As resinas de Dudi Maia Rosa

27/set

O Instituto Ling, Três Figueiras, Porto Alegre, RS, inaugura no dia 05 de outubro a mostra individual “Desde A Tona”, de Dudi Maia Rosa, apresentando obras inéditas do artista paulistano. Sob a curadoria de João Bandeira, a exposição apresenta 23 obras datadas de 2007 a 2023, sendo a grande maioria resinas, que são superfícies cromáticas feitas em resina de poliéster e fibra de vidro – uma marca de seu trabalho, além de algumas aquarelas, trabalhos em relevo com diferentes materiais e esculturas em latão. O Instituto Ling ainda convida para a conversa de abertura, com participação de Dudi Maia Rosa e João Bandeira, curador da mostra. O bate-papo poderá ser acompanhado presencialmente, com entrada franca, no auditório do Instituto Ling. Na ocasião, será lançado o catálogo com distribuição gratuita a todos os participantes.

A mostra fica em cartaz até 29 de dezembro.

Desde A Tona  – Dudi Maia Rosa

O trabalho de Dudi Maia Rosa tem um marco, descrito em suas declarações e comentado por vários críticos, que é quase uma fábula de origem – e sabe-se que fabulação não se opõe necessariamente a verdade. O relato diz que, a certa altura, houve uma espécie de revelação, quando ele inventou um objeto artístico basicamente feito de resina de poliéster, fibra de vidro e pigmentos, que tende ao tridimensional. Porém umbilicalmente ligado à longa tradição formal e simbólica da pintura, e no qual a distinção entre imagem e suporte se dissolveu. Com o apelido de “resina”, esses trabalhos têm sido um laboratório da produção de Dudi – embora não exclusivamente -, e seu aspecto geral passou por várias gerações, muitas vezes remetendo ao “quadro”, mas de um modo todo próprio. Feito pelo artista em um molde deitado, uma das particularidades do objeto “resina” é que o que estava no fundo do molde será a superfície, quando ele estiver pronto para ser levantado na vertical e se apresentar a nós. É como se o que vemos nessas obras se originasse do movimento de fazer algo submerso vir à tona. Quase todas as “resinas” desta exposição são trabalhos recentes ou nunca mostrados, mas relacionados a uma linhagem há tempos consolidada na produção de Dudi, que soma a expansão generosa da cor ao afloramento, afetivamente irônico, de referências vindas da história da arte. Por exemplo, a pincelada, o grafismo, a listra, o jogo positivo-negativo, a iconografia simbólica (como a cobra-ourobouros), a apropriação de imagens (lá estão duas musas do cinema, Monica Vitti e Odete Lara), e até o quadro ele mesmo e sua moldura – embebida em humor, a materialidade do objeto de arte é, e não é, a própria representação. Uma certa rusticidade se destaca nessa nova safra: no aspecto fragmentário de grandes chapas de cor, na aspereza franca de algumas superfícies, ou, ainda, no desnudamento da própria substância que dá corpo a essas obras. Rusticidade e fragmento estão igualmente no corpo (e na alma contemporânea) dos pequenos trabalhos que parecem, ao mesmo tempo, atrair e gerar formas, entre materiais no limiar do reconhecimento e coisas identificáveis que surgem na sua superfície compacta. E, desse ponto de vista, são próximos também das esculturas em exposição, já que nelas podemos vislumbrar uma ou outra forma reconhecível do mundo na iminência de aparecer integralmente (uma harpa? um gradil? um ornamento arquitetônico?), ou como se recém-saída da pura matéria (um raio? uma nota musical?). Mais uma família de obras de Dudi, algumas mostradas aqui, faz pensar em fábulas e coisas que vêm à superfície: a série das Cábulas, que ele executa mesclando técnicas industriais e artesanais deslocadas do habitual. Se o que vemos aflorar nas “resinas” pode ser cogitado como um movimento no espaço, nas Cábulas ele transcorreria mais no tempo, através da memória coletiva. Isso porque suas imagens foram processadas a partir do repertório de antigos desenhos animados, guardando traços da visualidade das fábulas de cinema. Com um DNA assim, não é à toa que essas cenas e aparições de objetos isolados flutuando sobre um fundo mais ou menos homogêneo sejam um pouco como as sobras que identificamos de um sonho. O que, por sua vez, sugere analogias desses trabalhos também com as esculturas e os pequenos relevos, onde algumas coisas se deixam ver individualmente em meio ao que não está completamente revelado ou apenas desinteressado de qualquer semelhança. Em paralelo à efetiva sedução da sua materialidade, onde a luz opera de tantas maneiras, poderíamos, então, imaginar uma corrente que sobe e desce, entre o fundo e a tona de todas as obras expostas aqui. Ou, dito de outra forma: ao olhar para aquilo que nos chama com força nesses trabalhos, consideremos também o seu “calado”, aquela parte do barco que vai da ponta da quilha submersa até a linha visível da água. Levados por Dudi, neste barco estamos.

João Bandeira – curador

Sobre o artista

Dudi Maia Rosa tem uma trajetória de mais cinco décadas de trabalho artístico, documentado em publicações e textos de importantes críticos de arte, que destacam sua utilização de técnicas e materiais diferenciados. Realizou sua primeira exposição individual no MASP, em São Paulo (1978), e participou da Bienal de São Paulo (1987 e 1994), da Bienal do Mercosul (2005 e 2015) e da Bienal de Johannesburgo (1995), entre outras mostras coletivas relevantes. Possui obras em coleções dos principais museus do Brasil, além do Stedelijk Museum (Amsterdan) e da Collection Pinault (Paris). Lírica e Tudo de Novo (Galeria Millan, 2019 e 2022) estão entre as suas exposições individuais mais recentes.

Sobre o curador

João Bandeira foi coordenador de artes visuais do Centro Maria Antonia da Universidade de São Paulo (2005 a 2016) e atualmente coordena o Espaço das Artes da ECA-USP. Escreveu textos para artistas como Waltercio Caldas, Regina Silveira, Jac Leirner e David Batchelor e fez a curadoria de exposições de Evgen Bavcar (Itaú Cultural, 2003); Nuno Ramos e Cildo Meireles (Maria Antonia, 2012); Lina Bo Bardi (Sesc Pompeia, 2014); Geraldo de Barros, Rubens Gerchman e Antonio Dias (Sesc Pinheiros, 2018); Iole de Freitas (Instituto de Arte Contemporânea, 2018, e Instituto Ling, 2021); entre outros.

