Simone Cupello: Sombras sem figura

09/abr

 

 

A Central Galeria, São Paulo, SP, apresenta até 21 de maio “Sombras sem figura”, a segunda exposição individual de Simone Cupello na galeria. Com curadoria de Marisa Flórido, a mostra reúne obras recentes – produzidas ao longo da pandemia e em parte influenciadas por ela – que refletem sobre o tempo e o estatuto da imagem.

Como é recorrente na prática da artista, um grande acervo de fotografias analógicas coletado ao longo de anos é empregado em trabalhos com características escultóricas e instalativas. Esse uso não convencional do material fotográfico aponta para temas basilares de sua poética, na qual a artista está mais interessada na imagem como prática humana do que enquanto mídia em si.

“Simone Cupello debruça-se, pela fotografia, à investigação da imagem: seu estatuto difícil, sua indeterminação constitutiva, os lugares e o movimentos de sua aparição e desaparição, os códigos de enquadramento e os dispositivos que determinam os regimes de visibilidade, que moldam as subjetividades, que codificam vida e arte”, analisa a curadora Marisa Flórido.

Ainda que a figura humana não apareça de forma ostensiva, ela é evocada ao longo de toda a exposição, sugerindo histórias de pessoas que se apagaram com o tempo. Lápides, fragmentos e vazios também são elementos que se repetem para indicar ausências. “De fato, tenho a sensação que alguma coisa importante mudou nos últimos tempos”, reflete Simone. “Acho que não iremos mais nos relacionar como antes, que a tal ‘ruptura comportamental’ via tecnologia, que tanto temíamos e prevíamos há décadas, foi finalmente consolidada. Estamos partidos, mais além das divisões de classe. Minhas fotos parecem pertencer a um outro momento da vida, viraram vestígio”.

 

Sobre a artista

Simone Cupello nasceu em Niterói, RJ, 1962. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Graduada em Arquitetura (1986) e com uma extensa carreira com cenografia, TV e cinema, desenvolve desde 2013 sua pesquisa como artista visual. Já realizou exposições individuais em: Central Galeria (São Paulo, 2018), Centro Cultural Cândido Mendes (Rio de Janeiro, 2017), Centro Cultural Justiça Federal (Rio de Janeiro, 2016), entre outras. Entre suas exposições coletivas recentes, destacam-se: Arte Londrina 7, Casa de Cultura da UEL (Paraná, 2019); 43° SARP, Museu de Arte Ribeirão Preto (Ribeirão Preto, 2018); MONU – A Arte Delas, Marina da Glória (Rio de Janeiro, 2018); Frestas – Trienal de Artes, Sesc Sorocaba (Sorocaba, 2017); Mostra Bienal Caixa de Novos Artistas (mostra itinerante, 2015-2016); Fotos Contam Fatos, Galeria Vermelho (São Paulo, 2015). Sua obra está presente nas coleções do MAR (Rio de Janeiro) e do FAMA (Itu).

Individual de Victor Arruda na Belizário

07/abr

 

 

A Belizário Galeria, Pinheiros, São Paulo, SP, em paralelo à primeira participação na SP-Arte, recebe em seu espaço e apresenta ao circuito cultural de São Paulo a exposição “Babado e Confusão” do icônico pintorVictor Arruda, sob curadoria de Marcus Lontra. Artista conhecido e reconhecido por seus temas

diretos, sua pintura não dá margem à dupla interpretação sendo uma crítica obstinada contra o abuso de poder e a hipocrisia, além da presença desde o início de sua trajetória artística, das questões referentes a gênero, com cenas explicitas. A arte de Victor Arruda, a seus olhos, é conceitual onde a agressividade está a serviço da discussão de temas necessários e também sociais.

Ao contrário do que pode sugerir os temas escolhidos, os trabalhos não são agressivos nem com caráter sombrio. Suas telas são compostas de uma profusão de cores e figuras, traços incomuns mas que trazem nessa “brincadeira”, mensagens fortes e necessárias. “O mundo contemporâneo explode nas telas de Victor Arruda”, define o curador.

Na década de 1970, os quadrinhos são uma influência em suas criações, ligadas aos movimentos modernos como expressionismo e surrealismo que, com o passar do tempo, deram lugar ao psicanalismo de Freud. A pintura permite que o artista critique conscientemente suas angústias através dos registros de seu inconsciente. “Ela dialoga com as vertentes marginais do modernismo; abraça despudoradamente a arte popular, o grafite, a linguagem visual urbana anônima, e introduz soluções estéticas de extrema sofisticação” explica Marcus Lontra.

Em sua primeira exposição na Belizário Galeria, faz-se coro às palavras do curador: “(….) é muito importante que Victor Arruda esteja aqui em São Paulo, nesta metrópole confusa e encantadora, cheia de contrastes como a obra do artista. Victor Arruda merece São Paulo. E São Paulo merece e precisa conhecer com urgência Victor Arruda. Afinal, como sabemos, o amor será sempre uma via de mão dupla. ❤️”

Sobre o artista

Victor Arruda nasceu em Cuiabá, MT, 1947. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Decidiu que seria pintor aos doze anos de idade e, aos treze, muda para o Rio de Janeiro onde dá sequência a seus estudos. Graduado em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), elabora seus trabalhos com base em padrões estéticos não convencionais, fazendo referências ao pensamento, segundo ele, da “antipintura”apresentando imagens irreverentes. Suas obras trazem referências de nomes icônicos da arte como Chagall, Picasso, Klee e Torres Garcia. A imagética por ele elaborada é constituída por cenas que vivencia em seu cotidiano. Suas obras integram as coleções mais importantes do Brasil como a de Gilberto Chateaubriand. O artista é aplaudido por diversos críticos e curadores. Segundo o crítico italiano Achille Bonito Oliva, Victor Arruda é um dos maiores artistas brasileiros da atualidade. Em 2018, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) inaugurou uma ampla retrospectiva de 50 anos da trajetória artística de Victor Arruda, reunindo 105 de suas obras. A exposição individual intitulada “Temporal”, no Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ, foi uma das mais aclamadas no país em 2021.

