Coleção Museu Albertina no Instituto Tomie Ohtake

05/set

 

 

Os trabalhos reunidos em “O Rinoceronte: 5 Séculos de Gravuras do Museu Albertina” agora em exibição no Instituto Tomie Ohtake, Pinheiros, São Paulo, SP, são provenientes do maior acervo de desenhos e gravuras do mundo, o The Albertina Museum Vienna, fundado em 1776, em Viena, que conta com mais de um milhão de obras gráficas. A seleção das 154 peças para esta mostra, organizada pelo curador chefe do museu austríaco, Christof Metzger, em diálogo com a equipe de curadoria do Instituto Tomie Ohtake, é mais um esforço da instituição paulistana de dar acesso ao público brasileiro a uma coleção de história da arte, não disponível em acervos do país.

 

Com trabalhos de 41 mestres, do Renascimento à Contemporaneidade, a exposição, que tem patrocínio da CNP Seguros Holding Brasil, chega a reunir mais de dez trabalhos de artistas célebres, para que o espectador tenha uma visão abrangente de suas respectivas produções em série sobre papel. “A exposição constrói uma ponte desde as primeiras experiências de gravura no início do século XV, pelos períodos renascentista, barroco e romântico, até o modernismo e à arte contemporânea, com gravuras mundialmente famosas”, afirma o curador.

 

O recorte apresentado traça um arco, com obras de 1466 a 1991, desenhado por artistas marcantes em suas respectivas épocas, por meio de um suporte que, por sua capacidade de reprodução, desenvolvido a partir do final da Idade Média, democratizou ao longo de cinco séculos o acesso à arte. O conjunto, além de apontar o aprimoramento das técnicas, consegue refletir parte do pensamento, das conquistas e conflitos que atravessaram a humanidade no período.

 

Do Renascimento, cenas camponesas, paisagens, a expansão do novo mundo pautado pela razão e precisão técnica desatacam-se nas calcogravuras (sobre placa de cobre) de Andrea Mantegna (1431-1506), as mais antigas da mostra, e de Pieter Bruegel (1525-1569), e nas xilogravuras de Albrecht Dürer (1471-1528), pioneiro na criação artística nesta técnica, cuja obra “Rinoceronte” (1515) dá nome à exposição. O artista, sem conhecer o animal, concebeu sua figura somente por meio de descrições. O processo, que ecoou em Veneza, fez com que Ticiano (1488-1576) fosse o primeiro a permitir reprodução de suas obras em xilogravura por gravadores profissionais. Já a gravura em ponta seca, trabalho direto com o pincel mergulhado nas substâncias corrosivas, possibilitava distinções no desenho e atingiu o ápice nas obras de Rembrandt (1606-1669), que acrescentou aos valores da razão renascentista a sua particular fascinação pelas sombras.

 

Nos séculos XVII e XVIII, possibilitou-se com a meia tinta, o efeito sfumato, e com a água tinta, a impressão de diversos tons de cinza sobre superfícies maiores. Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um dos mestres desta técnica, aprofundando a questão da sombra em temas voltados à peste e à loucura. Enquanto Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) tem a arquitetura como tônica de suas gravuras em água forte, na mesma técnica Canaletto (1697-1768) constrói panoramas de Veneza.

 

No século XIX com a descoberta da litografia, com o clichê e a autotipia foi possível realizar a impressão em grandes tiragens sem desgaste da chapa de impressão e a consequente perda de qualidade associada ao processo. Diante disso, artistas tiveram disponível um amplo espectro de técnicas, a exemplo de Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), o primeiro pintor importante a se dedicar também ao movimento artístico dos cartazes. A metrópole, sua face boêmia e libertina foram amplamente reproduzidas pelo francês, um dos pós-impressionistas, como Édouard Vuillard (1868-1940), que revolucionaram a cromolitografia e influenciaram artistas do final do século XIX e começo do XX, como Edvard Munch (1863-1944), precursor do Expressionismo, movimento no qual notabilizaram-se Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Max Beckmann (1884-1950) e Käthe Kollwitz (1867-1945). Das joias da coroa austríaca estão dois de seus principais representantes: Gustav Klimt (1862-1918) e Egon Schiele (1890-1918). Como reação ao expressionismo, encontra-se George Grosz (1893-1959), um dos fundadores da Nova Objetividade, corrente de acento realista e figurativo que respondeu ao febril período entreguerras.

 

A exposição, realizada com a colaboração da Embaixada da Áustria no Brasil, reúne outros nomes seminais da história da arte moderna como Paul Klee (1879-1940), um conjunto de várias fases de Pablo Picasso (1881-1973), Henri Matisse (1869-1954), Marc Chagall (1887-1985); alcança ainda artistas pop, que se utilizaram particularmente da serigrafia a partir de 1960, como Andy Warhol (1928-1987), até chegar nos mais contemporâneos como Kiki Smith (1954), além de outros mestres do século XX.

 

Até 20 de novembro.

 

Animália 22

02/set

 

 

Vale lembrar que a exposição “Animália 22” na São Paulo Flutuante, Barra Funda, São Paulo, SP, continua aberta. “Segue texto profundo, escrito pelo artista e curador da mostra Manu Maltez, sobre a presença dos animais no imaginário artístico”, o recado é da marchand Regina Boni, diretora e fundadora da galeria.

