Antônio Roseno no CCBB Rio.

10/set

A exposição A.R.L. Vida e Obra, do fotógrafo e pintor brasileiro Antônio Roseno de Lima (1926-1998), entrou em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro. Vale conhecer a produção do artista outsider, natural de Alexandria, RN, que migrou para São Paulo e encontrou na arte a forma de se expressar. Semianalfabeto e morador da periferia de Campinas, A.R.L., como decidiu assinar suas obras, afirmando sua identidade como um cidadão, foi descoberto no final da década de 1980 pelo artista plástico e professor doutor do Instituto de Artes da UNICAMP, Geraldo Porto, que assina a curadoria da mostra. A exposição reúne mais de  90 obras, na sua grande maioria pinturas, principal suporte usado pelo artista. Há ainda à disposição do público 3 três reproduções  em 3D, facilitando a acessibilidade para pessoas com deficiência visual. A mostra, que já passou pelos CCBBs SP, BH e DF, fica no CCBB Rio até 28 de outubro, encerrando sua temporada.

O pintor tirou da sua própria realidade a inspiração para criar obras que são reflexo da mais pura e encantadora Art Brut, termo francês, criado por Jean Dubuffet, para designar a arte produzida livre da influência de estilos oficiais e imposições do mercado de arte, que muitas vezes utiliza materiais e técnicas inéditas e improváveis. Seus temas centrais foram autorretratos, onças, vacas, galos, bêbados, mulheres e presidentes. Apesar das condições precárias em que vivia na favela Três Marias, em Campinas (onde morou de 1962 até sua morte, em junho de 1998), Roseno expressava seus sonhos e observações do cotidiano através de suas pinturas, muitas vezes utilizando materiais improvisados encontrados no lixo: pedaços de latas, papelão, madeira e restos de esmalte sintético. Impressionado pela singularidade da obra de Antônio Roseno, o curador Geraldo Porto conta que a primeira vez que viu seus quadros foi em uma exposição coletiva de artistas primitivistas no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988.

Como forma de rebater reportagens da época, que o demonstravam como favelado, analfabeto e doente, passou a escrever em seus quadros em letras garrafais: “Sou um homem muito inteligente”, no intuito de se livrar dessas imagens tão negativas. A.R.L. viveu com Soledade, sua grande companheira na vida, e mesmo diante da devoção de sua mulher, o artista insistia em repetir em sua obra: “Nunca tive amor na vida”, independentemente das quase quatro décadas de relacionamento que os dois mantiveram.

Em 1991 Geraldo Porto fez a curadoria da primeira exposição individual de A.R.L., na galeria de arte contemporânea Casa Triângulo, de Ricardo Trevisan, em São Paulo. Logo após, uma televisão alemã fez uma matéria sobre Roseno, veiculada na Europa durante a Documenta de Kassel. O jornal brasileiro Folha de São Paulo recomendou sua mostra como uma das melhores da temporada. Seus trabalhos hoje figuram em publicações de renome mundial. Antônio Roseno faleceu em 1998, quando uma boa parte de seus trabalhos já estava em coleções de arte no Brasil e no exterior. Infelizmente, outra grande parte foi descartada pelo caminhão da prefeitura, chamado pela família para limpar a casa.

A emergência do novo.

O artista plástico Júlio Vieira ocupa o Centro Cultural Correios Rio de Janeiro com “Entrespaços”, exposição que apresenta pinturas em óleo e acrílica e objetos que exploram novas concepções de paisagem.

Em telas de grande e média escala, o artista sobrepõe e redimensiona múltiplas camadas para criar espaços imaginários. Indo além dos elementos orgânicos comuns na pintura de paisagem tradicional, o artista inclui em suas obras elementos territoriais, de identidade e subjetivos. Camadas e perspectivas são embaralhadas, possibilitando ao observador diferentes olhares sobre o seu entorno. Entre os elementos, todos retirados de lugares reais, estão referências coletadas por Júlio Vieira em seus deslocamentos cotidianos por metrópoles no Brasil e no exterior e homenagens à iconografia de artistas que admira. Segundo a curadora Daniela Avellar, os entrespaços são “espaços onde podemos perceber a emergência do novo”.