Sobre o curador

Marcus Lontra nasceu no Rio de Janeiro, 1954. Nos anos 1970 morou em Paris onde conviveu e trabalhou com Oscar Niemeyer, então marido de sua mãe. Trabalhou com o casal na revista Módulo. Foi crítico de arte do Globo, Tribuna da Imprensa e Revista Isto é. Dirigiu a Escola de Artes Visuais do Parque Lage onde realizou a histórica mostra “Como vai você Geração 80?”. Foi curador do Museu de Arte Moderna de Brasília e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Implantou e dirigiu o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães em Recife. Secretário de Cultura e Turismo do Município de Nova Iguaçu. Curador chefe do Prêmio CNI/SESI Marcantonio Vilaça. Atualmente coordena a implantação da Estação Cultural de Olímpia, SP.

Sobre a galeria

A BELIZÁRIO Galeria, com sede no bairro de Pinheiros em São Paulo, é o resultado de uma parceria entre Orlando Lemos, José Roberto Furtado e Luiz Gustavo Leite. Sua proposta visa se apresentar como uma opção adicional de participação e visibilidade da produção de artistas emergentes e consolidados no panorama da arte contemporânea brasileira no circuito paulistano de cultura. A galeria se junta ao movimento que busca promover horizontes que estabeleçam novos meios de redirecionar e ampliar o mercado de arte, pensando nas diferentes trajetórias e produções artísticas que o compõe. Assim, visando a fomentação da diversidade cultural intrínseca na contemporaneidade, serve de palco para artistas novos e estabelecidos, nacionais e estrangeiros, em parcerias com curadores que também estejam imbuídos do mesmo propósito. Na BELIZÁRIO Galeria, procura-se atender a um público que busca a aquisição de trabalhos artísticos e, também, a criação e fomento de novas coleções. O seu acervo é composto por diferentes temas e estéticas, mediante o universo poético de cada artista. Seu repertório abrange trabalhos artísticos de diferentes linguagens, suportes, técnicas e mídias como desenho, escultura, fotografia, gravura, pintura, objetos, instalação e outras.

 

Até 07 de maio.

Zerbini no MASP

06/abr

 

Luiz Zerbini exibe até 05 de junho no MASP, São Paulo, SP, a exposição “A mesma história nunca é a mesma”. Luiz Zerbini (São Paulo, 1959) é um dos principais nomes da arte contemporânea latino-americana, e esta é sua primeira individual em um museu em São Paulo. A mostra reúne cerca de 50 trabalhos, em sua maioria inéditos, em que é possível ver características de sua diversa produção: o interesse na pintura, na monotipia, na instalação, na paisagem e na botânica, a paleta multicolorida e os diálogos entre abstração, geometria e figuração.

A exposição inclui cinco pinturas de grandes dimensões, quatro delas produzidas especialmente para a mostra, em que o artista revisita de maneira crítica a pintura histórica. Utilizada para representar eventos marcantes de uma nação, como guerras, batalhas, independências e abolições, a pintura histórica frequentemente os idealiza ou romantiza, a serviço de uma certa ideologia.

Em 2014, Zerbini recriou uma das imagens mais clássicas da pintura histórica brasileira, em sua icônica Primeira missa, formulando uma nova representação para essa cena ocorrida em 1500, que é um emblema da colonização portuguesa no Brasil. A partir dessa obra, o MASP comissionou novas pinturas para o artista, que realizou trabalhos sobre a Guerra de Canudos, ocorrida em 1896-97, o Massacre de Haximu, em 1993, o garimpo ilegal e os ciclos históricos de monocultura na agricultura no país.

A mostra inclui também 29 monotipias em papel da série Macunaíma (2017), concebidas para uma edição do livro do mesmo nome de Mário de Andrade (1893-1945), um marco da literatura modernista brasileira. As pinturas e as monotipias são instaladas em uma expografia que desdobra uma outra, elaborada em 1970 para uma mostra no MASP por Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta que concebeu este edifício. Duas instalações ocupam as vitrines do Centro de Pesquisa e do restaurante no 2º subsolo do museu, uma com raízes extraídas do jardim do ateliê do artista no Rio de Janeiro, e outra com um conjunto de objetos expostos sobre caixas de areia.

A mostra foi especialmente pensada no enquadramento de Histórias brasileiras, ciclo temático da programação do museu em 2021-22. Seu subtítulo, a mesma história nunca é a mesma, aponta para a repetição das histórias ao longo dos séculos, bem como para a necessidade de se criar outras narrativas para esses episódios, fazendo emergir novas leituras, protagonistas e imagens.

Luiz Zerbini: a mesma história nunca é a mesma é curada por Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP, e Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP.

Obra gráfica de Beatriz Milhazes

 

 

A Fortes D’Aloia & Gabriel anuncia o lançamento especial de obra assinada por Beatriz Milhazes, trata-se da apresentação de “Oxalá” (2022), uma nova gravura de Beatriz Milhazes. Desenvolvido e produzido no Brasil, o trabalho incorpora uma nova técnica à prática da artista na qual ela se utiliza de uma colagem como matriz, traduzindo sua imagem e seu espírito para a serigrafia. Círculos diversos entrecortados por quadrados e retângulos se entrelaçam com motivos florais e fragmentos de textos, imprimindo na gravura a complexidade, organização e rigor da sintaxe de Milhazes. Até as provas finais e a edição foram cerca de 12 meses de trabalho, envolvendo a impressão em diferentes papéis e o uso de mais de 150 cores manualmente calibradas, num longo processo colaborativo entre a artista e o gravurista carioca Agustinho Coradello.

“Para o trabalho com cor, que é central na minha obra, a serigrafia é realmente muito rica, ela tem a capacidade de fazer áreas muito planas, muito chapadas, com a cor muito sólida e vibrante, ao mesmo tempo em que você pode construir essa cor através de camadas mais sutis, de velatura, e tornar esse resultado um meio rico e sofisticado”, afirma a autora, Beatriz Milhazes.

Lygia Clark: monólogo & exposição

04/abr

 

 

A BOLSA DE ARTE tem o prazer de apresentar o espetáculo “Lygia”. Monólogo de Carolyna Aguiar com direção de Bel Kutner e Maria Clara Mattos, que também assina a dramaturgia desenvolvida a partir dos diários de Lygia Clark. No mesmo período inaugura a exposição individual da artista com curadoria e texto de Felipe Scovino.