 

Pela beleza do pavão/

da cascavél imperial/da labareda do dragão

/saúdo o reino animal

Trecho de “Forró de Dona Zefa” – Dominguinhos

 

Reunir em um mesmo galpão animais de vinte e dois artistas é uma missão de risco e deleite. É preciso lidar antes de tudo com um bicho diferente. Mais perigoso do que garras, espinhos, ferrões e presas, é o desejo dessa gente. Fabulistas, irônicos, míticos, dramáticos, lúdicos, expressionistas, políticos, naturalistas, hiper realistas, fantásticos, cubistas, abstratos, convergentes, paralelos, opostos, contraditórios. São rastros para todos os lados.

 

Quando enfim juntamos as diferentes partes no todo desta mostra, fica a impressão de que pariu-se pitoresco dragão. Em outros momentos, diante da fauna reunida, nos lembramos de Noé, como não? ainda mais agora, quando se anuncia a sexta, senão última extinção. Por fim, nosso passeio nos leva ao imponderável: tropeçamos no abismo de nossa memória atávica, resgatamos o pra sempre perdido. As paredes das cavernas são iluminadoras: Os bichos foram o assunto primordial da arte. Se criamos a arte pra nos diferenciar da animália, eles eram o tema predileto. Mesmo os primeiros registros de representações humanas nas pinturas são de figuras híbridas. Uma Vênus com chifres e focinho de bisão. Um homem com cabeça de ave. Éramos minoria, longe do topo da cadeia alimentar, os víamos como iguais, quiçá superiores e só Deus sabe nos detalhes como isso foi terrível e belo. A humanidade depois seguiu seu curso, progredindo rumo ao topo(e à solidão da espécie), inventou o espelho, a perspectiva, a luz elétrica, o avião, os vibradores, a bomba atômica, a kitnet, a arte conceitual, as redes sociais; mas não se pode dizer que em termos de desenho tenha superado os artistas paleolíticos, mestres pintores da bicharada.

 

Depois de séculos enfadonhos de um antropocentrismo sem-vergonha, aos poucos, o coro dos descontentes com o rame-rame monotemático vai engrossando, ouvem- se novas vozes anunciando a aurora. Sabiás cantam não só para se comunicar, mas também por satisfação pessoal, para encobrir a dor. Seu canto, quanto mais bem cantado, gera dopamina. Polvos, até ontem tidos como criaturas rudimentares, estrelam em documentários, exibindo uma inteligência desconcertante. Cientistas propõem que nossa fala é “um tipo de soma de componentes melódicos dos pássaros com os tipos de comunicação mais utilitários e ricos em conteúdo usado por outros primatas”: em um dado e misterioso momento da evolução, nossa espécie fundiu os dois universos. Um sem-número de ensaios, teses, filmes; científicos, literários, filosóficos sobre os animais, insinua. Algo parece estar em transformação.

 

Voltemos à exposição: O bicho aqui não é só por fora: infinitude de corpos, olhos, pintas, manchas, cores, pêlos, escamas, carapaças, cascos, texturas: (matéria prima interessantíssima para  as artes plásticas). Afora o estético, o alegórico, o simbólico, há também o bicho por dentro. É algo mais, que o artista, com suas antenas, capta. O artista olha o bicho sabendo que o bicho o olha de volta. E comunica aos outros de sua espécie a substância misteriosa dessa troca diversa, sem verbo. É o bicho-monolito. A esfinge. Diferentes lendas de povos antigos trazem narrativas de que no início, os homens sabiam falar a língua dos animais. Talvez a sociedade moderna esteja tentando reatar com eles não só por uma questão ecológica, urgente. Como tratamos de higienizar a morte, de negá-la, reiteradamente, precisamos mais que nunca desse outro tipo de vivente ao nosso lado, como contrapeso à nossa crescente  superficialidade, nossa anemia subjetiva. Em oposição à fragmentação, disrupção e desnorteio do homo sapiens imerso na existência urbana, materialista; do nosso cada um no seu quadrado, ou ainda, em sua própria  bolha-virtual, o animal permanece íntegro, com todos os seus sentidos aguçados, enraizados no cosmos.

 

Como já apontavam os artistas paleolíticos, e aponta o que resiste da arte indígena, aborígine, tribal, não ocidental, os animais são mensageiros; são uma ponte entre o mundo dos vivos e o mundo dos espíritos. Semi-deuses. Têm um pé ali, no além. Olharmos o mundo e a nós mesmos com olhos de bicho. Eis aqui o desafio, o delírio, o barato.

 

Alguns anos atrás, em certo tsunami na Indonésia,  toda a animália correu pras montanhas antes mesmo que os sismógrafos registrassem qualquer alteração no fundo do mar. Em Macunaíma, de Mário de Andrade, ao final da fatídica epopéia de nosso herói da raça sem nenhum caráter, a última criatura restante para passar adiante a história é um papagaio. São pequenas fábulas contemporâneas. E a constatação de que tudo o que eles, bichos, tocam diante de nossos olhos, vira fábula, mito, lenda, conto da Carochinha. De que nós sem eles, não somos gente no sentido mais reluzente da palavra.