Esta programação é uma realização do Instituto Ling e Ministério da Cultura / Governo Federal, com patrocínio da Crown Embalagens.

Franz Weissmann na Casa França-Brasil

22/set

Após onze anos sem uma individual no Rio de Janeiro um dos mais importantes nomes do movimento neoconcreto brasileiro ganha exposição inédita – até 19 de novembro – na Casa França-Brasil, Centro, Rio de Janeiro, RJ. Cumprindo um intervalo de 22 anos desde a última exposição individual de Franz Weismann (1911-2005), a Casa França-Brasil inaugura mostra inédita do renomado artista.

A exposição intitulada “Franz Weissmann: Ritmo e Movimento” oferece ao público carioca a oportunidade de contemplar 20 obras que ilustram diversos aspectos da trajetória desse multifacetado artista, que atuou como escultor, desenhista, pintor, professor e como escultor fundamentou as bases de um pensamento escultórico brasileiro. Com o patrocínio da Petrobras e curadoria de Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto, a mostra explora as íntimas  relações entre as obras de Franz Weissmann e a paisagem, ocupando o histórico prédio da Casa França-Brasil através de diálogos de formas e cores no espaço.  Além disso, os visitantes terão a chance de apreciar a diversidade dos procedimentos e manipulações presentes no processo criativo de Franz Weissmann, como as cisões, as dobras, as aglutinações e até mesmo o simples ato de amassar, incorporado pelo artista em obras dos anos 1970. A proposta da exposição é apresentar este importante nome da escultura brasileira para as novas gerações e também oferecer uma importante oportunidade de mergulhar em seu universo e explorar a riqueza de sua expressão artística.

“Weissmann é o escultor das linhas e dos vazios, as suas obras incorporam o espaço, dialogam com a paisagem e entre os grandes artistas marcados pelo concretismo e neoconcretismo Weissmann é essencialmente a voz do Rio de Janeiro, ele incorpora a paisagem luxuriante da cidade, suas formas, sua natureza, sua arquitetura e cria um diálogo permanente entre a arte e a natureza, entre a sensibilidade e a beleza, Weissmann  também dialoga com o espaço criativo  que é a Casa França-Brasil”, diz o curador Marcus de Lontra Costa

Franz Weissmann nasceu na Áustria em 1911 e chegou ao Brasil em 1921. Com ativa relação com o cenário cultural brasileiro, se tornou um dos mais importantes nomes dos movimentos artísticos que, nos anos 1950, transformaram o nosso ambiente artístico. Integrante do Grupo Frente (1955) e do movimento neoconcreto, suas obras sintetizam a proposta de associar o método construtivo à experiência lírica da criação artística, princípios teóricos do projeto neoconcreto carioca que alcançaram repercussão internacional pela profundidade de suas rupturas e por uma proposta de reconexão entre arte e vida.

“A trajetória de Weissmann é fundamental para entendermos a importância do salto que o movimento neoconcreto carioca dá em relação tanto ao objeto artístico como também ao papel da arte e do artista. Através de uma manipulação da geometria ele mantém a liberdade do fazer artístico como um processo de experimentar e não apenas como uma produção estritamente racional. Assim como Lygia Clark, Helio Oiticica, Aloisio Carvão e outros contemporâneos, Weissmann e sua obra representam uma trajetória de emancipação da arte que estrutura toda a produção brasileira, das gerações seguintes ao ambiente contemporâneo”, afirma o curador Rafael Fortes Peixoto.

Esta exposição, encerra o projeto “Paisagens Fluminenses”, que graças ao apoio da Petrobras através da Lei Estadual de incentivo à Cultura, permitiu à Casa França-Brasil revitalizar suas ações culturais ao longo deste ano. Com números de visitação expressivos, estas mostras reforçam a relevância deste espaço como importante equipamento da arte e da cultura fluminense.

“Weissmann constrói volumes que editam a paisagem através de um diálogo de imagens alternadas a partir do ponto de vista do espectador. A cor, como elemento fundamental do processo construtivo, define a obra como uma presença no espaço. Na síntese entre a clareza do método e a experiência barroca da forma, as esculturas de Weissmann habitam a malha urbana. Como elementos de surpresa e provocação do olhar, suas obras revelam ritmos inesperados e novas maneiras de se ver e apreender o mundo”, complementam os curadores Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto, no texto de abertura da exposição. “Franz Weissmann: Ritmo e Movimento” é a terceira de três exposições da série “Paisagens Fluminenses” que foram apresentadas ao longo de 2023 na Casa França-Brasil. Contemplada na chamada do Programa Petrobras Cultural Múltiplas Expressões, conta com o apoio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, e o patrocínio da Petrobras, através da Lei de Incentivo à Cultura, com o intuito de revitalizar o espaço, tomando como ponto de partida sua importância histórica, cultural e de valorização da produção artística brasileira.  A primeira da série, “Navegar é Preciso – paisagens fluminenses”,  ficou ambientada na Instituição com grande sucesso de público, a segunda foi “O real transfigurado | Diálogos com a Arte Povera | Coleção Sattamini/MAC-Niterói”, recebendo mais de 20 mil espectadores em menos de dois meses de exibição.

Esculturas de Angelo Venosa

21/set

A Casa Roberto Marinho, Cosme Velho, Rio de Janeiro, RJ, apresenta até o dia 13 de novembro, a mostra panorâmica “Angelo Venosa: Escultor”, sob curadoria de Paulo Venancio Filho.

Angelo Venosa, escultor

Angelo Venosa é o mais importante escultor brasileiro de sua geração. Sua obra cria uma linguagem na contramão da febre pictórica de seus pares dos anos 1980 no Parque Lage assim como subverte a lógica de planos que se deslocam para criar espaços vazados na sólida experiência da arte construtiva brasileira.