“Um mergulho profundo no mundo interior de Lygia Clark. Como seus sonhos, suas angústias, seus desejos e sua relação consigo mesma levaram a artista a tantas obras geniais. Sem sobrenome, sem crítica, uma mulher à frente de seu tempo. Lygia, simplesmente Lygia. ”

Espetáculo: 07 de abril a 28 de maio

Quintas e Sextas às 20h – Sábados às 18h

Ingressos à venda no Sympla. Sujeito a locação.

 

A obra de Lygia Clark é extremamente complexa, carregada de significados subterrâneos nem sempre explícitos. Mesmo assim, sua estética é direta, quase simples. Bel Kutner e Maria Clara Mattos têm esse subtexto como meta de encenação. Sim, encenação, é como preferem tratar o espetáculo Lygia. Sem o comprometimento do palco, sem a rigidez do teatro, sem o silêncio e a pura apreciação de uma exposição. A ideia é mergulhar no universo interno desta artista, buscando usar as linhas retas, as curvas e os objetos terapêuticos criados por ela numa interação com o público. Ou seja, Lygia Clark na língua que ela buscou para suas manifestações artísticas: o corpo, a obra de arte e sua interação com o público. Mais do que um espetáculo, esta encenação é uma experiência estética, exatamente o que a artista emprestou à própria obra: vida

 

A dramaturgia

 

Maria Clara Mattos

 

Lygia Clark sempre buscou a interação entre o artista e o público. Da quebra da moldura à saída da parede à Estruturação do Self, o que esta mulher à frente do seu tempo propôs – literalmente – foi a comunhão entre a arte e a vida. O monólogo Lygia. é um convite ao vasto mundo interior desta mulher. Seus sonhos, suas dores, suas alegrias. Não da artista plástica, não da terapeuta, mas da Lygia, pura e simplesmente. Alguém que fez dos próprios abismos o caminho de contato com o outro, alguém que acreditava que o potencial artístico humano estava no desvendamento dos próprios fantasmas. De Caetano Veloso a Ivanilda Santos Leme, profissional do sexo e presidente da ONG Fio da Alma; de artistas consagrados a pessoas comuns, o que Lygia queria era o contato entre os corpos, encontros artísticos e curativos. Buscava, com seu estudo, provar que a arte era um sentimento, não um objeto de apreciação. Por tudo isso, em algum momento, o universo das artes plásticas deixou de ser capaz de classificar sua obra, apresentá-la e muito menos vendê-la. Sem o reconhecimento do universo terapêutico, que também não encontrou meios de enquadrar seu trabalho, Lygia começou só e terminou só. Talvez sem imaginar a importância que teria tantos anos depois de sua morte, talvez sem ter certeza de que faria parte da história artística do país, jamais desistiu de sua pesquisa artística e influenciou muita gente mundo afora. Através de seus escritos e diários, nossa intenção é experimentar ser essa artista que usou a própria angústia como material de pesquisa. Angústia, material tão comum aos seres humanos quanto os sacos de laranja e de cebola, as pedras e os sacos plásticos, as luvas e as tesouras, o barbante e a baba, matérias-primas da vida banal como caminho de tradução da alma artística de cada um de nós. Pela arte de criar. Lygia foi experimentação estética do começo ao fim. Ao ser encontrada morta, sentada na poltrona, vestida e penteada diante de uma televisão desligada, como fazia todos os dias, uma pergunta se impôs naturalmente: até na morte ela foi obra de arte? Cremos que sim. Evoé!

 

Equipe

Dramaturgia: Maria Clara Mattos (a partir dos diários de Lygia Clark)

Direção: Bel Kutner e Maria Clara Mattos

Atuação: Carolyna Aguiar

Cenografia: Estúdio Mameluca | Ale Clark e Nuno FS

Figurino: Andrea Marques

Iluminação: Belight | Samuel Betts

Coord. de equipe técnica e operação de luz: Ana Kutner

Assistência/montagem: Leandro de Cicco e Rodrigo Sabino

Visagismo: Alessandra Grochko

Preparação Vocal: Rose Gonçalves e Sonia Dumont

Exposição: Curadoria e texto Felipe Scovino

Relacionamento colecionadores: Renata Mindlin

Assessoria de imprensa: Morente Forte

Produção Executiva: TABA | Taís Alves

Idealização: Associação Cultural Lygia Clark | 8 Tempos

Parceria: OM.art

Realização: Bolsa de Arte

 

Exposição: 08 de abril a 28 de maio

11h às 19h – Entrada gratuita.

BOLSA DE ARTE – Rua Rio Preto, 63 -Jardins – SP

+55 (11) 3062 2333  –  sp@bolsadearte.com

 

A exposição

A linha orgânica de Lygia Clark por Felipe Scovino. Essa série de pinturas consiste em placas de madeira onde criava, com a ajuda de um bisturi, sulcos sobre a superfície. Recortando o plano, concebia campos de cor que possuíam um efeito ótico no qual figura e fundo se embaralhavam. Essa fenda ou vazio que criou sobre a superfície da madeira foi chamada por ela de “linha orgânica”. Essa ideia de uma linha que não tem dentro nem fora, começo ou fim, interior ou exterior, e que deseja sair do plano em busca do espaço, se diversifica em inúmeras aparições e formas. Ela atravessa a obra de Lygia desde as Superfícies Moduladas e os sulcos das paredes e janelas da Maquete para Interior (1955), passa pela fase neoconcreta na qual a linha, como um feixe de luz, cria uma relação ambígua sobre os limites da moldura como são os casos de Espaços Modulados e Unidades (1958-59), cruza suas experiências sensoriais enquanto foi professora na Sorbonne (c. 1972-76) e chega à sua última fase de trabalho, a Estruturação do Self. A linha, por exemplo, é constantemente dobrada e “quebrada” nas articulações que o espectador promove ao movimentar o Bicho (1960-64); já a estrutura em fita de Moebius do Trepante (1965) torna flexível o antes rígido metal que dá forma à obra; a linha orgânica é sugada pelos participantes da Baba Antropofágica (1973); ela é esticada e esgarçada nas experiências das Estruturas Vivas (1969); ou ainda é visível nas costuras realizadas para unir os macacões monocromáticos da proposição Nostalgia do Corpo (1970), um diálogo entre dança e artes plásticas ainda pouco conhecido pelo público.

