Projetando para outro horizonte.

07/nov

A Gentil Carioca tem o prazer de anunciar My Black Utopia, primeira exposição do artista O Bastardo n’A Gentil Carioca São Paulo, com abertura no dia 09 de novembro, sábado, das 14h às 19h. O texto crítico é assinado por Lilia Schwarcz, que aponta:

“My Black Utopia diz respeito, portanto, ao protagonismo preto. Não se trata de apenas “pegar e copiar”, como diz O Bastardo. Mas de “pegar e projetar para outro horizonte”, como na “Alegoria da Caverna”, escrita por Platão. Neste texto, o filósofo mostra como pessoas presas desde a infância neste local acreditavam que as sombras que projetavam nas paredes eram as únicas realidades existentes. Pois bem, nosso artista mostra como toda tela carrega outras possibilidades – expressas ou ocultas – e assim nos convida a olhar de novo, e enxergar diferente.”

A partir de um processo de apropriação de símbolos e ícones presentes em obras canônicas da história da arte ocidental, O Bastardo propõe a criação de um mundo utópico onde as figuras dessas obras habitam uma realidade paralela, marcada pela presença e protagonismo da figura preta. O artista descreve esse processo como um “atropelamento” dos clássicos, uma sobreposição que expõe a existência desse universo alternativo.

A individual ficará aberta à visitação até o dia 18 de janeiro de 2025.

Onde o fim se insinua em Juan Casemiro.

04/nov

Marli Matsumoto Arte Contemporânea, Vila Madalena, São Paulo, SP, apresenta a exposição “Depois que acaba”, a primeira individual do artista Juan Casemiro na galeria, com texto crítico de Ana Roman.

Na exposição “Depois que acaba”, Juan Casemiro nos conduz por um território onde o tempo não se extingue, mas se dilata, criando espaços de pausa, onde o fim se insinua como uma nova possibilidade. O que termina, na verdade, nunca acaba por completo. O apagamento é parcial, deixando rastros, vestígios que se recusam a desaparecer por completo. O trabalho de Casemiro habita justamente esse intervalo, onde os objetos, em seu silêncio, ainda carregam as marcas das histórias que viveram.

Metros de madeira desgastados pelo uso, fitas cassete guardando músicas que talvez nunca mais sejam ouvidas, fósforos queimados que já cumpriram sua função – esses são os materiais que ele resgata. São fragmentos de um cotidiano abandonado, objetos que, mesmo fora de contexto, continuam a falar. E o que dizem não é apenas sobre sua função original, mas sobre as mãos que os tocaram, os momentos que eles presenciaram, os pequenos gestos que ficaram impregnados em suas superfícies.

Nas obras de Casemiro, o ordinário se transforma em matéria poética. Um metro de madeira ou uma fita cassete ganham uma segunda vida, não para serem úteis novamente, mas para existirem como portadores de memórias. Ao não revelar tudo, ao manter certos segredos intactos – como as músicas gravadas em uma fita que nunca será tocada – o artista preserva o mistério. O silêncio que envolve essas fitas se torna um espaço de imaginação, onde o espectador é convidado a projetar suas próprias histórias, a preencher as lacunas com aquilo que nunca será dito.

É essa suspensão que marca Depois que Acaba. Ao escolher guardar e não expor completamente, Casemiro estende a vida desses objetos para além de sua obsolescência. O fim se converte em uma pausa, onde as histórias permanecem, abertas, prontas para serem reimaginadas, mas nunca concluídas. As obras sugerem que o fim de algo não é uma anulação, mas uma transformação que, mesmo em seu silêncio, continua a reverberar.

A exposição propõe uma reflexão sobre o que permanece depois do fim – o que ainda resiste nas camadas invisíveis do tempo. Os objetos, assim como as histórias que eles contêm, permanecem vivos, suspensos entre o que já foi e o que ainda pode ser. O gesto de Casemiro é uma forma de cuidado, uma maneira de prolongar o instante em que o passado ainda ecoa no presente. Em cada peça, há um convite para escutar o silêncio, para perceber o intervalo entre o fim e o que vem depois.

São  Paulo, outubro de 2024

Ana Roman

A primeira exposição individual de Cipriano.