Não interessa ao artista um puro louvor ao orgânico ou ecológico. Ele nos revela as estruturas subjacentes e as tensões destas com formas que tenderíamos, apressadamente, a associar ao mundo “natural”.

O trabalho de Venosa guarda a liberdade conquistada pela escultura moderna e concretiza os ímpetos planares da abstração não geométrica. Nesse sentido realiza uma ponte entre as duas principais correntes do conjunto da Coleção Roberto Marinho.

Esta mostra, com a curadoria de Paulo Venancio Filho, optou por uma organização fluida e não cronológica sublinhando recorrências no seu percurso. Trata-se da primeira panorâmica de seu trabalho, um impulso que, certamente, estimulará muitas outras exposições desse notável artista.

Com “Angelo Venosa: Escultor” a Casa Roberto Marinho reafirma o seu propósito de colocar em diálogo a arte moderna e seus desdobramentos no espaço contemporâneo.

Lauro Cavalcanti

Diretor Executivo/Casa Roberto Marinho

Os Yanomamis por Claudia Andujar

19/set

Artista e ativista, Claudia Andujar nasceu na Suíça, em 1931, e cresceu na Transilvânia em uma família de origem judaica e protestante. Sobrevivente do holocausto, chegou ao Brasil em 1955, onde começou sua carreira como fotojornalista e artista, e se estabeleceu no país. A fotografia era o meio usado por ela para conhecer as pessoas e aprender sobre o novo país. Em 1971, encontrou os Yanomami pela primeira vez e decidiu passar mais tempo com eles.  “Sonhos Yanomami”, um dos últimos trabalhos realizados por Andujar a partir de seu acervo de imagens sobre o povo Yanomami, é o atual cartaz do Projeto Parede do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, Portões 1 e 3, até 28 de janeiro de 2024.

Desde o primeiro contato com os Yanomami, Claudia Andujar voltou várias vezes para a região e lá permaneceu por longos períodos, desenvolvendo laços estreitos com seus membros, os fotografando em suas casas coletivas – chamadas “yano” – e os acompanhando na floresta para fotografar diversas atividades.

“Considero a série Sonhos Yanomami um turning point em minha experiência com os Yanomami. As imagens que compõem a série revelam os rituais xamanísticos dos Yanomami, sua reunião com os espíritos. A partir de sua criação, eu comecei a conceber uma interpretação imagética acerca dos rituais, fato que me deu acesso à genealogia do povo, aglutinando aspectos da cultura e dissolvendo as fronteiras entre os seres humanos, seus deuses e a natureza, integrando todos em um fluxo contínuo”, contou a artista em entrevista publicada na ocasião da exposição “Identidade”, exibida em 2005, na Fondation Cartier, em Paris.

A série, que acaba de ser integrada à coleção do MAM, é composta por 20 imagens geradas por meio da sobreposição de cromos negativos fotografados a partir de 1971. “Trata-se de uma obra do período maduro da artista, que já possuía grande intimidade com a cultura do povo que a acolheu. As imagens revelam algo dos rituais dos líderes espirituais Yanomami e a importância do sonho em sua cosmologia”, comenta Cauê Alves, curador-chefe do museu, em texto que acompanha a mostra.

O conjunto de imagens exibidos no Projeto Parede do MAM é, também, reflexo de um momento de respiro de Claudia Andujar e do povo Yanomami. Ao lado de outros ativistas, ela fundou em 1978 a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) – conhecida como Comissão Pró-Yanomami. A Comissão, coordenada por ela, organizou a campanha pela demarcação do território Yanomami, a fim de garantir a preservação e a sobrevivência desse povo originário da Amazônia. A Terra Indígena Yanomami foi reconhecida pelo governo brasileiro em 1992, entretanto ela continua sendo invadida pelo garimpo ilegal que tem provocado centenas de mortes. Claudia Andujar fez da luta pela preservação do povo, da cultura e da terra Yanomami o trabalho de sua vida.

“A fotografia é minha forma de comunicação com o mundo. Um processo de mão dupla em que você recebe tanto quanto dá. Se o registro fotográfico de culturas pode ser considerado uma forma de compreensão do outro, eu acredito que com a série Sonhos eu consegui entender a essência do povo Yanomami”, afirmou Andujar na ocasião da mostra na Fondation Cartier.

O fluxo de narrativas de José Rufino

18/set

Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e Oi, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, apresentam – até 29 de outubro – a exposição inédita de José Rufino que ocupa três andares do Futuros – Arte e Tecnologia sendo esta a 24ª individual do artista apresentando instalação criada especialmente para a ocupação, e integrou a programação paralela da ArtRio 2023.

Durante mais de 20 anos, José Rufino conciliou a carreira de geólogo e paleontólogo com a de artista visual, iniciada em 1984 – à qual se dedica integralmente há quase três décadas. A influência do trabalho científico em sua produção artística se iniciou de forma esporádica e instintiva, mas ganhou importância crescente em sua pesquisa ao longo do tempo. O “Projeto Fossilium” se propõe a ser um divisor de águas na trajetória do artista ao radicalizar de forma definitiva a junção entre os dois saberes, enquanto lados indissociáveis de sua obra poético-científica. A curadoria é de Franklin Espath Pedroso.

“Sempre disse que a arte tinha surgido para completar aquilo que a ciência e a paleontologia não me permitem ficcionar, subverter o estado das coisas da natureza. O paleontólogo só pode medir, comparar, dar nome científico, enfim, não pode inventar. E por isso vinha a arte, para completar esse outro lado”, explica José Rufino. Ao longo dos anos, compreendeu a ciência também com gosto do pesquisador e com mais sensibilidade. E por outro lado, foi entendendo que a arte também precisava de métodos. “Hoje entendo a arte como ciência da arte. Ela passou a ser encarada como área de conhecimento pelo CNPq desde os anos 80, então não tenho mais pudor de chamar hoje de Ciência da Arte, assim como existem as Ciências Humanas, Exatas e Naturais”, completa.