A participação de Lygia em grupos artísticos de vanguarda no Rio de Janeiro, como o Grupo Frente (1954-56) e o neoconcreto permitiu que ela tivesse uma troca intensa com outros artistas que são, hoje em dia, referências para a arte, como Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Pape e Hélio Oiticica, seu grande interlocutor. Esses artistas, reunidos em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e influenciados pelas trocas com os críticos de arte Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, que se voltavam para estudos sobre a Gestalt e a fenomenologia, construíram um campo estético que deixaria um legado substancial. Romperam os limites entre pintura e escultura, se colocavam numa postura contra o dogmatismo da arte concreta, desejavam a experimentação de materiais e meios assim como propunham a participação ativa do espectador em proporções que já colocavam o termo performance em desuso. Em 1968, Lygia escreveu o texto “Nós somos os propositores” e afirmou que “enterramos ‘a obra de arte’ como tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação”. Ao contrário da performance quando o corpo do(a) artista é presente e elemento vital para a sua realização, o corpo de Lygia não é condição sine qua non para a realização de suas proposições. O que se apresenta é a oferta de uma proposição ao público, algo que colocava em xeque não só questões mercantis e a aura do objeto de arte mas acima de tudo a relação, até então, muito bem definida entre artista, obra e espectador.

Com o fim do neoconcretismo, Lygia se lança mais radicalmente em direção aos Objetos sensoriais, aliás, muito presentes no monólogo. Sua segunda estada em Paris (1968-76) e o convite para ser professora na Sorbonne acelera esse processo do corpo como meio de uma prática artística. A obra passa a ser não exatamente um objeto mas a forma como nos relacionamos com a experiência provocada pelas suas proposições. Essas, muitas vezes coletivas, são intermediadas por elementos da natureza ou objetos precários que são alusivos ao corpo. Ao escolher sacos plásticos, água, bolas de ping-pong, tubos de borracha, elásticos, pedras e conchas como objetos mediadores, Lygia expunha um processo dialético. Afirmo isso pois ela invariavelmente queria que o público experienciasse as potencialidades de cada material a partir de suas contradições (por exemplo, a relação entre cheio e vazio, pesado e leve, mole e duro que ocorria ao final de uma sessão da Estruturação do Self, quando o paciente/cliente – dualidade usada pela própria Lygia – era convidado a estourar um saco plástico cheio de ar), condicionando, assim, uma ideia de corpo regido constantemente por instabilidades. Em Respire Comigo (1966), os polos de um tubo de borracha são reunidos, apertados e finalmente o tubo é constantemente pressionado emitindo um som próximo ao da respiração. Já em Pedra e Ar (1966), a pedra pousada sobre um saco plástico cheio de ar é suspensa pela pressão das mãos do propositor sobre o saco. São experiências de um corpo metaforizado muito conectado não só a ideia de fragilidade mas também de angústia, um sentimento que era muito característico de Lygia quando descrevia a sua relação com a criação das obras (“era como um parto”). É importante compreender que o corpo problematizado por Lygia em suas experiências é também produto do contexto de seu tempo. Maio de 1968 e a discussão sobre estruturas e hierarquias de poder; ditaduras na América Latina e guerras pela independência na África; Guerra Fria; Cortina de Ferro; movimentos feministas e todos os outros que reivindicavam direitos civis; Tropicalismo; entre uma série de outros eventos culturais, políticos e sociais que formavam um encadeamento de práticas que nos ajudam a entender o lugar das discussões de Lygia naquele instante assim como a elaboração de uma ideia de corpo que demandava liberdade.

De volta ao Rio de Janeiro em 1976, Lygia se volta para a Estruturação do Self. Atendendo em sua casa/consultório, seus clientes/pacientes eram convidados a deitar-se em um colchão de plástico preenchido por bolinhas de poliestireno e cercados pelo que qualificou de Objetos relacionais, que podiam ser almofadas preenchidos com areia, objetos feitos com meia-calça, saco plástico com água, dentre outros objetos. À medida que narravam seus traumas, Lygia constituía em texto esses relatos, os chamados “casos clínicos”. Ao longo das sessões, Lygia identificava os “buracos” ou vazios no corpo e os preenchia com os objetos relacionais. Parafraseando Suely Rolnik, em “Uma terapêutica para tempos sem poesia”, essa ação representava simbolicamente o fechamento de fissuras, a reposição de partes ausentes, a solda de articulações desconectadas.

A exposição, com caráter panorâmico, se mistura ao monólogo não como forma de materializar aquilo que é narrado ou descrito por Carolyna, mas como uma dobra. Ambos se unem e se entrelaçam como forma de criar feixes e dinâmicas a partir da obra de Lygia. A potência, visceralidade e sensibilidade de Carolyna ecoam na exposição que, por sua vez, mantém ativa a memória e o legado de Lygia.

Abstração e Arte Concreta no MAM SP

 

Com curadoria de Heloisa Espada e Yuri Quevedo, a exposição reúne obras e registros fotográficos que remetem à mostra histórica que ocorreu em 1952 no MAM São Paulo

O Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, recebe a exposição “ruptura e o grupo: abstração e arte concreta, 70 anos”, a partir do dia 02 de abril. A mostra realiza uma releitura da exposição histórica do grupo Ruptura, que aconteceu no MAM São Paulo em 1952 e teve duração de somente 12 dias. Naquela ocasião, o grupo lançou um manifesto homônimo, que defendia novos paradigmas para a arte. O documento e a exposição apontaram diretrizes para a formação da arte concreta brasileira ao longo da década de 1950.

Com curadoria de Heloisa Espada e Yuri Quevedo, a mostra propõe uma revisão crítica do legado da arte construtiva no Brasil. O manifesto Ruptura criticava a figuração e, sem mencionar uma única vez os termos “abstração” ou “arte concreta”, apontava para essas linguagens como sendo “o novo” na arte. Em 2022, o conjunto de obras expostas traz à tona novas reflexões, questionamentos e análises. Para a curadora Heloisa Espada, “…olhar para o grupo Ruptura hoje não significa aderir sem crítica às ideias apresentadas nos anos 1950, mas considerar as circunstâncias de seu aparecimento, assim como as várias contradições entre o que os artistas escreviam e aquilo que eles faziam. Ainda assim, a pesquisa visual desses artistas tinha uma conotação libertária, pois se propunha a imaginar novas formas de organizar o mundo no pós-guerra.”