01/nov

A NONADA SP inaugurou a primeira exposição individual do artista Cipriano, intitulada “Saravá o Invisível”. Com curadoria de Paulo Azeco e texto crítico da curadora angolana Paula Nascimento, a mostra reúne trabalhos inéditos que exploram a relação entre memória, espiritualidade e materialidade, utilizando elementos como algodão, carvão e pemba. As obras de Cipriano evocam gestos ritualísticos que dialogam com sua trajetória pessoal e sua vivência no terreiro, abrindo uma reflexão sobre o passado e o presente, tanto em suas dimensões pessoais quanto coletivas. A mostra aborda memória, espiritualidade e ressignificação cultural.

Paula Nascimento, angolana, pesquisadora, curadora e arquiteta, ganhadora do Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 2013, destaca no texto crítico o caráter performático das pinturas de Cipriano, onde os processos de repetição e sobreposição criam uma narrativa visual rica em significados. Através de suas composições, o artista explora o legado do tráfico transatlântico, a interligação entre culturas materiais e as tecnologias de resistência e cura. “Saravá o Invisível” é uma ode à continuidade da vida, aproximando o visível e o invisível, o pessoal e o coletivo, em uma reflexão sobre as experiências partilhadas e universais.

Sobre o artista

Cipriano, nascido em Petrópolis, RJ, é artista, escritor e pesquisador, com foco na africanidade. Sua obra, presente em diversas exposições individuais e coletivas, é marcada por um profundo diálogo com o espectador, ressignificando símbolos e tradições culturais. Esta é sua primeira exposição individual consolidando seu papel como uma voz emergente no cenário artístico contemporâneo.

Até 25 de janeiro de 2025.

Giros e afetos por vinte artistas.

31/out

A galeria Nara Roesler São Paulo apresenta, a partir de 31 de outubro, a exposição “Giros e Afetos, Arte Brasileira 1983-1995”, com aproximadamente 40 obras criadas neste período por 20 artistas: Amelia Toledo, Angelo Venosa, Antonio Dias, Brígida Baltar, Cao Guimarães, Carlito Carvalhosa, Carlos Zílio, Cristina Canale, Daniel Senise, Fabio Miguez, José Cláudio, Karin Lambrecht, Leda Catunda, Leonilson, Marcos Chaves, Paulo Bruscky, Rodrigo Andrade, Sérgio Sister, Tomie Ohtake e Vik Muniz.

As obras foram selecionadas por Luis Pérez-Oramas e o núcleo curatorial da Nara Roesler, e têm diferentes tamanhos, técnicas e pesquisas, em pinturas, aquarelas, desenhos, esculturas e bordados, que mostram que “…entre voltas e afetos, ainda que compartilhando o mesmo momento histórico, e, embora aparentemente semelhantes, os artistas e suas obras são únicos e irrepetíveis, e cada um deles inaugura uma temporalidade específica”.

Para os curadores, “…em sua tentativa ilusória de se tornar científica, a história da arte esquece que, durante séculos, suas realizações foram reguladas, explicadas e sustentadas por uma teoria dos afetos, também chamada de teoria das paixões”. No percurso proposto, o público poderá ver o que aproxima e o que distancia esses trabalhos.

Até 18 de janeiro de 2025.

Grafismos e símbolos de Thiago Barbalho.

Nara Roesler São Paulo apresentar a exposição “Thiago Barbalho – Segredos e feitiços”, primeira individual do artista na cidade. Thiago Barbalho migrou da literatura e dos zines para elaborados e intrincados desenhos coloridos, repletos de grafismos e símbolos. O artista nasceu em Natal, em 1984, e hoje se divide entre São Roque e a capital paulista.

A mostra terá aproximadamente 40 obras produzidas este ano, como o grande desenho “A torta perfeita”, com mais de dois metros de altura, além de desenhos em médio e pequeno formato – nos quais usa lápis de cor, pastel, canetas e marcadores, tinta acrílica e a óleo -, e esculturas, feitas em materiais diversos como impressão 3D, resina e fibra de vidro, acrílico, tecido e pintura automotiva.

