A leveza da arte de Gianguido Bonfanti.

06/set

A Galeria Evandro Carneiro Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, anuncia a Exposição Gianguido Bonfanti, que estará aberta ao público de 14 de setembro a 05 de outubro. A  mostra individual traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro com uma abordagem que opta pela leveza da arte sem drama. Além das pinturas, a exposição conta também com esculturas, desenhos e um conjunto de cerâmicas-instalações. Algumas dessas cerâmicas serão apresentadas em um livro-objeto, que será lançado durante o período do evento. A edição especial e limitada foi idealizada por Alberto Saraiva e criada por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas expostas por Bonfanti no Parque Lage em 2023. A curadoria da exposição é de Evandro Carneiro.

Sobre o artista:

“As obras que transcendem o tempo, transcendem porque têm a ordem cósmica dentro delas. Nós somos estruturados pela ordem cósmica, tanto na matéria quanto no espírito, na energia. Quando há esse mergulho profundo, há um encontro com a origem e, então, se pinta determinado pela ordem cósmica. Ao mesmo tempo tingindo a obra com a singularidade do artista e com o momento histórico. São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico, as leis do Universo. Eu acho que as grandes obras transcendem o momento histórico delas porque foram estruturadas pela lei universal. Então elas não têm tempo, são atemporais.” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora).

