A Casa França-Brasil, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta a exposição “José Damasceno – Cirandar Todos”, com quatro instalações inéditas de José Damasceno, destacado artista da cena contemporânea. Com curadoria de Ligia Canongia, as obras têm em comum o diálogo com a arquitetura do espaço.
Na área central da Casa França-Brasil estará a instalação “Cirandar Todos”, que dá nome à exposição e será constituída por 150 manequins de madeira, de trinta centímetros de altura, unidos uns aos outros por um ímã não aparente, que será colocado em suas mãos, sem qualquer outro aparato de colagem ou sustentação, formando um círculo de aproximadamente nove metros de diâmetro. A instalação tem uma relação com a antiga e popular dança infantil da ciranda. Outra questão discutida neste trabalho é a escala “criando uma atmosfera ao mesmo tempo lúdica e desconcertante”, diz a curadora Ligia Canongia. “A instalação com essas miniaturas tem por princípio o embate com a escala monumental da Casa França-Brasil, subvertendo as expectativas e o uso que dela se faz habitualmente. O elemento surpresa e a perplexidade que tal obra deverá provocar são parte constituinte da concepção do artista”, afirma. As instalações “Monitor-Crayon”, “1/4” e “BRmm” estarão nas salas laterais, e também dialogam com a arquitetura da Casa França-Brasil.
“Monitor-Crayon” é um grande painel, de 240cm x 350cm x 9cm, composto por 75 mil peças de giz de cera, pesando ao total quase uma tonelada, justapostos apenas por encaixe, sem nenhum tipo de cola. O acaso é um fator primordial neste trabalho, em que as peças de giz são retiradas das caixas (25 mil ao todo) e embaralhadas, criando uma paleta de cores aleatórias. Este trabalho é um desdobramento da obra apresentada na exposição “Viagem à Lua”, no Pavilhão Brasileiro da Bienal de Veneza, em 2007. A formação abstrata da imagem colorida “que daí advém produz um pulsar constante no olhar do espectador e relaciona-se com o processo dos pixels nas transmissões televisas, como se a obra os materializasse em objetos”, ressalta a curadora.
Na mesma sala, estará a escultura “1/4” (2013/2014), composta por duas elipses sólidas de aço cortén, medindo 40cm x 27,5cm x 4cm, sendo que uma estará na parede e a outra no chão, “perfazendo um círculo imaginário e apenas sugerido, que, na imaginação do público, continuaria seu percurso cortando a parede e o chão. Dois pequenos objetos, portanto, supondo a enorme circularidade que perfuraria e costuraria os espaços da Casa França-Brasil”, conta a curadora.
Em outra sala estará a obra “BRmm” (2003/2014), pensada para um dos espaços da exposição, composta por uma colagem de centenas de recortes de papel jornal, no formato do mapa do Brasil. A colagem tem a forma da quina da sala onde estará exposta, em tamanho real, com seus vértices e arestas. Depois de pronta, a obra é então suspensa do teto, em meio ao espaço expositivo, reproduzindo o canto da sala, a confluência entre paredes e teto. “A própria sala de onde provêm as arestas/colagens obtidas, logo em seguida, as deve acolher numa continuidade imersiva de formas e espaços. A reconfiguração do espaço tornado objeto é ao mesmo tempo hipótese dadas aquelas linhas construídas com os recortes de papel jornal, substrato projetivo”, afirma José Damasceno. “Tal trabalho, com esse deslocamento dos cantos para o centro, potencializa e simultaneamente subverte o espaço onde se encontra. Mais uma vez, como em ‘1/4’, existe o propósito de materializar o intangível”, ressalta a curadora. Em 2003, uma versão inicial e diferente deste trabalho foi apresentado na exposição “Descubra as diferenças (experiência sobre aresta cinemática entre lugar-modelo simulado)”, no espaço Culturgest, em Porto, Portugal.
A exposição será acompanhada de um catálogo com texto de Ligia Canongia, a ser lançado no próximo dia 07 de fevereiro de 2015, com uma conversa aberta entre a curadora, o artista e o filósofo José Thomaz Brum.