A exposição traz ainda trabalhos realizados pelo artista com elementos característicos da cultura de Jardim do Seridó, no interior do Rio Grande do Norte, terra natal de sua mãe, como pinturas rupestres presentes, a paisagem semiárida e técnicas de produção têxtil artesanal. Um dos exemplos é a tapeçaria “Futuro”, desenvolvida em conjunto com o coletivo Flor de Kantuta, composto por mulheres tecelãs bolivianas radicadas em São Paulo. “Quis reunir variadas referências, desde os açudes e rios da nossa terra, até o artesanato potiguar, com suas tapeçarias e colchas. Mas quis fugir dos clichês associados à arte nordestina em geral”, diz Thiago Barbalho.

Entre 16 de julho e 29 de setembro de 2024, a curadora Catarina Duncan e o artista Thiago Barbalho estabeleceram uma troca de e-mails como método de acompanhamento investigativo e interlocução em torno da obra do artista. A conversa atravessa a prática artística de Thiago Barbalho, o desenvolvimento da exposição e ao mesmo tempo abre espaço para divagações e relatos pessoais entre notícias da atualidade, sonhos e referências de pesquisa. A correspondência foi impressa e estará disponível na exposição.

As reflexões de Geórgia Kyriakakis.

A Galeria Raquel Arnaud exibe o projeto “Os ventos do norte não movem moinhos” da artista Geórgia Kyriakakis. Com texto crítico de Paula Borghi, a mostra traz obras que suscitam reflexões sobre a cultura, a história e a herança social do processo colonizador na América Latina. Inspirada pela canção “Sangue Latino”, composta em 1973 por Paulinho Mendonça e João Ricardo, e eternizada pela banda Secos e Molhados, a artista propõe uma visão ampliada da América Latina, que ultrapassa conceitos geográficos e contrapõe a influência cultural norte-americana.

A fala da artista

“O que chamamos de América Latina é um tipo de regionalização que considera os idiomas falados, os processos históricos de colonização e exploração, as desigualdades sociais e as origens indígenas ancestrais, entre outros fatores. Os “ventos do norte”, mencionados na canção, são uma alusão direta às forças imperialistas do norte global, que resultam em opressão e espoliação de recursos naturais e sociais, presentes na história da região. Essas forças “não movem moinhos”, promovem o subdesenvolvimento inexorável da América Latina”.

Composta por esculturas, desenhos, instalações e ações colaborativas, a exposição ocupa todo o espaço da galeria. No piso térreo estão duas séries de desenhos inspirados na história da cidade de Chuquicamata, no Chile, abandonada devido à poluição do ar e à contaminação causada pela exploração de cobre na região. Na parede principal, a artista apresenta Veias abertas, uma extensa faixa de tecidos vermelhos de diferentes formatos e texturas, cobrindo toda a metade inferior da parede.

Texto de Paula Borghi

Publicado pela primeira vez em 1971, As veias abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), é um clássico atemporal que discorre sobre as relações de poder que marcam as particularidades dessa região. Dois anos depois, a banda Secos & Molhados grava a música Sangue Latino, tendo em sua letra a frase “os ventos do norte não movem moinhos”, a qual nomeia a exposição de Geórgia Kyriakakis. Desse modo, o termo “ventos do norte” corresponde à força colonial da Europa, apontada como responsável pela espoliação, escravização e genocídio dos povos indígenas na região, e à opressão política da presença dos Estados Unidos, agenciadora de golpes e ditaduras militares.

Diferentemente do que foi instaurado no imaginário coletivo, a América Latina não é somente um território físico, ela diz respeito, principalmente, aos processos sistêmicos de colonização e exploração; uma vez que abastecer o norte com commodities tem sido uma imposição às sociedades latino-americanas (bem como a outros países do sul global) há mais de cinco séculos. Falar sobre este tema é o que o livro de Galeano, a canção dos Secos & Molhados e a exposição de Geórgia Kyriakakis se propõem, cada qual com sua linguagem.

Pautada por uma economia extrativista que se dedica a arrancar os metais do ventre da terra, queimar florestas, plantar latifúndios de monoculturas e gerar mais gado do que humanos, a América Latina vem metodicamente sendo assassinada em proveito dos donos do capital. Com uma visualidade próxima a um derramamento de sangue, a instalação VEIAS ABERTAS ocupa a parede principal da galeria, justapondo tecidos de materialidades e tons de vermelho variados com frases da canção – “minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos, meu sangue latino, minh’alma cativa”.

