Um artista fudamental

23/ago

Mostra no Masp, São Paulo, SP, celebra obras do período mais consagrado de Leonilson. As obras   produzidas nos últimos cinco anos de vida de Leonilson (1957-1993) – período em que ficou conhecido como Leonilson Tardio e que apresenta o momento mais rico e complexo do artista – serão apresentadas no Museu de Arte de São Paulo (Masp). A exposição apresenta mais de 300 pinturas, desenhos, bordados, instalações e documentos de Leonilson, que refletem suas perspectivas políticas, públicas e íntimas. A curadoria da mostra é de Adriano Pedrosa, com assistência curatorial de Teo Teotonio.

“Leonilson é um artista fundamental na história da arte contemporânea brasileira, uma figura incontornável do final dos anos 1980 e início de 1990 e entre os artistas que trabalham com a temática queer em suas obras no panorama internacional”, disse Adriano Pedrosa, em entrevista à Agência Brasil. “Seu trabalho tem caráter extremamente particular, diarístico, refletindo sobre os temas de seu cotidiano, sejam mais pessoais, mais políticos, numa dimensão queer, ainda que sempre cheios de poesia, lirismo e beleza. Os últimos anos de sua produção, sobretudo a partir de 1989, são quando o artista produz as obras mais extraordinárias”.

São esses trabalhos produzidos em seus últimos anos (1989-1993) que serão apresentados de forma cronológica em cinco salas do primeiro andar do museu, cada uma dedicada a um desses anos. “O ano de 1989 é um ponto de inflexão na trajetória do artista, e os cinco últimos anos de sua produção, de 1989 a 1993, são o período mais maduro, rico e complexo, quando ele produz obras verdadeiramente extraordinárias – tanto em desenho, pintura e, sobretudo, o bordado, culminando com seu último trabalho, a monumental Instalação sobre duas figuras (1993), apresentada na Capela do Morumbi, em São Paulo, poucas semanas antes de sua morte, e que nós remontaremos na exposição”, contou o curador.

Nesses últimos cinco anos de vida, Leonilson desenvolveu um trabalho mais poético, com economia de cores e traços, trabalhando essencialmente com desenhos, objetos e bordados. Foi como uma espécie de diário que ele começou a retratar temas como o amor, os amantes, a sexualidade, as minorias e a aids. “Em 1991, descobre ser portador do vírus da aids, morrendo pouco menos de dois anos depois, em maio de 1993. Embora Leonilson tenha tido sucesso e reconhecimento em vida no Brasil, foi só após a morte que seu trabalho começou a adquirir reconhecimento internacional mais significativo”, explicou Adriano Pedrosa.

O próprio artista falou sobre sua obra produzida nesse período em entrevista a Pedrosa no ano de 1991. “De uns tempos pra cá, meus trabalhos ficaram mais maduros, ao mesmo tempo em que penso mais sobre minha sexualidade, a forma de me relacionar com as pessoas, de encarar o mundo, de viver o dia a dia. Eu acho que o trabalho não deixa de ser pessoal, não deixa de ser um diário, mesmo esses trabalhos da minoria. Eu percebo a segregação que existe. E eu, é óbvio, faço parte de uma dessas minorias”.

Além do primeiro andar, o primeiro subsolo do museu vai apresentar suas ilustrações feitas para a coluna de comportamento Talk of the town – o ti-ti-ti da cidade, de Barbara Gancia no jornal Folha de S.Paulo, além dos vídeos documentais Com o oceano inteiro para nadar (1997), dirigido por Karen Harley, e A paixão de JL (2014), dirigido por Carlos Nader.

A exposição Leonilson: agora e as oportunidades integra a programação anual do Masp dedicada às histórias da diversidade LGBTQIA+ e fica em cartaz até 17 de novembro. “Leonilson é uma figura incontornável no panorama internacional de artistas, trabalhando com temas queer nos anos 1990 e, de fato, um pioneiro no cenário brasileiro. Hoje vemos muitos artistas trabalhando abertamente com essas questões, mas ele foi o primeiro a tratar temas, narrativas e figuras relacionados à homoafetividade, sexualidade, e à própria aids”.

Kang Seung Lee

Além da exposição com obras de Leonilson, o Masp inaugura a mostra dedicada ao trabalho do artista sul-coreano Kang Seung Lee. A curadoria é de Amanda Carneiro. “Ele tem trabalhado com uma série de artistas que morreram por causa da epidemia da aids, sobretudo nos anos 90. Ele nasceu na Coreia do Sul e mora atualmente em Los Angeles, nos Estados Unidos, que é uma cidade que sofreu bastante o impacto da epidemia de aids”, contou a curadora. O trabalho de Kang Seung Lee será apresentado na sala de vídeo, com o filme Lazarus, que homenageia vidas e memórias perdidas durante a epidemia do HIV/aids. Esse filme será apresentado simultaneamente na Bienal de Veneza. No filme, Kang Seung Lee reinterpreta a obra Lásaro, de Leonilson, uma instalação feita com duas camisas costuradas juntas, considerada o último trabalho do artista brasileiro e que estará em exposição na mostra. Lee também se inspira no balé original Unknown Territory, do coreógrafo singapurense Goh Choo San (1948-1987).

