Outra visão do Brasil do século XIX

19/maio

 

 

Johann Moritz Rugendas, Emil Bauch, Thomas Ender, Friedrich Hagedorn, Eduard Hildebrandt e Augusto Müller são alguns dos artistas e cientistas germânicos que registraram a paisagem humana e natural do país

 

 

Em 1999, o casal Maria Cecília (1922-2014) e Paulo Geyer (1921-2004) doou ao Museu Imperial, em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, sua coleção de arte e a casa que a abriga, no bairro carioca do Cosme Velho. Em 2014, a Coleção Geyer foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tornando-se Patrimônio Cultural do Brasil. O conjunto era considerado a maior brasiliana em mãos particulares do país.

 

 

A partir desta coleção preciosa de 4.255 pinturas, gravuras, desenhos, mapas, livros de viagem e objetos, os curadores Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu Imperial, e o historiador de arte Rafael Cardoso selecionaram 200 obras, para reconstituir parte da contribuição germânica (alemães, austríacos e suíços) à formação cultural do Brasil do século XIX, completada por peças do acervo do Museu Imperial e itens emprestados da coleção particular de Flávia e  Frank Abubakir. Nasceu, assim, a mostra “O Olhar Germânico na Gênese do Brasil”, em cartaz a partir de sábado, 21 de maio, no Museu Imperial, sob patrocínio da Unipar, através da Lei de Incentivo à Cultura.

 

 

“Ao contrário do que preconiza o senso comum, que costuma enfatizar a relação com a França, a participação de artistas de língua alemã foi intensa e constante ao longo do século XIX. A exposição recupera o legado desses artistas através das obras de Thomas Ender, J.M. Rugendas, barão de Löwenstern, Ferdinand Pettrich, Augusto Müller, Friedrich Hagedorn, Eduard Hildebrandt, Franz Keller, Ernst Papf, Emil Bauch, entre outros, oferecendo uma visão nova e vibrante do Brasil numa época formativa para a ideia da nacionalidade”,  declara a curadoria.

 

 

Cena política internacional

 

 

Foi depois da derrota de Napoleão Bonaparte que o Império Austríaco e o Império Português, então sediado no Rio de Janeiro, começaram a firmar uma aliança estratégica – expressada pelo casamento do príncipe D. Pedro de Alcântara com a arquiduquesa Leopoldina, filha do imperador austríaco Francisco I, em 1817. A comitiva que acompanhou a futura imperatriz em sua vinda ao Brasil incluiu os naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, incumbidos pela Academia de Ciências da Baviera de realizarem longa viagem de pesquisa pelo país. Trocas efetivas se ampliaram a partir de então.

 

 

A exposição

 

 

“O Olhar Germânico na Gênese do Brasil” está dividida em núcleos que contemplam os temas: Rio de Janeiro à vista – pinturas de paisagem com temática do RJ; Retratos da vida da corte – retratos de notáveis do Império; Olhar a gente brasileira – obras com figuras anônimas, a maioria aquarelas e desenhos; Imaginar o Brasil – livros e estampas litográficas relacionadas a vistas e viagens pelo país, e O olhar do colecionador, instalação com imagens e objetos da Casa Geyer.

 

 

Rio de Janeiro à vista

 

 

Com a abertura dos portos em 1808, passaram a circular pelo mundo marcos paisagísticos do Rio de Janeiro, como Corcovado, Pão de Açúcar, Igreja da Glória e Morro do Castelo, em pinturas e litografias. Esta internacionalização propiciou trânsito comercial, diplomático, científico e a vinda de artistas, atraídos pela natureza deslumbrante do novo país. Muitos vinham de países de língua alemã. Neste núcleo está a contribuição destes artistas à formação de uma iconografia da cidade. A onipresença da escravidão não escapou à atenção dos pintores.

 

 

Retratos da vida da corte

 

 

A concessão de títulos nobiliárquicos e honrarias servia para confirmar o status social e econômico. Os contemplados iam da família imperial a súditos anônimos e duques, marqueses, condes, viscondes, barões, comendadores e dignatário de ordens imperiais. Neste segmento estão retratos pintados de notáveis. Eles exerceram a função de dar visibilidade à posição social do retratado. O mercado local se tornou atraente para artistas estrangeiros especializados em retratos. E eles vieram para o Brasil.

 

 

Olhar a gente brasileira

 

 

Os artistas do século XIX registraram o cotidiano de uma sociedade ainda afundada nas relações perversas com a escravidão. A massa escravizada, presente na paisagem humana, está retratada nos trabalhos deste núcleo. A estranheza do cenário aos olhos dos artistas estrangeiros os moveu a chamar a atenção do mundo para a situação dos escravos, que a sociedade fingia ignorar.

