Ilusão e Inclusão.

27/mar

 

Exposição destaca a participação ativa do espectador e a evolução da Op-Art para a Arte Cinética.

A Galeria Espaço Arte MM, Jardim Paulista, São Paulo, SP, inaugura a exposição Op-Art – Ilusão e Inclusão, sob curadoria de Denise Mattar, no dia 29 de março. A mostra reúne artistas pioneiros e contemporâneos que exploram a relação entre forma, cor e movimento, proporcionando ao público uma experiência sensorial que ultrapassa a contemplação passiva.

A Op-Art surgiu na Europa na década de 1950 como herdeira do Concretismo, mas rompeu com sua rigidez estática ao propor uma nova forma de interação entre arte e espectador. Caracterizada pela repetição de formas geométricas simples, contrastes de cor e ambiguidades entre fundo e figura, essa vertente cria ilusões de movimento e profundidade, desafiando a percepção visual.

A exposição apresenta obras que dialogam com essa tradição e sua evolução para a Arte Cinética, na qual o movimento virtual torna-se real, seja por meio de mecanismos ou pela interação direta do público. Reunindo nomes fundamentais da Op-Art e da Arte Cinética, como Julio Le Parc, Jesús Rafael Soto, Carlos Cruz-Diez, Victor Vasarely, Yaacov Agam, Dario Perez-Flores e Abraham Palatnik, além de artistas que continuam expandindo essa linguagem, como Yutaka Toyota, Yuli Geszti e José Margulis, a mostra evidencia a força e a atualidade desse movimento artístico.

A Op-Art consolidou-se internacionalmente por meio de exposições como Le Mouvement (Galeria Denise René, 1955), The Responsive Eye (MoMA, 1965) e pela atuação do GRAV (Groupe de Recherche d’Art Visuel), que buscava integrar arte e público. Op-Art – Ilusão e Inclusão reafirma essa trajetória e destaca sua influência contínua em diversas áreas, como Design, Moda e Arquitetura. Com essa exposição, a Galeria Espaço Arte MM reafirma seu compromisso com a promoção da arte contemporânea e convida o público a vivenciar a arte de maneira ativa e imersiva.

Em cartaz até 26 de abril.

Pequenas fábulas visuais de Liliana Porter.

A exposição “Otros cuentos inconclusos”, da artista argentina Liliana Porter, apresenta mais de 30 obras, compondo um panorama da sua produção dos últimos cinco anos. Radicada em Nova York desde 1964, a artista soma mais de 60 anos de carreira, período em que desenvolveu uma sólida e significativa pesquisa em torno da representação da condição humana. Essa é a quinta exposição da artista – até 07 de junho – na Luciana Brito Galeria, São Paulo, SP, que também promoveu sua primeira mostra individual no Brasil, em 2001.

“Otros cuentos inconclusos” empresta o seu título da sua mais recente obra em audiovisual, “Cuentos inconclusos” (2022), concebida em parceria com a artista Ana Tiscornia. Como o título sugere, o vídeo nos coloca diante de pequenas narrativas, cujos desfechos podem ser atribuídos de acordo com a nossa própria imaginação. Para tanto, o vídeo é apresentado em cinco partes, por meio de narrativas construídas com a combinação de frases extraídas da obra de literatura infantil “Simbad, o Marujo” e cenas animadas das instalações da artista. A trilha sonora, assinada por Sylvia Meyer, representa papel importante, ajudando não apenas na ambientação das cenas, como também dando vida aos personagens inanimados.

A produção de Liliana Porter nos coloca diante de pequenas fábulas visuais, ou crônicas atemporais da nossa própria condição de ser humano. Uma de suas grandes habilidades recai no poder de síntese das suas representações, que paradoxalmente (ou ironicamente) acontece a partir do colecionismo. Bibelôs, brinquedos, ornamentos e outros pequenos objetos garimpados ganham vida pelas mãos da artista. Eles permanecem armazenados até serem “licenciados” pela sua poética, por vezes ácida, por vezes bem humorada. O poder da simples combinação desses elementos, muitas vezes acrescidos de pinturas e desenhos, pautam questões profundas e inerentes da sociedade contemporânea, como é o caso da obra “The Anarchist (Woman in Red)” (2022), onde uma pequena figura executa a grande tarefa de desenrolar um novelo de lã inteiro para criar obstáculos àqueles que quiserem adentrar o ambiente. Ou em “The Way Out (with red car)” (2022), em que uma grande barreira não é páreo para um simples carro vermelho. A artista também apresenta um conjunto de 20 pequenas assemblages sobre papel e outras dez micro-instalações, onde objetos minúsculos ganham um grande poder narrativo, por meio de metáforas que tratam do tempo e da memória presente nos nossos repertórios mais íntimos.