 

Artistas são artistas porque deixaram a intuição se desenvolver como um membro. Como asas, um focinho, um rabo, um chifre. A procissão de bichos na arte através dos tempos e sua persistência na atualidade é um sinal de que a intuição, por hora, sobrevive.

 

Manu Maltez

 

Rodolpho Parigi e a latexguernica

01/set

 

 

 

O artista concebeu especialmente para esta exposição um mural com mais de 8 metros de extensão em que cria seu universo fantástico. Em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, Pinheiros, São Paulo, SP, até 30 de outubro. “latexguernica”, é a primeira mostra panorâmica dedicada à produção do paulistano Rodolpho Parigi em uma instituição brasileira, visando narrar seu processo de pesquisa por intermédio de um conjunto significativo de obras, compreendidas entre os anos 2000 e 2022. A individual, com curadoria de Paulo Miyada, Diego Mauro e Priscyla Gomes, composta por cerca de 70 pinturas, percorre momentos-chave da trajetória do artista, destacando a imponência de seus retratos, um dos gêneros pictóricos que atualmente toma grande parte dos seus estudos.

 

Nas obras reunidas, sob a superfície muitas vezes hiperbólica de suas paletas e composições, o artista revisita referências do universo artístico. Conforme apontam os curadores, seu trabalho se estabelece no limiar entre abstração e figuração valendo-se de uma série de referências que vão desde a tradição da pintura acadêmica ocidental ao design gráfico, publicidade, cultura pop e a música. “Há em seu processo pictórico um investimento libidinal que deglute referências, as historiciza e as revisita. Grace Jones, Gian Lorenzo Bernini, Bach, Rubens, Velasquez, Albert Eckhout e RuPaul convivem repletos de atração e contágio, dada a desenvoltura de Parigi em dessacralizar certos dogmas estabelecidos”, esclarecem.

 

Além desse panorama de sua produção, um mural, “Látex Guernica”, com mais de 8 metros de extensão, foi produzido exclusivamente para a mostra, que contou com a colaboração da Galeria Nara Roesler.  Na grande pintura, uma mesa de mármore define os contornos da cena habitada por uma miríade de personagens, volumes, esculturas, corpos e anatomias mascaradas. Ao centro, o Congresso Nacional desenhado por Oscar Niemeyer é atravessado por obras de Tarsila do Amaral e Maria Martins. Ao redor deste arranjo, a pintura está tomada por uma diversidade de formas: mobiliário de Sérgio Rodrigues, esculturas de Érika Verzutti e Hans Arp, urna funerária do povo marajoara, frutos tropicais, e, em especial, os corpos vestidos em body suits de látex que remetem às Sessions do artista performático australiano Leigh Bowery. Há, em especial, fragmentos da monumental pintura feita por Pablo Picasso em protesto contra a destruição perpetrada pelo fascismo, a “Guernica” (1937). “Aliando tradição à perversão, prosaísmo à alta cultura, Parigi condensa, na pintura de grandes dimensões “Latex Guernica”, anos de pesquisa e produção em uma cena que congrega simulacro, realidade e farsa”, completa os curadores.

 

Rodolpho Parigi nasceu em São Paulo, SP, 1977. É um dos integrantes da geração de pintores que despontaram nos anos 2000, com um processo artístico pujante que abarca constantes revisões e novos direcionamentos. Com grande domínio da prática pictórica, o artista aborda de maneira eloquente uma vasta iconografia da história da arte ocidental, revisitando temas à luz de referências contemporâneas.

 

Arte Moderna na Metrópole

 

 

Entre 14 de setembro e 10 de dezembro, o Museu de Arte Moderna de São Paulo leva obras emblemáticas de seu acervo ao Instituto CPFL, Chácara Primavera, Campinas, SP. Com curadoria de José Armando Pereira da Silva, a mostra intitulada “Arte Moderna na Metrópole: 1947-1951 – Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo” convida o público a conhecer a consolidação da cultura modernista brasileira. Originalmente programada para ter início em abril de 2020, a exposição foi adiada em razão da pandemia da Covid-19.

 

A seleção eleita por José Armando traz 45 obras do acervo do Museu, assinadas por Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Bruno Giorgi, Clóvis Graciano, Emiliano Di Cavalcanti, Emídio de Souza, José Antônio da Silva, Lívio Abramo, Lucia Suané, Mário Zanini, Mick Carnicelli, Oswaldo Goeldi, Paulo Rossi Osir, Raphael Galvez, Rebolo Gonsales, Roger Van Rogger, Sérgio Milliet, Tarsila do Amaral e Victor Brecheret. Trata-se de uma retrospectiva de exposições ocorridas na Galeria Domus, ponto de referência no cenário artístico paulistano da primeira metade do século XX.

 

O Brasil passava pelo processo de redemocratização e nova constituição depois de 15 anos do governo de Getúlio Vargas, e São Paulo se consolidava na condição de metrópole com dois milhões de habitantes – ambiente propício para o surgimento de polos culturais.

 

Um ano antes da inauguração do mam, em 1947, nascia a Galeria Domus, espaço fundado pelo casal de imigrantes italianos Anna Maria Fiocca (1913 – 1994) e Pasquale Fiocca (1914 – 1994) cuja atuação contribuiu para impulsionar o mercado de arte moderna da época.