Gianguido Bonfanti nasceu em São Paulo, no seio de uma família italiana, em 1948. Dois anos depois, seus pais voltam a residir no Rio de Janeiro, onde já haviam morado, desde que chegaram ao Brasil. Em 1962, ainda adolescente, o artista se torna aluno de Poty Lazzarotto, amigo de seu pai, e inicia o seu aprendizado artístico. Após cinco anos, já expunha na Galeria Santa Rosa, RJ, junto com outros jovens artistas. No ano seguinte entra para a Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Em 1971 pede transferência do curso de arquitetura para a Faculdade de Arquitetura de Roma, mas chegando lá, passa a frequentar com entusiasmo a Academia dei Belle Arti, matriculando-se nos cursos de modelo vivo e gravura. Ainda nesta viagem à Itália, uma exposição de gravuras de Pablo Picasso o impacta irreversivelmente. Gianguido decide, então, viver da e para a arte. Em seu retorno ao Brasil (1973), expõe no Centro Cultural Lume, RJ, a sua primeira individual, com desenhos produzidos em Roma e se aprofunda no aprendizado da gravura, com Marília Rodrigues na EAB – Escolinha de Arte do Brasil. Em 1974 realiza a mostra Desenhos de G. Bonfanti no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba, PR, e conquista vários prêmios, dentre os quais, as primeiras colocações nos Salões de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Paranaense, no Concurso Nacional de Artes Plásticas, todos na categoria desenho. Sua obra era, então, bastante inspirada pela estética medieval europeia, quase como num sopro de outras vidas, mas também continha vestígios de uma experiência passada há pouco tempo: o velejo. Figuras bestiais amarradas umas às outras e se controlando mutuamente, ora humanos e ora animais, convivem em cenas quase sempre fantásticas.  Nesses desenhos, as amarras são claramente os mecanismos da vela, memórias de quando Gianguido participava ativamente de regatas, em sua adolescência e tenra juventude, e vivia a vida no mar.  Ainda durante a década de 1970, sob a influência do mestre Poty, trabalha ilustrando livros, jornais e revistas. Ao mesmo tempo, passa a integrar o seleto grupo de professores da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, dando aulas de gravura e fotogravura na gestão revolucionária de Rubens Gerchman. Era uma época de efervescência cultural e política, dentro e fora da EAV. E de muito trabalho para Bonfanti que, além de professor e artista, passou a realizar pesquisas ontológicas, por meio da fotografia, no Instituto de Doenças Tropicais da Av. Presidente Vargas, a partir do que compõe “gravuras que são reproduções fiéis dos slides que consegui com os médicos” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora). No mesmo período analisa cadáveres da Escola de Medicina da URFJ, na Frei Caneca. Essas experiências significaram um olhar aprofundado às doenças do ser humano. Não de cada um daqueles sujeitos retratados, mas um estudo sobre a doença e a possibilidade da cura. Um tipo de catarse ao passar por anos sofridos. Esse viés realista e angustiante sobre a humanidade se perpetua em fases seguintes de sua obra, mas com linguagens totalmente diferentes. Ao findar a década de 1970, Bonfanti já se tornara um exímio gravador e recebe prêmios de gravura em mostras e salões. Sua obra nesse período apresenta certa continuidade com a fase anterior. Desenhos e gravuras têm temáticas e cenas semelhantes. O fundo branco vai sendo mais utilizado e as figuras vão, aos poucos, se tornando menos desenhadas e mais expressivas, já prenunciando as fantasmagorias vindouras em suas telas e a opção pela pintura. Os anos 1980 iniciam um movimento de reviravolta na vida do artista: ele começa a pintar com pastel seco e tinta a óleo, passa a lecionar gravura também na PUC-Rio e ali conhece Marisa, sua esposa até hoje e mãe de suas filhas. Inspiração maior que o amor não há! Ao decidir-se pela pintura, buscou aprender com os restauradores, procurando referências no melhor do métier: Edson Motta Filho e Marilka Mendes, a fim de conhecer tudo o que se podia sobre as tintas e os suportes. Afinal, como se nota na epígrafe escolhida para esse texto, a preocupação com a conservação de uma obra de arte se liga ao tempo da longa duração e da permanência histórica. Não que seja este o objetivo, mas há esta preocupação em preparar cuidadosamente a tela sobre a qual, depois de alguma espera, o artista irá derramar a sua energia, gerando um movimento cósmico. “O pintor tem por obrigação conhecer, profundamente, os materiais e seus comportamentos. Estabelecer um diálogo íntimo, mais que isso, um encontro com seus instrumentos de trabalho, num respeito referencial aos mesmos. É dessa cumplicidade que ele obterá os melhores resultados. Acredito num sacerdócio da pintura.” (Bonfanti in Coutinho, Wilson. Rio Artes no 23 – maio 1996, p. 11). Os anos 1990 são marcados pela pintura “vermelha”, como diz o próprio artista, em que sua obra é pura expressão e densidade. As tintas se revelam e se avolumam nas enormes telas magentas. Daí as associações feitas com a Escola Inglesa (Lucien Freud, Frank Auerbach e Francis Bacon) e, também, com o brasileiro Iberê Camargo. Bonfanti mesmo confessa que quando conheceu a obra de Auerbach, em Nova Iorque, 1996, ficou “chocado” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Frederico Morais chamou atenção para o erotismo dessa fase (Morais, 1996 – Catálogo da Exposição do MAM-RJ).Sem dúvida há falos monstruosos e cenas com conotação sexual. Porém, toda a meditação ontológica se junta à matéria artística, ao gesto, à energia do artista. A sua pintura transcende ao desejo subjetivo. O carnal aí não é egóico, mas transcendental. “Mas a pintura vibrante de Bonfanti escapa tanto da hipervisibilidade do obsceno, quanto do vazio ou da inautenticidade do pornográfico. Em primeiro lugar, porque, o que vemos nesses quadros é o ato sexual levado ao clímax da religiosidade. Por um momento, revejo numas telas o esquema formal da Pietá de Villeneuve, pressinto noutras, o êxtase sexual igualando-se ao êxtase místico”. (Morais, 1996, p. 3). A passagem dos anos 1990 para os 2000 vai do vermelho ao ocre e passa “do dois ao três” na dialética das personagens, mas também tendo em mente o que o artista diz na epígrafe deste texto: “São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico” (Bonfanti, 2024). Os temas não variam tanto: as cenas continuam a expressar o drama humano e se repetem muito, com gravidade e urgência, num jogo de latências e ardências em que os sujeitos se observam e tentam curar-se, repetidamente. É como se a sua pesquisa ontológica tivesse chegado ao clímax da reflexão acerca da experiência histórica e precisasse de uma pausa. Quase uma parada no tempo cronológico, um páthos pela humanidade, na fundação de um tempo mítico. “No que se refere aos autorretratos e às cenas com dois ou três personagens, a própria repetição os aprofunda, e os eleva ao nível do mito, isto é, ao nível em que não é possível deixar de acolhê-los como mitos. Tal repetição, com efeito, é uma atividade ritual, e o ritual, uma vez percebido como tal, pressupõe uma explicação mítica, que nos incomoda, quando não lhe atribuímos.” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Assim entendidas como míticas, as cenas densas e fantasmagóricas já não incomodam, mas transcendem. Talvez por isso, a década de 2020 seja caracterizada pela retirada da cena na pintura de Gianguido: “Eu fiz um grande esforço no passar dos anos para abandonar as cenas, para me concentrar mais na pintura em si. Porque a cena é sempre uma leitura de uma situação humana, e eu estou tentando fugir da história, fugir da cena. É o que estou tentando com a minha pintura nos últimos anos. Me concentrar na pintura, para ela se apresentar em si.” (Bonfanti, 2024, em conversa com a autora). A exposição da Galeria Evandro Carneiro traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro e decidido pela leveza da arte sem drama. Sua pintura se apresenta, suave, em contornos mais coloridos e formas cheias de energia. O branco no fundo retorna como em seus desenhos iniciais. Autorretratos ou não, os rostos e linhas são alegóricos. Atingem um tempo universal.  Há, ainda, na mostra, esculturas e desenhos. Um conjunto de cerâmicas-instalações compõem também a coleção ora apresentada e algumas delas são encaixadas no livro-objeto que é lançado na mesma ocasião do evento. Uma edição primorosa e limitada, idealizada por Alberto Saraiva e criado por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas da exposição do artista no Parque Lage, em 2023. A publicação e a mostra de Gianguido Bonfanti não podem ser perdidas.

Laura Olivieri Carneiro.

Agosto de 2024

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Um olhar arqueológico

O artista plástico Osvaldo Carvalho inaugurou a individual “Aspectos de uma cidade” no Ateliê 31, Centro do Rio de Janeiro. A mostra reúne 25 pinturas em dimensões diversas, produzidas após o período pandêmico.

A exposição com curadoria de Shannon Botelho, propõe um mergulho na complexidade do espaço urbano e suas dinâmicas cotidianas. Com um olhar arqueológico sobre o tempo presente, a pesquisa do artista explora as estruturas sociais e os conflitos diários que moldam a vida nas cidades. Através de suas pinturas, Osvaldo Carvalho captura o aqui e o agora em um contexto onde virtualidades, algoritmos e fragmentos coexistem. Suas obras, ricas em cores, figuras e contrastes, refletem as tensões e rupturas da vida urbana, convidando o público a refletir sobre o que permanece e o que está por vir.