“O vídeo se baseia numa das obras de Leonilson que estará em exposição, inclusive”, disse a curadora. “Ele toma esse trabalho, Lázaro (de Leonilson), para utilizar como motivo de um filme, que é inspirado por sua vez num coreógrafo pioneiro chamado Goh Choo San. Esse coreógrafo é de Cingapura e também morreu em decorrência da aids. Ele conseguia mesclar o balé clássico com movimentos contemporâneos com uma qualidade introspectiva – e introspecção é também um tema da obra do Leonilson”, explicou a curadora. O filme apresenta um dueto de movimentos mínimos e intencionais. Ao replicar a obra de Leonilson em Sambe, tecido de cânhamo tradicionalmente usado na Coreia para mortalhas funerárias, os bailarinos interagem coreografando uma homenagem às vidas e memórias perdidas durante a epidemia do HIV/aids, inclusive às de ambos os artistas nos quais ele se inspirou e que faleceram de doenças decorrentes do vírus. “O filme tem também outros elementos que anunciam relações de significado. Por exemplo, no filme você vê a língua de sinais estadunidense, que é uma provocação que coloca a pessoa observadora com a relação da tradução, com a ideia de percepção e entendimento, porque a gente não sabe ler essa língua. Mesmo nos Estados Unidos, boa parte das pessoas não sabe essa língua, então ela comunica com um público bastante específico. E essa é uma provocação interessante. Isso adiciona nova camada de sentido”, destacou.

A Sala de vídeo: Kang Seung Lee fica em cartaz até 24 de outubro.

Fonte: agência BRASIL

  

Novo espaço de exibições

22/ago

O Bradesco inaugura em São Paulo o centro de criatividade e expressão artística Casa Bradesco na região da Avenida Paulista. O espaço – composto por quatro salas – foi projetado para atender a diversidade das experiências culturais. O incentivo a cultura acontece em parceria com o espaço cultural Cidade Matarazzo. A Casa Brasdesco passará a estar disponível para visitação em 15 de setembro.

Na sala Aqui, haverá a exposição do artista plástico Anish Kapoor. No ambiente Ali, a criatividade infantil será o foco, com espaço para interação para as crianças explorarem suas habilidades artísticas. Além disso, no espaço Acima, foi criado um laboratório focado no desenvolvimento de jovens que tem na programação workshops e palestras.

Por fim, a sala Abaixo oferece programações diversificadas com propostas imersivas para cada expressão artística. O projeto conceitual da Casa Bradesco foi idealizado pelo arquiteto Rudy Ricciotti, conhecido por projetar obras experimentais como o exterior da Philharmonie Nikolaisaal, na Alemanha. Na Cidade Matarazzo, Ricciotti desenhou a fachada da Aya Hub.

A inauguração da Casa Bradesco se acrescenta à lista de projetos de naming rights do banco, que, há 15 anos, já conta com o Teatro Bradesco. Atualmente, a Cidade Matarazzo abriga o hotel Rosewood São Paulo, a Torre Mata Atlântica, o edifício corporativo que abriga a AYA Earth Partners. Além disso, também estão presentes no espaço a Capela Santa Luzia e os restaurantes Le Jardin, Blaise e Taraz.

Eckhout: trânsitos do olhar

A partir do dia 30 de agosto e até 12 de dezembro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Glória, Rio de Janeiro, RJ, abre a exposição temporária “Eckhout: trânsitos do olhar”, oportunidade de conhecer as cópias de quadros encomendadas pelo imperador Dom Pedro II ao pintor dinamarquês Niels A. Lützen. Trata-se dos famosos retratos indígenas pintados por Albert Eckhout, no tempo da ocupação holandesa no Nordeste brasileiro, no século XVII.

A mostra coloca em discussão o olhar do colonialismo aos quadros históricos em diálogo com a criação contemporânea da artista paraense Nay Jinknss. Dom Pedro II fez uma viagem à Dinamarca para conhecer os famosos retratos de indígenas do Brasil comentados pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt em seu livro “Cosmos”, um dos mais populares livros de ciência do século XIX. Foi então que decidiu encomendar versões em formato menor dos retratos para doar ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e tornar as imagens conhecidas no Brasil.

Estes retratos de indígenas de Pernambuco do século XVII traduzem o encanto pelo desconhecido que definiu o exotismo como princípio da construção do olhar de europeus diante do mundo colonial. Paradoxalmente, o exotismo foi internalizado pela cultura nacional para demarcar visões da singularidade brasileira. Desse modo, o Imperador participou desse processo em que o olhar estrangeiro condicionou a visão dos colonizados sobre si mesmos.