 

“Durante os cincos anos de funcionamento da galeria, o movimento artístico ganhou novas instâncias com a instalação do Museu de Arte de São Paulo, dos Museus de Arte Moderna no Rio e em São Paulo, da Bienal e dos Salões Paulista e Nacional de Arte Moderna. O panorama se diversificou com novas tendências. Esse dinamismo, que elevava alguns artistas da Domus para um nicho histórico, conduzia outros para o foco de debates”, explica o curador.

 

Gerente executiva do Instituto CPFL, Daniela Pagotto explica: “A arte é uma ferramenta de transformação de realidades, pois resgata a nossa identidade cultural e a nossa história. Vamos receber uma nova exposição, em parceria com o MAM São Paulo, para celebrar o centenário do modernismo no Brasil. Essa é uma importante programação para que a população da região metropolitana de Campinas visite as obras de grandes nomes deste movimento. Também teremos uma agenda de arte e educação voltada para atender escolas e grupos de visitas guiadas”.

 

“O espírito moderno que predominava na década de 1940 foi decisivo para a fundação do MAM e, agora, por meio desta parceria com o Instituto CPFL, lançamos um olhar ao passado para refletir acerca da função dos museus e das instituições artísticas na atualidade. Para ampliar a experiência da exposição, o MAM Educativo realizará diversas atividades abertas ao público, iniciativa que reitera o compromisso pedagógico do Museu também em suas itinerâncias”, afirma Elizabeth Machado, presidente do MAM São Paulo.

 

A História viva no Museu de Arte Sacra

31/ago

 

 

O Museu de Arte Sacra de São Paulo, MAS/SP, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, exibe a exposição “TE DEUM” em comemoração ao Bicentenário da Independência. Sob curadoria de Beatriz Cruz e João Rossi, a mostra –  até 23 de outubro – rememora um costumeiro ato litúrgico, à época, utilizado para a recepção de autoridades tanto políticas como eclesiásticas.

 

Recorte da História

 

No dia 14 de agosto de 1822, o Príncipe Regente deu início à jornada de 634 km, com início na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, pela Real Estrada de Santa Cruz com destino a São Paulo, aonde chegaria 12 dias depois. Todas as paradas do percurso – Lorena, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes – haviam sido estrategicamente planejadas na sua passagem pelo Vale do Paraíba, um dos motores econômicos do País a época, para que pudesse encontrar com as lideranças locais e firmar alianças. No momento em questão, a viagem – que se estenderia por quase um mês – era importante do ponto de vista político. A província de São Paulo vivia um momento conturbado, com um princípio de motim em que parte da elite ameaçava se recusar a cumprir ordens da capital. Conforme progredia a viagem, a comitiva de 5 integrantes que deu início à jornada, chega ao destino com muito mais de 30, uma vez que pessoas vão se incorporando a ela no decorrer do percurso. O grupo chega a São Paulo na manhã do dia 25 de agosto onde participa de missa na capela de Nossa Senhora da Penha. Logo após, segue para a Capital e, na Sé, assiste com sua comitiva, à solene “Te Deum” e depois recebe o beija-mão de autoridades e do povo.

 

Te Deum

 

“Recepcionando o Príncipe Dom Pedro e sua comitiva, após a jornada de 13 dias vindo do Rio de Janeiro, o antigo costume religioso – “TE DEUM” – aconteceu na igreja da Sé, no bispado de Dom Matheus de Abreu Pereira, onde o Príncipe Regente foi recebido com grande solenidade”, explica o curador João Rossi. Esse ato solene, até hoje utilizado em cerimônias importantes, foi explicado pelo Papa Bento XVI: “no “Te Deum” está contida uma sabedoria profunda, aquela sabedoria que nos leva a dizer que, apesar de tudo, existe o bem no mundo, e este bem está destinado a vencer graças a Deus, o Deus de Jesus Cristo encarnado, morto e ressuscitado”. No séc. XIX, “as cerimônias civis possuíam início nas igrejas, dado o vínculo entre a Igreja e o Estado, fundindo assim os dois poderes”, explica João Rossi.

 

Em 25 de agosto de 1822, o hino do “Te Deum Laudamus” (“A Ti Deus louvamos”), entoado em eventos solenes de ação de graças, foi regido pelo mestre de Capela da Sé, André da Silva Gomes, em homenagem a Dom Pedro e sua comitiva. Como costume colonial, as orações cantadas sempre tiveram grande importância artística e cultural no Brasil. Grandes compositores dessas peças fizeram história na música brasileira, a exemplo do Mestre de Capela da Antiga Sé do Rio de Janeiro, Pe José Maurício Nunes Garcia, seu contemporâneo em São Paulo, André da Silva Gomes, compôs e regeu muitos atos litúrgicos na Velha Sé Paulopolitana, exemplifica João Rossi.

 

Na exposição do Museu de Arte Sacra, relíquias da Antiga Sé e outras peças históricas e de mobiliário compõem a ambientação da Igreja primacial de São Paulo, produzindo uma atmosfera que evoca a Velha Sé paulistana, oferecendo ao visitante a sensação de estar presente à cerimônia da recepção pública do futuro Imperador do Brasil, Dom Pedro. Uma peça que faz as vezes do altar mor utilizado na antiga igreja, estará adornado com peças originais da cerimônia como tocheiros, palmas, imaginária, ornamentos e mobiliário pertencentes ao acervo do museu. Manequins trajados com réplicas dos vestuários da época, compõem a nave da igreja.