O sangue como sinônimo de exploração também é simbolizado pela presença do cobre, seja em barras conectadas a garrotes de látex ou na forma de desenhos/ pinturas sobre papel. Fazendo menção direta a uma das maiores minas a céu aberto do mundo, localizada na cidade de Chuquicamata, no Chile, a artista evoca metaforicamente o sangue, a lágrima e o suor que são derramados na busca pelo minério. Uma vez mais, tem-se a exploração da Terra, vista como bem natural a ser devorado.

Galeano usou a expressão “dentes de cobre sobre o Chile” para falar sobre a exploração do minério por empresas estadunidenses – em 2003, todos os moradores de Chuquicamata foram realocados para Calama, cidade vizinha, em decorrência do alto índice de contaminação respiratória. A lança de cobre utilizada nestes trabalhos, que é replicada também em madeira, faz referência a outra parte da canção: “quebrei a lança, lancei no espaço, um grito, um desabafo”.

Na série homônima à mina chilena, desenhos simulam o gesto de “lavar as mãos” como uma questão de saúde pública e também como expressão popular para aqueles que fogem das responsabilidades. O gesto pode corresponder à mão de um/uma trabalhador/a que teve contato direto com a mineração, seja pela contaminação do ar ou pelo trabalho braçal na mina, bem como do poder público em benefício do capital. A presença deste fazer a muitas mãos já aponta para o que se encontra no andar superior da exposição.

Nesse andar, Kyriakakis convidou mais quatro outras artistas para colaborarem com a mostra, sendo que três delas foram suas alunas no curso de Artes Visuais da FAAP, bem como a que vos escreve. Abre-se, aqui, uma outra camada, a de Geórgia Kyriakakis enquanto professora. A partir de então, seu trabalho de arte pode ser lido em diálogo com o da educação, que, por sua vez, se atrela ao doméstico e ao materno – estes dois últimos invisíveis na concepção histórica do trabalho. O comissionamento de propostas inéditas para Aline Langendonck, Carla Chaim, Isis Gasparini e Vânia Medeiros soma-se ao desejo de produzir em coletivo e acionar dispositivos que tragam à tona a força de trabalho da própria equipe da galeria.

O que se tem é uma exposição que tensiona estruturas de poder, sistemas de trabalho e produtividade, enquanto articula um passado ainda muito presente sobretudo naquilo que diz respeito ao futuro do Brasil. Como quem alerta que as veias abertas da América Latina ainda não se fecharam.

Paula Borghi/São Paulo, outubro de 2024.

Até 15 de janeiro de 2025.

O caráter lírico e lúdico de Francisco Galeno.

A Galatea anuncia a exposição “Francisco Galeno: o Piauí é aqui – o Piauí não é aqui”, que ocupará o espaço da rua Oscar Freire, em São Paulo. Com abertura no dia 12 de novembro, a exibição individual do artista piauiense Francisco Galeno (Parnaíba, PI, 1957) reúne quarenta e quatro obras que nos colocam em contato com a multiplicidade de técnicas e materiais exploradas ao longo de sua carreira, como a pintura sobre madeira, as esculturas em madeira e os objetos do cotidiano ressignificados.

Produzindo há mais de quatro décadas, Francisco Galeno construiu o seu vocabulário visual a partir do cruzamento entre as vivências da sua infância no Delta do Parnaíba, no Piauí, e o imaginário modernista de Brasília, para onde sua família se mudou quando ele tinha oito anos. Em 1969, instalaram-se em Brazlândia, cidade nos arredores da capital federal, lugar onde Galeno se iniciou como artista e mantém ateliê até hoje. Atualmente, vive e trabalha entre Brazlândia e Parnaíba, seu segundo ateliê.

As obras de Francisco Galeno conjugam tanto o interesse geométrico que aprendeu em Brasília, com as linhas da arquitetura e as obras de mestres como Alfredo Volpi, Athos Bulcão e Rubem Valentim; quanto um caráter lírico e lúdico ao trazer símbolos da sua infância, dos brinquedos e dos objetos que o cercavam, como as bolas de gude e de futebol, os carretéis da sua mãe rendeira e os anzóis e a madeira do seu pai pescador e marceneiro.