Os artistas do Ruptura adotaram uma linguagem geométrica de cores vibrantes que não se confundia com as imagens da natureza. A proposta de uma arte não figurativa, que não representasse as aparências do mundo, buscava criar uma relação franca e direta com a realidade. Para eles, na arte, apenas elementos visuais como cores, linhas e formas poderiam ser de fato considerados reais, pois eles não simulavam nenhuma aparência, eram eles mesmos. Além disso, em suas obras, a repetição de formas e a adesão às leis da teoria da percepção conhecida como Gestalt criavam uma forte sensação de movimento e ritmo visual. A ideia de movimento projetava o dinamismo que os artistas do Ruptura desejavam ver na sociedade brasileira.

Em um primeiro momento, “ruptura e o grupo: abstração e arte concreta, 70 anos” aborda a mostra original do grupo Ruptura no MAM, em 1952, por meio de um conjunto de documentos e de obras realizadas pelos artistas no início daquela década. Entre elas estão duas pinturas que estiveram na exposição histórica: “Desenvolvimento ótico da espiral de Arquimedes” (1952), de Waldemar Cordeiro, e “Vibrações verticais” (1952), de Luiz Sacilotto.

Em seguida, a exposição aborda a produção do grupo ao longo da década de 1950, quando alguns artistas se afastam e novos nomes se aproximam do Ruptura, como Judith Lauand, por exemplo. “Há uma discussão se o grupo Ruptura existiu como tal apenas na exposição de 1952, ou se ele tem uma duração mais longa. Essa dúvida se esclarece quando lemos os depoimentos dos artistas que entraram depois, e seguiram se referindo a eles mesmos como parte do Ruptura. Também percebemos a proximidade ao olhar para as obras, porque há entre elas uma coerência de preocupações e uma coincidência dos problemas que enfrentam”, explica Yuri Quevedo.

Durante a década de 1950, os artistas participantes são Anatol Wladyslaw, Geraldo de Barros, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Kazmer Féjer, Leopold Haar, Lothar Charoux, Luiz Sacilotto, Maurício Nogueira Lima e Waldemar Cordeiro.

A mostra conta com obras raramente vistas de Leopold Haar, que estão guardadas em acervo familiar desde que o artista faleceu, em 1954, não tendo sido exibidas em nenhum local desde então. Heloisa Espada aponta que por existir um limite tênue entre as esculturas que produzia e as maquetes de projetos para vitrines, “… Haar é um dos artistas que melhor exemplifica a proposta do Ruptura de que a arte deveria ter uma aplicação prática na vida das pessoas”. Yuri Quevedo acrescenta que “…o grupo defendia a abstração como projeto de transformação, capaz de permear o cotidiano das pessoas, influenciando a indústria e organizando a vida em suas mais diversas escalas: das artes plásticas ao design, da arquitetura à cidade.”

“Depois de antecipar as discussões sobre o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 no ano passado, a programação do MAM em 2022 reflete sobre uma outra geração de artistas modernos que estão intimamente ligados à história do museu. Trata-se de um grupo que participou ativamente dos primeiros anos do MAM e que tinha um ideal utópico que revela muito do ambiente cultural em que o MAM foi criado”, discorre Cauê Alves, curador-chefe do MAM São Paulo.

“A mostra sobre o grupo Ruptura, além de dar visibilidade a artistas tão importantes na invenção da arte concreta e no abstracionismo geométrico no Brasil, revê um momento fundamental da história da arte e da história do MAM. São poucas as instituições culturais que podem, 70 anos depois, revisitar uma exposição que ela mesma realizou”, diz Elizabeth Machado, presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Artistas participantes

Anatol Wladyslaw, Geraldo de Barros, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Kazmer Féjer, Leopold Haar, Lothar Charoux, Luiz Sacilotto, Maurício Nogueira Lima e Waldemar Cordeiro.

Sobre o grupo Ruptura

Grupo Ruptura foi um conjunto de artistas que marcou o início do movimento de arte concreta em São Paulo, no Brasil. Criado em 1952, era liderado por Waldemar Cordeiro (também seu principal teórico) e composto, inicialmente, por Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Anatol Wladyslaw e Leopold Haar. Depois da primeira exposição, Maurício Nogueira Lima, Hermelindo Fiaminghi e Judith Lauand passaram a integrar o grupo. Em seu manifesto, é proposta a “renovação dos valores essenciais da arte visual” por meio de pesquisas geométricas, aproximando arte e indústria, e combatendo o abstracionismo lírico entendido como expressão individual inadequada para o contexto da arte daquele momento.

 

Até 03 de julho.

Agrade Camiz apresenta “Quitação”

 

A Gentil Carioca - SP

 

A Gentil Carioca apresenta “Quitação”, primeira exposição individual de Agrade Camíz em São Paulo. A abertura acontece, dia 02 de abril.

“Quitação confirma Agrade Camiz como uma artista sempre disposta a trazer para a sua obra uma ideia de trânsito de imagens e valores. A partir de um desacordo com posições históricas de poder, esta criadora destemida reorganiza uma iconografia urbana bastante ligada ao Rio de Janeiro, mas reconhecível por habitantes de qualquer grande cidade do mundo.” Trecho do texto crítico “Calote nas dívidas injustas, 2022” por Daniela Name, crítica e curadora de arte.

Zéh Palito na Simões de Assis, SP

30/mar

 

 

A exposição “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola” é a primeira individual do artista visual Zéh Palito (1986, Limeira), em São Paulo, realizada na Simões de Assis, Jardins, São Paulo SP. Introduzido à prática artística por meio do graffiti/pixação, teve ainda jovem aulas de pintura, por estímulo de sua mãe, após um acidente andando de skate. Posteriormente, viria a estudar Design Gráfico e Belas Artes, formação essa que lhe deu a oportunidade de viajar o mundo e exibir suas obras em mais de 30 países.

O primeiro verso do poema “Sympathy”, de 1893, publicado por Paul Laurence Dunbar (1872, Dayton – 1906, Dayton) – primeiro poeta afro-americano a ter destaque nos Estados Unidos e Inglaterra -, expressa, em tom sombrio, a situação dos negros na sociedade americana do final do século XIX e faz uma alusão à falta de plenitude. Tal poema inspirou o título da primeira autobiografia da poeta afro-americana Maya Angelou (1928, St. Louis – 2014, Winston-Salem) na qual retrata parte de sua infância difícil vivida em uma cidade sulista nos anos 30 e 40 durante o período da segregação. Por consequência, também inspirou o título desta exposição.