 

No vernissage, foram programadas algumas ações especiais que emulam acontecimentos da ocasião: apresentação do coral do MAS com regência da maestrina Denise Castilho Cocareli, uma salva de tiros e os sinos das igrejas das imediações do bairro da Luz entoando a mesma melodia, simultaneamente. As comidinhas foram selecionadas de acordo com pesquisas sobre as iguarias da época: coxinha de frango, cuscuz paulista, mandioca frita e suco de caju, muito apreciado por todos.

 

 

Artistas do Estados Unidos na Pinacoteca

26/ago

 

 

A Pinacoteca do Estado de São Paulo, Praça da Luz, Luz, São Paulo, SP, aborda experiências urbanas em nova mostra que permanecerá  em cartaz até 30 de janeiro de 2023. “Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976” reúne 150 obras, de 78 artistas, dentre eles, reconhecidos nomes da arte norte americana, como Andy Warhol, Berenice Abott, Edward Hopper, além de trabalhos de Charles White, Emma Amos, George Nelson Preston, Jacob Lawrence e Vivian Browne. A exposição é realizada em colaboração com a organização Terra Foundation for American Art.

A curadoria é de Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, Fernanda Pitta, professora assistente do MAC-USP e ex-curadora da Pina, e Taylor L. Poulin, curadora-assistente da Terra Foundation. Em um ano em que se celebra o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, o museu examina como a ideia de modernidade é elaborada nas artes visuais também fora do Brasil, especificamente nos Estados Unidos, que durante o século 20 constrói sua reputação como referência no cenário cultural mundial.

As obras em exposição datam de 1893 – ano da Exposição Universal, em Chicago, nos Estados Unidos, evento que marca a primeira vez que o Brasil se apresenta internacionalmente como um país republicano e alinhado com os valores políticos dos EUA – até 1976, celebração do Bi-centenário da Independência Americana.

A mostra explora os modos como a modernidade se manifesta na produção artística norte americana a partir das transformações das cidades e da observação dos ritmos e dinâmicas da vida nos grandes centros urbanos. Em “Pelas Ruas”, a multiplicidade dos trabalhos exibe um ambiente urbano que é ao mesmo tempo um lugar de encontro, entretenimento, multidões, mas também de segregação, solidão, conflitos, reivindicações sociais. “Fizemos a opção por apresentar uma narrativa mais expandida da arte norte americana, baseada numa maior variedade de artistas e movimentos regionais cuja produção figurativa e socialmente consciente persistiu ao longo do século XX à margem do discurso dominante da abstração. A seleção contempla muitos artistas artistas afroamericanos, mulheres e também um indígena”, ressalta Valéria Piccoli.

A lista dos trabalhos inclui empréstimos vindos de 16 importantes instituições culturais como o Whitney Museum of American Art, Nova York (EUA), Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles (EUA), o Museum of Contemporary Art Chicago, Chicago (EUA), International Center of Photografhy, Nova York (EUA), a própria Terra Foundation for American Art, entre outros. Grande parte são pinturas e gravuras, ao todo 80 trabalhos. A totalidade se completa com fotografias. Destaque para as imagens de Berenice Abbott, Diana Davies, Gordon Parks, Robert Frank e Walker Evans.

A curadoria contemplou obras de um elenco de artistas mais diversificado com alguns nomes até desconhecidos no cenário brasileiro. É o caso de Charles White (1918-1979) e Emma Amos (1937-2020). White teve, em 2018, uma retrospectiva no MoMA (NY – EUA) mas, no Brasil, fará parte de uma exposição pela primeira vez. Seu trabalho “Wanted Poster Series #14” (1970) questiona os resquícios de uma mentalidade escravista a partir de um poster do século 19, onde se ofereciam recompensas por escravizados fugidos.

Já as obras de Emma Ammos sempre confrontam o sexismo e o racismo. A pintura “Eva the Babysitter” (1973), que está em “Pelas Ruas”, foi produzida enquanto Ammos era a única mulher a integrar o coletivo de artistas afro-americanos “Spiral Group”, na década de 1970. A pontencialidade das artistas mulheres também foi privilegiada na seleção das fotografias, exemplificada nas imagens de Diana Davies, que não apenas se engajou como registrou as passeatas e protestos em Nova York em prol do respeito à comunidade LGBTQIA+, como também nas fotos de arquitetura feitas por Berenice Abbott em Nova York. Outras imagens de cunho social, que abordam situação dos desempregados e imigrantes em São Francisco, feitas por Dorothea Lange, e os retratos de Gordon Parks sobre a cena musical do Harlem, um bairro periférico e predominantemente negro de Nova York, também estarão expostas.

Dos trabalhos de Andy Wharol, “Pelas Ruas” exibe um bastante singular na trajetória do artista e distante das imagens que o deixaram mundialmente famoso. Trata-se de uma gravura, de 1965, de cunho político, que aborda um episódio de violência policial ocorrido no estado do Alabama. Já de Edward Hopper, a gravura “Night Shadows” (1921) e a tela “Dawn in Pennsylvania” (1942) exemplificam suas tradicionais temáticas ligadas à solidão e melancolia das paisagens urbanas.