Celebrações em torno de Pedro Moraleida.

Organizada pela curadora e crítica de arte Lisette Lagnado, a mostra que homenageia Pedro Moraleida Bernardes ocupará dois endereços – até 21 de junho – da nova Almeida & Dale, São Paulo, SP, como parte das celebrações pelos 25 anos da morte do artista mineiro, que partiu precocemente aos 22 anos de idade. Intitulada Nossa Senhora do Desejo, a exposição propõe diálogos entre sua obra, artistas que o influenciaram e uma nova geração que compartilha de sua inquietação e irreverência.

A produção intensa de Pedro Moraleida, marcada pela desobediência, escatologia e crítica social, segue sendo revisitada e reinterpretada ao longo do tempo. Graças ao empenho de seus pais, Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida, junto a professores e artistas, seu acervo sempre esteve acessível a pesquisadores, estimulando novos estudos sobre a obra. Desde setembro de 2024, a Academia Mineira de Letras (AML), em parceria com o Instituto Pedro Moraleida Bernardes (iPMB), o Viaduto das Artes e o Grupo Oficina Multimedia, tem promovido seminários e exposições em Belo Horizonte, ampliando a reflexão sobre o seu legado. Em 2019, o Instituto Tomie Ohtake realizou a primeira retrospectiva do artista fora de sua cidade natal, com curadoria de Paulo Miyada.

Embora frequentemente associada, de maneira simplista, ao neoexpressionismo alemão, a prolífica obra do artista – que abrange desenhos, pinturas, textos e experimentos sonoros – vai muito além dessa influência. Pedro Moraleida teve acolhida entusiasmada por parte de curadores brasileiros e estrangeiros, e, segundo Lisette Lagnado, “ainda há muito a ser explorado sobre as fontes que o inspiraram”.

Nossa Senhora do Desejo mergulha em temas recorrentes em sua produção, como capitalismo, patriarcado, saúde mental, guerra planetária, direito à vida e vida artificial. Dentre os vários nexos iluminados pela mostra, destaca-se aquele que o aproxima do poeta francês Antonin Artaud: a opção por “uma existência que se recusa a anestesiar as emoções”. Como sintetiza a curadora, “…ambos examinam uma sociedade abusiva e tóxica, vociferando contra o pecado católico e a perversão acumulativa da burguesia”.

Num movimento tentacular, outros elos vão se desenhando, como a sintonia entre sua força insubmissa e a arte de Jaider Esbell e Arthur Bispo do Rosario (em registros flagrados pela lente do mestre da cor Walter Firmo), que brota da violência institucional e a transmuta poeticamente em “energia de combate”. O caráter iconoclasta e a mordacidade política conectam a produção de Pedro Moraleida à de Leon Ferrari, figura fundamental do conceitualismo latino-americano, presente na exposição com a série “Releituras da Bíblia”. Figuras como Jean-Michel Basquiat e José Leonilson, usualmente lembradas como influências para Pedro Moraleida, também fazem parte dessa constelação de referências evidenciadas pela exposição. Além dessas relações de caráter mais histórico, há na seleção proposta por Lisette Lagnado a presença importante de duas artistas que conheceram Pedro Moraleida, a mineira Cinthia Marcelle e a hispano-brasileira Sara Ramo – da mesma geração surgida no final do século passado, elas prestaram uma assessoria especial no processo de pesquisa e concepção da mostra. O conjunto inclui ainda produções recentes que ecoam a mesma inquietude, como as da paulistana Lia D Castro e do suíço-carioca Guerreiro Do Divino Amor, cuja instalação “Civilizações Super Superiores” foi originalmente apresentada no Pavilhão da Suíça da 60ª edição da Bienal de Veneza.