Por meio da criação contemporânea de Nay Jinknss, os retratados de Eckhout ressurgem no mercado do Ver-o-Peso da cidade de Belém do Pará. Suas fotografias e vídeo rejeitam a representação do tipo social genérico sem subjetividade característica do olhar do colonialismo. Em seus retratos, ao contextualizar a experiência social e expor o que faz cada indivíduo singular, a artista paraense contribui para multiplicar os modos de ver e representar a diversidade cultural do Brasil. O curador Paulo Knauss, diretor do Museu do IHGB e professor do departamento de História da Universidade Federal Fluminense, comenta:

“Os retratos de Eckhout transitam entre épocas e revivem na arte contemporânea brasileira, ao menos desde a criação de Glauco Rodrigues. Suas apropriações servem à crítica dos modos de ver as diferenças culturais baseada na dicotomia entre selvagens e civilizados. Nos trânsitos do olhar, a arte contemporânea subverte os sentidos de imagens consagradas e busca romper com a colonialidade”.

A exposição apresenta ainda livros e mapas ilustrados com imagens do mundo colonial que foram difundidas pelos artistas e naturalistas holandeses do século XVII. A realização da exposição marca também a reabertura do circuito de visitação do IHGB com a conclusão da primeira etapa do seu projeto de renovação. É uma oportunidade para conhecer a sede do IHGB e seus outros espaços expositivos, que apresentam tesouros da cultura brasileira reunidos desde a fundação da instituição acadêmica em 1838, como o Crânio da Lagoa Santa, um dos mais antigos vestígios da vida humana no Brasil e encontrado na primeira missão arqueológica brasileira, além da coleção de retratos de dom Pedro II.  Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: Plano Anual garante preservação de uma das mais antigas coleções históricas do Brasil. Através da Lei de Incentivo à Cultura, o Plano Anual do IHGB conta com patrocínio do Instituto Cultural Vale e Itaú, além de parceira institucional do SESC, sendo uma realização do IHGB com o Ministério da Cultura e Governo Federal.

Exposição de Hilal Sami Hilal

20/ago

A Casa França-Brasil, Centro, Rio de Janeiro, RJ,  apresenta a exposição “Lugar de Passagem”, com mais de trinta obras de Hilal Sami Hilal, celebrado artista capixaba de origem síria, que já soma 50 anos de trajetória. A mostra é centrada no site specific “Artigo 3º”, um painel na técnica que criou e é uma característica de sua produção: o cobre vazado, rendado, filigranado. A obra, de 14,5 metros de comprimento por 3,5 metros de altura, composta por nomes de pessoas, atravessará a nave central da Casa França-Brasil, como um delicado muxarabi (treliça típica da arquitetura árabe). Criadas também especialmente para a mostra, estarão monotipias em papel de algodão feito à mão e vários pigmentos, da série “Alepo”, nos quais o público verá, nitidamente, os objetos decalcados. Entre elas, uma porta de 2,10 metros de altura, uma instalação com 40 monotipias sobre objetos pessoais e utensílios cotidianos, como roupas, pratos, copos e talheres, e ainda um grupo de obras onde o papel registrou azulejos partidos, quebrados. Também de 2024 são as duas obras “Sem título”, da série “Atlânticos”, em cobre, corrosão e oxidação, com 130cm de altura.

Em torno do site specific “Artigo 3º”, os curadores Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto reuniram várias obras emblemáticas de Hilal Sami Hilal, como a instalação “Sherazade” (2007/2024), com 160 livros, com 80 mil páginas interligadas, ocupando aproximadamente uma área de cem metros quadrados no chão da entrada da exposição. “Lugar de passagem é também o lugar da arte, da vida”, diz Hilal Sami Hilal. Composto por nomes de pessoas, o título do trabalho é uma alusão ao terceiro artigo da Constituição brasileira, de 1988: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A ideia dos nomes veio originalmente a partir dos amigos do artista que o presenteavam com roupas de algodão, transformadas por ele em matéria-prima para fazer o papel artesanal. A esses nomes ele foi acrescentando outros. “É uma pele, transparente, e os nomes ficam como signos estéticos, os cidadãos brasileiros”, diz Hilal Sami Hilal. A obra é um desdobramento de um trabalho feito em 2003 para a exposição “Sal da Terra”, no Museu Vale, em Vila Velha, Espírito Santo, com curadoria de Paulo Reis (1960-2011).

O patrocínio da exposição é da Enel e do Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei de Incentivo à Cultura. A organização é da MLC Produções Culturais.

Em cartaz até 20 de outubro.

Mostra coletiva sobre o mar

16/ago

O Centro Cultural Correios, Centro, Rio de Janeiro, RJ abre, no dia 21 de agosto, às 17h, a exposição coletiva “Tanto Mar”, com curadoria de Shannon Botelho. A mostra reúne 30 obras dos artistas Adriana Amaral, Ana Herter, Andrea Antonon, Andréa Brächer, Consuelo Veszaro, Erica Iassuda, Flavia Fabbriziani, Liliana Buzolin, Lourdes Colombo, Lucy Copstein, Marcia Rosa, Marilene Nacaratti, Rhyshy Soriani, Sandra Gonçalves, Simone Dutra, Simone Moraes, Tuca Chicalé Galvan e Vitória Kachar, que transitam entre pinturas, gravuras, fotografias, objetos, vídeo e esculturas.