A organização expositiva ocupa sete salas do primeiro andar do edificio Pina Luz e as obras estão divididas em 7 núcleos: “A cidade branca”, onde estão os materiais referentes à Exposição Universal de 1893; “Experimentações artísticas”, que explora como a transformação das cidades pela construção de arranha-céus e eletrificação das vias, por exemplo, influencia no vocabulário artístico de uma época. Em “O Individual e o coletivo”, destaque para a diversidade das populações e a criação de comunidades como, por exemplo, Chinatown, famoso bairro de Nova York.

Nas próximas salas, o visitante encontra “Ritmos e padrões da cidade”, referência a quanto do ritmo da nossa vida cotidiana é ditado pela dinâmica do deslocamento entre pontos de uma cidade. No núcleo “A multidão anônima”, encontram-se representações da massa urbana e também da sensação de ser um indivíduo em meio a muitos outros. “Engajamento e separação” reúne trabalhos mais políticos dos anos 1960/70, que exploram o espaço urbano como palco para manifestações e reivindicações. Por último, “Cidades reimaginadas” aborda o modo como a contracultura da década de 1970 propôs e pensou outras formas de convivência em sociedade. A mostra termina com a projeção do filme “Tree dance” (1971), de Gordon Matta-Clark, em que vários performers tentam habitar uma árvore, utilizando lençóis, cordas para ocupar o espaço.

“Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976” propõe olhar para a arte norte americana do século XX sob o viés da representação da vida nas cidades, que define muito do que entendemos como a cultura americana até os dias de hoje. O catálogo bilingue, em português e inglês, traz além das imagens das obras, textos de apresentação assinado pelas curadoras e ensaios de autores convidados, além da tradução de artigos críticos sobre a Exposição Universal, incluindo da feminista Ida Wells e do abolicionista Frederick Douglass, e manifestos dos movimentos civis “Black Panther” e “Alcatraz”, que denotavam a efervescência política e social dos anos 1960/70, retratada por muitos dos artistas em “Pelas Ruas”. Esta exposição e seus programas são resultado da parceria e do generoso apoio da Terra Foundation for American Art. A exposição tem patrocínio da Allergan, na cota prata, e apoio da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, do marketplace FARFETCH e da empresa Bain & Co.

 

Histórias Brasileiras

 

 

As artistas Marcela Cantuária e Vivian Caccuri participam da exposição coletiva “Histórias Brasileiras”, no Museu de Arte de São Paulo, MASP, SP, entre  26 de agosto e de outubro, com curadoria de Adriano Pedrosa, Lilia M. Schwarcz, Amanda Carneiro, André Mesquita, Clarissa Diniz, Fernando Oliva, Glaucea Brito, Guilherme Giufrida, Isabella Rjeille, Sandra Benites e Tomás Toledo.

A mostra acontece em ocasião do Bicentenário da Independência do Brasil, apresentando trabalhos de diferentes mídias, suportes, tipologias, origens, regiões e períodos.

 

Novo representado pela Simões de Assis

25/ago

 

 

O artista visual Mano Penalva agora passa a ser representado pela Simões de Assis. Vive atualmente em São Paulo, onde mantém seu ateliê junto ao projeto Massapê, plataforma que idealizou para possibilitar o pensamento e produção de arte, exposições e ações em conjunto com outros artistas. A pesquisa de Penalva se alinha profundamente ao programa que a Simões de Assis vem desenvolvendo há quase 40 anos, cujo foco principal reside na cultura brasileira. Sua produção parte das mais diferentes manifestações populares do país para, por meio de procedimentos variados, deslocar e ressignificar fragmentos e objetos do cotidiano, muitas vezes reutilizados e apropriados. Sua linguagem transita pela abstração e pela figuração, tendo como linha-mestre o interesse pelas questões materiais que as obras de arte suscitam.

 

Sobre o artista

 

