O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a exposição
“Álbum de família”, com cerca de quarenta trabalhos emblemáticos de mais de vinte artistas
brasileiros e estrangeiros, como Adriana Varejão, Anna Bella Geiger, Bill Viola, Candice Breitz,
Charif Benhelima, Fábio Morais, Gillian Wearing, Jonathas de Andrade, Michel Journiac,
Ricardo Basbaum, Rosângela Rennó, Santu Mofokeng, Tracey Rose, Victor Burgin e Zanele
Muholi, que ocuparão todas as salas expositivas da instituição. “Álbum de família” terá
pinturas, objetos, fotografias, desenhos, videoinstalações, instalações sonoras e filmes. A
mostra será acompanhada de um seminário transdisciplinar, nos dias 25, 26 e 27 de agosto.
“A exposição vem em um momento em que o conceito de família é revisto, em que se
elaboram novas leis relativas a relações homoafetivas e à adoção, em que aumentam as
denúncias de violência sexual doméstica, em que surgem mais asilos particulares e,
consequentemente, mais idosos são privados do convívio familiar, e em que, paralelamente,
grupos conservadores procuram manter intacto a imagem e o modelo tradicional de família”,
observa a curadora Daniella Géo. Ela conta que ao longo da história da arte “o retrato sempre
ocupou lugar privilegiado na produção artística, e o retrato de família, para além de sua
qualidade plástica, serviu, com freqüência, à afirmação do status social, da linhagem, da
coesão familiar, da hierarquia patriarcal, entre outros valores que, ao mesmo tempo, refletiam
e reforçavam o ideário da família-pilar da sociedade”.
A mostra reflete sobre a família e suas questões, como um tema permanente da produção
artística. “Em sua abordagem contemporânea, as obras vêm abarcar perspectivas mais amplas
e íntimas, nas quais a família é pensada e representada em relação a questões de ordens
diversas, sejam elas sociais, políticas, econômicas, psicológicas, afetivas, religiosas, morais
etc”, observa a curadora. Desde diferentes configurações ao ideário matrimonial, passando
pelo abuso de poder e violência doméstica, até a família como construção política, a exposição
aborda ainda laços familiares, amor e noção de coesão à ausência, perda e solidão; espaço
íntimo e dimensão pública; mito e estereótipos, e de como a sociedade afeta e é afetada pelas
famílias.
Estão na exposição obras de nove artistas brasileiros – Adriana Varejão, Anna Bella Geiger,
Dias & Riedweg, Fabio Morais, Jonathas de Andrade, Leonora Weissmann, Julian Germain,
Murilo Godoy, Patricia Azevedo e jovens que vivem nas ruas de Belo Horizonte, Ricardo
Basbaum, Rosana Palazian e Rosângela Rennó, e trabalhos dos artistas Bill Viola, Daniel W.
Coburn, Candice Breitz, Charif Benhelima, Gillian Wearing, Michel Journiac, Richard Billingham,
Santu Mofokeng, Sue Williamson, Tracey Rose, Victor Burgin, Zanele Muholi.
SOBRE AS OBRAS
De Adriana Varejão estarão três pinturas: a pouco conhecida “Em Segredo” (2003), que evoca
amor, gestação, aborto, tabu, perda;e “Filho Bastardo (estudo)”, de 1991, que trata da
construção colonialista da “família brasileira” ou da nação por atos de violência sexual. Anna
Bella Geiger participa com o díptico “Brasil Nativo – Brasil Alienígena” (1977), que coloca em
questão a noção de origem e identidade nacional, e evoca noções de domesticidade e o lugar
da mulher na família; e com o livro de artista “Encontros” (1974), uma espécie de diário sobre
encontros marcantes em sua vida, reais e imaginários, em que aparece com membros de sua
família direta ou com artistas de referência. O emocionante vídeo de Bill Viola, “The Passing”
(1991, 56’), um dos marcos da narrativa visual do século 20, trata da existência, do ciclo de
vida e morte, e inclui imagens do filho recém-nascido, e da mãe, em suas últimas horas de
vida. A videoinstalação “Mother” (2005, 13’30), de Candice Breitz, em seis canais, é composta
de imagens apropriadas de filmes hollywoodianos, e põe em questão estereótipos. De Charif
Benhelima estarão quatro fotografias e seis pequenos textos da série “Welcome to Belgium”
(1990-1999), e o livro de artista “Semites: The Album” (2003-2005), que evocam sua posição
social de órfão de mãe belga e pai de origem marroquina sefardita, em uma sociedade em que
a discriminação é institucionalizada. Em “Semites, ele combina fotografias de álbuns de família
(sua e de outros), fotografias de arquivo e de documentos de identidade, de pessoas de
origem semita – tanto judeus quanto árabes – fazendo alusão não somente a sua própria
origem, como a noções de identidade cultural, e de memória ou esquecimento. Daniel W.