No texto crítico escrito para a exposição, o curador Leno Veras comenta:

“Para além de suas temáticas figurativas, nas quais amalgamam-se objetos emergentes do desenho industrial – com forte presença no cotidiano das populações interioranas, como a lamparina (que, em uma de suas obras, desconstrói como que em um projeto técnico ao revés) – e artefatos concebidos por manufatura familiar, como os brinquedos de madeira, suas representações arquitetônico-urbanísticas também dão a ver que o pensamento construtivo é uma linha constante de sua expressão plástica, encontrado, inclusive, na forma concreta que assumem seus assemblages ao emular mobiliários familiares; tal qual gaveteiros de memórias, e histórias, que transbordam de seu território originário para um novo quadro, quadrado fincado em meio ao mapa: a capital federal – a moderna Brasília.”.

Até 25 de janeiro de 2025.

Duas culturas na arte de Eva Lieblich.

O J. B. Goldenberg Escritório de Arte, Higienópolis, São Paulo, SP, inaugura a exposição “A Poesia Visual de Eva Lieblich”, uma homenagem à artista que desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da arte moderna no Brasil. Composta por 25 obras selecionadas por seus filhos, Beatriz e João Gabriel, a exposição destaca a produção da artista com a técnica do batik, que ela introduziu no país, e como sua obra conecta influências europeias com a realidade brasileira, principalmente na representação da natureza, flora e fauna. A mostra estará em exibição até 30 de novembro.

A curadoria da exposição é assinada por Jairo Goldenberg, e o texto crítico foi elaborado por Roberto Bertani, que observa: “A produção de Eva Lieblich reflete uma fusão entre as duas culturas que marcaram sua vida, a europeia e a brasileira. Essa simbiose se revela em sua escolha de temas e no uso da técnica do batik, que trouxe para o Brasil e transformou em uma ferramenta única para retratar a exuberância tropical.” A exposição se concentra em um recorte específico de sua carreira, com foco nos panneaux que utilizam essa técnica, a qual Eva dominou após estudar em Viena e Paris na década de 1950.

A obra de Eva Lieblich pode ser entendida como um espelho de sua experiência européia, adaptada ao ambiente cultural brasileiro. Sua arte traduz a confluência de duas culturas, utilizando elementos visuais e técnicas tradicionais europeias, ao mesmo tempo que incorpora cores, formas e temas profundamente conectados ao Brasil. O batik, técnica central em sua produção, permitiu-lhe explorar e retratar a natureza e temas brasileiros de maneira única, como evidencia Roberto Bertani em seu texto: “A escolha do batik, que exige precisão e paciência, permitiu a Eva traduzir a intensidade das paisagens e elementos naturais do Brasil em obras de rara beleza poética.”

A iniciativa de resgatar a obra de Eva Lieblich é fruto do empenho de seus filhos em reunir e organizar um recorte de acervo com cerca de 45 obras, das quais 25 foram selecionadas para esta exposição. “A Poesia Visual de Eva Lieblich” oferece uma oportunidade única de redescobrir o trabalho de uma artista que, ao longo de sua carreira, contribuiu de forma significativa para o cenário artístico brasileiro, conectando diferentes culturas e estilos.

Sobre a artista

Nascida em Stuttgart, Alemanha, em 1925 Eva Lieblich imigrou para a América do Sul em 1938, fugindo da perseguição nazista. No Brasil, começou sua formação artística aos 15 anos, estudando desenho com Antônio Gonçalves Gomide e pintura com Aldo Bonadei, ambos integrantes do influente Grupo Santa Helena, que ajudou a moldar sua abordagem à arte moderna. Eva Lieblich foi também membro do Grupo dos 19 Pintores, que realizou uma histórica exposição na Galeria Prestes Maia, em 1947, em São Paulo. Além de suas importantes participações em exposições no Brasil, como a Bienal de Artes Plásticas de Salvador em 1966, Eva também levou sua arte ao exterior, destacando-se em uma exposição individual na Galeria Schaller, em Stuttgart, em 1963. Como afirma Roberto Bertani, “A capacidade de Eva de transitar entre o contexto europeu e o brasileiro, utilizando técnicas europeias com um olhar voltado à riqueza natural e cultural do Brasil, foi o que lhe garantiu uma posição de destaque na arte contemporânea”.

Endereço: Rua Tinhorão, 69 – Higienópolis, São Paulo

Encontro com o curador e o expositor.