Nas pinturas apresentadas vemos representações de pessoas negras em poses altivas, com roupas elegantes, com logotipos de marcas conhecidas, em locais triviais como praias, piscinas, em frente a automóveis ou mesmo em fundo e de forma bastante positiva, trazendo aos retratados humanidade. Zéh nos confronta com pinturas-exaltação, pessoas plenas, autoconfiantes e resolvidas, imagens positivas, em contraste com as imagens criadas nos últimos séculos, nas quais a população negra majoritariamente era representada em situações que corroboram o trauma da colonização.

Em uma das telas da mostra está representado um casal na praia, tendo o rapaz estampados em sua sunga dois botos-cinzas, símbolo da cidade do Rio de Janeiro. Outros elementos que remetem à capital carioca – local onde ocorreu o maior aporte de pessoas negras escravizadas na história da humanidade -, são o popular biscoito de polvilho Globo e a canga com o desenho da bandeira nacional, mas nas cores verde, rosa e branco. A flâmula é semelhante àquela que apareceu no desfile campeão do carnaval carioca de 2019 da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, cujo o lema positivista francês “ordem e progresso” foi substituído por “índios, negros e pobres”. Tal samba enredo do carnavalesco Leandro Vieira (1983, Rio de Janeiro) homenageou figuras populares brasileiras importantes, porém ainda não reconhecidas pela narrativa hegemônica como Carolina Maria de Jesus (1914, Sacramento – 1977, São Paulo) e Marielle Franco (1979-2018, Rio de Janeiro).

Em ação semelhante, o artista utilizou-se de nomes ainda pouco citados nos livros de história e na academia como títulos de suas obras. Temos homenageadas Maria Firmina dos Reis (1822, São Luís – 1903, Guimarães) escritora, compositora e abolicionista, considerada a primeira romancista brasileira, representada violentamente por anos como uma mulher branca; e Laudelina dos Santos Mello (1904, Poços de Caldas – 1991, Campinas) pioneira na luta pelo direito dos trabalhadores domésticos no Brasil, militante da Frente Negra Brasileira e participante do Teatro Experimental do Negro (TEN), iniciativa do artista plástico, ativista, escritor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, jornalista e professor universitário Abdias Nascimento (1914, Franca – 2011, Rio de Janeiro). A tela intitulada Leide Maria (1961, Ivaiporã), trabalhadora do lar e artesã, é uma homenagem à mãe do artista, que colaborou em outra pintura intitulada “Nosso Sonho” com a feitura de fuxicos de tecidos encerados coletados por Zéh nas suas viagens pelo continente africano como voluntário de projetos humanitários. Outro familiar homenageado é seu pai, Marcel Francisco (1962, Limeira), soldador automotivo aposentado. Na tela “O vaso de Marcel”, um rapaz em traje estampado com motivos de pássaros, referência aos cut-outs de Matisse, segura um vaso com flores semelhantes a bougainvilles.

Frequentes nas pinturas são as representações de frutas como cocos, melancias, bananas, abacaxis, mamões e plantas como helicônias, palmeiras e flores que remetem à tropicalidade. Elas aparecem junto às figuras humanas, ora adornando, ora como temas de estampas – porém, não menos dedicadas, muitas vezes ocupam posição central na composição. Informação relevante é o fato de o artista manter com seus pais, em paralelo ao ateliê de pintura, um jardim/pomar com plantio de diversas espécies, como por exemplo bananeiras (próximas a um muro rosa), bananas rosas (ornamentais) semelhantes às estampas do trajes de banho das moças na tela “Ubatuba ou Guarujá”, mangueiras, mamoeiros e bougainvilles.

Tais representações de frutas têm, na história da arte brasileira, um lugar importante, valendo lembrar de um dos primeiros pintores negros a ingressar na Academia Imperial de Belas Artes, o premiado Estevão Roberto da Silva (c.1844-1891, Rio de Janeiro), reconhecido por suas natureza-mortas. Há uma tela, em especial, intitulada “Garoto com Melancia”, de 1889 e hoje pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, na qual um jovem negro aparece sorridente, sozinho, desfrutando da fruta diaspórica, originária do continente africano. Ela se relaciona com a pintura “Odin ordene o vento”, na qual um rapaz aparece próximo à mesma fruta, degustando um picolé e estampando em sua roupa a rosa-dos-ventos da Estrela (tradicional e elitista fábrica de brinquedos brasileira), além de estar rodeado de brinquedos populares como bolinha de gude, pipa e estilingue.

Ainda na mesma pintura, podemos identificar diferentes tons de preto na pele do rapaz, além da cor ocre que cria efeito de douramento. Os olhos do personagem parecem flutuar em um fundo negro, relacionando-se à prática do afro-americano Kerry James Marshall (1955, Birmingham), que produziu nos anos 80 pinturas tonais pretas ligadas à temática do homem invisível, nas quais, à primeira vista, só são identificados os olhos e dentes. Depois, porém, com uma análise mais atenciosa, era possível observar as variações da cor preta nas definições do corpo. Essa é uma provocação à inviabilização dos sujeitos e da produção cultural negra. Ironicamente, uma dessas telas ficou por mais de 25 anos no banheiro da casa de um colecionador, e agora é uma das obras fundamentais da pintura ocidental.

As obras dessa exposição, apesar de bastante coloridas – evocando alegria -, carregam aspectos políticos pertinentes e também falam de traumas, dores. Talvez, o pássaro enjaulado que canta seja uma metáfora do momento em que estamos, no qual perdura uma pandemia ainda fatal, guerras, governos autoritários alinhados à necropolítica, privação de direitos básicos. E, mesmo assim, seguimos nossas vidas. Ou esse mesmo pássaro de viver restrito já não se lembra, ou até nunca gozou de sua plenitude, alienado.

Ademar Britto Jr

 

Para Hilda Hilst

 

 

A Biblioteca Mário de Andrade –  BMA, Praça da República, instituição da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, abre a exposição “3 X HILDA”, conceituada por Jurandy Valença e sob curadoria de Maíra Endo. A mostra é composta por 21 trabalhos em técnicas e suportes diversos como aquarelas, técnica mista, e pintura a óleo de Beatriz Abdalla, Egas Francisco, Olga Bilenky, desenhos originais de Hilda Hilst além de um exemplar original de Oswald de Andrade do livro “Poesias Reunidas”, 1 º edição com dedicatória.