Em sua recente pesquisa, Osvaldo Carvalho se debruça sobre imagens e referências da cultura e da cidade, explorando o vocabulário visual contemporâneo e as contradições de um imaginário moldado por ideologias, conflitos e poder. Fragmentos de cenas, situações e detalhes do cotidiano emergem como expressão de uma prática artística que desafia e ressignifica o olhar sobre a cidade. “Aspectos de uma cidade” apresenta um conjunto representativo do seu trabalho. “A problematização dos ‘lugares comuns’ das cenas prosaicas, experimentadas no dia a dia, é uma constante nos trabalhos que abordam, cada qual a seu modo, as peculiaridades de uma cidade tão complexa e desigual, quanto sedutora e inebriante”, descreve Shannon Botelho.

As 25 pinturas exibidas na mostra fazem parte das cinco séries “Pequenas Dissensões”, “Caixas e Caixotes”, “Celebração”, “Empreendedores” e “Balada”. As duas primeiras “estabelecem uma problematização sobre os objetos-imagens com os quais lidamos diariamente, com um certo grau de ironia e problematização sobre a sua descartabilidade e multiplicidade, como em um libelo anti-pop”. Já nas séries seguintes, o artista “indica mais um aspecto da reflexão, desta vez, marcada pela violência e pela desigualdade social, agravadas pelo racismo estrutural que vigora não só em nossa cidade, mas também em todo país”, diz o curador.

A exposição propõe um campo de debate, onde a ironia das situações e dos contextos convida à reflexão sobre nossas condições de vida, nossas escolhas e as ações cotidianas que sustentam o status quo. Osvaldo Carvalho traz à tona sua perspectiva a partir da zona norte do Rio de Janeiro, abordando temas como desigualdade social e violência urbana, muitas vezes com referências diretas. Ele faz isso dentro do universo pictórico, consciente do ambiente saturado de imagens, e busca capturar a atenção do espectador com uma paleta marcante e composições que desafiam o olhar, criando conexões e sobreposições de elementos que provocam a reflexão e estão longe de serem acidentais. “Aspetos de uma Cidade”, funda-se como um lugar propício para nos encontrarmos com o tempo presente, revisitarmos o passado e desenharmos outro futuro, diferente do qual que desde agora avistamos”, conclui Shanon Botelho no texto curatorial.

Sobre o artista

Osvaldo Carvalho nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, RJ, em 1976. Pintor. Mestre em Poéticas Visuais (ECA-USP), inicia seus estudos artísticos no EAV- Parque Lage (Rio de Janeiro) e Museu do Ingá (Niterói), aprofundando sua pesquisa em 2000 com o Prêmio Interferências Urbanas. Seu olhar permeia signos do imaginário da cultura de massa, publicidade, objetos e interiores domésticos e uma reflexão sobre a paisagem pública e urbana. O artista questiona estruturas de poder, nas esferas micro e macro-políticas, em inúmeras séries desdobradas em linguagens como a pintura, desenho, escultura, fotografia e vídeo. Seu trabalho já foi visto na França, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Portugal, Colômbia e ocupa acervos importantes como o do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul), Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Coleção SESC Amapá. Foi finalista do prêmio Marcantonio Vilaça em 2019, além de outros prêmios ao longo de sua carreira.

Até 04 de outubro.

Nova representação para Ana Silva

05/set

A Gentil Carioca, Rio de Janeiro e São Paulo, anuncia a representação da artista Ana Silva.

Nascida em Calulo, Angola, a artista vive e trabalha em Lisboa, Portugal, e se expressa por meio da diversidade dos materiais que utiliza. Tela, madeira, metal, tinta acrílica e tecido são elementos que compõem e dão forma à sua arte. Durante suas caminhadas pelos mercados de Luanda, começou a distorcer o uso primário de sacos de ráfia e outros artefatos para um trabalho de memória; de objetos abandonados a objetos revividos: “Não consigo separar meu trabalho da minha experiência em Angola, em uma época em que o acesso a materiais era difícil devido à guerra de independência e à guerra civil. Minha criatividade nasceu da exploração de meu ambiente imediato. Essa experiência teve um grande impacto em minha maneira de trabalhar e em minha vida de modo geral.”

Em 2023 participou das exposições coletivas Ocultas Marés: Ana Silva & Marcela Cantuária, n’A Gentil Carioca São Paulo e Constellation na Galerie MAGNIN-A em Paris, França. Em 2022, realizou a individual Vestir Memórias, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea em Almada, Portugal. No mesmo ano, também participou do Festival International des Textiles Extraordinaires, em Clermont Ferrand, na França.

Obras recentes e inéditas de Luiz Zerbini.

04/set

Celebrando a mudança de nome da galeria, a Maneco Müller | Mul.ti.plo, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, abriu uma exibição individual com a produção mais recente de Luiz Zerbini, que acaba de apresentar no CCBB Rio uma grande mostra retrospectiva, atraindo mais de 70 mil visitantes. A exposição “Pedra, metal e madeira” reúne cerca de 20 obras recentes do artista, entre gravuras em metal, litogravuras e monotipias, sendo a maioria inédita. Quem assina o texto crítico é Fred Coelho. A mostra, que vai até 1º de novembro, inclui o lançamento de um livro de grandes dimensões, impresso manualmente, a ser apresentado na ArtRio. A mudança de nome da galeria simboliza a sociedade entre Maneco Müller e Stella Ramos na Mul.ti.plo, desde 2018.