A expografia dos dois espaços é assinada pelo arquiteto e urbanista Tiago Guimarães, formado pela Universidade Federal do Ceará e atuante em São Paulo desde 2005. Além dos nomes já citados, completam a mostra obras de Castiel Vitorino Brasileiro, desali, Flávio de Carvalho, ⁠ Francisco de Almeida, Lia D Castro, ⁠Linga Acácio, Trojany, ⁠Marta Neves, Regina Parra – artista que apresenta uma performance na abertura da exposição – e ⁠Thiago Martins de Melo. O poeta floresta participa da publicação que será lançada durante a exposição com uma seleção de sete poemas extraídos de seu livro rio pequeno (ed. Fósforo, 2022).

Artistas participantes.

Antonin Artaud, Castiel Vitorino Brasileiro, Cinthia Marcelle, desali, Flávio de Carvalho, floresta, Francisco de Almeida, Guerreiro do Divino Amor, Jaider Esbell, Jean-Michel Basquiat, José Leonilson, León Ferrari, Lia D Castro, Linga Acácio e Trojany, Marta Neves, Pedro Moraleida, Regina Parra, Sara Ramo, Thiago Martins de Melo, Walter Firmo.

Classificação indicativa: mão recomendado para menores de 18 anos. Esta exposição contém imagens com teor sexual, sexo explícito e nudez. Acesso mediante a presença do responsável ou acompanhante com autorização por escrito.

De Isaac Julien para Lina Bo Bardi.

26/mar

A Nara Roesler São Paulo apresenta até 24 de maio, a exposição “Isaac Julien – Lina Bo Bardi – A Marvellous Entanglement – Photographs & Collages” exibindo 20 obras, 16 delas totalmente inéditas – derivadas do filme “Lina Bo Bardi – A Marvellous Entanglement” (2019), ni qual Lina Bo Bardi (1914-1992) é representada por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. O texto crítico é de Solange Farkas, fundadora da Associação Cultural Videobrasil, em 1991, e curadora de diversas bienais e exposições.

As novas colagens do cineasta e artista britânico Sir Isaac Julien (1960), apresentadas pela primeira vez, se destacam pelo uso singular das cores, evocando diversos motivos poéticos e ecológicos na obra de Lina Bo Bardi.

A mostra na Nara Roesler ocorre simultaneamente à exibição inédita no Brasil, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), da videoinstalação, com nove telas, do filme “Lina Bo Bardi – A Marvellous Entanglement”, de Isaac Julien, no novo anexo do museu, no edifício Pietro Maria Bardi.

Desse modo, o público poderá ter contato com cenas complementares do mesmo trabalho de Isaac Julien. Tanto no filme como nas fotografias e colagens, Lina Bo Bardi é representada em diferentes estágios de sua vida por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. No filme, as atrizes lêem textos adaptados dos escritos da arquiteta ítalo-brasileilra, envolvendo os espectadores em uma narrativa que se baseia em uma citação de Lina Bo Bardi – “O tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado no qual, a qualquer momento, fins podem ser escolhidos e soluções inventadas, sem começo nem fim”.

 

Diálogos com Calder.

A Central em parceria com Eliana Finkelstein apresenta, a partir do dia 29 de março, a exposição coletiva “Sopra a ave-do-paraíso, voa longe a viúva negra” no primeiro andar e no mezanino do Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo (IABsp) e, em exibição até 17 de maio..

Convidada por Eliana e Fernanda Resstom, fundadora e diretora da Central, Galciani Neves realiza a curadoria da mostra que articula obras de mais de 20 artistas que tecem diálogos, relações e elucubrações acerca da Viúva Negra (1948), de Alexander Calder (1898-1976). O móbile, doado pelo artista ao IABsp, é parte da coleção do Instituto e, assim como o edifício, é tombado como patrimônio cultural pelo IPHAN.

“A história de uma obra de arte acumula os registros sobre as vezes que ela foi exibida; os textos sobre ela escritos; as experiências e acontecimentos que sua aparição e circulação geraram. Essas vibrações, por vezes, colocam a obra em uma espécie de presente expandido no tempo, sempre atualizando-a e incansavelmente nos surpreendendo. Admitindo que todas essas possíveis e incontáveis experiências diante de uma obra são contribuições à sua reflexão, essa mostra articula, com esta perspectiva, as obras como uma espécie de sopro que junto com o público e com a efervescência do centro de São Paulo movem a Viúva Negra, animando-lhe de tempos e sensações do agora e lhe dando as tantas “formas fugidias”, como nos disse Sartre sobre Calder” conta a curadora.

Em comum e de muitas maneiras, os trabalhos contemporâneos que integram a exposição são produzidos por meio de materiais e processos que dialogam com formas não-humanas e são, assim, modos de pensar o mundo e seus habitantes.