Coburn mostra nove fotografias de 2014 encenadas por membros de sua família, como forma
de representar os altos e baixos da convivência afetiva. Na videoinstalação “Os Raimundos, os
Severinos e os Franciscos” (1998, 4’, e fotografia colorida), Dias & Riedweg abordam o universo
dos porteiros que trabalham em edifícios da cidade de São Paulo, e tratam da noção de família
em sua relação com a identidade cultural, regional, e a imigração. Fábio Morais, em seu livro
de artista “Foto… Bio… Grafia…” (2002), traz uma imagem fotográfica de uma criança, junto a
um homem que talvez seja seu pai, escavada livro adentro, sendo esvaziada de sua história e
evocando a noção de ausência e perda. Em seu vídeo “Trauma” (2000, 30’), Gillian Wearing –
vencedora do Turner Prize de 1997, e detentora da Ordem do Império Britânico (OBE) – traz
depoimentos sobre abuso acontecido dentro do núcleo familiar, gravado em uma microssala,
que faz alusão a um confessionário. A fotoinstalação “amor e felicidade no casamento” (2007),
de Jonathas de Andrade, põe em questão a noção conservadora de casamento e sua
representação de amor e felicidade. As pinturas “Eu, Theo e a Gruta” (2012) e “Gruta para
mamãe” /”Série Florestas Encantadas” (2010) de Leonora Weissmann mostram sua mãe junto
a uma gruta e um autorretrato com seu filho, então bebê, também junto a uma gruta, em
alusão à nossa gênese, à existência, ao que nos é primitivo. Michel Journiac, referência da arte
corporal e performática francesa, discute as relações afetivas e suas disfunções na série de
fotoperformances “L’inceste (O Incesto”)/”Mère-amante Fils-garçon-amant Fils-voyeur” (Mãe-
amante Filho-menino-amante Filho-voyeur), de 1975, de 1972. O coletivo No olho da rua 1995
> 2015 (Julian Germain, Murilo Godoy, Patricia Azevedo e jovens que vivem nas ruas de Belo
Horizonte) apresenta, em forma de jornal, parte do projeto que desenvolve há vinte anos, com
pessoas em situação de rua, resultando em uma outra noção de família e suas relações
afetivas. Na instalação sonora inédita, feita especialmente para a mostra, Ricardo Basbaum
coordena uma oficina em que o grupo de participantes discute o familiar e o estrangeiro. Em
sua segunda apresentação pública, e a primeira fora da Inglaterra, o filme “RAY” (2015), feito
originalmente em 16mm e transposto para digital HD, Richard Billingham – artista finalista do
Turner Prize de 2001 – usa atores para revisitar a vida cotidiana de seu pai alcoólatra e sua
mãe violenta. Rosana Palazyan apresenta a série de desenhos “… uma história que você nunca
mais esqueceu?” (2000/2002), compostos a partir de relatos de menores internos em
instituição penal no Rio de Janeiro, que abordam suas famílias e situações de violência
doméstica e urbana. Rosângela Rennó apresenta uma seleção de trabalhos da série “Corpo da
Alma. O Estado do Mundo” (2003), compostos de fotografias apropriadas da imprensa, com
intervenções suas, que mostram pessoas que perderam entes queridos em atos de violência
urbana, além de retratos das próprias vítimas. Santu Mofokeng faz a projeção da série de
fotografias “The Black Photo Album – Look at me”, apropriadas de álbuns de famílias negras
prósperas na África do Sul, no final do XIX e início do XX. Sue Williamson registra no
videorretrato “Better lives” (2003, 3’05), feito inicialmente em 35mm e transferido depois para
DVD, imagens posadas de imigrantes que buscaram uma vida melhor na África do Sul e
deixaram suas famílias para trás.Tracey Rose realiza o vídeo “Just What Is It That Makes
Today’s Children So Different, So Appealing?” (2005/2007), em que crianças encenam, como
em uma brincadeira, situações familiares que lhes são comuns, mas que tratam de violência
doméstica, abuso, assistência social, entre outros temas. Victor Burgin, em seu livro de artista
de 1977, trata de como o modelo capitalista afetou e transformou a família através das novas
relações de trabalho. Zanele Muholi documenta casais de mulheres negras na África do Sul, na
série “Being”, de 2007.
SOBRE A CURADORA
Daniella Géo é curadora independente e crítica residente entre Antuérpia, Bélgica, e Rio de
Janeiro. Doutora e mestre em Estudos cinematográficos e audiovisuais pela Sorbonne
Nouvelle-Paris III. Atualmente, é co-curadora da 4e Biennale de Lubumbashi, RDCongo (2015).
Foi co-curadora da 5e Biennale internationale de la Photographie et des Arts visuels de Liège.
Curadorias recentes incluem as retrospectivas Roger Ballen: Transfigurações, fotografias 1968-
2012, MAC-USP (até 27 de setembro de 2015), MON, Curitiba (2013-2014), MAM-Rio (2012);
Charif Benhelima: Polaroid 1998-2012, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba (de 05 de dezembro
de 2015 a 20 de março de 2016), MAC de Niterói (2013). É professora da Escola de Artes
Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, e conferencista convidada do Hoger Instituut voor
Schone Kunsten, Gent, Bélgica. É curadora associada do Artist Pension Trust, NY.
SEMINÁRIO
O seminário, que terá a presença de, propõe gerar um debate sobre as diversas questões
evocadas pelas obras em exposição, sem se limitar às perspectivas do campo das artes visuais.
“Busca, ao contrário, proporcionar um diálogo entre diferentes campos de saber e, assim,
promover um debate amplo sobre problemáticas atuais relativas à família e relacionar
profundamente arte e vida”, explica Daniella Géo.
De 01 de agosto a 19 de setembro.