“Ao propor esse projeto percebi que Rufino já tinha claramente esses dois lados manifestos, que havia espaço para um aprofundamento mais contundente dessa pesquisa que ele vinha desenvolvendo, mas ainda não tão evidenciada em sua obra. Acredito que ele agora teve a ousadia necessária para estabelecer essa comunhão”, analisa Franklin Pedroso, curador da mostra.

“O Projeto Fossilium promove um fluxo de narrativas nas quais se misturam temporalidades, realidade e ficção em um trânsito entre arte, ciência, história e natureza. Esta abordagem de Rufino está em total sintonia com a proposta do nosso espaço”, destaca o diretor artístico do Futuros – Arte e Tecnologia, Felipe de Assis.

A ocupação do Futuros – Arte e Tecnologia começa no térreo, onde vídeos de making of de José Rufino em seu ateliê na Paraíba e uma videoarte produzida pelo artista serão exibidos nos três monitores próximos à escada e no videowall, respectivamente. Nos três andares seguintes, Fossilium recria o percurso do cientista – desde a pesquisa de campo, a coleta de materiais, passando pela catalogação e identificação até a exibição -, desta vez, no entanto, munido da fantasia, da abertura para a ficção próprias do fazer artístico.

Batizado de Mente et Maleo – lema universal da Geologia que significa Mente e Martelo -, o espaço expositivo do primeiro andar, abrigará obras criadas a partir de objetos e impressões coletadas em expedições realizadas por José Rufino em regiões do Cariri, Sertão, Curimataú, Agreste, Seridó e litoral da Paraíba, estado natal do artista, formando uma espécie de reserva técnica,  como se um cientista tivesse acabado de chegar de suas expedições, desembalando os materiais de campo, para começar a classificá-los e apresentá-los ao público. Assim como o paleontólogo resgata histórias, fragmentadas em provas de vida condensadas pelo peso do tempo, José Rufino busca novas possibilidades de um resgate afetivo das memórias, estabelecendo narrativas que buscam unir passado e o presente, marca recorrente de sua trajetória artística.

O nome do segundo andar da mostra, De Natura Fossilium (Sobre a natureza dos fósseis, em latim), mote da exposição, repete o título de um dos livros do cientista alemão Georgius Agricola (1494-1555), considerado o “pai da mineralogia”: “Na época de Agricola, a palavra fóssil tinha um significado mais amplo e se referia a minerais, fósseis, tudo que era retirado do chão”, conta José Rufino. Nesse espaço, cria seu museu imaginário e expande a relação entre a arte e a ciência em peças onde os dois campos se fundem e confundem. Pedras, gesso, ferro, folhagens, areia, conchas, ossos, concreto e terra são alguns dos materiais que dão origem a fósseis quiméricos, mas cuja abstração não se desprende de todo a uma lógica científica, evidenciando a comunhão entre os dois saberes na obra do artista. Compõem ainda a mostra intervenções sobre fotografias e gravuras, algumas com mais de cem anos, que foram as primeiras representações de tempos passados, os paleoambientes.

José Rufino aproveita a ocasião para levantar uma questão que acredita ser fundamental – em nenhuma das obras são utilizados fósseis reais, fato que será sinalizado na exposição. Por seu valor histórico-científico, a legislação brasileira não permite o uso nem a posse particular desses materiais: “Acho pertinente e apropriado em uma mostra que fala sobre o assunto salientar esse fato para o público e alertar inclusive para o tráfico internacional de fósseis e a falta de cuidado com o patrimônio geológico-paleontológico”, destaca.

A última parte da mostra – cujo nome também se apropria do nome de um livro de Agricola, De re mettalica (Da questão dos metais) – ocupa o terceiro andar da instituição, onde José Rufino cria uma instalação site specific sobre a mineração. A obra versa sobre a relação do ser humano com a natureza, os bens minerais como fonte de lucro, o ciclo de decomposição das rochas e a evolução da vida. Blocos de basalto, tecidos com fotografias e desenhos, almofadas pneumáticas e pontas de perfuração usadas na mineração são algumas das peças que são ressignificadas pelo artista em um cenário cujo tom catastrófico convida o público a refletir sobre a urgência do assunto.

Depois de enfrentar, no início da carreira, certa resistência em relação à coexistência entre as duas atividades, José Rufino acredita ter hoje seus dois “eus” um pouco melhor compreendidos: “Havia uma espécie de limbo onde por vezes eu me sentia, como se cada lado me diminuísse em relação ao outro, como se fosse uma coexistência proibida, campos incompatíveis e inconciliáveis”, acredita. Hoje, se entende cada vez mais à vontade como produto desses dois saberes. “Essa mostra é como uma retomada de terreno, de pensamento. Por isso a considero a mais importante de todo o meu percurso artístico. É uma espécie de transe entre as epistemologias da geologia, paleontologia e arte. É um desafio enorme, como se eu estivesse tentando, de fato, propor uma área de atuação conjunta”.

Franklin Pedroso endossa o pensamento do artista e completa: “Ao percorrer a exposição, o visitante é instigado a questionar nossa história, a ciência e, sobretudo, o papel da arte. José Rufino assume o desafio de um grande artista, cujo trabalho transcende as fronteiras da arte e da ciência, deixando um legado de questionamentos sobre a preservação do patrimônio natural e reflexões sobre nosso passado, presente e futuro”.