“Responder pela palavra que dá título à obra, pelas intencionalidades que vislumbrava o artista e pela linguagem que experimentou nos pareceu uma estratégia para lidar com a onipresença e com a movência desse trabalho no espaço do IABsp, como modos de ler o trabalho à luz do nosso tempo e também para perceber como artistas contemporâneos se engajam em questões vizinhas, gerando, assim, afinidades poéticas com o móbile do artista estadunidense.” conclui Galciani Neves.

Alexander Calder, Alice Shintani, Aycoobo, Bozó Bacamarte, Carmela Gross, Carmézia Emiliano, Cleiber Bane e Cleudon Sales Txana Tuin – MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin), Darks Miranda, Davi de Jesus do Nascimento, Diambe, Erika Malzoni, Gilvan Samico, Heloisa Hariadne, Kimi Nii, Liuba Wolf, Mariana Rocha, Mayawari Mehinako, Melissa Stabile de Mello, Nilda Neves, Niobe Xandó, Rayana Rayo, Selva de Carvalho, Véio.

A imensa energia plástica de Jorge Guinle.

25/mar

Durante sua estadia em Nova York, entre 1985 e 1986, Jorge Guinle produziu 14 pinturas de grande formato, e boa parte delas nunca foi exibida. A Simões de Assis São Paulo, SP, reúne a partir de 27 de março e exibe até 10 de maio, pela primeira vez em “Infinito”, 10 desses trabalhos antes desconhecidos, lançando novas perspectivas sobre a trajetória de Jorge Guinle. O conjunto revela um momento de inflexão em sua poética, quando abstrações de forte natureza gestual se projetam nas telas de maneira vibrante, ao lado de trabalhos mais marcados por amplos campos de cor. Jorge Guinle definia suas obras como representação de uma “iconografia abstrata”, na qual a história da arte é mais um universo visual a ser explorado em seus valores e oposições.

“A emoção que sinto quando a tela está pronta é muito forte. É uma emoção incrível e que nunca confessei. Uma emoção total, de harmonia com o mundo, de felicidade. Uma emoção fortíssima de volta ao passado e a todas as memórias passadas. Uma sensação de comicidade das coisas da vida como num momento Zen, onde você vê todo o absurdo mas o acha engraçado. Uma segurança total perante o mundo, uma felicidade, uma calma, uma sensação de paz. Quando levo uma tela de um lugar para outro, seguro-a com especial carinho, sentindo sua rugosidade, seu chassis. Em vez de fazer uma meditação eu pinto. É assim que encontro o meu sartório: a total paz com relação ao mundo onde os contrários se unem.” – Jorge Guinle.