O artista ainda apresenta a série de bandeiras “7 ervas”, onde explora questões da pintura em formato tridimensional. Confeccionadas em veludo e feltro, cada uma delas traz bordada a imagem de uma erva relacionada a poderes de proteção na cultura brasileira, criando um espaço para o ritual e o sensível.

Até 26 de outubro.

Panorama sobre a década de 1980.

 

Com nome inspirado na música dos irmãos Marina Lima e Antônio Cícero, a exposição “Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil” vai ser inaugurada em 02 de outubro, no CCBB, Centro, Rio de Janeiro, RJ. Marina Lima autorizou o uso do título como também amou a homenagem dos curadores Raphael Fonseca, Amanda Tavares e Tálisson Melo, já que a música está completando 40 anos em 2024. “Fullgás”, assim como a música de Marina Lima, “…deseja que o público tenha contato com uma geração que depositou muito de sua energia existencial no fazer arte assim como em novos projetos de país e cidadania – uma geração que, nesse percurso, foi da intensidade à consciência da efemeridade das coisas, da vida”, dizem os curadores.

São mais ou menos 300 obras de artistas, como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Leda Catunda e Leonilson, e também de outros, de todas as regiões do país, como Jorge dos Anjos (MG), Kassia Borges (GO), Sérgio Lucena (PB), Vitória Basaia (MT), Raul Cruz (PR), apresentando um amplo panorama sobre a década de 1980. Além dos quadros, a mostra incluirá elementos da cultura visual da época, como revistas, panfletos, capas de discos e objetos.

A “Geração 80” ficou marcada com a mostra “Como vai você, Geração 80?”, no Parque Lage, em 1984. “Queremos mostrar que diversos artistas de fora do Rio e São Paulo também estavam produzindo na época e que outras coisas também aconteceram no mesmo período histórico, como, por exemplo, o “Videobrasil”, um ano antes, que destacava a produção de jovens videoartistas do país”, completam os curadores.

Performance ritualística.

09/set

Será realizado no dia 31 de agosto o lançamento do filme “rawo Bori: oferenda para a cabeça cósmica”, concebido a partir da apresentação da performance ritualística Bori no Octógono da Pina Luz, dirigido por Ayrson Heráclito em parceria com Lula Buarque de Hollanda. A sala de vídeo vai estar disponível até dia 02 de fevereiro de 2025 na Pina Luz em São Paulo.

O artista baiano Ayrson Heráclito, em “Bori” (2008/2022), adapta o ritual tradicional que saúda e fortalece a cabeça, evocando os Orixás, preservando elementos próprios dos terreiros enquanto aproxima o público não iniciado dessas práticas religiosas. Sua poética, ancorada na interpretação de ritos de religiões de matriz africana, busca criar perspectivas de cura para histórias de violência e narrativas da espiritualidade. A obra integra o acervo da Pinacoteca de São Paulo desde 2020 e foi apresentada no Octógono da Pina Luz em agosto de 2022, como parte da exposição “Ayrson Heráclito: Yorùbáiano”.