 

 

Imaginar o Brasil

 

 

A circulação internacional de livros, estampas, panoramas e álbuns de vistas deste segmento evidenciou a contraposição entre uma Europa civilizada e o suposto exotismo do resto do mundo. O imaginário que se formou da natureza tropical, selvagem e indomável, passou a confrontar uma ideia de domesticidade e civilidade como marcas de pertencimento cultural. O olhar estrangeiro oferecia uma lente para os brasileiros que quisessem enxergar a imensidão do Brasil.

 

 

O olhar do colecionador

 

 

Maria Cecilia e Paulo Geyer passaram quatro décadas a coletar, em casas de leilões mundo afora, pinturas, gravuras, desenhos, mapas, livros de viagem e objetos de arte para criar a Coleção Geyer.  A doação integral do conjunto e da casa que o abriga a uma instituição pública (Museu Imperial) é um exemplo de caráter social e merece ser sempre festejada. Esta sala se dedica a invocar o espírito do casal de filantropos e recordar um ambiente da casa em que viveram durante tantos anos no Rio de Janeiro.

 

 

Homenagem a Petrópolis

 

 

Completam a mostra objetos produzidos por artistas germânicos radicados em Petrópolis, como as esculturas de madeira de Carlos Spangenberg –  suas bengalas eram apreciadas por D. Pedro II. Copos e pesos de papel de vidro e cristal lapidados por Henrique e Guilherme Sieber, eram os souvenirs mais procurados pelos que visitavam Petrópolis. As peças destes artistas e mais as pinturas de Karl Ernest Papf e de Friedrich Hagedorn, pertencentes à coleção do Museu Imperial, estarão lado a lado com itens da Coleção Geyer, como paisagens da cidade serrana e seus arredores. É uma homenagem da curadoria a Petrópolis, tão afetada pelas chuvas recentes.

 

 

Patrocínio

 

 

“O Olhar Germânico na Gênese do Brasil” tem patrocínio, através da Lei de Incentivo Fiscal, da Unipar, hoje fabricante de cloro, soda e PVC, cuja origem, a Refinaria União, foi fundada por Alberto Soares de Sampaio, pai de Maria Cecília Geyer, como refinaria de petróleo. Seu genro Paulo Geyer se tornou sócio de Alberto neste negócio. Após a morte de Geyer em 2004, seu neto Frank Geyer Abubakir entrou para o conselho da empresa, representando os herdeiros. Em 2008, Frank se tornou chairman e atualmente é presidente do conselho da Unipar.

 

 

O centenário de Krajcberg

 

 

Para celebrar o centenário de nascimento de Frans Krajcberg (1921-2017), o Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE), Jardim Europa, São Paulo, SP,  abriu uma exposição histórica e antológica com cerca de 160 obras do artista. A exposição, gratuita e com curadoria de Diego Matos, fica em cartaz até o dia 31 de julho.

 

 

A mostra “Frans Krajcberg: por uma Arquitetura da Natureza” é feita em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia (IPAC) e contará com obras vindas de lugares como o Sítio Natura, em Nova Viçosa (BA), onde o artista realizou grande parte de sua produção. Também compõem a exposição obras de coleções privadas e de museus.

 

 

Nascido na Polônia, Krajcberg se naturalizou brasileiro e foi escultor, pintor, gravador e fotógrafo. Seu trabalho é muito centrado na exploração de elementos da natureza e no ativismo ecológico, associando arte e defesa do meio ambiente: suas esculturas, por exemplo, se caracterizam pelo uso de troncos e raízes carbonizadas recolhidas em desmatamentos e queimadas.

 

 

A exposição vai marcar o início dos trabalhos de preservação, conservação e divulgação do acervo e do Sítio Natura, onde ele vivia, e que foram doados pelo artista ao governo da Bahia. “Nossa equipe passou 16 dias em Nova Viçosa colaborando com a equipe do IPAC na realização dos trabalhos de catalogação e recuperação das obras de Krajcberg e do Sítio Natura. Foram mais de 40 pessoas envolvidas, muitas da própria região, nesse grande esforço coletivo pela preservação deste importante acervo”, disse Flavia Velloso, presidente do MuBE.

 

 

Krajcberg já foi tema do programa Expedições, da TV Brasil, que pode ser visto na internet. Em um trecho do programa, o artista definiu seu trabalho como um grito da natureza. “A minha vida é essa: gritar cada vez mais alto contra esse barbarismo que o homem pratica”, disse.