Segundo o olhar do curador, o mar é um ponto de encontro entre o visível e o desconhecido, carregando em si o peso das histórias humanas. Ao longo dos séculos, foi palco de navegações que impulsionaram a colonização, mas também de despedidas e sofrimentos, especialmente para aqueles submetidos à escravidão e ao pensamento colonial. No contexto das grandes guerras e das crises migratórias atuais, o mar permanece como um símbolo de desafio, fuga e esperança, representando tanto a descoberta de novas realidades quanto a busca por salvação.

A exposição “Tanto Mar” é fruto de uma provocação que teve origem na leitura coletiva de “O conto da ilha desconhecida”, do escritor português José Saramago. As artistas envolvidas no projeto foram reunidas em grupos distintos e, ao longo do ano de 2023, encontraram-se mensalmente para compartilhar os avanços de seus trabalhos e discutir suas inquietações. A pergunta inicial, “Quanto mar há em você?”, guiou o processo criativo, levando cada uma das participantes a explorar suas próprias memórias e sensações ligadas ao mar.

“A resposta de cada uma das artistas é partilhada aqui como uma obra-reflexão, algo que evoque em cada visitante uma lembrança do mar, dos dias ensolarados da infância ou de um pôr do sol inesquecível. Importa que os momentos com o mar que trazemos conosco estão cravados em nós e, de certo modo, definem um pouco do que somos em nosso cotidiano”, afirma Shanon Botelho.

A obra de Roseno no CCBB Rio

A exposição “A.R.L. Vida e Obra”, do fotógrafo e pintor brasileiro Antônio Roseno de Lima (1926-1998), entra em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro no dia 04 de setembro. Com visitação gratuita, esta é uma oportunidade para o público conhecer a produção do artista outsider, natural de Alexandria, RN, que migrou para São Paulo e encontrou na arte a forma de se expressar.

Semianalfabeto e morador da periferia de Campinas, A.R.L., como decidiu assinar suas obras, afirmando sua identidade como um cidadão, foi descoberto no final da década de 1980 pelo artista plástico e professor doutor Geraldo Porto, do Instituto de Artes da Unicamp, que assina a curadoria da mostra. A exposição reúne mais de 90 obras, na sua grande maioria pinturas, principal suporte usado pelo artista. Há ainda à disposição do público três reproduções em 3D, facilitando a acessibilidade para pessoas com deficiência visual. A mostra, que já passou pelos CCBBs SP, BH e DF, fica no CCBB Rio até 28 de outubro, encerrando sua temporada.

O pintor tirou da sua própria realidade a inspiração para criar obras que são reflexo da mais pura e encantadora Art Brut, termo francês, criado por Jean Dubuffet, para designar a arte produzida livre da influência de estilos oficiais e imposições do mercado da arte, que muitas vezes utiliza materiais e técnicas inéditas e improváveis. Seus temas centrais foram autorretratos, onças, vacas, galos, bêbados, mulheres e presidentes. Apesar das condições precárias em que vivia na favela Três Marias, em Campinas (onde morou de 1962 até sua morte, em junho de 1998), Roseno expressava seus sonhos e observações do cotidiano através de suas pinturas, muitas vezes utilizando materiais improvisados encontrados no lixo: pedaços de latas, papelão, madeira e restos de esmalte sintético.

Quando encontrava algum desenho que fosse do seu gosto, recortava-o em latas de vários tamanhos para usar como modelo, além de usar outros materiais que encontrava pelo caminho, como a lã, mais disponível em épocas de frio. Seu barraco era sua tela, onde cores vibrantes e figuras contornadas em preto ganhavam vida, revelando uma poesia visual única. Nas obras, as diversas aspirações do artista são representadas, mas uma delas se repete em toda a sua arte: “Queria ser um passarinho para conhecer o mundo inteiro!”.

Mesmo sendo semianalfabeto, as palavras sempre fizeram parte de sua expressão poética, como signos herméticos, expostos respeitando a anterioridade das figuras e evidenciando desconhecimento das regras gramaticais. Amigos e crianças da favela o ajudavam com a leitura e as anotações em um caderno, que eram fotocopiadas para serem coladas na parte de trás dos quadros. Os bilhetinhos, carregados de informação com as mais diversas letras, avisavam sobre os materiais, processo de criação, execução, conservação da pintura e arrematavam: “Quem pegar esse desenho guarda com carinho. Pode lavar. Só não pode arranhar. Fica para filhos e netos. Tendo zelo, dura meio século”.