Jorge Guinle: o vaivém da pintura

Jorge Guinle Filho viabilizou sua efetiva inscrição no nosso tecido cultural nos anos oitenta. Foi um artista além do seu tempo. Seu percurso artístico de maior representatividade ganhou estatura e maior solidez entre 1980 e 1987, um curto período devido ao seu precoce falecimento aos quarenta anos de idade, mas de grande intensidade e uma produção acelerada pelo seu ímpeto contemporâneo. O artista nasceu e faleceu em Nova York, morou muitos anos no exterior, mas o Rio de Janeiro foi a cidade que escolheu para viver e produzir toda a sua obra. Conhecia os impasses da arte e acompanhava os movimentos que surgiam em Paris, Nova York, no Brasil e no mundo, mas estava em busca de seu próprio direcionamento. A sua trajetória é uma tradução de uma vontade da pintura, do fazer descompromissado, do gosto pelo improviso e pelo livre fluir da pintura, tão presente em suas obras. Segundo sua afirmativa, “chegar a uma harmonia através dos paradoxos, é o que me anima”. Foi um artista essencial para a representação pictórica brasileira. O exercício da pintura pavimentou grande parte do seu território cotidiano e sua caligrafia visual do mundo. Exercia uma fidelidade absoluta à pintura, utilizando inclusive os métodos tradicionais do fazer artístico por excelência, como a tinta à óleo sobre tela ou suporte neutro do papel. Fez parte de uma geração que buscava a revitalização e a persistência da pintura, apesar da predominância da arte conceitual, da pop art e do minimalismo. Sua produção dos anos oitenta permanece ainda hoje como a principal referência para o circuito de arte como uma significativa presença estética. Soube particularizar, em seu trabalho, a ebulição de estilos cultos, ou seja, dos movimentos artísticos modernos e contemporâneos que tornaram a História presente. No seu entender, “para voltar à pintura, é necessário fazer a pintura dar voltas”. A obra de Jorge Guinle traz a característica de um pluralismo na sua linguagem pictórica. Apresenta as diferenciadas vertentes das tendências predominantes na arte que ele denominava como “os deuses modernos, os artistas formam o seu back ground artístico afetivo”, que impregnavam a lógica e a dinâmica da sua produção artística. Sem ter um programa estético determinado, mas afirmando que “no caso da pintura, o olhar humano tem que deslizar pela tela inteira sem ficar preso a esse ou aquele detalhe. Sou uma pessoa que sofreu a carga de toda a tradição moderna, inclusive do movimento Fauve”. Onde situar os trabalhos de Jorge Guinle? Suas obras são inseparáveis de toda a história da arte, tornando cada vez mais problemáticas as relações entre as diferentes vertentes da arte. Como se fosse uma pintura-ação, o artista rompia a distinção entre arte e vida. Suas telas arrastam consigo as suas sucessivas formas de atividades, os fragmentos de suas vivências.  Inicialmente as suas obras tinham referências figurativas, mas nos anos oitenta transitam entre o figurativismo e o abstracionismo. Sua produção artística passa a adquirir outras linhagens históricas que velozmente se entrelaçam, como o expressionismo alemão, italiano e a pintura americana. Cria sobreposições através do desdobramento da complexa dinâmica do seu processo de trabalho, onde não parece ter hierarquias ou pausas, mas mantém um fluxo frenético, um sem fim indeterminado. São poucos e raros os espaços vazios. A questão das cores habita intensamente o seu universo de conhecimento. A pintura era um território preciso, composto de um repertório complexo e referenciado no tecido histórico da arte. No final de 1986, contraiu pneumonia e recebeu resultados inconclusivos após teste de HIV. Aconselhado pelos médicos a repetir os exames mais detalhados nos Estados Unidos, em abril de 1987, embarcou para Nova York e iniciou o tratamento contra Aids. No dia 9 de maio foi internado no Memorial Hospital e faleceu no dia 18 de maio de 1987. As suas últimas obras foram exibidas na Grande Galeria do Centro Cultural Candido Mendes na Praça XV, em dezembro de 1987. Também em maio de 1988, na Galeria de Arte São Paulo e, em julho de 1989, na Galeria Anna Maria Niemeyer, o artista foi homenageado com a apresentação de suas prováveis últimas telas pintadas antes de partir para Nova York, onde veio a falecer.  Essa série final de seus trabalhos foi intitulada L’Heure Bleue / A Hora Azul fazendo referência ao perfume em voga nos anos trinta. Nessas telas, o processo pictórico parece se tornar mais rarefeito, relutando em aparecer, pelo uso excessivo de diluentes na parte dos pigmentos. Os campos visuais se compunham mais serenos e mais suaves. O artista Fabio Miguez comentou a respeito dessas obras: “Talvez as mais belas, onde o esvaziamento da pintura, de certa forma, coincide com o esvaziamento da vida”. Jorge Guinle foi um singular interlocutor das novas gerações e das precedentes, marcando a história da arte brasileira. Atuava em um território amplo, heterogêneo. Convivia com novos repertórios, outras possibilidades. Passou o tempo todo indagando sobre os dilemas da pintura que era um elemento constante, um objeto de desejo, manteve a consciência da natureza expansiva de sua produção artística, que realizou com meios diferenciados e atingiu uma extraordinária amplitude. Produziu uma pintura que lhe é própria e inevitável, com uma linguagem fluida, uma gama de cores que flutuam no espaço e produzem efeitos visuais de uma plasticidade inesperada. Suas pinceladas aleatórias ou intencionais, refletem um sistema pictórico que conduz a um complexo repertório da historiografia da arte. No período do inverno novaiorquino, em 1985-1986, decidiu passar uma temporada com a mãe, quando realizou 14 telas de grandes dimensões no Kaufman’s Studio, no Queens, pois estava preparando uma exposição que nunca foi realizada. A primeira visão pública desse conjunto extraordinário de oito telas inéditas recém descobertas pela galeria Simões de Assis nos Estados Unidos, fazem parte das obras finais do artista e ancoram novos ângulos de reflexão sobre seu legado, seus desdobramentos, continuidades ou rupturas. Essas obras estavam sem bússola, jamais tinham sido encontradas. Eu estive pessoalmente no estúdio de Nova York à procura delas e não encontrei nenhum rastro. A Simões de Assis foi a responsável por trazer à luz essas surpreendentes telas, mas sua relação com a obra de Jorge Guinle vem de longa data, desde sua inauguração em 3 de julho de 1984, em Curitiba, onde o artista esteve presente e apresentou duas pinturas intituladas O Minotauro e Interior Atávico, acompanhado de um texto crítico de Ronaldo Brito. A mostra inaugural foi uma coletiva transgeracional da qual participaram os artistas Alfredo Volpi, Tomie Ohtake, Arcangelo Ianelli, Ivald Granato, Hércules Barsotti, Rubens Gerchman, entre outros. O fazer pictórico é uma tarefa infinita. Incessante, interminável, mas parecem realizadas para as sensações do presente. Suas cifras secretas estão presentes nas complexas interrogações no sistema plástico, evidenciam outros territórios e descortinam novas reflexões nas férteis vertentes da arte. Pintar implica localizar, no âmbito da produção pictórica, questões produtivas capazes de revelar um pensamento sobre a própria pintura. A cor para Jorge Guinle tinha um lugar polissêmico, uma linguagem com aparente arbitrariedade, usada com intensidade e liberdade incomparáveis, como se fosse uma tinta fresca. Essas pinturas irradiam a sua contínua e intensa vontade de pintar. Comprovam o vaivém do exercício da pintura, com as massas de óleo e um repertório cromático dissonante, que nos contamina pela sua densidade corpórea, seus elementos pulsantes que instauram uma visão de mundo.  Mantém a sua identidade e distendem a sua permanente indagação sobre a pintura, que realizou com meios diferenciados para obter uma massa avassaladora, como um processo e um fim inevitável. As cores saturadas, descontínuas, vertiginosas, aliadas a uma pulsação visual intensa, ao nervosismo de seus gestos, são as marcas de sua linguagem. Um turbilhão de cores, tintas escorridas e pinceladas vigorosas, vibrantes para todos os lados. As telas exalam uma inteligência pictórica e uma erudição visual que propagam a sua imensa energia plástica. Apesar de serem datadas em 1986, parecem viver no momento presente, mantendo intacto o seu frescor. Suas obras emanam algo duradouro, suscitam uma conversa infinita conosco.