Sobre o artista

Ayrson Heráclito (Macaúbas, 1968). É artista, professor e curador. Possui doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo, e mestrado em Artes Visuais pela UFBA. Com um olhar particular, a obra de Ayrson Heráclito evidencia as raízes afro-brasileiras e seus elementos sagrados, projetando ações e práticas que compõem a história e a cultura da população negra. Seus trabalhos transitam entre instalações, performances, fotografias e produções audiovisuais que lidam com as conexões entre o continente africano e as diásporas negras nas Américas. O corpo é um elemento central de sua pesquisa, empregando referências rituais, principalmente do candomblé, como dendê, carne, açúcar e sangue, buscando relacioná-los ao patrimônio histórico e arquitetônico ligado ao comércio escravista. Entre 2008 e 2011, produziu a série intitulada Bori, que significa oferenda à cabeça. A performance apresenta uma espécie de rito no qual Ayrson Heráclito oferece a comida sacrificial ligada a cada um dos 12 principais orixás. São utilizados alimentos como milho, pipoca, quiabo, arroz e fava, colocados em torno da cabeça de cada performer, que estão deitados em esteiras de palha e vestidos com roupas brancas. Outro importante marco na carreira do artista foi Transmutação da Carne, iniciado em 1994. A obra surgiu a partir de um documento que descreve as torturas cometidas pelos senhores de engenho contra os escravizados. Em 2015, Ayrson Heráclito reapresentou Transmutação da Carne durante a exposição Terra Comunal, da artista sérvia Marina Abramovic (1946), no Sesc Pompéia, em São Paulo. Uma de suas principais pesquisas é Sacudimentos, sobre o tráfico negreiro entre a Bahia e o Senegal, realizada em 2015 e apresentada na 57ª Bienal de Veneza (2017). Composta por vídeos e fotografias, a obra é construída a partir de rituais de limpeza da Casa dos Escravos na Ilha de Goré e de um grande engenho de açúcar no Brasil, exorcizando os fantasmas da colonização. O artista participou da 57ª Bienal de Veneza (2017), Itália; Bienal de fotografia de Bamako, Mali (2015) e da Trienal de Luanda em Angola (2010). Em 2022, teve uma grande exposição individual, “Ayrson Heráclito: Yorùbáiano”, que contemplou décadas de produção na Estação Pinacoteca, em São Paulo. Foi um dos curadores-chefes da 3ª Bienal da Bahia, curador convidado do núcleo “Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica e Bahia” no projeto Histórias Afro-Atlânticas no MASP, que esteve em cartaz no MASP e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, em 2018. Recebeu o prêmio de Residência Artística em Dakar do Sesc_Videobrasil e a Raw Material Company, Senegal. Possui obras em acervos do Musem der Weltkulturen, Frankfurt; MAR – Museu de Arte do Rio; Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; MON, Curitiba; Videobrasil e Coleção Itaú.

Identidade artística de dois mundos.

“Re-localizando o Horizonte” inaugurou no Instituto Cervantes de São Paulo, SP. Trata-se de uma exposição coletiva com artistas da Argentina, Cuba, Chile e Brasil que celebra laços históricos, culturais e artísticos que uniram a Espanha à América Latina. Como destacou Gutiérrez Viñuales, catedrático em Arte Latino-americana no Departamento de História da Arte da Universidade de Granada, “a Espanha encontrou na América um espelho cultural onde se olhar e encontrar razões para sua própria identidade, enquanto que a América encontrou na tradição hispânica elementos plausíveis de serem revividos e entrelaçados com sua própria história, sua cultura e, portanto, sua arte, confirmando-se como um sustento da nacionalidade”.

A exposição “Re-localizando o Horizonte” celebra essas conexões, evidenciando como, ao longo do tempo, esses vínculos experimentaram tanto momentos de aproximação quanto de distanciamento. A mostra busca explorar a rica diversidade da arte latino-americana, ao mesmo tempo em que reflete sobre a influência mútua e as complexas relações que forjaram a identidade artística de ambos os mundos.

Curada por Mahara Martínez, a exposição coletiva apresenta uma seleção de obras de artistas latino-americanos que, através de diversos enfoques e meios, exploram a interseção entre a identidade cultural e as experiências pessoais. Os artistas Vero Murphy (Argentina), Mariana Tocornal (Chile), Larry Gonzalez (Cuba), Julia Retz (Brasil), Camila Bardehle (Chile), Nestor Arenas (Cuba), Evelyn Sosa (Cuba) e Renato Almeida (Brasil) oferecem, com suas obras, uma visão única que questiona e reinterpreta o ambiente natural e urbano a partir de uma perspectiva crítica e poética.

A exposição integra o projeto intitulado “Sentidos e sons de uma ilha”, que durante o mês de setembro incluirá eventos de música, exposições, palestras, literatura e cinema cubano.

Em cartaz até 05 de outubro.

Reflexões sobre a inclusão e a diversidade.