 

 

Fonte: Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil – São Paulo

 

Waltercio Caldas, exposição na Raquel Arnaud, SP

12/maio

 

 

A Galeria Raquel Arnaud, Vila Madalena, São Paulo, SP, apresenta até o dia 18 de junho a exposição “O estado das coisas”, individual de Waltercio Caldas com apresentação do crítico de arte Paulo Sergio Duarte.

 

 

Arte política e política da arte

 

 

Na época que vivemos, e não por acaso, a política contamina a arte mais do que qualquer variante do vírus durante a pandemia. Não faltam razões para isso: razões étnicas, de gênero, fascismo pelo mundo afora e tantas outras. A história da arte está carregada de grandes exemplos de arte política. A morte de Marat, 1793, de David; A Liberdade conduzindo o povo, 1830, de Delacroix; e, antes desta, A jangada da Medusa, 1818-1819, de Géricault; pela primeira vez, um bando de personagens anônimos, marinheiros náufragos, foram retratados em alto-mar numa tela cuja escala estava reservada para grandes eventos históricos, batalhas, coroações de monarcas e outros. Ela mede 491 por 716 centímetros. O artista tomou conhecimento do naufrágio por uma notícia de jornal dois anos antes, um fait divers. Quando os sobreviventes chegaram à terra, contaram suas agruras – até se alimentaram da carne do corpo de companheiros mortos –, e Géricault se motivou. Guernica, 1937, de Picasso, fica como o momento mais elevado da arte política do século XX. Mas nenhuma dessas obras estaria na história da arte pelas suas motivações políticas externas; estão lá porque, cada uma a seu modo, contribuíram para modificar a linguagem da arte de seu tempo: esta, a política da arte.

 

 

Na exposição O Estado das Coisas, de Waltercio Caldas, temos inúmeros exemplos da experiência política em obras com experimentos inéditos na longa trajetória do artista. E não são poucas as surpresas. O modo como conjuga pintura e escultura numa mesma peça é uma delas. Há um jogo e este é dado pela linguagem, a única política estritamente artística passível de ser praticada no interior da obra de arte: a transformação da linguagem, aquela política que não está presente em praças ou manifestações, mas que clama por novas experiências de percepção.

 

 

Examine-se três dessas demonstrações.

 

 

Observe-se Mondrian em casa. Duas reproduções de Mondrian sobre papel estão dispostas diante de nossos olhos, de dimensões diferentes. Dependendo da distância que tomamos, exige um certo estrabismo, a distância que os separa dilata o espaço pela simples presença. A intervenção do elástico esticado traz uma sutil ironia. Sabe-se que no final de 1919, início de 1920, Mondrian começou suas grades, sempre ortogonais; o elástico traça uma diagonal, além de projetar-se em volume para sustentar um copo que se apoia num simulacro de mesa; ao se estender para o copo, soma três diagonais. Além da curva que contorna o volume do copo. Essas transgressões e transformações em relação à obra que se encontra presente no título, sempre sutis e rigorosas, nos ensinam: não há política da arte sem experiências de linguagem.

 

 

Não existe arte contemporânea que não seja experimental. Sabemos disso desde Adorno e sua Teoria Estética. Mas existe algo em Waltercio Caldas, além do experimentalismo: um ascetismo que não se confunde com aquele da Minimal Art, trata-se de uma economia que não é avessa ao campo semântico, à polissemia. Isso estimula a experiência da obra.

 

 

Em Acústica II, o exercício sobre o negro domina a cena, apesar da presença sutil do vermelho e do amarelo. De novo, para quem tem memória, a história da arte se infiltra. Como não lembrar o Quadrado negro, 1916, de Malevich, os anos de pinturas negras de Ad Reinhardt e, pela tela à esquerda, Soulages. Nesta, como em todas as obras desta exposição, é preciso não ver alegorias no sentido tradicional do termo. Não há imagens substituindo narrativas. Existe, sim, associação de ideias, mas não aquela freudiana, a associação livre da situação psicanalítica. Aqui as associações de ideias são induzidas pelas obras com a possibilidade da multiplicação de sentidos na apreensão subjetiva de seus significados.