Vanda Klabin

A energia na obra de Kelton Campos Fausto

 

A Gentil Carioca, Rio e São Paulo, anuncia a representação da artista Kelton Campos Fausto.

“Em pinturas quase atmosféricas, Kelton nos situa entre o fantástico e o terrível que é pensarmos nos trânsitos inevitáveis entre a vida e a morte. Entre seres de línguas maiores que a boca, banhos de areia e procissões sobre as nuvens, nos deparamos com a finitude do que conhecemos, para a infinitude do que não pode ser conhecido. O trabalho e a energia retornam aqui de alguma forma para desestabilizar nosso pretenso conhecimento científico dos fenômenos observáveis.” – Matheus Morani

Kelton Campos Fausto nasceu em São Paulo, 1996.  Vive e trabalha no Sul Global. É artista multidisciplinar e não-binárie, residente e fundadora da plataforma e coletivo Brasilânia.Co. Kelton Campos Fausto produz e cria imagens que transitam pelas linguagens do vídeo, pintura, cerâmica e performance. Atualmente, está interessada na construção plástica da concepção equivocada da Diáspora Brasileira, arquitetando espaços e cenas espirituais que propõem espaços de vida, baseados em outras formas de apreender a realidade e o corpo. Em 2024, participou da exposição “Dos Brasis: arte e pensamento negro” no Sesc Quitandinha em Petrópolis – RJ, Brasil; a mostra fez parte de uma itinerância da exposição que passou pelo Sesc Belenzinho, São Paulo, Brasil, no ano anterior. Em 2024 também realizou a sua primeira exposição individual n’A Gentil Carioca Rio de Janeiro, intitulada “Ègbé ọ̀run Ẹgbẹ́ àiyé”.

Galatea na SP-Arte 2025.

