“Este Norte”, exposição individual de Emmanuel Nassar, sob curadoria de Felipe Scovino, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, apresenta cerca de 55 trabalhos – pintura sobre tela, papel e chapas metálicas, e fotografias – datados entre 1988 e 2012, exemplificando a multiplicidade de leituras da obra deste artista paraense, radicado em São Paulo.
O título da mostra tem as mesmas iniciais do nome do artista, E e N, letras que também aparecem em várias telas, simbolicamente como pontos cardeais. Nassar avalia a alegoria das iniciais como o E sendo referência ao indivíduo, seu nome Emmanuel, e o N, ao coletivo, de Nassar, dos seus antepassados. Também pode remeter a Este (leste) e Norte, os pontos geográficos, ou ainda a Efêmero e Natureza ou Eu e Nós, como sugere o artista.
Scovino centra a curadoria para além das referências a uma geometria popular, que seria uma associação rasa ao trabalho de Nassar, e chega a “…um elemento cínico, sarcástico e, em certa medida, violento”, como ele conceitua. Nele estão, segundo o curador, pensamentos estéticos originários de várias representações da cidade – a gambiarra, a rua e seus acidentes – a um repertório que inclui Mondrian e outros artistas.
“Este Norte” não é uma retrospectiva, mas um panorama de tempos distintos da produção do artista. Nos encontros dos dois, durante o último ano, o curador identificou um aspecto menos avaliado da obra de Nassar, que é a revelação de um elemento mais ácido, às vezes, violento, como na presença mãos e braços decepados, a linguagem da rua nas chapas metálicas, um rifle e indivíduos acorrentados. Até então, a crítica aproximou a obra de Nassar ao popular, em detrimento da consideração de um lado cínico de sua produção.
A seleção de obras de “Este Norte” “foge de um Brasil exótico, quente ou espetacular. Há uma miséria que reina no país e está sendo relatada na sua obra”, defende Scovino, que dá como exemplo o processo de escolha e produção das chapas metálicas. “É essa ‘sujeira’ que me interessa apresentar ao público com essa exposição”, define o curador.
Nassar argumenta que passou a juventude na ditadura militar brasileira e seu trabalho tem a cor e a liberdade vigiada, a geometria, mas inclui uma perversão que pode estar em uma geometria imperfeita, como em “Mãodrian, de 1995, que remete ao pintor Mondrian, mas é feito com retas tortas, tem uma tramela de arame e um prego amarrado para, supostamente, sustentar o retângulo.
Incorporar dificuldades, remendos e improvisos ao conceito do trabalho é um dos orgulhos do artista. E exemplifica: “Tela que não passa na porta do apartamento vira díptico; as chapas são módulos de 90x90cm, porque isso permite diferentes adaptações a espaços expositivos. Elas viajam muitas vezes sem embalagem e vão se arranhando, o que foi incluído no trabalho e levou o artista a soluções mais brutas, mais perversas.
Os suportes que Nassar usa – tela, fotografia, chapas metálicas – podem provocar um embaralhamento no espectador. A pintura está muito próxima da fotografia e a chapa pode vir a ser “tela”, quando recebe tinta. O artista explica que sua ideia de arte é a de tirar de um contexto e dar outro significado. As chapas metálicas, de restos de propaganda, fragmentos de superfícies pintadas descartadas, se juntam a outras concebidas por ele. Com o tempo, elas se desgastam e o espectador já não consegue mais distinguir o que é lixo e o que foi criado pelo artista. As fotos são pinturas fotografadas e apresentadas junto com as pinturas reais. A intenção é mesmo a de confundir o olhar do visitante. Nassar batizou uma fase de seu trabalho de “popcopiado”, para conceituar o trabalho de “mixagem, de apropriação”, diz ele, que considera “acadêmico” se autodenominar único, sem influência”. “Somos popcopiados”, alega.
A palavra do artista
– Eu copio dos neoconcretistas, eu copio do pop americano, eu copio de todo mundo e crio uma coisa que está tão copiada, que ninguém vai poder dizer que não é minha. […] Sempre achei que o perigo era copiar de uma só fonte. Se eu copiar de muitas fontes, ninguém vai poder dizer que já viu isso antes. São popcopiados. Uma profusão de cópias, que confunde o original e se torna um novo original.
“Sou um repetidor daquilo que eu faço, em todas as linguagens. Sempre estou fazendo o mesmo”, confessa o artista. Nassar diz “adorar a ideia de que as pessoas confundam a autoria de seus trabalhos. É a ideia de apropriação contaminada pela minha autoria” explica.
Na mostra, há pintura copiada de foto de Nassar e há foto dele a partir de sua pintura. É a cópia da cópia. Ele confessa gostar da ideia de confundir aquilo que foi feito por ele, aquilo que não foi feito por ele, mas que foi editado, trazido, unido pelo artista.
Os suportes podem variar, mas Nassar nunca deixa de pensar como pintor. Ao mesmo tempo, ele não está refém do material da pintura. Há casos em que ele nem pega na tinta, mas na câmera fotográfica. Os trabalhos desta série ele intitula “pintura fotografada”.
Em vários momentos, Nassar equilibra cores dissonantes, como um verde fosforescente com cinza e preto. Há ainda a incidência de preto, cinza e chumbo no fundo da tela, que formam uma composição cromática distinta de outros pintores de sua geração. Há chapas autorais, outras são simplesmente apropriadas e algumas, interferidas por ele, que valoriza a economia de recursos e não considera errar nunca, porque sempre existe a recuperação e a reutilização.
Sobre o artista
Emmanuel Nassar nasceu em 1949, no Pará. Vive e trabalha em São Paulo. Começou a expor em 1979 e, a partir de então, fez dezenas de individuais no Brasil e em Lisboa, Berlim, Colônia e outras cidades alemãs, e Amsterdam. Nassar participou de várias Bienais internacionais, como a de São Paulo, do Mercosul, de Tijuana (México), Cuenca (Equador), Havana (Cuba) e Veneza. Ele tem obras nas coleções institucionais nacionais, como MAM Rio, MNBA, MAM SP, MAC USP, Itaú, Marcantonio Vilaça, MAMAM, e internacionais, como Patricia Phelps de Cisneros (NY-Caracas), Suermondt-Ludwig-Museum (Aachen, Alemanha), Aachen, Germany e Universidade de Essex – Collection of Latin American Art (Colchester, Inglaterra).
A mostra será acompanhada de catálogo bilíngue (português e inglês), de 84 páginas, com reprodução em cores dos trabalhos expostos e outros, e texto inédito do curador Felipe Scovino. A exposição “Este Norte”, de Emmanuel Nassar,é uma produção de Mauro Saraiva | Tisara Arte Contemporânea e foi contemplada pelo Pró Artes Visuais da Secretaria Municipal de Cultura. Na abertura, sábado, 1º de dezembro, tem som de Bruno Queiros, Icaro dos Santos e Quito (Nuvem) e DJ Nepal, das 16 às 21h, e conversa do curador Felipe Scovino com o artista, às 17h.
Até 03 de fevereiro de 2013.