 

 

Caravaggio pode servir de síntese de tudo que acima foi dito. Não existe referência à vida atribulada do artista que dá título ao trabalho. Sabemos de seus duelos, de suas múltiplas prisões, de seu exílio, de sua vida curta – morreu aos 38 anos, em morte controversa. Nada disso está presente no Caravaggio desta exposição, certamente não é uma alegoria. O que interessa é que o artista pioneiro do que viria a ser o Barroco ficou na história da arte não por esses fatos, mas por ter dominado o chiaroscuro como nenhum outro havia feito anteriormente. E é esse que está presente, com seu nome grafado escultoricamente, na pintura-escultura de Waltercio Caldas. Os exercícios nas duas pinturas, a maior verde-escura e a menor vermelho-escura, apesar das diferentes dimensões, são similares: enunciam duas regiões separadas por uma curva. As regiões se distinguem habilmente, o vermelho e o verde mais escuros seguem em direção a apenas um pouco, apenas um pouco mesmo, mais claro. Observem que a verde, maior, é pintada sobre uma tela bem menos espessa que a menor, vermelha. Mas as pinturas estão conversando com outros elementos escultóricos. São elementos dourados que interferem sobre a visão da pintura verde e deixam a vermelha livre, e ao mesmo tempo constroem uma profundidade. Estabelecem um limite físico de aproximação. Vamos rever Caravaggio de outro modo de agora em diante. Temos entre nós um Caravaggio nosso contemporâneo.

 

 

Essa é a política da arte, diferente da arte política.

Paulo Sergio Duarte, abril de 2022.

 

 

Centenário e Bicentenário

02/maio

 

 

O Centenário do museu e bicentenário da Independência do Brasil marcam o Plano Anual do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, RJ. A exposição “Rio 1922” e o livro “Histórias do Brasil em 100 objetos” fazem parte das ações programadas pelo museu até o final do ano.

 

 

O ano de 2022 traz boas razões para o Museu Histórico Nacional (MHN) comemorar: além de completar 100 anos de criação, este ano também marca o bicentenário da Independência do Brasil. Com o apoio da Associação dos Amigos do Museu Histórico Nacional (AAMHN) e gestão da produtora Artepadilla, o Plano Anual do MHN teve o patrocínio renovado pelo Instituto Cultural Vale, com recurso via Lei Federal de Incentivo à Cultura.

 

 

Centenário do MHN

 

 

No Dia Internacional de Museus, 18 de maio, está programada a abertura da exposição “Rio 1922”, que leva o público à cidade do Rio de Janeiro de 100 anos atrás, quando foi criado o Museu Histórico Nacional no âmbito da Exposição Internacional do Centenário da Independência. Resultado de uma curadoria colaborativa, a exposição resgata a memória da então capital da República em um ano-chave para a história brasileira. Pinturas, fotografias, objetos, peças de vestuário e mobiliário de época buscam dar o tom de como se vivia na cidade e os desafios do período.

 

 

Destacam-se na exposição as reformas urbanas no Rio, como o desmonte do Morro do Castelo para a construção dos pavilhões da exposição de 1922 – uma das reformas mais controversas e até hoje discutidas -, além da criação do museu pelo presidente Epitácio Pessoa em um contexto de dificuldades econômicas e transformações sociais no país. Com previsão de ficar seis meses em cartaz, a exposição “Rio 1922” se desdobrará em uma nova exposição, que fará a ponte entre os anos de 1922 e 2022, por meio de uma dezena de itens do acervo do MHN.

 

 

Ainda no marco de seu centenário, está em andamento a reformulação de “Oreretama”, módulo que abre a exposição de longa duração do MHN, dedicado à cultura dos povos originários antes da chegada dos portugueses. A reformulação está sendo realizada por núcleos técnicos do museu com o apoio de consultores externos, e vai apresentar ao público uma narrativa atualizada, com uma expografia acessível e em diálogo com a sociedade.

 

 

Bicentenário da Independência

 

 

Em homenagem ao bicentenário da Independência do Brasil, será lançado o livro “Histórias do Brasil em 100 objetos”. As peças de acervo do MHN são abordadas, de forma acessível, por pesquisadores e especialistas sob diferentes perspectivas, em uma edição ilustrada e com tiragem de mil exemplares. Além destas ações, a prorrogação, até 29 de abril, da exposição “Terra à vista e Pé na Lua”, que homenageia os 90 anos de Ziraldo, e o lançamento do catálogo digital da mostra também fazem parte das ações do Plano Anual 2022 já em andamento.

 

 

“Com o Plano Anual 2022, o Museu Histórico Nacional realizará atividades de grande relevância no ano em que completa 100 anos, reafirmando assim seu protagonismo no campo dos museus brasileiros”, aponta a historiadora Aline Montenegro, diretora substituta do MHN. “O Instituto Cultural Vale estará, uma vez mais, apoiando as ações do MHN em um ano especial, com a celebração do seu centenário e as comemorações do bicentenário da independência do Brasil”, afirma Hugo Barreto, diretor-presidente do Instituto Cultural Vale. “Para nós, é especialmente significativo celebrar estes marcos, que aproximam os diversos públicos da nossa história e tornam a experiência de conviver e aprender em um museu ainda mais prazerosa”.