No ano da comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a Biblioteca Mário de Andrade abriga uma homenagem a Hilda Hilst (1930 – 2004), um dos nomes mais consagrados da literatura brasileira e herdeira do modernismo. Uma referência da literatura brasileira, Hilda Hilst não estava presente na Semana de 22 mas sua relação com o modernismo é palpável. Conheceu e tornou-se amiga de Oswald de Andrade nos anos de 1920 e, anos depois, é por ele citada mesmo antes de publicar seu primeiro livro. O espírito estava presente.

A exposição “3 X Hilda” exibe uma característica de Hilda pouco conhecida: “a da escritora que também desenhava e que manteve em vida uma estreita aproximação não só com as artes visuais mas com vários artistas com os quais conviveu desde a década de 1950”, explica Jurandy Valença. Aos cinco desenhos de sua autoria, juntam-se imagens, desenhos e pinturas de autoria de três artistas visuais, de diferentes gerações: Beatriz Abdalla, Egas Francisco e Olga Bilenky, os dois últimos a conheceram e com ela conviveram.

Na mostra, Hilda Hilst é exibida por ângulos diferentes, vertentes mais delicadas, humanas e carinhosas. Olga Bilenky, amiga que com ela manteve contato desde os anos 1970 até sua morte, hoje mora e trabalha na Casa do Sol – sede do Instituto Hilda Hilst, e sua pintura com cores fortes e mais escuras apresenta animais, mandalas, a casa com seus muros e jardins, trazendo uma Hilda mais íntima. As pinturas de Egas Francisco, expressionistas, registram além do retrato da autora, pois “elas também parecem atravessar sua carne para alcançar a alma”, explica Valença. E por fim Beatriz Abdalla, mineira radicada em Campinas, não conheceu Hilda em vida, mas após uma imersão de sete meses em sua obra criou uma série de desenhos feitos com aquarela, nanquim, lápis de cor e caneta, itens semelhantes aos usados por Hilda. “Beatriz evoca o universo mágico, alquímico e cabalístico da autora, exibindo uma Hilda Hilst que sempre teve a escrita como uma grande alquimia”, elucida Jurandy Valença.

No dia da abertura de “3 X HILDA” a BMA apresenta mais um evento:

Das 11 às 13hs, uma conversa aberta ao público com participação dos três artistas convidados – Beatriz Abdalla, Egas Francisco, Olga Bilenky – e curadora – Maíra Endo, com mediação de Roberta Ferraz. Na ocasião, vão dialogar sobre a relação e convivência com a autora homenageada, e como ela influenciou e inspirou suas respectivas produções.

Complementando com ações sobre o tema, nos dias 13 e 27 de abril, sempre às 19h, será exibido o filme “HILDA HILST PEDE CONTATO”, com direção de Gabriela Greeb. Misturando diferentes estilos narrativos, ficção com realidade e de forma não linear, o filme explora o cerne do pensamento hilstiano e diferentes elementos da obra da autora. Hilda Hilst, poeta paulista falecida em 2004 e uma das mais importantes vozes da literatura brasileira, volta para a Casa do Sol, chácara onde vivia em Campinas, e convida intelectuais, pensadores, poetas e amigos para um encontro com o objetivo de estabelecer contato entre os vivos e os mortos.

 

De 02 de abril a 01 de maio.

 

 

Marcel Broodthaers: Décor

 

Marcel

 

Venho usando telas fotográficas, filmes e slides para estabelecer relações entre o objeto e a imagem desse objeto, além das relações que existem entre o signo e o significado de um objeto particular: a escrita.

M.B., 1968

A Gomide&Co, Jardins, São Paulo, SP, apresenta “Marcel Broodthaers: Décor”, primeira exposição individual do artista belga em galeria comercial no país, abarcando cerca de doze anos de um processo criativo marcado pela crítica institucional e a crítica da representação. Pouco conhecido no Brasil, o artista foi mostrado em duas notáveis ocasiões: na 22ª Bienal de São Paulo, em 1994, com curadoria de Nelson Aguilar, e na 27ª edição do mesmo evento, em 2006, com curadoria de Lisette Lagnado, em homenagem aos trinta anos de sua morte. Repetição e rasura; escritura e imagem; cânones e ficções. Na aparente oposição desses termos, é possível localizar alguns dos principais traços que constituem o horizonte conceitual da produção de Marcel Broodthaers (1924-1976). Com grande dose de ironia, colocou em evidência a questão do gosto e a subscrição de uma assinatura. Sabendo que a finalidade dessa invenção burguesa sempre visou forjar uma ideia de singularidade, resolveu associá-la com o seu princípio o oposto, o da tiragem ilimitada, no título “La Signature”, série 1, Tirage illimité (1969) – que, em contrapartida, se refere a um trabalho ele mesmo de tiragem limitada. Broodthaers foi poeta até sua entrada estratégica no campo das artes visuais com “Pense-bête” (1964), primeiro trabalho escultórico a partir de seu livro de poemas que, imobilizados em gesso, adquirem tridimensionalidade. Desde então, a poesia visual nunca mais será a mesma. Suas experimentações incidem, de saída, sobre a banalidade da cultura cotidiana, como vemos em trabalhos com panelas, frigideiras, carvão, mexilhões, cascas de ovo etc. Ainda que o pintor René Magritte (1898-1967), célebre artista belga com quem estabeleceu intenso diálogo, também tenha questionado a relação entre as palavras e as coisas, Broodthaers irá expandir esta reflexão para fora dos conhecidos limites do quadro. Em meio aos convulsivos eventos de Maio de 1968, Broodthaers participou, com outros artistas, da ocupação do Palais de Beaux Arts de Bruxelas, cujo intuito consistia em contestar o papel daquele museu na capital, ou seja, a relação entre arte e sociedade. A partir disso, resolve fundar, em sua casa, o Musée d’Art Moderne – Département des Aigles, seu projeto mais complexo e hoje um divisor na história da arte do século 20. Estruturado em doze seções, esse “museu fictício” tem seu encerramento decretado em 1972. Durante os cinco anos de existência, em paralelo às seções de seu museu (1968 – 1972), o artista produziu as placas industriais que constituem uma parte importante de sua obra. Broodthaers dedicou todo esse período a legitimar e denunciar, simultaneamente, o funcionamento das coleções e os mecanismos arbitrários do papel da instituição e, em última instância, da Arte. O aparato institucional da Arte seria identificado, assim, a partir de uma série de interdições e elementos operacionais que o constituem. Daí a produção de placas que emulam o sistema de sinalização, como as setas em Museum – musée, Section Cinéma (1971) que, espirituosamente, apontam para direções opostas. Os convites das inaugurações permitem acompanhar o perfil de sua missão, como em seu Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, Section Cinéma (1971). Ainda na chave institucional, Marcel Broodthaers introduziu o conceito de Décor, fazendo de cada exposição uma obra em si – donde o desafio constante de reunir peças soltas que possam ser novamente apresentadas como um conjunto organizado. Não seria exagero afirmar que o artista foi um exhibition maker, alguém que dominou tão profundamente a arte do display que conferiu à exposição um estatuto de linguagem, chegando a inserir trilhas sonoras para conectar palavras, objetos, palmeiras no espaço etc. Entre os trabalhos mais representativos desse momento de sua produção, figuram “Un Jardin d’Hiver” e “Ne dites pas que je ne l’ai pas dit”, ambos de 1974. Este último, consiste no arranjo entre uma gaiola com um papagaio-cinzento vivo, duas palmeiras e uma mesa sobre a qual vê-se o catálogo de uma exposição de 1966 que reproduz seu texto “Ma Rhétorique”, que, por sua vez, ecoa em uma gravação em que ouvimos o artista dizer: “Je tautologue. Je conserve. Je sociologue. Je manifeste manifestement.” (Eu tautologo. Eu conservo. Eu sociólogo. Eu manifesto manifestamente). Texto e voz, objeto e imagem, bicho e planta sintetizam o esforço de Broodthaers em explodir os sentidos e abraçar trabalhos multimídia. Sobre isso, o artista comentaria: “Tenho procurado reacomodar objetos e pinturas, que foram feitos entre 1964 e este ano, com o objetivo de formar nas salas um espírito décor. Ou seja, com o objetivo de restituir uma função real ao objeto ou à pintura. O Décor não é um fim em si.”¹