Sobre o artista

José Rufino (José Augusto Costa de Almeida) nasceu em 1965, em João Pessoa, Paraíba, onde vive e trabalha. Artista e professor de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba. Ao longo dos 35 anos de trajetória, participou de mais de 300 exposições no Brasil e exterior, entre individuais e coletivas. Desenvolveu sua jornada artística passando da poesia para a poesia-visual e, em seguida, para a arte-postal e desenhos, ainda nos anos 1980.  O universo do declínio das plantações de cana-de-açúcar no Brasil conduziu seu trabalho inicial em desenhos e instalações com mobiliário e documentos de família e institucionais. Nos anos 90, deu início a uma longa série de instalações, Respiratio, Lacrymatio, Plasmatio, Faustus, Ulysses, Divortium Aquarum, dentre outras, sempre vinculadas a questões sociais e políticas. Realizou grandes individuais, em espaços como Museu de Arte Contemporânea de Niterói; Museu Oscar Niemeyer, Curitiba; Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro; Casa França Brasil, Rio de Janeiro; Museu Andy Warhol, Pittsburgh, USA; e Palácio das Artes, Porto, Portugal.  Participou de Bienais como a 25ª Bienal Internacional de São Paulo, e das Bienais de Havana, Venezuela, Mercosul, Curitiba e Bienal de Cerveira, em Portugal. Integrou em 2019, a Bienal Internacional de Gaia, também em Portugal. Em 2016 ganhou o prêmio Mário Pedrosa – Artista Contemporâneo, da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Tem realizado incursões nas linguagens cinematográfica e literária, sendo autor do livro Afagos, editado pela Cosac e Naif, e do livro Desviver, ainda inédito, mas que ganhou o prêmio Bolsa de Criação Literária da Funarte. Produziu os livros de artista “Olholho” e “Mosto”, ambos com tiragem assinada de 100 exemplares. Diálogos dicotômicos entre memória e esquecimento, opulência e decadência ou público e privado contaminam sua produção por completo.

Sobre o curador

Franklin Espath Pedroso é arquiteto formado pela Universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro (1987), cursou o Mestrado em História e Crítica da Arte na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especializou-se também em Art Administration pela New York University. Além de atuar como curador independente, ocupa-se da coordenação de montagens e produção de exposições. Foi professor adjunto no curso de Arquitetura das Faculdades Integradas Silva e Souza de 1988 a 1992. Foi curador-adjunto da IV Bienal do Mercosul. Foi curador-geral adjunto da Mostra do Redescobrimento em São Paulo e curador dos módulos Moderno e Contemporâneo. É membro do Conselho Curatorial do Instituto de Arte Contemporânea em São Paulo. Realizou também curadoria de mostras no Museo de Arte Moderno de Buenos Aires, CAPC de Bordeaux, National Museum of Women in the Arts em Washington, bem como coordenou diversas mostras como Body and Soul no Guggenheim Museum de Nova York, Museo de Bellas Artes em Santiago, Fundación PROA, Centro de Arte Recoleta e Museo de Bellas Artes, ambos em Buenos Aires. Realizou a curadoria da retrospectiva do artista Luis Felipe Noé para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a exposição da artista Silvia Rivas no Museo de Arte Latino Americano Eduardo Costantini em Buenos Aires e organizou o livro sobre o Palácio Pereda, também em Buenos Aires. Foi curador assistente da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tendo experiência também no Museum of Modern Art de Nova York trabalhando na produção, organização e montagem de exposições. Realizou design e execução de montagem de outras exposições, além de ter coordenado a montagem das Salas Especiais da 23ª Bienal Internacional de São Paulo. Sua experiência internacional se estende à produção de exposições de arte em importantes instituições de Nova York, Washington, Chicago, Paris, Bordeaux, Glasgow, Colônia, Sevilla, Lisboa, Copenhagen, entre outras.

Galerias

As galerias do centro cultural já foram ocupadas por expoentes internacionais de diversas vertentes, como Andy Warhol, Nam June Paik, Tony Oursler, Jean-Luc Godard, Pierre et Gilles, David Lachapelle, Chantal Akerman; e brasileiros como Luiz Zerbini, Rosângela Rennó, Daniel Senise, Lenora de Barros, Iran do Espírito Santo, Arthur Omar, Marcos Chaves e outros. Nas artes cênicas, o espaço foi palco de espetáculos inéditos e premiados de Felipe Hirsh, Gerald Thomas, Enrique Diaz, Antonio Abujamra, Denise Stoklos, Victor Garcia Peralta, Aderbal Freire, João Fonseca e outros. Com quase duas décadas de trajetória, Futuros – Arte e Tecnologia também sediou diversos eventos de destaque na cena cultural carioca, incluindo Festival do Rio, Panorama de Dança, FIL, Multiplicidade, Novas Frequências e Tempo_Festival, sendo os três últimos especialmente concebidos para a instituição.

Claudia Jaguaribe no Paço Imperial

06/set

 

A paisagem e o universo botânico entraram Cdesde cedo na vida de Claudia Jaguaribe, sendo um dos interesses prediletos de seu avô Francisco, geógrafo e autor de parte expressiva da cartografia brasileira. A atração precoce pelo tema foi determinante na trajetória da artista, que aguçou o seu olhar e se aprofundou na paisagem e nos aspectos da natureza. “Naturas: Assim eu vejo”, que inaugura no dia 09 de setembro, no Paço Imperial, curada por Heloísa Amaral Peixotoc e, permanecendo em exibição até 05 de novembro. A mostra reúne obras que fazem parte de uma pesquisa que se inicia com a série “Tudo é Sofia”, de 2004, e se estende a trabalhos mais recentes e inéditos, realizados com recursos de Inteligência Artificial em “Viveiro”, de 2023. Com uma agenda cheia tanto no âmbito nacional quanto internacional, tendo realizado projetos na Usina de Arte (Recife), exposições em São Paulo, além da participação este ano no Festival Off and On, Brasil Imprevisto, em Arles (França), onde expôs em um telão ao ar livre, Claudia escolheu a cidade do Rio para mostrar esse recorte de seus trabalhos antigos e mais atuais, totalmente voltados para questões ambientais. Ocupando as salas Amarela e Mestre Valentim, a exposição apresenta uma pesquisa dupla: uma visão particular sobre como retratar a paisagem e a natureza e as mudanças radicais que se operaram na fotografia em nossa cultura visual. As obras iniciais foram feitas de forma analógica, com uma simples câmera pinhole até as últimas, com fotografia digital, e, no seu estágio mais avançado, incluindo a IA. 

 

“Naturas, em latim, se refere à multiplicidade de naturezas que existe no mundo e ‘assim eu vejo’ ao meu modo de utilizar a fotografia como um meio de conhecimento e forma de expressão. Desde os ensaios iniciais percebi que precisava me apropriar da fotografia como um dos aspectos do processo criativo. A fotografia documental me serve como um banco de imagens, base para o desenvolvimento de outras linguagens. Cada novo projeto demanda uma abordagem própria, que envolve muitas camadas de produção”, afirma a artista.