Atravessando seus quase 50 anos de produção, a poética de Luiz Zerbini destaca-se por uma voluptuosa e desconcertante paisagística, combinando vegetação, ambientes urbanos, fabulação, memória e alegorias. A recente produção em monotipia e gravura em metal do artista é fruto do encontro dele com o Estúdio Baren, criado pelo editor e impressor carioca João Sánchez. Há quase uma década, Zerbini e João pesquisam diversas formas de imprimir monotipias, misturando técnicas e materiais, papéis, matrizes e pigmentos. Mais recentemente, o artista carioca Gpeto passou a colaborar também com o Estúdio Baren, juntando-se à produção de monotipias de João Sánchez e Luiz Zerbini.

O destaque da mostra na galeria são as gravuras em metal inéditas nas quais Luiz Zerbini se debruça sobre uma das mais tradicionais técnicas de impressão artesanal do mundo. Há cerca de cinco anos, Zerbini vem se dedicando a experimentações nesse campo graças à proximidade com o Estúdio Baren. A Maneco Müller | Mul.ti.plo surgiu como espaço natural da mostra dessa produção por conta da parceria da galeria com o Estúdio Baren e a amizade de longa data tanto com Luiz Zerbini quanto com João Sánchez.

Na mostra estão cinco obras em água-forte e água-tinta sobre papel de algodão em preto e branco, com edição limitada de 30 exemplares, no formato de 78 X 53 cm. “Num momento de enorme sucesso da sua carreira, Zerbini expande-se por outra frente, com a possibilidade de escapar da demanda permanente da pintura. Nas gravuras em metal, ele está podendo repensar as imagens de suas telas, oferecendo a elas novas dinâmicas, novas camadas, novas possibilidades. Isso leva a um outro caminho de debate sobre sua obra. A oportunidade de se desafiar, de se arriscar, experimentar, traz um incrível frescor e força aos novos trabalhos”, explica Fred Coelho. Os desenhos de Zerbini, feitos a ponta-seca e buril sobre a superfície do metal, revelam-se no papel com uma incrível sutileza de tons e força da forma. “Aqui o tempo da impressão é outro. O processo em metal é trabalhoso, lento, complexo. Exige muita dedicação. É coisa de um mundo que não existe mais. Sempre tive vontade de me dedicar a isso, mas nunca tive chance. Agora com o João Sánchez encontramos esse caminho”, revela Luiz Zerbini.

Já as 12 monotipias são exemplares únicos, com dimensões de 107 x 80 cm, impressas em papel de algodão. Tirando as obras apresentadas na exposição MASP em 2022, incluindo quatro originais utilizados para ilustrar a edição do livro “Macunaíma, o herói do Brasil”, de Mário de Andrade (Editora Ubu, 2017), e outra sobre a Guerra de Canudos, a coleção de monotipias reunida é inédita. Mais do que representações de vegetação, nas monotipias de Luiz Zerbini são as próprias plantas e objetos entintados que são colocados na prensa, imprimindo e dando relevo com sua textura ao papel. “Quando descobri a possibilidade de utilizar as folhas como matriz, fiquei muito interessado. A partir daí começamos a experimentar outros materiais. Fomos fazendo uma pesquisa enorme”, comenta o artista sobre a parceria com o Estúdio Baren.

Dois artistas amigos

Em comemoração aos dez anos de seu espaço no Rio de Janeiro, Nara Roesler traz à cidade dois renomados artistas internacionais, e amigos de longa data: o suíço Not Vital (1948), escultor, pintor e desenhista, e o inglês Richard Long (1945), um dos pioneiros da land art – obras de arte criadas com elementos da natureza e integradas a ela. A abertura da exposição “Mães”, com trabalhos dos dois artistas, será no dia 10 de setembro, às 18h. A exposição permanecerá em cartaz até 26 de outubro.

Richard Long, único artista a ter sido finalista quatro vezes do Turner Prize, que venceu em 1989, foi eleito em 2001 para a Real Academia de Artes da Inglaterra, e nomeado “Sir”. Ele fará uma instalação criada especialmente para a exposição, com elementos encontrados na cidade. Richard Long costuma usar pedaços de madeira e pedras, em seus trabalhos. Ele e Not Vital têm em comum um espírito nômade, embora sempre ligados às suas raízes familiares. A mãe de Richard Long, Frances, oriunda de uma família de Bristol, Inglaterra, nasceu no Rio de Janeiro, em função do trabalho de seu pai para a fabricante de carros Hispano-Suiza. Richard Long também admirava muito a mãe de Not Vital, Maria, com quem convivia nas visitas ao amigo em sua casa em Sent, no vale Engadine, leste da Suíça. Quando ela fez cem anos, em 2016, Richard Long dedicou a ela uma nova edição de sua célebre série iniciada em 1971, “A Hundred Mile Walk” – uma caminhada de cem milhas, quase 161 quilômetros – e percorreu a distância entre Stonehenge e a nascente do Tâmisa.

“Sou um escultor que pinta”, salienta Not Vital, que desde 2008 pinta retratos, e mais tarde o que chama de “autorretratos”, em que “das muitas aplicações e remoções das camadas de tinta emerge uma imagem”. “Às vezes preciso me pintar três vezes, ou duas, ou apenas uma, porque a cada dia nos vemos de maneira diferente”. Ele explica que inicialmente fazia um rosto “com olhos e cabelo”, mas que depois percebeu que “bastava ter um nariz”. “Quero chegar com essas pinturas a um momento de sentimento. Elas não têm a ver com formas ou cores, e sim muito com as emoções”. “É muito importante o que está em volta, o que alguns chamam de aura”, diz.