A Galatea anuncia sua participação na SP-Arte 2025, que acontecerá no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, entre os dias 02 e 06 de abril, de quarta-feira a domingo. A galeria apresentará um conjunto de obras que refletem o seu programa, reunindo artistas que representa, como Allan Weber, Bruno Novelli, Gabriela Melzer e Marília Kranz, além de nomes fundamentais da cena moderna e contemporânea como Anna Maria Maiolino, Ascânio MMM, Francis Alÿs, Ione Saldanha, Lygia Clark, Lygia Pape, Mira Schendel, Rubem Valentim, Ubi Bava, Waltercio Caldas e Wanda Pimentel.

Concebido como a simulação de um apartamento, nosso estande estabelecerá um diálogo entre as obras expostas e mobiliários assinados, em um projeto de expografia desenvolvido por Lucas Jimeno. A ideia é explorar a relação entre Arte e Arquitetura, investigando como a experiência estética se desdobra no ambiente doméstico. Mais do que um simples suporte expositivo, a estrutura do estande propõe uma vivência onde Arte, Design e Arquitetura se entrelaçam, aproximando as obras do cotidiano e sugerindo novas formas de interação.

O poder da imagem na obra de Claudio Tozzi.

24/mar

A Galeria Marcelo Guarnieri, apresenta, entre 29 de março e 02 de maio, a primeira mostra de Claudio Tozzi na unidade de São Paulo. A exposição reúne obras realizadas entre 1968 e 2024, percorrendo mais de cinquenta anos de intensa produção, período no qual o artista refletiu sobre o poder da imagem construída em um trânsito visual entre o espaço público e o espaço privado. A exibição conta com texto crítico assinado pelo curador Diego Matos.

Claudio Tozzi iniciou sua produção artística na década de 1960, realizando, através de uma aproximação com a linguagem da Pop Art e ao programa da brasileira “Nova Figuração”, uma leitura crítica sobre a emergente cultura de consumo de massas que se integrava a uma Ditadura Militar recém-instaurada. Dedicava, por exxemplo, nesses primeiros anos, uma especial atenção aos símbolos ligados à militância popular, como as imagens da multidão em protesto ou do rosto de Che Guevara. O parafuso, um objeto trivial dotado de uma forte carga política quando associado à classe operária, atravessa algumas décadas de sua produção, convertendo-se em um símbolo em si mesmo dentro de sua poética. Claudio Tozzi explora suas geometrias, qualidades escultóricas, função estrutural e sua capacidade, enquanto objeto perfurante, de articular o espaço-dentro ao espaço-fora.

Seu interesse pelas possibilidades técnicas e visuais da retícula, exploradas inicialmente por meio da serigrafia, foi se reconfigurando através de pinturas pontilhadas ou de obras como “Polution” (1973), na qual explorou o ponto como partícula na composição física da atmosfera. Ainda na década de 1970, dentro de suas investigações sobre estruturas compositivas, sobre a formação da imagem em processos de integração e desintegração, dedicou-se às relações entre luz, cor e pigmento. Em produções mais recentes, entre os anos de 2022 e 2024, explorou o caráter reticular do formato da grade através de composições geométricas serializadas que utilizavam-se de materiais tão diversos quanto a borracha e o nylon.

Como observa Diego Mattos no texto crítico que acompanha a exposição: “Tozzi nunca perdeu de vista uma perspectiva de futuro em que mantém de maneira resiliente a ideia: é necessário que o capital não exceda a poesia. Essa é talvez uma reflexão que funciona como âncora conceitual de sua produção e que foi apropriada no trabalho mais recente selecionado para a mostra. (…) Desse modo, em um momento de grande sensibilidade aos impasses não resolvidos no passado como a discussão da lei de anistia e a luta por memória, verdade e justiça, as obras do artista ganham uma nova injeção de pertinência histórica e nos ajuda a pensar nas emergências reais do agora. Basta perceber, por exemplo, a profusão da imagem de astronautas representados das mais variadas formas em suas obras: uma figura heroica dos tempos da guerra fria e que segue como ideário na corrida espacial e na disputa de poder simbólico.”.

As nuances da experiência humana

Obras recentes de Newman Schutze integram individual na Sergio Gonçalves Galeria, Jardim América, São Paulo, SP, com curadoria de Marcus de Lontra Costa.

Com mais de 40 anos de trajetória, Newman Schutze tem como característica a fidelidade que mantém à sua essência de pintor. Isso se comprova em “A pintura e seus mistérios”, exposição que inaugura no dia 1º de abril, com 30 trabalhos produzidos em 2024, em pequenos, médios e grandes formatos de até 1,80 metros, a maioria utilizando técnica mista sobre tela (e alguns em técnica mista sobre papel).