Impressionado pela singularidade da obra de Roseno, o curador conta que a primeira vez que viu seus quadros foi em uma exposição coletiva de artistas primitivistas no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988. “Naquele instante, tive a certeza de estar diante de um artista raro”. Ele acrescenta que o pintor já se destacava entre os demais. Depois de ganhar notoriedade , passou a ser “chamado pelos jornalistas de “pintor pop da favela”, – fazendo referência ao Pop Art, movimento norte-americano dos anos 1960 – porque seus quadros misturavam imagens, fotografias, propagandas e palavras como nos cartazes comerciais”, explica Geraldo Porto, acrescentando que Antônio Roseno desconhecia não somente este, como qualquer outro movimento artístico, mas queria ver o seu trabalho nos outdoors da cidade. Em 1991 Geraldo Porto fez a curadoria da primeira exposição individual de A.R.L., na galeria de arte contemporânea Casa Triângulo, de Ricardo Trevisan, em São Paulo. Logo após, uma televisão alemã fez uma matéria sobre Roseno, veiculada na Europa durante a Documenta de Kassel, uma das maiores e importantes exposições da arte contemporânea e da arte moderna internacional que ocorre a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha

Roseno faleceu em 1998, quando uma boa parte de seus trabalhos já estava em coleções de arte no Brasil e no exterior. Infelizmente, outra grande parte foi descartada pelo caminhão da prefeitura, chamado pela família para limpar a casa. Assim como Arthur Bispo do Rosário, A.R.L. faz parte desses “artistas virgens” ou “outsiders”, autores dessa “arte incomum”. Para Geraldo Porto, Antônio Roseno “é sim um artista outsider, pela originalidade do seu processo criativo. Sua criatividade desconhecia limites entre fotografar, pintar ou escrever. Analfabeto, ele escrevia; fotógrafo, ele pintava; pintor, ele tecia. Pintava para não adoecer”. Ele retratava o cotidiano, coisas simples que o faziam feliz. “Perguntei-lhe por que pintava tantas vacas: “Porque eu gosto muito de leite”, ele me respondeu”.

Cristina Canale na Casa Roberto Marinho

12/ago

Os 40 anos de carreira da artista plástica carioca Cristina Canale serão celebrados com exposição em dois tempos na Casa Roberto Marinho, Cosme Velho, Rio de Janeiro, RJ. O instituto cultural inaugura na próxima quinta-feira (15) duas exposições para marcar essas quatro décadas, “Dar forma ao mundo” e “Paisagem e memória”.

“Dar forma ao mundo” é uma retrospectiva da obra de Cristina Canale traduzida em 50 obras, com curadoria de Pollyana Quintella. Ela passeia pelas diferentes fases da artista e a arquitetura da Casa Roberto Marinho ajuda a conduzir a exposição.

O hall do primeiro andar marca o início e o fim da mostra. E as sete salas que se interligam de forma circular segmentam os diferentes períodos da pintura de Cristine Canale, evidenciando a transformação de sua arte.

“Nessa temporada, apresentamos a Cristina Canale curadora no térreo e, no primeiro andar, exibimos a sua obra. Ao percorrer o espaço expositivo veremos o quão fluidas, no seu caso, podem ser essas fronteiras nas paisagens do mundo criado por ela”, destaca o diretor do instituto, Lauro Cavalcanti.

Radicada há mais de 30 anos na Alemanha, a artista tem como marco inicial de sua carreira a exposição “Como vai você, Geração 80?”, realizada em 1984, no Parque Lage.

“O conjunto destas duas exposições mostra meu olhar dentro de um acervo brasileiro, que é a minha origem, e, paralelamente, o meu percurso de 40 anos como artista plástica. São dois conjuntos de sensibilidades, com comunicações e pontes entre eles. Foi uma experiência muito rica ver esse diálogo”, avalia Cristine Canale,

Em exibição até 17 de novembro.

Panmela Castro no MAR

06/ago

Panmela Castro abre exposição individual no Museu de Arte do Rio. Pela primeira vez, a artista apresentará exposição totalmente participativa, que se inicia em processo e, através de performances e ações, será construída com o público. A exposição “Ideias radicais sobre o amor”, da carioca Panmela Castro, será inaugurada no dia 09 de agosto. Com mais de 20 anos de trajetória, a artista apresentará uma exposição tendo como fio condutor a ideia da psicologia que fala sobre a necessidade de pertencimento como impulso vital dos seres humanos. Com curadoria de Daniela Labra e assistência curatorial de Maybel Sulamita, serão apresentadas 17 obras, sendo 10 inéditas, entre performances, fotografias, pinturas, esculturas e vídeos, que exploram questões como afetividade, solidão, visibilidade, empoderamento, autocuidado e memórias.

“Essa individual de Panmela Castro permite ao público conhecer muitas facetas de sua linguagem interdisciplinar. Seu trabalho navega por diferentes mídias e suportes de um modo único, reunindo questões estéticas, afetivas e ativistas em uma obra que é fundamentalmente performática e processual. A exposição no MAR traz obras inéditas e versões de outras já existentes, formando um ambiente lúdico, instigante e transformador”, afirma a curadora Daniela Labra.