Mano Penalva transita por diversas linguagens, como instalações, esculturas, pinturas, vídeos e fotografias. Artista visual, formado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008), frequentou cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque Lage entre 2005 e 2011. Em suas pesquisas, Penalva busca investigar a formação da cultura brasileira e suas manifestações variadas. Um dos procedimentos utilizados em seu trabalho é o deslocamento preciso e incomum de fragmentos e objetos do cotidiano, muitas vezes reutilizados e apropriados, refletindo seu interesse pela antropologia e cultura material. Seus trabalhos operam em diferentes meios, desde a forma cotidiana da construção urbana, passando pelo uso decorativo e prático dos objetos que refletem as realidades socioeconômicas e culturais do povo brasileiro, em suas complexidades, até instalações na natureza e ações performáticas. Para o artista, tudo pode ser fonte de pesquisa, tendo mercados, ruas e casas populares como seus objetos de estudo. Mas é no gesto – escultórico, apropriativo, da costura, da colagem, – que ele busca entender as nuances de separação e sobreposição entre arte e vida. No trabalho “Ode ao vento I” (2020), Penalva reflete sobre a força implacável da natureza, sua imprevisibilidade e como se dão as fronteiras. Na Praia do Pacífico, no México, Penalva içou uma bandeira que trazia as fronteiras internas entre os países latino-americanos, e que com o passar do tempo, os elementos compositivos iam se desvanecendo, apagando as fronteiras, ocasionando na dissolução dos estados e províncias metafóricas no branco. Outro trabalho relevante é “Litro por Kilo” (2019), em que pensou a permutabilidade de funções e valores que os objetos adquirem nos mercados populares e nas típicas chamadas de vendedores ambulantes como “três por dez, dois por cinco” em que revelam uma equivalência incerta. Nos últimos anos participou de diversas residências artísticas, como Casa Wabi, Puerto Escondido (2021); Fountainhead Residency, Miami (2020); LE26by, Felix Frachon Gallery, Bruxelas (2019) e AnnexB, Nova Iorque (2018). Dentre suas exposições individuais, destacam-se: “Hasta Tepito”, B[X] Gallery, Brooklyn (2018); “Requebra”, Frédéric de Goldschmidt Collection, Bruxelas (2018); e “Proyecto para Monumento”, Passaporte Cultural, Cidade do México (2017). Dentre as exposições coletivas integrou: “What I really want to tell you…”, MANA Contemporary, Chicago (2020); “Tropical Gardens”, Felix Frachon Gallery, Bruxelas (2019); Bienal das Artes, SESC DF, Brasília (2018); “Blockchain/Alternative barter: a new method of exchange?”, B[x] Gallery,  Brooklyn (2018); e “L’imaginaire de l’enfance”, Cité Internationale des Arts, Paris (2015). .

Parceria para exibir Zaluar

 

 

Em uma parceria inédita a galeria Arte132, Moema, São Paulo, SP, apresenta, no piso superior da galeria, a exposição individual “Abelardo Zaluar: Rigor e Emoção”, realizada junto à Danielian Galeria de Arte (Gávea, RJ). Em cartaz até 24 de setembro, e com curadoria de Denise Mattar, exibe “… a singularidade do artista, que abraçou o abstracionismo geométrico de forma muito particular, incorporando linhas do barroco à geometria, beirando a sensualidade”.

 

Abelardo Zaluar

 

Rigor e Emoção

 

Nessa exposição a Arte132 une-se à Danielian Galeria de Arte, sediada no Rio de Janeiro, para trazer ao público paulista um conjunto de obras do fluminense Abelardo Zaluar. Uma parceria que é especialmente auspiciosa para o circuito cultural pelo fato das duas galerias desenvolverem um trabalho que transcende o aspecto comercial, realizado através de ações institucionais apoiadas em séria pesquisa.

 

Apesar de sempre ter participado ativamente do circuito cultural, Zaluar nunca se filiou a nenhuma corrente, e abraçou o abstracionismo geométrico de uma forma tão particular que tornou sua obra única. Entre as singularidades de seu trabalho está a incorporação das linhas do barroco à geometria, beirando a sensualidade.

 

O conjunto de obras aqui apresentadas evidencia o processo criativo do artista e a hibridação de técnicas que marca sua trajetória, na qual ele utilizava, sem hierarquia, giz de cera, óleo, acrílica e colagem. Sempre manteve intacta a presença do grafite e do traço, como um lastro – mesmo em meio à progressiva irrupção da cor.

 

A originalidade da produção de Abelardo Zaluar é, ao mesmo tempo, a sua maior qualidade e o motivo do seu apagamento. Sem nenhum par, sua obra não se encaixa nas gavetas da crítica de arte até agora disponíveis – mas oferece ao espectador uma dupla fruição: uma mescla rara de rigor e emoção.

 

Denise Mattar

 

Sobre o artista

 

Pintor, desenhista, gravador e professor. Nasceu em Niterói – RJ, em 1924 e faleceu em 1987, em um acidente de carro. Entre 1944 e 1948, frequenta as aulas da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro. Na mesma década, cria, com outros colegas, a Escolinha de Arte do Brasil, tornando-se diretor-técnico da instituição carioca. Em 1959, conquista o primeiro lugar em desenho do Prêmio Leirner de Arte Contemporânea, na Galeria de Artes das Folhas, em São Paulo. Em 1967, ganha prêmio aquisição no 4º Salão de Arte Moderna do Distrito Federal e menção honrosa na 1ª Bienal Ibero-Americana de Pintura, na Cidade do México, em 1978. Participa de diversas mostras coletivas entre 1959 e 1987, como a Bienal Internacional de São Paulo, Panorama de Arte Atual Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), e o Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM), Rio de Janeiro, do qual recebe prêmio de viagem ao exterior em 1963. Em 1975 e 1979 expõe em retrospectivas no MAM/SP e no Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC/PR), respectivamente. No ano seguinte apresenta trabalhos em outra retrospectiva, desta vez no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Faz parte de comissões de seleção e premiação de salões, como o 7º Salão Nacional de Artes Plásticas, em 1984, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Nos anos 1980, recebe título de professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua obra figura, também, em acervos de instituições como o MNBA-RJ, MAM-SP, MAC-Niterói e MASP-SP.

 

Claudia Jaguaribe exposição e livro

24/ago

 

 

A exposição de fotografias de Claudia Jaguaribe “Quando eu vi a Flor do Asfalto”, até 24 de setembro na Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP, faz uma investigação sobre a  a natureza e a sociedade na atualidade. O livro da artista  “Asphalt Flower”, editado pela Éditions Bessard, encontra-se à venda na galeria.