O artista visual Mauricio Kaschel apresenta até 26 de outubro a exposição “Atípico”, no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba (MACC), SP, sob curadoria de Claudia Lopes, onde apresenta uma proposta sobre a reflexão dos padrões sociais estabelecidos, celebrando a singularidade de cada indivíduo e questionando conceitos de normalidade e anormalidade. O artista desenvolveu uma produção que desafia as convenções estéticas e narrativas tradicionais. Utilizando uma paleta monocromática e o papelão como suporte, suas obras dialogam com a solitude e a introspecção, convidando o público a refletir sobre a inclusão e a diversidade. Suas figuras solitárias, em poses meditativas, expressam a complexidade de sua experiência como indivíduo.

A curadora Claudia Lopes destaca que a exposição “Atípico” é um manifesto visual que questiona as normas sociais e celebra a diferença. Segundo ela, “ao desvendar os mistérios do papelão e da cor, o artista nos convida a olhar além das aparências e a reconhecer a beleza na diversidade humana”. Essa abordagem introspectiva é fundamental para a compreensão do trabalho de Mauricio Kaschel, que utiliza sua arte como uma ferramenta para explorar sua identidade e o lugar do indivíduo na sociedade. Sua produção é marcada por uma técnica autodidata que alia experimentação a uma meticulosa atenção aos detalhes. Sua escolha pelo suporte rústico e imperfeito reflete seu desejo de criar uma conexão direta com a realidade material e as deficiências existentes na vida cotidiana. Cada corte no papelão simboliza as cicatrizes da existência humana, refletindo sua jornada pessoal e artística.

“Atípico” também integra a condição neuro divergente de Mauricio Kaschel em sua prática artística. Diagnosticado no Espectro Autista nível 1 aos 35 anos, encontrou na arte um meio de expressão que transcende as limitações impostas pelas normas sociais. “Atípico” é, portanto, uma afirmação de sua identidade e não uma celebração da neurodiversidade, abordando temas como autenticidade, autorreflexão e alerta social. A mostra propõe uma reflexão sobre as relações humanas no contexto da arte contemporânea. O trabalho de Mauricio Kaschel valoriza a autoaceitação, desafiando as normas e expectativas da sociedade. Claudia Lopes observa que, em um mundo que frequentemente busca conformidade, “Atípico”, um grito de liberdade e aceitação, celebrando a pluralidade humana em todas as suas formas, convida o público a um diálogo introspectivo. Nas profundezas do azul, por exemplo, o artista encontra os segredos antigos, os mistérios do universo ecoando nas dobras do material. Cada obra é uma dança entre luz e sombra, um eco das palavras não ditas que reverberam na memória do observador. “Atípico” se posiciona como uma reflexão profunda sobre a arte e a condição humana, explorando suas complexidades e o fazer artístico como meio de expressão individual e coletiva. A exposição oferece ao público uma oportunidade única de se engajar com questões fundamentais sobre a identidade, a diferença e a inclusão, através do olhar sensível e da técnica apurada de Mauricio Kaschel.

Sobre o artista

Maurício Kaschel (Campinas, SP) – iniciou sua trajetória artística aos 12 anos, com uma exposição no Hospital de Câncer Infantil Boldrini, onde foi tratado de uma grave condição de saúde. Graduado em Cinema pela Faculdade de Cinema e Mídias Digitais (Brasília, DF), dedicou uma década ao audiovisual, atuando como roteirista e colorista. Publicou livros infantis e infantojuvenis, e exerceu diversas funções além de professor de artes e storytelling. Em 2022, redirecionou seu foco para as artes visuais, sendo reconhecido em 2023 com o prêmio do 45º Salão de Artes Plásticas Waldemar Belisário, em Ilhabela, SP. Participou de residência artística no Ateliê Ziriguidum, em Poços de Caldas, MG, e já expôs suas obras em diversas mostras, individuais e coletivas, incluindo “Caminho” (2023), Salão de Arte UNIVAP (2024) e a XX Mostra de Arte do Vale do Paraíba (2024).

A leveza da arte de Gianguido Bonfanti.