O artista, que tradicionalmente não dá títulos para suas obras, desta vez as “batizou” com nomes dados por pacientes psicóticos de oficinas por ele ministradas. Essas telas inéditas apresentadas na Sergio Gonçalves Galeria também exploram cores mais fortes, em pinceladas que apontam para um retorno à arte figurativa.

“A exposição faz uma imersão no meu universo pessoal e íntimo, onde proponho uma reflexão profunda sobre as nuances da experiência humana. As obras, que envolvem técnicas mistas e uma paleta vibrante, desafiam a forma como percebemos a realidade e nos convidam a olhar para dentro de nós mesmos”, afirma Newman Schutze.

A arte é uma ponte.

Por Marcus de Lontra Costa

Nesses tempos distópicos nos quais antigos fantasmas parecem envolver o mundo e apavorar aqueles que conheceram o arbítrio e a dominação, pintar é, antes de tudo, um ato de resistência e paixão. Em toda a diversidade de seus métodos e processos, a pintura, assim como o teatro, não se realiza no terreno da virtualidade. Ela é matéria, gesto, cor, espaço e terreno da construção humana. Ao longo dos séculos a pintura retratou e recriou o mundo com suas mazelas e encantos e hoje, mais do que nunca, ela se faz necessária para recuperar a essência criativa do ser humano. Em plena gritaria, no meio de vozes dissonantes, pautas identitárias necessárias, distúrbios teóricos, paradoxos filosóficos e determinações antropológicas a pintura de Newman Schutze se impõe pelo silêncio e elegância das coisas eternas. Há nela, como fundamento, a definição de uma clareza gráfica/estrutural que conduz o olhar do espectador para o território do equilíbrio, da sutileza e do método construtivo. Aqui, a disciplina rege a composição e o resultado é fruto de um processo elaborado no qual o movimento, o cromatismo, a sensível equação tempo e espaço se aliam a algumas reminiscências de paisagem para nos apresentar uma obra que nunca se esgota no primeiro olhar. As pinturas do artista combatem vigorosamente o olhar apressado; elas são um convite para a descoberta de belezas silenciosas e profundas. Na interseção do gesto e da figura, as paisagens surgem como elementos poéticos e de forte apelo visual. Elas são fragmentos da realidade envolvidas numa aura de mistério e nos remetem a antigas lembranças de um mundo perdido, mas que, com a força da arte, pode ser recuperado. Os tons pastéis sugerem véus e mistérios e convidam o olhar sensível a descobrir novas belezas e encantamentos. Trata-se de uma obra cuja densidade é fruto de um trabalho árduo e persistente. Ao artista não lhe interessam os rótulos e os estilos tradicionais pois ele sabe que a arte é antes de tudo uma ponte, um caminho. A sua maturidade permite-lhe tangenciar várias escolas e vários saberes da arte. Sua inquietude encontra morada na essência, no coração do homem que lhe assegura o direito de construir e transformar. Em seu grande mistério, a arte nos ensina que o conhecimento, o talento e a resiliência, como no caso das pinturas de Newman Schutze, formulam a receita principal de uma arte atemporal e eterna.

Rio de Janeiro, março de 2025.

Sobre o artista.

Newman Schutze nasceu em Adamantina, São Paulo, em 1960. Vive e trabalha em São Paulo, capital, desde 1985. Já participou de exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior, em países como Alemanha, França, Espanha e Estados Unidos. Expôs individualmente no MAM-Bahia, MAC-Paraná, Museu Victor Meireles em Florianópolis, SC e em diversas galerias nas principais capitas brasileiras. Entre as mostras, vale destacar: a 10ª Bienal de Santos; o 15º Salão da Bahia, em Salvador, SP-Arte (2005 e 2010); Arte BA08-Buenos Aires. Em São Paulo, fez parte do projeto “Aluga-se”. Recebeu diversos prêmios aquisitivos e uma viagem a Nova York em 1996. Em 2011, lançou o livro “Newman Schutze Nanquim, óleo”; em 2012, montou a instalação “Planície”, na Vitrine do MASP com curadoria de Regina Silveira. Em 2019, foi convidado para a residência artística em Gludstad, Dinamarca.

Até 10 de abril.