Autor de grandes esculturas colocadas ao ar livre, espalhadas pelo mundo, Not Vital também gosta de criar em formatos menores, em vários materiais, como aço ou gesso. “Gosto muito de gesso, pois é o que mais se assemelha à neve. Tenho que trabalhar rápido, porque endurece muito rapidamente”, diz. Uma das esculturas em gesso é “Pão de Açúcar” (2022). “É claro que se você é das montanhas, você sempre está interessado nelas”, afirma Not Vital.

Not Vital é notabilizado também por ter expandido a escultura em direção à arquitetura com a criação de suas “casas-esculturas”. Ele cunhou o termo Scarch, a junção, em inglês, das palavras “escultura” e “arquitetura”, para definir obras construídas ao redor do mundo, com material disponível no local. No Brasil, Not Vital fez exposições individuais no Paço Imperial, Rio de Janeiro, em 2015 – a primeira na América do Sul -, “Saudade”, de novembro de 2018 a março de 2019, e “A vida é um detalhe”, de novembro de 2022 a fevereiro de 2023, ambas na Nara Roesler São Paulo. Ele participou das coletivas “Aberto/01”, na Casa Oscar Niemeyer, em São Paulo, em 2022, “Ar livre: esculturas de grande escala na Fazenda Boa Vista”, entre julho de 2020 a fevereiro de 2021, e “Roesler Hotel #29: Reflectionson Time and Space”, com curadoria de Agnaldo Farias, de 1º de abril a 11 de maio de 2019, na Nara Roesler São Paulo.

Richard Long é descrito no site da Tate, prestigiosa instituição de arte da Inglaterra, como o tendo expandido a ideia de escultura, de modo a integrar a arte conceitual e a performance. Na inauguração da Tate Modern, em Londres, em 2000, a obra “Red Slate Circle”, de Richard Long, uma escultura circular com rochas e limo, esteve na mesma sala que uma grande pintura da série “Water Lilie”, de Claude Monet (1940-1926). Ao invés de se sentir “cooptado” pelo sistema de arte, com as honrarias recebidas, ele disse ao jornal “The Guardian” que achava bom ter “alguém como ele para dar credibilidade” aos conselhos britânicos e de arte. “Estou fazendo um favor a eles”, brincou.

Exposição e conversa com curadores

30/ago

A Danielian Galeria, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, e Fernando Barrozo do Amaral convidam para uma visita guiada seguida de conversa sobre a exposição “Harmonias” no dia 31 de agosto de 2024, às 15h. A mostra é dedicada à obra da artista e marchande Marcia Barrozo do Amaral (1943-2023), que faz parte do conjunto de exposições individuais “Ocupação Mulherio”. A conversa será entre os curadores Viviane Matesco e Rafael Fortes Peixoto, e Viviane Aguiar, que foi assistente da Marcia Barrozo do Amaral por muitos anos. “Harmonias” ocupa o Pavilhão II, espaço com 200 metros quadrados, no segundo andar da construção anexa, com 37 obras – entre pinturas e esculturas em aglomerado de madeira e acrílico – de Marcia Barrozo do Amaral.

“Ocupação Mulherio” é a segunda edição do programa dedicado a mulheres artistas em um formato distinto, com mostras individuais de Nadia Taquary, Nelly Gutmacher, Niura Bellavinha, Sônia Menna Barreto e uma sala especial dedicada à obra da artista e marchande Marcia Barrozo do Amaral, com curadoria de Marcus de Lontra Costa, Viviane Matesco e Rafael Fortes Peixoto, e fica em cartaz até 5 de outubro. “A trajetória artística de Marcia Barrozo do Amaral revela, em meio aos desdobramentos geométricos dos anos 1970 e os cromatismos extravagantes do pop, uma pesquisa das relações entre as cores e os volumes”, escrevem os curadores no texto que acompanha a mostra. “Marcia desenvolveu uma produção com destaque no nosso cenário artístico entre os anos 1960 e 1980, a partir de uma formação sólida, da realização de diversas exposições individuais e da participação em coletivas tanto no Brasil como no exterior. Seus trabalhos privilegiam a geometria no tensionamento e na quebra da bidimensionalidade da pintura. A cor guia um processo de experimentação que assimila diferentes materiais, como o acrílico, e transforma os trabalhos em híbridos entre a pintura e a escultura. A partir de jogos e articulações de fendas, faixas e linhas que buscam o espaço, as investigações de Marcia Barrozo se aproximam tanto de uma tradição neoconcreta brasileira, com Oiticica, Clark, Barsotti e Willis de Castro como também estabelecem diálogos com artistas americanas como Ellsworth Kelly”, afirmam. Em meados dos anos 1980 ela decidiu se dedicar à atividade de marchande, o que eclipsou sua produção artística, que agora ganha visibilidade e destaque na mostra “Harmonias”.