06/set

A Galeria Evandro Carneiro Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, anuncia a Exposição Gianguido Bonfanti, que estará aberta ao público de 14 de setembro a 05 de outubro. A  mostra individual traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro com uma abordagem que opta pela leveza da arte sem drama. Além das pinturas, a exposição conta também com esculturas, desenhos e um conjunto de cerâmicas-instalações. Algumas dessas cerâmicas serão apresentadas em um livro-objeto, que será lançado durante o período do evento. A edição especial e limitada foi idealizada por Alberto Saraiva e criada por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas expostas por Bonfanti no Parque Lage em 2023. A curadoria da exposição é de Evandro Carneiro.

Sobre o artista:

“As obras que transcendem o tempo, transcendem porque têm a ordem cósmica dentro delas. Nós somos estruturados pela ordem cósmica, tanto na matéria quanto no espírito, na energia. Quando há esse mergulho profundo, há um encontro com a origem e, então, se pinta determinado pela ordem cósmica. Ao mesmo tempo tingindo a obra com a singularidade do artista e com o momento histórico. São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico, as leis do Universo. Eu acho que as grandes obras transcendem o momento histórico delas porque foram estruturadas pela lei universal. Então elas não têm tempo, são atemporais.” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora).

Gianguido Bonfanti nasceu em São Paulo, no seio de uma família italiana, em 1948. Dois anos depois, seus pais voltam a residir no Rio de Janeiro, onde já haviam morado, desde que chegaram ao Brasil. Em 1962, ainda adolescente, o artista se torna aluno de Poty Lazzarotto, amigo de seu pai, e inicia o seu aprendizado artístico. Após cinco anos, já expunha na Galeria Santa Rosa, RJ, junto com outros jovens artistas. No ano seguinte entra para a Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Em 1971 pede transferência do curso de arquitetura para a Faculdade de Arquitetura de Roma, mas chegando lá, passa a frequentar com entusiasmo a Academia dei Belle Arti, matriculando-se nos cursos de modelo vivo e gravura. Ainda nesta viagem à Itália, uma exposição de gravuras de Pablo Picasso o impacta irreversivelmente. Gianguido decide, então, viver da e para a arte. Em seu retorno ao Brasil (1973), expõe no Centro Cultural Lume, RJ, a sua primeira individual, com desenhos produzidos em Roma e se aprofunda no aprendizado da gravura, com Marília Rodrigues na EAB – Escolinha de Arte do Brasil. Em 1974 realiza a mostra Desenhos de G. Bonfanti no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba, PR, e conquista vários prêmios, dentre os quais, as primeiras colocações nos Salões de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Paranaense, no Concurso Nacional de Artes Plásticas, todos na categoria desenho. Sua obra era, então, bastante inspirada pela estética medieval europeia, quase como num sopro de outras vidas, mas também continha vestígios de uma experiência passada há pouco tempo: o velejo. Figuras bestiais amarradas umas às outras e se controlando mutuamente, ora humanos e ora animais, convivem em cenas quase sempre fantásticas.  Nesses desenhos, as amarras são claramente os mecanismos da vela, memórias de quando Gianguido participava ativamente de regatas, em sua adolescência e tenra juventude, e vivia a vida no mar.  Ainda durante a década de 1970, sob a influência do mestre Poty, trabalha ilustrando livros, jornais e revistas. Ao mesmo tempo, passa a integrar o seleto grupo de professores da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, dando aulas de gravura e fotogravura na gestão revolucionária de Rubens Gerchman. Era uma época de efervescência cultural e política, dentro e fora da EAV. E de muito trabalho para Bonfanti que, além de professor e artista, passou a realizar pesquisas ontológicas, por meio da fotografia, no Instituto de Doenças Tropicais da Av. Presidente Vargas, a partir do que compõe “gravuras que são reproduções fiéis dos slides que consegui com os médicos” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora). No mesmo período analisa cadáveres da Escola de Medicina da URFJ, na Frei Caneca. Essas experiências significaram um olhar aprofundado às doenças do ser humano. Não de cada um daqueles sujeitos retratados, mas um estudo sobre a doença e a possibilidade da cura. Um tipo de catarse ao passar por anos sofridos. Esse viés realista e angustiante sobre a humanidade se perpetua em fases seguintes de sua obra, mas com linguagens totalmente diferentes. Ao findar a década de 1970, Bonfanti já se tornara um exímio gravador e recebe prêmios de gravura em mostras e salões. Sua obra nesse período apresenta certa continuidade com a fase anterior. Desenhos e gravuras têm temáticas e cenas semelhantes. O fundo branco vai sendo mais utilizado e as figuras vão, aos poucos, se tornando menos desenhadas e mais expressivas, já prenunciando as fantasmagorias vindouras em suas telas e a opção pela