SOBRE JOSÉ DAMASCENO
José Damasceno nasceu no Rio de Janeiro em 1968. Possui obras em importantes instituições no Brasil e no exterior, como Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO), em Miami, EUA; Colección Jumex, no México; Daros-Latinamerica, em Zurique, na Suiça; Fundación Arco, em Madri, na Espanha; Fundación La Caixa, em Barcelona, na Espanha; Helga de Alvear, em Caceres, na Espanha; Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais; Museu d´Art Contemporania de Barcelona (MACBA), em Barcelona, na Espanha; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, EUA, e The Israel Museum, em Jerusalém, em Israel. Dentre suas principais exposições individuais estão: “Plot”, na Holborn Library, em Londres, em 2014; “Storyboard: José Damasceno – Monográficas”, no Centro Cultural São Paulo, em 2012; “Integrated Circuit”, na Thomas Dane Gallery, em Londres, Inglaterra, e “Estudios Paragraficos”, no Distrito 4, em Madri, na Espanha, ambas 2010; “Conjunto sequência lugar”, na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro, em 2009; “Coordenadas y Apariciones”, no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madri, na Espanha, em 2008; “Viagem à Lua”, no Pavilhão Brasileiro da 52ª Bienal de Veneza, na Itália, em 2007; “Vale o Escrito”, Projeto Parede, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2005; “Observation Plan”, no Museum of Contemporary Art, em Chicago, EUA, e “Cinematograma”, no Projeto Respiração da Fundação Eva Klabin, no Rio de Janeiro, em 2004; “Cinemagma”, no Museu Ferroviário do Espírito Santo, em Vitória, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro; no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, em Recife, e no Espaço Cultural Contemporâneo Venâncio, em Brasília, ambas em 2001, entre outras.
Projeto Cofre
José Damasceno convidou o artista Antonio Malta (1961, São Paulo) para participar do “Projeto Cofre”, espaço na instituição que abriga trabalhos feitos especialmente para o local. O artista apresentará três pinturas, em óleo sobre tela, medindo 50cm x 60cm cada. “São imagens em estado bruto: formas tomando forma, figuras boiando na tela. Essas pinturas também têm um pouco de matéria, que é um elemento que supostamente age na direção contrária da representação. Mas, na minha ‘poética’, tudo se mistura: figuras, formas, matéria, imagem e imitação”.
Texto da curadora
José Damasceno – Cirandar todos
Cirandar todos é o título de uma das obras que José Damasceno apresenta na exposição, a peça central na Casa França-Brasil, e que acabou por intitular a mostra por inteiro. É provável, portanto, que essa nomeação seja índice de algo maior do que ela mesma. O título parte do cancioneiro popular infantil, que toda criança brasileira conhece: “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar.”
A partir da inversão da ordem das palavras – de “vamos todos cirandar” para “cirandar todos”–, já existe a ideia de um jogo a considerar. A roda de dança, que a canção supõe, está ali representada por 150 manequins de madeira ligados por ímãs, formando um círculo com diâmetro de 9 metros, mas a dança não acontece, a situação é estática e o movimento é apenas intuído pelo espectador.
Ora, o paradoxo desse mover estático tem sido uma das principais questões da obra de José Damasceno, uma vez o artista buscar sempre uma sensação rítmica, cinética ou progressiva em superfícies, acontecimentos ou matérias congeladas. Em seu trabalho, as coisas aparentes e concretas funcionam como propulsoras de um móbil imaginário, que estaria em constante deslocamento, mas que apenas mental ou conceitualmente “aparece”. Existiria, então, na obra, uma mobilidade e um congelamento potenciais e oscilantes, pois que o enunciado nodal do trabalho problematiza, em paroxismo, a questão do movimento.
Outra hipótese inusitada seria a ideia de contrapor à monumentalidade da instituição e sua imponente arquitetura uma pequena roda de ciranda, leve, sutil e de escala extremamente reduzida. Importante relevar, contudo, que a sutileza do trabalho não compromete de forma alguma a potência de sua pulsão imaginária nem a ressonância ativa de seu silêncio.O princípio geral de fazer girar, cirandar e transformar o espaço real governa, afinal, o conjunto de todos os trabalhos.
A exposição por si mesma produz um evento, outro devir arquitetônico, expandido e inesperado. A partir de situações escultóricas que surgem ao longo da Casa, e que mobilizam de forma surpreendente sua própria feição física, o artista provoca o deslocamento e a reinserção dos espaços em uma dinâmica extraordinária. O espaço é tratado como um campo de situações instáveis, onde as ações poéticas intervêm de forma descontínua, transformando o perfil linear dos lugares numa ocorrência insuspeitada. Assim, José Damasceno promove outra espécie de lugar, imaginário, onde o nonsense e as relações excêntricas definem o campo aberto da linguagem.
Ligia Canongia
Inauguração: 16 de dezembro de 2014, às 19h30
Até 22 de fevereiro de 2015.