diante de nós um “resultado”. Estamos diante de momentos de um processo. Veio de antes e prosseguirá. Não se trata, absolutamente, de examinar a obra como processo, de como ela é realizada nos seus métodos do fazer do ateliê, mas como processo de construção de uma vida inteira dedicada à arte. É outro processo, não aquele dedicado a ficar na cozinha do ateliê e examinar os procedimentos do artista nas misturas das tintas, nas camadas e superfícies que se superpõem; estudos de pigmentos e macetes do artífice. O “recente” esconde esses muitos tempos que temos diante de nós; tempos de elaboração de ideias, de suas substituições e de suas lutas para se materializar visualmente.
Essa luta para que a potência da arte se afirme diante de nossos olhos é o que está presente aqui nesta exposição.
De 13 de março a 18 de maio.