pintura. Os anos 1980 iniciam um movimento de reviravolta na vida do artista: ele começa a pintar com pastel seco e tinta a óleo, passa a lecionar gravura também na PUC-Rio e ali conhece Marisa, sua esposa até hoje e mãe de suas filhas. Inspiração maior que o amor não há! Ao decidir-se pela pintura, buscou aprender com os restauradores, procurando referências no melhor do métier: Edson Motta Filho e Marilka Mendes, a fim de conhecer tudo o que se podia sobre as tintas e os suportes. Afinal, como se nota na epígrafe escolhida para esse texto, a preocupação com a conservação de uma obra de arte se liga ao tempo da longa duração e da permanência histórica. Não que seja este o objetivo, mas há esta preocupação em preparar cuidadosamente a tela sobre a qual, depois de alguma espera, o artista irá derramar a sua energia, gerando um movimento cósmico. “O pintor tem por obrigação conhecer, profundamente, os materiais e seus comportamentos. Estabelecer um diálogo íntimo, mais que isso, um encontro com seus instrumentos de trabalho, num respeito referencial aos mesmos. É dessa cumplicidade que ele obterá os melhores resultados. Acredito num sacerdócio da pintura.” (Bonfanti in Coutinho, Wilson. Rio Artes no 23 – maio 1996, p. 11). Os anos 1990 são marcados pela pintura “vermelha”, como diz o próprio artista, em que sua obra é pura expressão e densidade. As tintas se revelam e se avolumam nas enormes telas magentas. Daí as associações feitas com a Escola Inglesa (Lucien Freud, Frank Auerbach e Francis Bacon) e, também, com o brasileiro Iberê Camargo. Bonfanti mesmo confessa que quando conheceu a obra de Auerbach, em Nova Iorque, 1996, ficou “chocado” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Frederico Morais chamou atenção para o erotismo dessa fase (Morais, 1996 – Catálogo da Exposição do MAM-RJ).Sem dúvida há falos monstruosos e cenas com conotação sexual. Porém, toda a meditação ontológica se junta à matéria artística, ao gesto, à energia do artista. A sua pintura transcende ao desejo subjetivo. O carnal aí não é egóico, mas transcendental. “Mas a pintura vibrante de Bonfanti escapa tanto da hipervisibilidade do obsceno, quanto do vazio ou da inautenticidade do pornográfico. Em primeiro lugar, porque, o que vemos nesses quadros é o ato sexual levado ao clímax da religiosidade. Por um momento, revejo numas telas o esquema formal da Pietá de Villeneuve, pressinto noutras, o êxtase sexual igualando-se ao êxtase místico”. (Morais, 1996, p. 3). A passagem dos anos 1990 para os 2000 vai do vermelho ao ocre e passa “do dois ao três” na dialética das personagens, mas também tendo em mente o que o artista diz na epígrafe deste texto: “São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico” (Bonfanti, 2024). Os temas não variam tanto: as cenas continuam a expressar o drama humano e se repetem muito, com gravidade e urgência, num jogo de latências e ardências em que os sujeitos se observam e tentam curar-se, repetidamente. É como se a sua pesquisa ontológica tivesse chegado ao clímax da reflexão acerca da experiência histórica e precisasse de uma pausa. Quase uma parada no tempo cronológico, um páthos pela humanidade, na fundação de um tempo mítico. “No que se refere aos autorretratos e às cenas com dois ou três personagens, a própria repetição os aprofunda, e os eleva ao nível do mito, isto é, ao nível em que não é possível deixar de acolhê-los como mitos. Tal repetição, com efeito, é uma atividade ritual, e o ritual, uma vez percebido como tal, pressupõe uma explicação mítica, que nos incomoda, quando não lhe atribuímos.” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Assim entendidas como míticas, as cenas densas e fantasmagóricas já não incomodam, mas transcendem. Talvez por isso, a década de 2020 seja caracterizada pela retirada da cena na pintura de Gianguido: “Eu fiz um grande esforço no passar dos anos para abandonar as cenas, para me concentrar mais na pintura em si. Porque a cena é sempre uma leitura de uma situação humana, e eu estou tentando fugir da história, fugir da cena. É o que estou tentando com a minha pintura nos últimos anos. Me concentrar na pintura, para ela se apresentar em si.” (Bonfanti, 2024, em conversa com a autora). A exposição da Galeria Evandro Carneiro traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro e decidido pela leveza da arte sem drama. Sua pintura se apresenta, suave, em contornos mais coloridos e formas cheias de energia. O branco no fundo retorna como em seus desenhos iniciais. Autorretratos ou não, os rostos e linhas são alegóricos. Atingem um tempo universal.  Há, ainda, na mostra, esculturas e desenhos. Um conjunto de cerâmicas-instalações compõem também a coleção ora apresentada e algumas delas são encaixadas no livro-objeto que é lançado na mesma ocasião do evento. Uma edição primorosa e limitada, idealizada por Alberto Saraiva e criado por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas da exposição do artista no Parque Lage, em 2023. A publicação e a mostra de Gianguido Bonfanti não podem ser perdidas.