Ocupação Mulherio

O trio curatorial destaca que “Ocupação Mulherio” não parte “de uma premissa ou de um enlace temático, mas tem como principal objetivo demonstrar a importância da trajetória destas mulheres para o ambiente cultural brasileiro, assim como a força e poesia de suas expressões”. “Sem categorizações ou classificações, “Ocupação Mulherio” reafirma “espaços e conquistas, mostrando que a arte representa o poder essencial feminino de criar e acima de tudo, transformar”, afirmam. Marcus de Lontra Costa, Viviane Matesco e Rafael Fortes Peixoto assinalam ainda que “os títulos que diferenciam cada mostra são insinuações para que os visitantes possam conhecer e criar relações sensíveis com as obras expostas”. O título da “Ocupação” tem inspiração no jornal “Mulherio”, que circulou entre 1981 e 1988, e teve um relevante papel dentro do movimento feminista brasileiro, e surgiu como desdobramento dos estudos sobre a condição feminina no Brasil, tendo contado com a participação de mulheres como Lisette Lagnado, Inês Castilho, Lélia Gonzalez, Adélia Borges, Maria Rita Kehl, Ruth Cardoso, Carmen da Silva e Heloisa Teixeira (ex-Buarque de Hollanda) em suas 40 edições. Acompanha a exposição uma publicação em formato de 14cm x 10cm, em papel rosa,  com os textos dos curadores sobre cada uma das mostras.

Exposição individual de Rafael Baron

29/ago

Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, convida para – dia 04 de setembro – a abertura da exposição “Meu lugar”, de Rafael Baron (1986, Nova Iguaçu). Pintor presente em várias coletivas, no exterior e no Brasil, como “Crônicas Cariocas” e “Funk”, no Museu de Arte do Rio (MAR), Rafael Baron faz agora uma grande individual que ocupará os dois andares expositivos da Anita Schwartz Galeria de Arte, com 21 trabalhos, recentes e inéditos, vários deles em grande formato. Com curadoria de Jean Carlos Azuos, curador assistente do MAR, a exposição apresenta a nova pesquisa do artista, que traz a paisagem para seu trabalho, tanto a rural como a íntima, com cenas de família. “Este lugar que o Baron nos aponta é dele e ao mesmo tempo um lugar de todos. Ele nos faz entender que está falando de pertencimento, dos vínculos, da dimensão forte deste chão, que é o lugar, mas também é a família”, observa o curador.

A exposição, a primeira do artista na Anita Schwartz, apresenta sua nova pesquisa, com a inserção da paisagem em seu trabalho. “Tem a paisagem íntima, do lar, e do entorno, em uma afirmação de pertencimento e de fruição da vida”, diz Rafael Baron. As pinturas, em óleo ou acrílica sobre tela – e muitas vezes os dois materiais – são de formatos variados: desde os grandes, com 3,5 metros de largura, aos médios, em torno de 1 metro, e ainda estão quatro guaches, com 40 cm x 30 centímetros. A pintura “Casa com piscina” (2024) traz aplicados nela dois pares de sandálias havaianas.

O artista vem de um período de exposições nos EUA nos últimos três anos – as individuais “Pose”, na galeria Albertz Benda, em Nova York, e “Rafael Baron: Portraits”, na mesma galeria, em Los Angeles, ambas em 2022; e no ano anterior “Wishyouwerehere”, no espaço The Cabin, em Los Angeles; e as coletivas “Rollwith It”, na galeria Scott Miller Projects, em Birmingham, no Alabama, e “Fragmented Bodies III”, na galeria Albertz Benda, em Nova York, também em 2021 – e, com trabalhos comissionados, nas coletivas “Crônicas Cariocas” e “Funk”, no Museu de Arte do Rio (MAR).

Em “Meu lugar”, Rafael Baron mergulha no universo de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, onde nasceu e trabalha, em que explora cenários nas paisagens rurais – “ora sozinhas, ora com personagens” – como nas pinturas “Primavera” (2023), “Casa de Campo” (2023), “Marapicu” (2024), “Tinguá” (2024), “Serra do Vulcão” (2024), “Casa de Vó” (2024), “Café, fumo e jornal” (2024) e “Pai e filho no parque” (2024).

“A função estruturante da família, o amor, o afeto, momentos de relaxamento no próprio lar” são cenários íntimos que Rafael Baron mostra na exposição. “É um convite para este lugar idílico”, afirma. “A vida não é só confronto, conflito”. As cenas de lar, de paz e alegria estão presentes nos trabalhos “Reunião de Família” (2024), “Dia das mães” (2024), “Fim de tarde” (2023), “Maurício” (2024), “Casa com piscina” (2024), “Primeiro ano” (2024), “Amor e afeto” (2024), “Lar” (2024), “André, Henrique e Leopoldo” (2024), “Mãe” (2024), “Recanto” (2024) e “Cosme e Lourdes” (2024). Jean Carlos Azuos destaca que “lar, afeto, amor, localidade são palavras muito fundamentais para Baron”.

Até 26 de outubro.

Reabertura da galeria do BNDES

28/ago

A exibição de “Pretagonismos no acervo do Museu Nacional de Belas Artes” reúne 105 obras de 59 artistas, 46 negros e 13 brancos, que retratam pessoas negras, para apresentar o protagonismo do artista negro neste acervo, que é um dos principais depositários do patrimônio artístico do país. O trabalho mais antigo data de 1780-1800 e o mais recente, de 2023. O corpo curatorial da mostra – Amauri Dias, Ana Teles da Silva, Cláudia Rocha e Reginaldo Tobias de Oliveira, todos da equipe permanente do MNBA, quer frisar as trajetórias de luta, resiliência, transgressão e heroísmo desses negros em uma sociedade que ainda hoje é varada pelo racismo. Pretagonismos abre ao público, no dia 29 de agosto, na galeria do Espaço Cultural BNDES, Centro, Rio de Janeiro, RJ, selando o recente acordo de cooperação técnica entre o banco e o museu, que está em reforma física e conceitual desde o segundo semestre de 2019. Marca também a reabertura do espaço expositivo do BNDES, que estava fechado desde 2020. Em exibição até 14 de fevereiro de 2025.