 

Claudia Jaguaribe

 

A relação entre a natureza e a humanidade é uma das questões mais importantes do século XXI. A incerteza do nosso futuro e os desafios para a nossa sobrevivência física e psíquica na Terra levantam questões ecológicas, sociais e artísticas que demandam uma urgência no seu tratar. O Brasil, país de dimensões continentais, possui características e estruturas de alto contraste que tornam tal situação ainda mais agravante. Se por um lado habitamos um território composto por grandes extensões de biomas preservados, por outro, testemunhamos o aceleramento de sua devastação.

 

Desde 2008 Claudia Jaguaribe vem abordando tais questões por meio de sua obra. A necessidade de expandir as possibilidades da linguagem fotográfica fez com que o trabalho ganhasse consistência ao longo de sua trajetória. Sua produção contempla assim uma diversidade de meios como a fotografia, a foto escultura, o vídeo e o livro. Na exposição “Quando eu vi a Flor do Asfalto”, que se realizará na Galeria Marcelo Guarnieri em São Paulo em agosto de 2022, serão exibidas as séries “Flor do Asfalto” (2020) e “Jardim Imaginário” (2019), além de “Asphalt Flower” (2022), livro inédito publicado pela editora francesa Éditions Bessard. O lançamento do livro ocorrerá durante a abertura da exposição. Também será apresentada uma seleção de fotografias de séries anteriores em que Jaguaribe explorou a ideia de emaranhamento entre natureza e cultura.

 

“Flor do Asfalto” (2022) revisita a ideia de paisagem como um jardim, um espaço de conexão entre homem e natureza onde é possível observar a dinâmica dos ciclos da vida (crescimento, floração e declínio) como um reflexo da sociedade que o molda. As imagens de flores sobrepostas que integram-se simbioticamente às formas asfálticas nos mostram uma superfície que encapsula a natureza desde os tempos bíblicos e que não pode mais ser separada dela. O trabalho possui o formato de uma frisa composta por partes que, unidas, formam uma única imagem. Nesta exposição será apresentado também “Asphalt Flower”, fotolivro publicado pela editora francesa Éditions Bessard que tem o formato leporello em alusão à obra.

 

“Jardim Imaginário” (2019) é uma série de fotografias constituídas por planos sobrepostos que produzem encontros entre flores exuberantes e paisagens urbanas. As imagens que formam a base real sobre a qual Jaguaribe cria o imaginário foram produzidas em reservas ambientais e jardins brasileiros emblemáticos, tais como o Parque Inhotim e o Sítio Roberto Burle Marx. As plantas tropicais sobrepostas são emolduradas ora por fotografias de fragmentos de construções arquitetônicas, ora por registros de devastações produzidas por queimadas, criando imagens que mostram a interseção e o diálogo inevitável entre uma visão idílica da nossa natureza e o testemunho das enormes mudanças que vem ocorrendo. As esculturas apresentadas na exposição também fazem parte desta pesquisa e introduzem, na fotografia, elementos escultóricos presentes nos jardins de Burle Marx, gerando assim um diálogo entre fotografia, paisagem e arquitetura que se realiza no campo tridimensional. Uma forma que ganha uma paisagem ou uma paisagem que ganha uma forma.

 

As outras obras que integram a exposição são, de alguma maneira, a gênese e origem desta pesquisa. “Quando eu vi” (2008) pode ser definida como uma paisagem em construção. As bibliotecas de Jaguaribe são obras icônicas deste período de sua produção que buscava por formas simbólicas de preservação de uma natureza então ainda intacta. A realização de “Pau Mulato”, uma das fotografias da série, marca o primeiro momento em que a abstração de uma forma vegetal levou à criação de peças escultóricas. Já “Aba katu” (2014) é um ensaio poético sobre a visão dos naturalistas viajantes do século XIX que tinham a flora e a fauna como objetos de um escrutínio “científico”.

 

A série “Confluência” (2019), leva a fotografia para o campo da abstração, dando seguimento a sua relação com a natureza através de uma investigação sobre as suas qualidades pictóricas. Nela, estão representados os rios Tocantins, Paraná, Solimões e Iguaçu que se mesclam, assumindo um novo corpo como num processo de metamorfose.

 

Na série “Jardim de Lina” (2018) há uma espécie de embate e complementaridade entre arquitetura e natureza. Nas imagens, o jardim parece invadir a arquitetura modernista da Casa de Vidro, tornando difícil a distinção entre os limites do espaço interior e do exterior. A partir do desejo de tensionar ainda mais esses limites entre o dentro e o fora, entre a fotografia e a escultura, a artista intervém nas imagens com desenhos de círculos que remetem ao vocabulário da arquitetura modernista de Lina Bo Bardi que tinha nas formas da natureza uma fonte de inspiração.

 

“Quando eu vi a Flor do Asfalto” permitirá ao público revisitar a trajetória de Claudia Jaguaribe que há 30 anos dedica-se a produzir uma obra original e potente na qual a denúncia se faz não por uma abordagem jornalística, mas por um olhar artístico que nos reinsere na beleza misteriosa e complexa da vida e do mundo.