Laura Olivieri Carneiro.

Agosto de 2024

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Um olhar arqueológico

O artista plástico Osvaldo Carvalho inaugurou a individual “Aspectos de uma cidade” no Ateliê 31, Centro do Rio de Janeiro. A mostra reúne 25 pinturas em dimensões diversas, produzidas após o período pandêmico.

A exposição com curadoria de Shannon Botelho, propõe um mergulho na complexidade do espaço urbano e suas dinâmicas cotidianas. Com um olhar arqueológico sobre o tempo presente, a pesquisa do artista explora as estruturas sociais e os conflitos diários que moldam a vida nas cidades. Através de suas pinturas, Osvaldo Carvalho captura o aqui e o agora em um contexto onde virtualidades, algoritmos e fragmentos coexistem. Suas obras, ricas em cores, figuras e contrastes, refletem as tensões e rupturas da vida urbana, convidando o público a refletir sobre o que permanece e o que está por vir.

Em sua recente pesquisa, Osvaldo Carvalho se debruça sobre imagens e referências da cultura e da cidade, explorando o vocabulário visual contemporâneo e as contradições de um imaginário moldado por ideologias, conflitos e poder. Fragmentos de cenas, situações e detalhes do cotidiano emergem como expressão de uma prática artística que desafia e ressignifica o olhar sobre a cidade. “Aspectos de uma cidade” apresenta um conjunto representativo do seu trabalho. “A problematização dos ‘lugares comuns’ das cenas prosaicas, experimentadas no dia a dia, é uma constante nos trabalhos que abordam, cada qual a seu modo, as peculiaridades de uma cidade tão complexa e desigual, quanto sedutora e inebriante”, descreve Shannon Botelho.

As 25 pinturas exibidas na mostra fazem parte das cinco séries “Pequenas Dissensões”, “Caixas e Caixotes”, “Celebração”, “Empreendedores” e “Balada”. As duas primeiras “estabelecem uma problematização sobre os objetos-imagens com os quais lidamos diariamente, com um certo grau de ironia e problematização sobre a sua descartabilidade e multiplicidade, como em um libelo anti-pop”. Já nas séries seguintes, o artista “indica mais um aspecto da reflexão, desta vez, marcada pela violência e pela desigualdade social, agravadas pelo racismo estrutural que vigora não só em nossa cidade, mas também em todo país”, diz o curador.