Marcel Broodthaers criou para si um sistema de signos recorrentes a partir de elementos que serão recombinados em diferentes suportes e situações. É o caso das moules – palavra ambígua que, em francês, designa tanto mexilhões como moldes – e das cascas de ovo que aparecem em diversas obras tanto apropriadas in natura como desenhadas, fotografadas ou escritas em textos. Outros exemplos podem ser encontrados nas cores da bandeira da Bélgica e no carvão de “Trois tas de charbon” (1966 – 67). A repetição de imagens variadas de uma mesma figura em “Bateau Tableau”, que consiste em 80 slides projetados, e o livro e filme “A Voyage on the North Sea” ambos de 1973, operam uma espécie de reunião iconográfica (pintura, fotografia e filme) de um mesmo motivo – uma pintura do século XIX – para construir uma imagem relacional e temporalizada: um barco ao mar.

Venho usando telas fotográficas, filmes e slides para estabelecer relações entre o objeto e a imagem desse objeto, além das relações que existem entre o signo e o significado de um objeto particular: a escrita.

M.B., 1968

A poesia visual acompanhou a produção de Marcel Broodthaers ao longo de toda a sua trajetória. Seu interesse pela linguagem escrita seguiu sendo nutrido e exercitado sobretudo através de trabalhos em que aproximações entre palavra e referente são tensionadas de maneiras diversas: seja em uma espécie de investigação da correspondência entre o elemento nomeado e o termo que o designa, como quando repete incessantemente a palavra pot (pote, recipiente) e desenha ao lado um pot; ou em uma espécie de exercício de confusão das correspondências quando escreve a palavra moules ao lado de imagens de ovos. Já a imbricação da gestualidade com a escrita se vê tanto na sua caligrafia por vezes trêmula, rasurada e errante, quanto em trabalhos como “La Pluie” (Projet pour un texte) (1969), em que, debaixo de um temporal, a escrita se resume ao ato, já que quem escreve tem suas palavras diluídas e apagadas pela chuva, mas persiste no gesto. Há, ainda, um frequente jogo entre o significante e o significado, como em “Les Poissons” (1975) quando, sobre a tela, vemos os nomes dos elementos que ali estariam retratados, e não a sua forma, incluindo supostos intrusos em meio aos “peixes”, notadamente o “ovo” ao lado dos “arenques”. Ao ser questionado por seu editor acerca do motivo de publicar um livro, Broodthaers respondeu: “Para fazer dedicatórias e estabelecer essa relação arte/mercadoria.” Este diálogo integra a folha colada nas páginas iniciais da obra “Vingt Ans Après”, de Alexandre Dumas, escrito em 1845, do qual Broodthaers se apropria em 1969 adicionando uma cinta com seu nome e o de seu editor sobre a capa da edição de bolso de Dumas. Segundo Rosalind Krauss, se devêssemos nomear o principal medium de Broodthaers, seria a ficção.² Não se trata de mera coincidência, portanto, que o artista se valha de um romance do século XIX para intervir no imaginário da criação. Se o romance foi o “suporte técnico através do qual a ficção virou convenção durante o século XIX”³, o artista amplificou seu campo especulativo, já que, usando suas palavras, “a ficção nos permite compreender a realidade e, ao mesmo tempo, o que ela esconde.”

O caráter inesgotável dos problemas abordados por Marcel Broodthaers em sua obra é o que nos convida à viagem: é como se, de alguma forma, estivesse tudo ali. Sempre bom lembrar quão carregada de humor é essa produção, conferindo leveza ao estranhamento que pode provocar. Seu recado não poderia ser mais jocoso:

“À mes amis,

… peuple non admis. On joue ici tous les jours, jusqu’à la fin du monde.”

M.B., 1968 ⁴

 

¹ Marcel Broodthaers, L’Angélus de Daumier, vol. II, 1975.

² Rosalind Krauss, A Voyage on the North Sea: Art in the Age of the Post-Medium Condition, 2000.

³ Idem

⁴ “Aos meus amigos, … pessoas não permitidas. Aqui brincamos todos os dias, até o fim do mundo.”

 

Até 28 de maio.