O Memorial Municipal Getúlio Vargas, Glória, Rio de Janeiro, RJ, apresenta, a partir de 12 de janeiro,a exposição “Memorial por Tulio Dek”, uma grande instalação do multiartista no susolo da instituição. No percurso do salão circular, 50 pinturas do artista, de 1m x 1,40m, suspensas do teto, de modo a que o público caminhe em meio a elas. No lugar de telas, o artista mandou imprimir em tecido cru uma padronagem semelhante ao pijama usado por Getúlio Vargas, na madrugada de 24 de agosto de 1954. Tulio Dek fará intervenções com pintura em cada um dos recortes de tecido, usando palavras ou frases que discutem aquele momento marcante na história brasileira. A escrita, uma característica do trabalho de Tulio Dek, que também é poeta e compositor, busca “remeter à dor que Getúlio vivenciou naquele dia”, conta o artista.
Em um espaço anexo ao salão circular, Tulio Dek colocará uma porta, para o público atravessar. Do outro lado estará um púlpito. “É como se Getúlio quisesse dizer algo depois de sua morte”, comenta o artista. Atrás do púlpito, visível apenas para quem contornar o púlpito, estará um projétil do mesmo calibre usado pelo presidente em sua morte.
O jornalista, escritor e dramaturgo Luis Erlanger é o curador. No texto que acompanha a exposição, ele afirma que “Tulio Dek levou a inquietação da sua veia poética para o caminho das artes plásticas. Abrindo, com vigor, espaço para seus pensamentos e dúvidas, manifestados na sua estética bonita de se ver e, ao mesmo tempo, contundente”. “O Memorial Getúlio Vargas virou um cenário ideal, logo após as eleições que dividiram o país de forma assustadoramente radical, para aprofundar dilemas sobre os quais, mesmo que inconscientemente, o Brasil se debruçou, de forma beligerante. Uma de nossas maiores lideranças políticas, em capítulos que contribuíram a dar um toque ficcional à história do Brasil, Vargas conquistou o poder pelos dois lados da balança: como ditador, flertando com o nazi-fascismo, e pelo voto popular”, observa o curador.
REFLEXO
Nascido em 1985, em Goiânia, e radicado no Rio de Janeiro, Tulio Dek está com obras em exibição também na exposição “Reflexo”, na TNT Arte Galeria, em São Conrado, com esculturas e pinturas inéditas. Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, estão na exposição doze pinturas, e duas esculturas da série “Reflexo”, em que centenas de cápsulas de munição compõem as formas de duas mulheres e um torso de uma menina. Em setembro último, Tulio Dek participou durante um mês de uma residência artística no Thomaz Hipólito Studio, em Marvila, Lisboa, que resultou em uma exposição no mesmo local. Obras suas integram uma mostra coletiva em cartaz na Square One Contemporary Art Agency, na capital portuguesa, com curadoria de Rui Afonso Santos, do Museu de Arte Contemporânea do Chiado, que também fará a curadoria da individual do artista programada para o primeiro trimestre de 2019, também na Square One Contemporary Art Agency. Desde 2012, Tulio Dek voltou seu processo criativo para o desenho e para a pintura, sem abandonar seus textos. De 2015 a 2017 morou na Itália, onde dividiu um ateliê com um escultor ligado à Academia de Arte de Florença (Florence Academy of Art). “Meu processo de criação é muito solto, e não acredito na perfeição. O que me interessa é o processo em si e o que eu quero dizer. Não me identifico com a formação acadêmica, onde se exige uma perfeição de formas e acabamento que não tem a ver comigo”, conta.
Memorial TD
Luis Erlanger
Tulio Dek levou a inquietação da sua veia poética para o caminho das artes plásticas. Abrindo, com vigor, espaço para seus pensamentos e dúvidas, manifestados na sua estética bonita de se ver e, ao mesmo tempo, contundente.
Tulio faz política com tinta.
Suas causas trafegam muito além de qualquer discussão ideológica, rejeitando a divisão simplista entre esquerda e direita. Um artista que expõe e provoca reflexão com uma visão humanista do mundo.
O Memorial Getúlio Vargas virou um cenário ideal, logo após as eleições que dividiram o país de forma assustadoramente radical, para aprofundar dilemas sobre os quais, mesmo que inconscientemente, o Brasil se debruçou, de forma beligerante. Uma de nossas maiores lideranças políticas, em capítulos que contribuíram a dar um toque ficcional à história do Brasil, Vargas conquistou o poder pelos dois lados da balança: como ditador, flertando com o nazi-fascismo, e pelo voto popular.
Um expoente do populismo – “o pai dos pobres”.
Para culminar, seu suicídio é um dos episódios mais marcantes e traumáticos da nossa vida pública.
Como político, pode ter entrado para a história. Como ser humano, agiu contra um instinto básico (a sobrevivência) e preferiu matar-se a perder o poder.
Sem uma desnecessária conexão, este projeto de TD vem impregnado de elementos, tanto no conteúdo quanto na plasticidade, que estiveram presentes na trajetória de Vargas, e que, ainda hoje, com mais intensidade, inquietam a sociedade e as famílias. Um convite a passear por um labirinto de ideias fácil de se sair. Difícil é ultrapassar os impasses que trazemos do nosso passado, ainda mais contundentes na nossa contemporaneidade. Dos brasileiros e da humanidade.
Obras para o prazer visual mas também para fazer pensar. Numa viagem lúdica que reforça a tese de que a arte redime o ser humano.E o que fica na história mesmo é a arte.
PS: coincidentemente, as iniciais do artista formam a sigla TD – abreviação da expressão norte-americana “TrueDat”, corruptela de “truethat”, que significa que o fato é verdadeiro. Na era de “fakenews”, precisamos mais ainda da verdade.
Luis Erlanger é jornalista e escritor
Até 05 de maio.