A portuguesa Paula Rego e brasileira Adriana Varejão exibem lado a lado – a partir de 02 de setembro – uma seleção de trabalhos na Carpintaria, Jardim Botânico, espaço experimental da Fortes D’Aloia & Gabriel no Rio de Janeiro cuja vocação é promover exercícios amplos de pensamento, estimulando o diálogo entre diferentes autores, formas de expressão ou linguagem. Trata-se de um encontro singular que, como num dueto, permitirá ao público identificar sintonias e singularidades, iluminando ainda mais suas poéticas, seja pelo reconhecimento de afinidades seja pela revelação de contrastes.
Mesmo pertencendo a gerações e continentes distintos, em muitos momentos as duas parecem habitar o mesmo terreno. Visitam com frequência temas da História ou do universo ficcional que revolvem as camadas mais aparentes e desenterram aquilo que há de perverso ou oculto nos mitos e narrativas que usam como ponto de partida. No caso de Paula Rego essa relação com o campo da ficção é ainda mais evidente. Consagrada como a mais importante pintora portuguesa da atualidade e também como um dos grandes nomes da arte inglesa (onde atua desde que se mudou para Londres no início dos anos 1950), ela trabalha sempre em séries, construídas a partir de narrativas de outros autores. Narrativas que ela reconta à sua maneira, recria na forma de uma grande cena teatral, recaindo sempre no lado perverso da história. No caso desta exposição – sua primeira mostra no Rio de Janeiro , os trabalhos selecionados (quatro telas e um grande móbile) se debruçam sobre dois textos: “Primo Basílio”, de Eça de Queiroz, e “Bastardia”, de Hélia Correia.
A relação de Adriana Varejão com o texto é mais sutil, metafórica. Muitas vezes seu interesse é documental, mais próximo da antropologia e da literatura histórica do que da ficção, alimentando-se mais de imagens – as quais recontextualiza criticamente – do que de literatura. Para esta exposição Adriana traz um conjunto de seis obras, pertencentes a duas séries, uma em que dialoga com o trabalho do ceramista português Bordalo Pinheiro e a outra, mais recente, em formato de folhas secas, que só foi mostrada anteriormente, e de forma parcial, em Hong Kong, e que se debruçam sobre temas ousados como o sexo e a amamentação. Essas pinturas retomam uma tradição chinesa de pintura sobre folhas naturais e mesclam diferentes elementos recorrentes na obra de Adriana como o recurso à cerâmica e seu craquelamento, bem como a utilização de um leque amplo de referências, visuais, históricas e simbólicas, recontextualizadas criticamente em ricas paródias.
São raras no Brasil as exposições que colocam frente a frente apenas dois artistas. E com histórias de vida tão distintas. Neste caso, tudo teve início com a grande retrospectiva da obra de Paula Rego que aconteceu na Pinacoteca (São Paulo, 2011). Desde então a galerista Márcia Fortes idealizava juntar as duas artistas. O encontro foi concretizado em outubro do ano passado, em Londres. E dali brotou naturalmente a ideia da mostra. A seleção de trabalhos foi quase natural, enfatizando a produção mais recente da artista luso-inglesa.
Dentre as obras selecionadas destaca-se um grande móbile, no qual sereias assustadoras parecem fazer uma dança macabra em torno do visitante, e que deve abrir a exposição, juntamente com uma pintura de Adriana de cunho bastante escultórico, na qual se vê uma eclosão de elementos marítimos, com caranguejos e lagostas como que a pular no espaço. “É um diálogo corporificado, explosivo”, define Márcia Fortes. “Em vários momentos as duas parecem duelar com o mundo”, acrescenta.
“Eu me coloco totalmente como aprendiz. Acho a Paula uma mestra”, afirma Adriana. E acrescenta: “É muito difícil responder à obra de uma pessoa que você admira tanto”. Esta é uma das razões para a escolha de trabalhos já existentes, em busca dos pontos de contatos entre os trabalhos, como a curiosidade, o fascínio por vezes perverso sobre o papel da mulher no jogo íntimo ou social, ou a forte característica ornamental e a exploração de contrastes típicas da tradição barroca, tão cara às duas artistas. Caberá, no entanto, ao visitante buscar por si mesmo os pontos de aproximação e distanciamento. “É um estudo em aberto e é bacana que o público possa complementar essa leitura”, afirma a galerista.
De 02 de setembro a 04 de novembro.