25/out

Neste sábado, 26 de outubro, A Gentil Carioca São Paulo convida o público para um bate-papo com o artista Vinicius Gerheim e o curador Felipe Molitor, marcando o encerramento da exposição “Tororó”.

Como observa Molitor, no texto crítico da mostra:

“Tororó apresenta um conjunto pujante de paisagens que vacilam entre cenários interiores e exteriores, onde mesmo as figuras mais evidentes são fugidias o suficiente para se libertarem em uma enxurrada de abstrações. Como se fossem reminiscências, os parcos registros de um quarto, sala, cozinha, quintal se misturam a jardins, matagais, céus ou riachos – uma confusão típica da fantasia dos sonhos. A dimensão onírica também pode fazer referência às imagens fugazes da memória, afinal, recordar lugares e momentos do passado envolve uma boa dose de imaginação.”

“A costura empregada nessas novas composições, com toda a minúcia na variação de grafismos e tonalidades que se sobrepõem para formar as tramas, ganha força ao lançar-se bravamente entre a incerteza e a intuição. A repetição que Vinicius emprega não se coloca como exercício de esgotamento, mas de recordação e revelação.”

A conversa integra o evento Travessa Aberta, que reúne instituições de arte contemporânea e promove aberturas e conversas ao longo do fim de semana na Travessa Dona Paula.

Resgate da obra de Carlito Carvalhosa.

24/out

A cidade de São Paulo será palco de duas grandes exposições que resgatam a obra de Carlito Carvalhosa. A Natureza das Coisas, no Sesc Pompeia, e A Metade do Dobro, no Instituto Tomie Ohtake, reafirmam o seu protagonismo na cena artística contemporânea brasileira das últimas décadas e oferecem ao público um panorama abrangente de seu percurso criativo. Será uma oportunidade única de revisitar momentos fundamentais da trajetória do artista, falecido prematuramente em 2021, aos 59 anos.

Além das retrospectivas, em exibição nos espaços até fevereiro, estão previstas mais três iniciativas. Codiretora do documentário Lixo Extraordinário, que concorreu ao Oscar em 2011, a pernambucana Karen Harley prepara um filme sobre a vida e a obra de Carvalhosa. Já a Nara Roesler Livros publicará, em dezembro, um livro com extensa monografia dedicada à produção do artista. Paralelamente, a editora Supersônica apresenta um audiocatálogo de arte, formato inédito no Brasil, no qual artistas, críticos e amigos de Carvalhosa fazem “audiodescrições afetivas” de algumas de suas obras e relembram marcos importantes de sua vida. O audiocatálogo será instalado como uma obra sonora na exposição do Instituto Tomie Ohtake e estará disponível nas principais plataformas de streaming.

Essa revisita ao trabalho do artista se articula em dois movimentos separados, porém complementares, organizados em torno do Acervo Carlito Carvalhosa – criado por sua viúva Mari Stockler e filhas com o intuito de pesquisar, divulgar e preservar sua produção – e articulados em uma ampla rede colaborativa, em curadoria costurada a muitas mãos. Enquanto a mostra A Natureza das Coisas, do Sesc Pompeia, apresenta algumas de suas mais potentes instalações, acompanhadas por um conjunto denso de projetos, desenhos e estudos preparatórios, a exposição A Metade do Dobro, no Instituto Tomie Ohtake, reúne sobretudo trabalhos bidimensionais e escultóricos – acompanhados sempre de vasto material de arquivo -, refazendo o percurso do artista desde os primeiros movimentos de juventude até criações mais recentes e confirmando o caráter experimental e diverso de sua produção.

Carlito Carvalhosa explorou um leque muito amplo de técnicas artísticas: pintura, gravura, colagem, escultura, instalação. Trabalhou com materiais variados e muitas vezes inusitados: papel, gesso, tecido, alumínio, cerâmica, copos de vidro e um tecido leve, o TNT (Tecido Não Tecido). Para Luis Pérez-Oramas, poeta e historiador da arte venezuelano que assina a curadoria das duas exposições, em conjunto com outros pesquisadores brasileiros, a obra de Carvalhosa uniu “em uma síntese inesperada as polaridades irreconciliáveis da modernidade brasileira: a linguagem concreta e a matéria informe”.

Até 09 de fevereiro de 2025.