A exposição irá se construir através de performances, ações e participações do público, que acontecerão ao longo do período da mostra. “Todas as obras de alguma forma precisam do outro para existir ou se completar, é uma exposição que começa em construção”, ressalta Panmela Castro. A exposição será inaugurada com três telas em branco da série “Vigília no Museu”, que serão pintadas quando o museu estiver fechado ao público. Em forma de vigílias dentro do MAR durante a noite, a artista se encontrará com pessoas para retratá-las. Um conjunto com 50 fotografias com registros da série “Vigília” também fará parte da mostra.

A exposição conta, ainda, com obras inéditas nas quais o público é convidado a participar. Na obra “Chá das Cinco”, por exemplo, o público é convidado a tomar um chá e compartilhar conselhos com outros visitantes da exposição através de bilhetes deixados debaixo do pires. Já em “Vestido Siamês”, duas pessoas poderão vestir, ao mesmo tempo, um grande vestido rosa feito em filó. Além disso, o público será convidado a trazer batons para a obra “Coleção de Batons” e objetos para deixar em um casulo, que serão transformados em esculturas pela artista. Esses objetos, que podem trazer memórias boas ou ruins, serão ressignificados e eternizados pela arte.

Inspirada nos tradicionais jogos arcade (fliperama), a obra “Luta no Museu” será um jogo para o público, no qual os lutadores são os artistas Allan Weber, Anarkia Boladona, Elian Almeida, Priscila Rooxo, Vivian Caccuri e Rafa Bqueer. Os cenários retratados são o Museu de Arte do Rio, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. A artista propõe o jogo como uma brincadeira de luta entre artistas, onde o vencedor expõe sua obra no museu. Completando as obras inéditas, estará o vídeo “Stories”, uma coleção de pequenos vídeos publicados no Instagram da artista (@panmelacastro), que convidam o público a fazer parte das diferentes situações de sua vida e de seu processo artístico.

Além dos trabalhos inéditos, obras icônicas da artista também farão parte da exposição, como “Biscoito da sorte” (2021), que traz os tradicionais biscoitos japoneses com mensagens feministas criadas pela artista; “Bíblia feminista” (2021), na qual o público poderá escrever ideias que guiem a emancipação e a luta por direitos das mulheres cis e trans, e “Consagrada” (2021), fotoperformance na qual a artista aparece com o peito rasgado com esta escarificação, fazendo uma crítica à forma como o mercado de arte elege seus personagens.

“Não surpreende que Panmela hoje seja respeitada internacionalmente, tanto pela inventividade de sua arte quanto pela postura em relação a assuntos como violência de gênero de diversos tipos. Esse tema há anos a estimula a criar ações artísticas, pinturas, objetos e também desenvolver um trabalho de cunho pedagógico e político através de sua organização que usa as artes para promover direitos, principalmente o enfrentamento à violência doméstica, a Rede NAMI”, diz a curadora Daniela Labra.

Completam a mostra, quatro performances que a artista fará ao longo do período da exposição. No dia 17 de agosto, será realizada “Culto contra os embustes” (2020), um ritual onde a autoestima e a energia vital são usadas para afastar indivíduos malévolos da vida de cada participante. No dia 28 de setembro, será a vez de “Honra ao mérito” (2023), realizada na I Bienal das Amazônias, que aborda a falta de reconhecimento das mulheres e propõe uma cerimônia onde medalhas são concedidas ao público feminino, como forma de valorizar seus talentos e ações dignas de destaque. “É uma reparação histórica”, afirma Panmela Castro. No dia 05 de outubro, será a vez da performance inédita “Revanche” (2019), na qual a artista confronta as imposições do feminino compulsório, convidando o público a apreciar o momento de um acerto de contas com o urso de 4 metros de altura que estará na mostra. Já no dia 12 de outubro, será realizada “Ruptura” (2015), na qual a artista se desfaz de uma espécie de “caricatura da feminilidade”, abrindo espaço para discussões mais amplas sobre gênero e alteridade. Todas as obras de performances serão registradas e terão seus vídeos exibidos na exposição.

Até 24 de novembro.