A exposição propõe um campo de debate, onde a ironia das situações e dos contextos convida à reflexão sobre nossas condições de vida, nossas escolhas e as ações cotidianas que sustentam o status quo. Osvaldo Carvalho traz à tona sua perspectiva a partir da zona norte do Rio de Janeiro, abordando temas como desigualdade social e violência urbana, muitas vezes com referências diretas. Ele faz isso dentro do universo pictórico, consciente do ambiente saturado de imagens, e busca capturar a atenção do espectador com uma paleta marcante e composições que desafiam o olhar, criando conexões e sobreposições de elementos que provocam a reflexão e estão longe de serem acidentais. “Aspetos de uma Cidade”, funda-se como um lugar propício para nos encontrarmos com o tempo presente, revisitarmos o passado e desenharmos outro futuro, diferente do qual que desde agora avistamos”, conclui Shanon Botelho no texto curatorial.

Sobre o artista

Osvaldo Carvalho nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, RJ, em 1976. Pintor. Mestre em Poéticas Visuais (ECA-USP), inicia seus estudos artísticos no EAV- Parque Lage (Rio de Janeiro) e Museu do Ingá (Niterói), aprofundando sua pesquisa em 2000 com o Prêmio Interferências Urbanas. Seu olhar permeia signos do imaginário da cultura de massa, publicidade, objetos e interiores domésticos e uma reflexão sobre a paisagem pública e urbana. O artista questiona estruturas de poder, nas esferas micro e macro-políticas, em inúmeras séries desdobradas em linguagens como a pintura, desenho, escultura, fotografia e vídeo. Seu trabalho já foi visto na França, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Portugal, Colômbia e ocupa acervos importantes como o do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul), Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Coleção SESC Amapá. Foi finalista do prêmio Marcantonio Vilaça em 2019, além de outros prêmios ao longo de sua carreira.

Até 04 de outubro.

A síntese da obra de Bob Wolfenson

05/set

A Galeria Mario Cohen, Jardim Europa, São Paulo, SP, apresenta em exibição a mostra “Instante Construído”, individual de Bob Wolfenson.

Ao longo de uma carreira, Bob Wolfenson, em mais de 50 anos se consolidou como um dos principais fotógrafos brasileiros. Transitando entre diversos gêneros, como fotografias autorais, retratos e editoriais de moda. Esta exposição apresenta uma síntese deste vasto percurso na fotografia.

Para J.R.Duran, que assina o texto crítico, “Bob Wolfenson sabe muito bem que a fotografia não é sobre a coisa fotografada; é sobre como aquela coisa aparece fotografada”. Nesta exposição, dentre o grande acervo de Bob Wolfenson, o foco está nas fotografias de moda. J. R. Duran também comenta que “As fotos de moda de Bob Wolfenson não saem de moda. É uma caraterística ímpar.” Para Bob Wolfenson, a fotografia de moda precisa de uma imersão, as sessões duram horas até chegar ao resultado esperado, a cena que se concretiza no que o artista chama de o “instante construído”.

Nova representação para Ana Silva

A Gentil Carioca, Rio de Janeiro e São Paulo, anuncia a representação da artista Ana Silva.

Nascida em Calulo, Angola, a artista vive e trabalha em Lisboa, Portugal, e se expressa por meio da diversidade dos materiais que utiliza. Tela, madeira, metal, tinta acrílica e tecido são elementos que compõem e dão forma à sua arte. Durante suas caminhadas pelos mercados de Luanda, começou a distorcer o uso primário de sacos de ráfia e outros artefatos para um trabalho de memória; de objetos abandonados a objetos revividos: “Não consigo separar meu trabalho da minha experiência em Angola, em uma época em que o acesso a materiais era difícil devido à guerra de independência e à guerra civil. Minha criatividade nasceu da exploração de meu ambiente imediato. Essa experiência teve um grande impacto em minha maneira de trabalhar e em minha vida de modo geral.”

Em 2023 participou das exposições coletivas Ocultas Marés: Ana Silva & Marcela Cantuária, n’A Gentil Carioca São Paulo e Constellation na Galerie MAGNIN-A em Paris, França. Em 2022, realizou a individual Vestir Memórias, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea em Almada, Portugal. No mesmo ano, também participou do Festival International des Textiles Extraordinaires, em Clermont Ferrand, na França.