Até chegar à concepção desta exposição, os curadores aprofundaram a pesquisa que começou em 2018, com a mostra Das galés às galerias: representações e protagonismos do negro no acervo do MNBA, em que múltiplas interpretações do negro e do legado afro-brasileiro vão se constituindo na construção desta nação. “- Agora, queremos avançar no protagonismo de artistas negros, muitas vezes invisibilizados pelas instituições. Com Pretagonismos, aprofundamos a pesquisa sobre os  protagonismos negros neste museu de origem acentuadamente eurocentrada, revela a curadoria. As investigações resultaram em exposições virtuais (início das obras do museu, seguidas pela pandemia), que impulsionaram a realização desta exposição, para ampliar o olhar sobre os artistas negros que integram a coleção do museu”. Na primeira mostra, a ênfase foi nas representações de negros. Agora, é o protagonismo negro no campo das artes visuais e na vida, sem esgotar a totalidade de artistas negros no acervo do MNBA. A curadoria organizou o percurso da exposição em núcleos não cronológicos: Mestres negros pioneiros; Nas brechas das representações: imagens e trajetórias de negros no acervo do Museu Nacional de Belas Artes; Entre a cátedra e o cativeiro: professores negros; Estevão Silva: transgressões e prenúncios da modernidade no MNBA e Decolonialidade em perspectiva: um olhar sobre os artistas negros

Artistas negros: Agnaldo dos Santos, Ana das Carrancas (Ana Leopoldina Santos Silva), Antonio Bandeira, Armando Viana, Artur Timóteo da Costa, Brasiliense (Manuel Dias de Oliveira), Chico Tabibuia, Cincinho (Inocêncio Alves dos Santos), Emanuel Araújo, Estevão Silva, Fernando Diniz, Firmino Monteiro, Francisco Manuel Chaves Pinheiro, Grupo Cultural Benin, Guilherme Santos da Silva, Heitor dos Prazeres, Hélio Oliveira, Joaquim José da Natividade, José de Dome (José Antônio dos Santos), Leôncio Vieira, Lídia Vieira, Louco Filho (Celestino Gama da Silva), Manuel da Cunha, Manuel Messias, Marcos Roberto, Maria Auxiliadora Silva, Maria Lidia Magliani, Mestre Cândido, Mestre Valentim, Mestre Vitalino, Michel CENA7, Michel Onguer, Minelvino, Nhô Caboclo, Nice Nascimento, Otávio de Araújo, Panmela Castro, Pinto Bandeira, PV Dias, Rafael Frederico, Raimundo da Costa e Silva, Rubem Valentim, Tomás Santa Rosa, Valdomiro de Deus e Zé Igino (José Igino da Cruz)

Artistas brancos: Pedro Américo, Jorge Campos, Hostílio Dantas, João Batista Ferri, Margarida Lopes de Almeida, Rodolfo Bernardelli, Emil Bauch,  Johann Moritz Rugendas e Victor Adam, Desmons e Paul de Saint-Martin, Emma Mouroux, Rodolfo Amoedo, José Correia de Lima e Modesto Brocos.

O neologismo “pretagonismo” foi apropriado de Rodrigo França e Jonathan Raymundo.

De 29 de agosto de 2024 a 14 de fevereiro de 2025

Exposição de Ashley Joy

23/ago

A artista americana Ashley Joy inaugura sua primeira exposição individual no Brasil, na galeria Pop-up, Itanhangá, Rio de Janeiro, RJ. “Chapters”, sob a curadoria de Shannon Botelho e visitação até 21 de setembro. A mostra é composta por 23 pinturas nas quais destaca-se os tons quentes, fluidez e intensidade, que refletem a abordagem abstrata da artista. Ashley Joy explora temporalidade, memória e subjetividade, utilizando a abstração para expressar suas ideias em um mundo em constante transformação, criando estruturas visuais assertivas através de uma criteriosa seleção de cores e formas. Seja em grandes ou pequenos formatos, os trabalhos alcançam uma resolução plástica devido a uma criteriosa seleção de cores e formas que, uma vez estabelecidas, compõem uma estrutura visual funcional e assertiva. “Em todos os trabalhos da artista, os elementos não aparecem gratuitamente, ao contrário, funcionam como artifícios de estabilização da própria pintura e conexão com o cotidiano do ateliê e da cidade”, afirma Shannon Botelho.

Desde que se mudou para o Rio de Janeiro em 2011, suas abstrações adquiriram novos elementos figurativos, influenciada pela presença constante das montanhas na paisagem da cidade. “Nelas a paisagem simula presença, sem imprimir, de fato, o seu registro. Como miragens, as pinturas figuram imagens somente em nossas suposições e expectativas, pois, se olharmos atentamente veremos que diante de nós estão as mesmas formas e cores habituais de sua abstração”.