Sobre a artista

Panmela Castro vive e trabalha no Rio de Janeiro e em São Paulo. Artista visual cuja prática artística é movida por relações de afeto e alteridade. Com base na ideia de “Deriva Afetiva”, ela propõe o acaso como o sujeito de uma busca incessante por um sentido de pertencimento. A partir do pensamento da performance, a sua produção artística converge em trabalhos que permeiam a pintura, a escultura, a instalação, o vídeo e a fotografia. Panmela Castro é graduada em pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007), possui mestrado em Processos Artísticos Contemporâneos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011) e é pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade e Cidadania Global na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2023). Seu trabalho faz parte de coleções internacionais, incluindo o Stedelijk Museum e o ICA Miami, assim como importantes coleções no Brasil, como o Instituto Inhotim, MASP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Nacional de Belas Artes e Museu de Arte do Rio. Ativista social e protagonista da quarta onda feminista, segundo Heloisa Buarque de Holanda no seu livro “Explosão Feminista”, Panmela Castro é fundadora da organização sem fins lucrativos Rede NAMI. Desenvolve um trabalho de base na promoção dos direitos das mulheres e de enfrentamento à violência doméstica, tendo atingido mais de 200.000 pessoas na última década. Por seus esforços na área de direitos humanos, ela recebeu inúmeros prêmios, incluindo ser nomeada Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial, o DVF Awards, e estar listada pela prestigiada revista americana Newsweek como uma das 150 mulheres corajosas que estão mudando o mundo.

Sobre o Museu de Arte do Rio

O MAR é um museu da Prefeitura do Rio e a sua concepção é fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação Roberto Marinho. Em janeiro de 2021, o Museu de Arte do Rio passou a ser gerido pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) que, em cooperação com a Secretaria Municipal de Cultura, tem apoiado as programações expositivas e educativas do MAR por meio da realização de um conjunto amplo de atividades. A OEI é um organismo internacional de cooperação que tem na cultura, na educação e na ciência os seus mandatos institucionais. “O Museu de Arte do Rio, para a OEI, representa um espaço de fortalecimento do acesso à cultura, ao ensino e à pluralidade intimamente relacionado com o território ao qual está inserido. Além de contribuir para a formação nas artes e na educação, tendo no Rio de Janeiro, com sua história e suas expressões, a matéria-prima para o nosso trabalho”, comenta Leonardo Barchini, diretor da OEI no Brasil. Em 2024, a OEI e o Instituto Arte Cidadania (IAC) celebraram a parceria com o intuito de fortalecer as ações desenvolvidas no museu, conjugando esforços e revigorando o impacto cultural e educativo do MAR, a partir de quando o IAC passa a auxiliar na correalização da programação. O MAR tem o Instituto Cultural Vale como mantenedor, a Equinor e a Globo como patrocinadores master e o Itaú Unibanco como patrocinador. São os parceiros de mídia do MAR: a Globo e o Canal Curta. A Machado Meyer Advogados e a Wilson Sons também apoiam o MAR. O MAR conta ainda com o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, do Ministério da Cultura e do Governo Federal do Brasil, também via Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Carmela Gross na Fundação Iberê Camargo

01/ago

Denominada de “Boca do Inferno”, série de monotipias produzidas por Carmela Gross no Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, entrará em exibição a partir do dia 10 de agosto. Destaque da 34ª Bienal de São Paulo, a obra composta por 160 imagens foi escolhida para a primeira exposição individual da artista na Fundação Iberê Camargo.

Entre 2017 e 2018, a artista colecionou diversas fotos de vulcões publicadas em jornais e livros. A partir dessas imagens, ela desenvolveu a visualidade de cada uma, utilizando operações digitais para ampliar, recortar e simplificar suas formas em manchas compactas em preto e branco. Isso serviu de base para um exercício diário de reprodução dessa visualidade por meio de desenhos a nanquim e lápis sobre papel.

Com esses esboços em mãos, em 2019, Carmela Gross escolheu o Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo para uma imersão de duas semanas nos processos gráficos da monotipia, com a colaboração do artista e impressor Eduardo Haesbaert. Durante esse período, desenvolveu centenas de trabalhos: manchas escuras de tinta que seriam impressas sobre papel e seda, remetendo à ideia de uma grande explosão. “As formas de vulcão têm uma concentração na forma e no gesto dela, do traço, que deixa aquilo pulsante, parecendo que vai explodir”, recorda Eduardo Haesbaert, que foi impressor de Iberê Camargo nos últimos quatro anos de vida e produção do pintor.

Esse processo no Ateliê de Gravura ainda estava em andamento quando os curadores da 34ª Bienal de São Paulo, Paulo Miyada e Jacopo Crivelli Visconti, convidaram a artista para expor os trabalhos na Bienal. “Cento e sessenta vezes, Carmela Gross repete esse ciclo. A cada vez, uma nova erupção, uma nova silhueta, uma nova densidade do pigmento. Cada uma não é necessariamente melhor ou pior que a anterior. Com o acúmulo do fazer, entretanto, o movimento se desvencilha da tendência ao triângulo escaleno, adquirida no desenho repetido dos vulcões. A mancha se torna mais e mais uma mancha, conforme a artista insiste em seu labor. De tanto ser mancha, entretanto, torna-se também pedregulho, meteorito, buraco, tumor”, escreveu Paulo Miyada.

Agora, Carmela Gross apresenta integralmente as monotipias da série. A obra evoca o desabafo e a crítica social feroz do poeta baiano Gregório de Matos, conhecido como “Boca do Inferno”, no século XVII. Portanto, “Boca do Inferno” representa o produto de um processo poético de apreensão e elaboração, remetendo às ideias de vulcão, explosão e impacto, gerando uma verdadeira erupção visual.