 

“Ao propor um microcosmo idealizado, Claudia, de certo modo estaria buscando estabelecer uma relação entre a natureza, no sentido amplo, e natureza, no sentido mais interior e subjetivo. Também no tratamento das imagens desse conjunto, percebe-se uma atmosfera de caráter mais simbólico, tendendo para o ficcional, um interesse que irá intensificar mais adiante em projetos posteriores”, diz a curadora, Heloísa Amaral Peixoto.

 

Seu discurso no plano poético-visual, no exercício de sempre alargar as possibilidades formais, estabelece novos padrões de utilização do suporte fotográfico como, por exemplo, quando se aproxima de outras expressões artísticas, tais como a escultura.

 

Caudia Jaguaribe é representada no Rio de Janeiro pela Galeria Anita Schwartz.

 

 

Arte fluminense em Madrid

01/set

A mostra “Notícias do Brasil: Carybé, Cícero Dias e Glauco Rodrigues”, composta por obras dos três artistas pertencentes ao acervo do Sesc RJ que foram recuperadas e recolocadas no circuito expositivo, entram em exibição em Madri, Espanha, de 08 de setembro a 07 de outubro. A mostra será na Casa de América, um dos mais importantes centros de arte da Espanha.

A exposição é uma das atrações do Festival ¡Hola Rio!, ação inédita de internacionalização da arte produzida no estado do Rio de Janeiro e realizada pela Casa de América, Sesc RJ e Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa com o apoio de diversos parceiros, entre eles, a prefeitura da capital espanhola.

A mostra estreou em janeiro de 2022 no Espaço Cultural Arte Sesc em celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna. Ela marcou a reabertura do ambiente, após a instituição restaurar a Mansão Figner – casarão centenário que foi residência do empresário considerado o pioneiro da indústria fonográfica no Brasil, Frederico Figner.

A proposta do espaço cultural localizado no bairro do Flamengo, além de apresentar uma série de manifestações artísticas, foi publicizar o acervo de obras de arte do Sesc RJ. São mais de 500 peças que estão sendo recuperadas e tornadas públicas por meio de diferentes recortes curatoriais – entre eles a exposição “Notícias do Brasil”.

Com curadoria de Marcelo Campos e Pollyana Quintella, “Notícias do Brasil” é composta por 48 gravuras através das quais é possível perceber um Brasil de forte tradição popular, nas festas, nas relações interétnicas, nas vendedoras de tabuleiro, nas janelas e sacadas dos sobrados coloniais.

“Carybé, Cícero Dias e Glauco Rodrigues noticiaram um Brasil por entre as frestas das janelas, nas praças públicas, nas festas de largo. E, assim, escancararam singularidades étnico-raciais, tanto em personagens quanto nos fatos culturais que vão das tradições afro-religiosas, do catolicismo popular à prostituição. Esses artistas perceberam que o país do futuro já se desenhava pelos avessos da história. Seus heróis advêm do povo. Seus afetos se revelam através das janelas, nos interiores das casas. Suas praças são repletas de comércios informais, vendedoras de acarajé, na compra e venda do pescado”, reflete Marcelo Campos.

 

Bandeiras&Cores

31/ago

Depois de passar por São Paulo, Vaduz (capital de Liechtenstein), Bruxelas, Búzios e mais recentemente Guajiru e Fortaleza, o projeto “Bandeiras e Cores Entre Nós” chega ao Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, onde vai reunir 36 bandeiras customizadas por artistas de várias procedências. Mantendo sua vocação itinerante, o evento tem como proposta levar as obras a galerias e espaços culturais que ultrapassam as fronteiras continentais, levantando bandeiras – literalmente – como mobilizadoras sociais e vitais em diferentes formatos, com temas atuais e de relevância para o país.

Selecionados através de uma convocatória, já estiveram presentes mais de 120 profissionais, residentes em diferentes regiões do Brasil do exterior. A realização é da Arte2 Produtora, representada pela artista plástica e curadora Angela de Oliveira junto com a galerista, fotógrafa e curadora Ana Arcioni, que assinam e dirigem o projeto. Nesta edição, elas contam com a colaboração da também artista plástica Renata Costa, que se une a elas na co-curadoria.

Sobre as obras

Cerca de 36 bandeiras em tecido de voal, medindo 2,50 por 1.,0 cm, ocuparão o espaço expositivo, impressas e costuradas em varão de madeira e fixadas nos perfis metálicos existentes no teto por fios de nylon, conferindo leveza e fluidez às obras, cujo tema é livre.

 

Entre os artistas confirmados, estão Acácio Pereira, Ara Vilela, Carla Barros, Carlos Sulian, Cati Alionis, Colenese, Cristhina Bastos, Cristina Pacheco, Deborah Netto, Emanuelle Calgaro, Francisco Ivo, Gray Portela, Gualton Remo, Gui Brescia, Henrique Diogo, Hermano Cananea, India Prado, Jansen Vichy, Josephine Di Giovanna, Ju Moraes, Justina D´Agostino, Lenny Lopes, Marcia Fontenelle, Mari Pereira, Miguel Nader, Miriam Gonçalves, Paula Loraine, Renata Costa, Ricardo Massolini, Roberto Vamos, Rose Maiorana, Silvana Ravena, Soraya Boechat, Simone Bellusci, Tarso Sarraf, Thais Moraes e Valéria Oliveira.

 

Nova instalação de Siron Franco

A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo (USP), inaugura a exposição “Garimpo, o carvão e o ouro”, de Siron Franco. O evento de abertura será às 18h desta quinta-feira (31/8), na capital paulista.
Conhecido por entrelaçar arte com temas sociais e políticos, Siron Franco traz uma coletânea de trabalhos atualíssimos que abordam as riquezas e desafios daAmazônia.

Sob a curadoria de Luiz Armando Bagolin, com o auxílio de Fabrício Reiner e em parceria com a galeria Almeida & Dale, a exposição promete ser uma experiência única e imersiva. A exposição segue até 03 de novembro.