As referências artísticas de Ashley incluem Tamara de Lempicka, cuja estética art déco e o uso de cores monocromáticas exerceram um impacto profundo em seu desenvolvimento durante a adolescência. Além disso, seu trabalho é profundamente influenciado por sua vida familiar. Desde cedo, ela compartilha com seus filhos o prazer da prática no ateliê, um hábito que herdou de sua própria mãe. “Acredito no potencial de uma criação matriarcal, onde a força e a presença feminina são fundamentais”, diz a artista. Foi logo após o nascimento de sua primeira filha que sua pintura autoral realmente emergiu, resultando em uma explosão criativa que a levou a produzir mais de cem quadros em grandes formatos. Mais recentemente, o universo da arte urbana tornou-se um elemento significativo na pesquisa de Ashley. Estêncil, desenhos, colagem, baixos-relevos, e a técnica de aquarela em acrílica são utilizados para criar camadas vibrantes, delicadas e fluídas.  “Como capítulos, essas camadas de imagens presentes nas ruas das cidades e que contam histórias, compõem temporalidades e estruturam uma narrativa da própria vida”, reforça o curador.

“Chapters” nos convida a refletir sobre o tempo, as memórias e a vida. “A pintura de Ashley, neste sentido, imita o ritmo intenso da vida cotidiana, semelhante a capítulos com as suas sequenciais surpresas, sem perder, contudo, a beleza das cores, das misturas e as esperanças”, conclui Shannon Botelho.

Sobre a artista

Ashley Joy nasceu em 1983, Austin, Texas – EUA. Vive e trabalha entre Brasil e EUA. Artista visual com formação em Belas Artes pela Universidade do Texas – EUA. A relação de Ashley com a pintura é profunda e familiar, acompanhando as diversas fases de sua vida. Após o nascimento da sua primeira filha, sua produção artística cresceu em escala e volume. Influenciada pela Street Art, Ashley Joy experimenta variados processos para construir camadas que revelam diferentes temporalidades em uma única obra. Utilizando técnicas como estêncil, desenho, colagem e alto-relevo, ela desenvolve um estilo único, criando camadas fluidas e delicadas em acrílico.

Eckhout: trânsitos do olhar

22/ago

A partir do dia 30 de agosto e até 12 de dezembro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Glória, Rio de Janeiro, RJ, abre a exposição temporária “Eckhout: trânsitos do olhar”, oportunidade de conhecer as cópias de quadros encomendadas pelo imperador Dom Pedro II ao pintor dinamarquês Niels A. Lützen. Trata-se dos famosos retratos indígenas pintados por Albert Eckhout, no tempo da ocupação holandesa no Nordeste brasileiro, no século XVII.

A mostra coloca em discussão o olhar do colonialismo aos quadros históricos em diálogo com a criação contemporânea da artista paraense Nay Jinknss. Dom Pedro II fez uma viagem à Dinamarca para conhecer os famosos retratos de indígenas do Brasil comentados pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt em seu livro “Cosmos”, um dos mais populares livros de ciência do século XIX. Foi então que decidiu encomendar versões em formato menor dos retratos para doar ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e tornar as imagens conhecidas no Brasil.

Estes retratos de indígenas de Pernambuco do século XVII traduzem o encanto pelo desconhecido que definiu o exotismo como princípio da construção do olhar de europeus diante do mundo colonial. Paradoxalmente, o exotismo foi internalizado pela cultura nacional para demarcar visões da singularidade brasileira. Desse modo, o Imperador participou desse processo em que o olhar estrangeiro condicionou a visão dos colonizados sobre si mesmos.

Por meio da criação contemporânea de Nay Jinknss, os retratados de Eckhout ressurgem no mercado do Ver-o-Peso da cidade de Belém do Pará. Suas fotografias e vídeo rejeitam a representação do tipo social genérico sem subjetividade característica do olhar do colonialismo. Em seus retratos, ao contextualizar a experiência social e expor o que faz cada indivíduo singular, a artista paraense contribui para multiplicar os modos de ver e representar a diversidade cultural do Brasil. O curador Paulo Knauss, diretor do Museu do IHGB e professor do departamento de História da Universidade Federal Fluminense, comenta:

“Os retratos de Eckhout transitam entre épocas e revivem na arte contemporânea brasileira, ao menos desde a criação de Glauco Rodrigues. Suas apropriações servem à crítica dos modos de ver as diferenças culturais baseada na dicotomia entre selvagens e civilizados. Nos trânsitos do olhar, a arte contemporânea subverte os sentidos de imagens consagradas e busca romper com a colonialidade”.

A exposição apresenta ainda livros e mapas ilustrados com imagens do mundo colonial que foram difundidas pelos artistas e naturalistas holandeses do século XVII. A realização da exposição marca também a reabertura do circuito de visitação do IHGB com a conclusão da primeira etapa do seu projeto de renovação. É uma oportunidade para conhecer a sede do IHGB e seus outros espaços expositivos, que apresentam tesouros da cultura brasileira reunidos desde a fundação da instituição acadêmica em 1838, como o Crânio da Lagoa Santa, um dos mais antigos vestígios da vida humana no Brasil e encontrado na primeira missão arqueológica brasileira, além da coleção de retratos de dom Pedro II.  Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: Plano Anual garante preservação de uma das mais antigas coleções históricas do Brasil. Através da Lei de Incentivo à Cultura, o Plano Anual do IHGB conta com patrocínio do Instituto Cultural Vale e Itaú, além de parceira institucional do SESC, sendo uma realização do IHGB com o Ministério da Cultura e Governo Federal.