“As obras de Carmela Gross parecem ser um exercício premonitório dos tristes acontecimentos recentes em nossa região. Vulcões, em vez das águas que também nos trouxeram destruição, como um retrato em negativo”, destaca Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê Camargo, que precisou rever o cronograma de exposições devido à tragédia climática no Rio Grande do Sul: “Boca do Inferno” estava prevista para início de junho, mas Porto Alegre ainda não estava pronta para abrir algumas de suas instituições, nem mesmo para receber visitantes. Tudo havia sido tomado pelas águas, como uma lava”.

A exposição ocupará o terceiro andar da Fundação Iberê Camargo até o dia 17 de novembro.

A escrita automática de Mirela Cabral

O Paço Imperial apresenta a primeira mostra individual de Mirela Cabral no Rio de Janeiro, sob curadoria da crítica Ligia Canongia, com abertura, no dia 03 de agosto. Intitulada “Olhos cheios”, a exposição ocupa três salas do Paço (Trono, Dossel e Amarela), com 20 pinturas, 17 sobre tela e três sobre papel, todas dos anos 2020. Mirela Cabral se considera autodidata nas artes visuais, embora tenha frequentado diversos cursos. O conjunto inédito que a artista mostra agora é de pintura abstrata, mas nem sempre foi assim. No início, Mirela Canral pintava figurativo.

“Explodi a figura e ela se tornou paisagem, para ganhar mais pluralidade, mais rítmica e melhor negociação com o espaço”, revela Mirela.

Sua relação com o suporte é original: pinta a mesma tela em várias posições, porque “sempre penso nas bordas, se o trabalho funciona em todos os sentidos”, diz ela. A artista também consegue trabalhar em várias pinturas simultaneamente, gosta de sentir que uma contamina a outra, enquanto alguma chama mais à finalização.

Memória e rotina

Mirela leva para a tela o que está no seu caminho, a observação diária dos cantos, da arquitetura do ateliê, da rua, as experiências cotidianas, a pesquisa, e trava, em sequência, um embate com a própria matéria.

No passado, a artista fotografava recortes de paisagem para transportar para a pintura. Hoje faz marcas na superfície pictórica com carvão “para esvaziar a mente e não tornar a tela branca tão intimidadora”, como ela desabafa. Atualmente, evita fotografar para se submeter ao resíduo da memória, do que ecoa no pensamento, para transferir em imagem.

O que Mirela deseja entregar ao espectador são pistas, gestos sugestivos a cenas, sem afirmar permanências e sem compromisso com a representação fiel. “Quero mostrar o acúmulo de pistas para o observador encontrar o percurso da pintura na própria pintura”, ela sugere.

A crítica de arte Ligia Canongia, atesta, no texto inédito sobre a exposição, que “A pluralidade de gestos sucessivos e simultâneos, a diluição das formas e o relacionamento convulsivo das cores fazem dessa pintura uma verdadeira escrita automática, um complexo de planos justapostos, que jamais se estabilizam na superfície e que parecem se mover continuamente ao nosso olhar”.

Sobre o que permanece desde que começou a pintar, Mirela conta que o tempo de ateliê, a rotina diária seguida fielmente e a bidimensionalidade são suas aliadas mais constantes.

Sobre a artista

Participou de mostras individuais, coletivas e feiras Mirela Cabral (1992) nasceu em Salvador, foi criada em São Paulo, onde mora e trabalha. Dedica-se inteiramente às artes visuais. Em 2023, realizou a exibição individual “Coisas Primeiras”, na Paulo Darzé Galeria, em Salvador, Bahia, e “Between Handrails”, no Kupfer Project, em Londres, Inglaterra, sob curadoria de Penelope Kupfer. Ainda no ano passado, participou da coletiva “Acordes”, no Espaço Largo das Artes, e da SP Arte, com a galeria Portas Vilaseca. Com a galeria Kogan Amaro, esteve na SP Arte de 2020, 2021 e 2022, e fez uma individual na Kogan Amaro de Zurique, Suíça, e outra mostra solo na Kogan Amaro de São Paulo, com curadoria de Agnaldo Farias, ambas em 2021. Entre 2018 e 2020, participou da ArtRio, da Feira Latitude, da Feira Parte, na Galeria Emma Thomas, sob curadoria de Ricardo Resende, entre outras coletivas. Mirela Cabral tem trabalhos nas coleções do Museu FAMA, Itu, São Paulo, e na Yuan Art Collection, de Lucerna, Suíça. Frequentou programas de arte na Parsons Paris, na Academia de Cinema de Nova York (NYFA) e na Universidade da Califórnia (UCLA). Paralelamente graduou-se em Comunicação Social, com habilitação em Cinema, pela Fundação Armando Alvares Penteado (SP).

Com o patrocínio de Paulo Darzé Galeria, “Olhos cheios” ficará em cartaz até 20 de outubro.