 

Duas exposições na Fundação Iberê Camargo

18/ago

No dia 26 de agosto, a Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, inaugura a exposição “Palavras cruzadas, sonhadas, rasgadas, roubadas, usadas, sangradas”, do fotógrafo multimídia, artista plástico e cineasta, Miguel Rio Branco. Organizada pelo próprio artista e por Thyago Nogueira, coordenador da área de Fotografia Contemporânea do Instituto Moreira Salles (IMS) e editor da revista ZUM, “Palavras” foi vista no IMS São Paulo (2020) e IMS Rio de Janeiro (2022-23). São 127 obras que mostram a vivência de Miguel Rio Branco pelas cidades por onde andou, com as pessoas com quem cruzou e os ambientes que explorou, de uma maneira muito particular de escrever com imagens. “Vejo que a maior parte da população é marginal. Eu fui atraído por umas situações humanas que me chocavam e que, ao mesmo tempo, me atraíam porque havia uma força vital ali de resistência”, diz o artista. Para Thyago Nogueira, “É possível dizer que Miguel Rio Branco dedicou sua carreira a construir uma elegia da experiência urbana e coletiva, encenada pelas pessoas que cruzaram seu caminho. Rever suas obras hoje é perceber a potência que desperdiçamos e lidar com um sentimento profundo de melancolia. Mas é também encarar nossas contradições com uma nitidez atordoante e abrir-se à oportunidade corajosa de entender como chegamos até aqui. Múltiplas e mutantes, essas obras cruzadas ecoam não apenas o pensamento original do artista, mas uma nova e perturbadora sinfonia”.

Um artista pleno

A fotografia só como documento nunca interessou a Miguel Rio Branco. As referências que o tornaram um dos maiores nomes da fotografia e da arte contemporânea brasileira vêm quase sempre da pintura e do cinema. Conhecido por seu trabalho com a cor, o ponto principal da sua obra é justamente a construção. Em 1983, por exemplo, a 17ª Bienal de São Paulo apresentou, pela primeira vez, a instalação “Diálogo com Amaú”, uma projeção de imagens de um índio caiapó, o Amaú, em diálogo com imagens de sexualidade e morte advindas de outros trabalhos, ao som de um ritual na Aldeia Gorotire, no sul do Pará. Esta instalação foi um marco em sua carreira, onde fica perceptível a força que a imagem em movimento, a música e a montagem têm em sua trajetória. “Palavras cruzadas, sonhadas, rasgadas, roubadas, usadas, sangradas” começa nos anos 1970, por um momento pouco conhecido do artista, quando Miguel Rio Branco se muda para Nova York. Ele pega uma câmera e começa a fazer as primeiras fotografias em preto e branco, algo raro em seu trabalho, ao redor do bairro boêmio East Village e da Rua Bowery, onde conviveu ao lado de artistas como Antonio Dias (1944-2018), Hélio Oiticica (1937-1980) e Rubens Gerchman (1942-2008). Miguel Rio Branco tocava na ferida, registrando os contrastes sociais das metrópoles e a exclusão dos marginais. A mostra avança para trabalhos mais conhecidos, mas com imagens novas, quando o artista viaja pelo interior do Brasil na tentativa de elaborar uma síntese da identidade brasileira através da fotografia. Depois caminha para notórias obras, como a série dos boxeadores da Academia Santa Rosa, na Lapa, Rio de Janeiro, onde Miguel Rio Branco fotografou com uma câmera analógica de médio formato. São imagens mais calmas, mais paradas e mais contemplativas, diferente das em 35 milímetros do começo da carreira, com uma velocidade intensa. A exposição vai mostrando a mudança para uma fotografia mais pictórica, o que ele fez mais recentemente. Imagens que possuem bastante textura, jogo de luzes, elementos muito simples, mas com uma força expressiva muito grande. “Gosto de dizer que esta exposição é uma espécie de antirretrospectiva. Apesar de tentar traçar o desenvolvimento complexo da linguagem do Miguel Rio Branco, tudo que aparece foi montado para este projeto”, afirma Thyago Nogueira.

Sobre o artista

A bagagem genética. Filho de diplomatas, bisneto do Barão de Rio Branco e tataraneto do Visconde de Rio Branco por parte de pai, a genética bateu forte para o lado materno. Miguel Rio Branco é neto de J. Carlos (1884-1950), um dos maiores caricaturistas e cronistas de costumes do início do século 20 no Rio de Janeiro, a quem Miguel dedicou o catálogo desta exposição no Instituto Moreira Salles. Nasceu em 1946 e viveu até os três anos de idade em Las Palmas de Gran Canarias, na Espanha, de onde partiu e passou a infância entre as cidades de Buenos Aires, Lisboa e Rio de Janeiro.  Entre os anos 1961 e 1963, morou na Suíça, onde estudou e desenvolveu os primeiros trabalhos como ilustrador de um jornal local e cenografia de uma peça teatral. Em 1964, envolvido pelo desenho e pela pintura, realizou a primeira exposição “Paintings and drawings”, na Galeria Anlikerkeller, em Berna. Neste mesmo ano, mudou-se com os seus pais para Nova York, onde fez um curso básico de fotografia no New York Institute of Photography. A partir de então, realizou uma série de fotografias nas ruas desta cidade que serviram, principalmente, como colagens em suas pinturas. Em 1972, com a morte de sua mãe, Miguel Rio Branco retornou ao Rio de Janeiro e dedicou-se, principalmente, ao cinema, trabalhando, ao longo desta década, como diretor de fotografia e câmera. Dirigiu 14 curtas-metragens e fotografou oito longas. Ganhou o prêmio de melhor direção de fotografia por seu trabalho em “Memória Viva”, de Otavio Bezerra, e “Abolição”, de Zozimo Bulbul, no Festival de Cinema do Brasil de 1988. Também dirigiu e fotografou sete filmes experimentais e dois vídeos, incluindo “Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno”, que ganhou o prêmio de melhor fotografia no Festival de Cinema de Brasília e o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio da Crítica Internacional no XI Festival Internacional de Documentários e Curtas de Lille, França, em 1982. Em 1980, tornou-se correspondente da Magnum Photos. Como registrado no site da empresa, “Miguel Rio Branco, fascinado por lugares de forte contraste, na força das cores e da luz tropical, fez do Brasil sua principal área de exploração.” Em 1985, publicou “Dulce Sudor Amargo”, livro em que traçou um paralelo entre o lado sensual e vital de Salvador, Bahia, e o lado histórico da cidade, que na época (1979) era habitada por prostitutas e marginais. É um ensaio sobre a vida e a morte, sobre as cicatrizes deixadas pelo tempo e pela vivência. Em 1996 veio “Nakta”, uma publicação que explora o tema do bestiário no homem e no animal, seguido de um projeto visual e poético alimentado por um feliz encontro com o poema “Nuit Close”, de Louis Calaferte, colaboração que ganhou o Prix du Livre Photo.  “Silent Book” (1997) trouxe quadros de corpos e espaços afetados pelo tempo; a decrepitude é ampliada pela luz, e a carne ferida, o envelhecimento e a morte assombram a obra por meio de cores terrosas e vermelho-sangue. Já em “Miguel Rio Branco” (1998), Lélia e Sebastião Salgado escreveram no posfácio: “Miguel Rio Branco usa a cor como um pintor e a luz como quem faz cinema.” O livro “Entre os Olhos o Deserto” (2001) aponta uma evolução para uma forma híbrida, usando imagens de fotografias e vídeos extraídos dos filmes experimentais do artista. Da mesma forma, suas exposições funcionam como instalações, conceito crucial para o seu trabalho, pelo qual – sem descurar a importância da imagem única – criar um discurso através das imagens é o objetivo final. A publicação e a exposição “Plaisir la douleur” (2005) confirmam isso. “Você Está Feliz?” (2012) explora diferentes possibilidades de felicidade e de infância, sem excluir os aspectos difíceis do crescimento e do ambiente em que o ser humano se desenvolve. Miguel Rio Branco se distancia de uma concepção romântica, provocando o leitor a refletir sobre os significados atribuídos à felicidade. Em “Maldicidade” (2014), o artista reúne, em fotografias, cenas urbanas de metrópoles de diversas partes do mundo – Japão, EUA, Brasil, Cuba, Peru -, captadas entre 1970 e 2010, abordando o isolamento dos marginalizados das grandes cidades.

Até 12 de novembro.

Afonso Tostes: a arte no desequilíbrio para destacar a fragilidade da vida.

“A realização da escultura, na maneira de trabalho, passa pela tentativa de associar coisas naturais e misteriosas à previsibilidade humana. Busco naquilo que está morto alguma vida escondida. Assim a madeira, antes árvore, deixa de ser apenas material, e, pelo esforço físico, se torna escultura e campo de reflexão. Não obstante, tento encontrar beleza na poética mais simples possível”, afirma Afonso Tostes.

Também no dia 26 de agosto, a Fundação Iberê Camargo abre a exposição “Afonso Tostes – Ajuntamentos”. Nos 25 trabalhos, a maioria esculturas feitas em madeiras e troncos de árvores, observa-se uma produção irrequieta. Esculturas, pinturas e desenhos que nunca se acomodam no lugar comum; as peças dialogam com os espaços.   Conhecido por suas grandes instalações, Afonso Tostes resgata as histórias preliminares dos materiais, principalmente a madeira, expõe e transforma suas narrativas, de acordo com uma sensível reconstrução no espaço expositivo, ou mesmo com a ressignificação de objetos, como ferramentas e utensílios de trabalho.  “Trabalho sobre o que já existe, o que encontro por aí, materiais que sofreram a interferência da mão humana e do tempo. Me interessa a relação do homem com seu entorno, com a natureza. Não falo apenas da relação com o meio ambiente, mas também das relações pessoais, das nossas expressões visíveis e invisíveis”, explica Afonso Tostes. No livro “Entre a cidade e a natureza”, Daniel Rangel, curador-geral do Museu de Arte Moderna da Bahia, descreve muito bem o espírito livre de um dos principais escultores brasileiros, que tem a cultura de um país e seu povo como inspiração: “Capoeirista, homem do mar, do orixá e do fazer manual, Afonso Tostes utiliza em seu trabalho as mesmas ferramentas que os artesãos, carrega o popular em si mesmo, em suas experiências e nos caminhos que decidiu trilhar. (…) Interessa-se mais pela troca com o grupo e pela riqueza cultural que pelos lugares em si. Apesar de executar suas esculturas por meio da observação, em caminhada pela cidade e na natureza, seu assunto principal é o ser humano. Suas obras revelam pessoas, muitas vezes, invisíveis na sociedade (…) Seus olhos pensam e emite mensagens, e, muitas vezes, precisamos estar livres para entender essa comunicação aberta exuniana. Rompe as estruturas com suas mãos, que curam com sua arte. Prazer, alegria, sensibilidade, emoção, um se dar constante com as diversas linguagens que ele expressa com sua mente plural”. Ainda menino, Afonso Tostes tomou gosto pelas viagens, transitando entre Belo Horizonte, onde nasceu em 1965, e fazendas no interior de Minas Gerais. Contemplador das porteiras e árvores, currais e cavalos, desenvolveu interesse pela investigação da natureza e sua relação com o homem.  Desde sempre, demonstrou aptidão para o desenho, aprimorada na Escola Guignard, principal instituição formadora de artistas em Minas Gerais e onde teve o primeiro contato com as tintas. Em 1987, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu os estudos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage com Carlos Zílio, Charles Watson e Daniel Senise. Das amizades que fez com artistas, críticos e curadores veio o primeiro trabalho como assistente de Antonio Dias e como cenógrafo para teatro e televisão. Sua obra é marcada por influências brasileira e internacional, que vão da arte contemporânea ao fazer livre e espontâneo, em que o belo não é uma construção teórica, mas uma vontade simples do ornamento, uma necessidade fundamental. Atualmente, sua obra figura em coleções como MAM-RJ (Brasil), MAM-BA (Brasil), MAC Niterói (Brasil), Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França) e Coleção SESC de Arte (Brasil).

Até 22 de outubro.