 

 

Sobre o MHN

 

 

O Museu Histórico Nacional (MHN) é um museu dedicado à história do Brasil. Localizado no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro (RJ), foi criado no ano de 1922, pelo então presidente Epitácio Pessoa (1865-1942), como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Unidade museológica integrada à estrutura do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia do Ministério do Turismo, o MHN possui um acervo constituído por mais de 300 mil itens arquivísticos, bibliográficos e museológicos. Suas galerias de exposição abrangem desde o período pré-cabralino até a história contemporânea do país. O espaço expositivo faz parte de um conjunto arquitetônico que se distribui por uma área de 14 mil m², à qual se somam os mais de 3 mil m² de pátios internos. O museu conta, ainda, com galerias para exposições temporárias e loja de souvenirs. Comprometido em apresentar da melhor forma possível suas coleções ao maior número de pessoas, o MHN atende escolas públicas e privadas, bem como visitantes em geral em visitas mediadas especiais.

 

 

Quatro artistas

17/mar

 

 

Quatro artistas, sob a curadoria de Sonia Salcedo del Castillo, inauguram coletiva na Galeria Patricia Costa, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ. A partir do dia 24 de março Ana Durães, Ana Luiza Rego, Monica Barki e Nelly Gutmacher expõem seus trabalhos. A coletiva “As – Durães Rego Barki Gutmacher” apresenta pinturas, fotografia e objetos pictóricos no novo espaço da galeria, que dobrou de tamanho e agora ocupa 160m².

Sonia Salcedo del Castillo assinala que:

“No conjunto exposto há uma pulsão léxica, de convivialidade, que é ulterior à retórica feminina. Trata-se de uma dinâmica, possivelmente, legada de experimentações empreendidas entre as décadas de 60-80, da performance ao conceitual, passando pela ideia de objetualidade que nos conduz à percepção de certa carnalidade corpórea, quiçá emprestada da pintura. Sensualidade de corpos, curvas e formas sinuosas, de frestas ambíguas e imagens oníricas… de fragmentos míticos, ancestrais, eróticos, naturais…”.

“Isso se expressa na volúpia da arqueologia escultórica dos objetos de Nelly, na luminosidade pictórica dos planos arbóreos de Durães, na dramaturgia das imagens viris ensaiadas por Barki, na mítica pictural de vazios e cores construída por Rego.”.

 

Sobre as obras e as artistas

A paisagem, a presença de árvores e a natureza integram o campo narrativo que Ana Durães instala nas suas pinturas, fruto de uma pesquisa já realizada há alguns anos. Na coletiva, as pinturas apresentadas fazem parte da grande série “Natureza Alterada”, resultantes de um trabalho realizado a partir da vegetação observada em suas incursões pelo interior do Brasil. Segundo a artista, seria como olhar para o interior com uma visão mais profunda e investigativa.

Segundo Ana Luiza Rego, dentro de um mundo paralisado, no auge da pandemia, um coração acelerado ganhou espaço nas suas telas, como um avatar que viajava por tempos, momentos e espaços poéticos. Ele continua aí, como um pássaro que fugiu da gaiola, percorrendo sentimentos e questionamentos compondo suas “Crônicas do Devaneio”.

Monica Barki descortina o mundo fantasioso dos motéis cariocas. São ao todo três pinturas e uma fotografia da série “Desejo/Arquitetura do Secreto” (2014/2017), com performances realizadas em diversos motéis do Rio de Janeiro. Da Barra da Tijuca a São Gonçalo, passando por Botafogo, Lapa, Glória e Avenida Brasil, a artista frequentou as mais diversas suítes captando imagens com sua câmera. Na maioria das vezes, Barki age como protagonista da obra, elaborando e executando as ações. Ela cria nos quartos uma atmosfera quente, sensual e convidativa, utilizando a superposição de imagens, jogos de espelhos, máscaras, luzes, janelas, objetos eróticos e instrumentos de prazer.

Ao empregar seu próprio corpo para a moldagem inicial em gesso, que depois será transformada em cerâmica, Nelly Gutmacher pesquisa esta linguagem do corpo, linguagem não discursiva. Age um pouco como o médico legista que disseca as partes do corpo para melhor conhecê-lo: seios, ancas, ventre, pele, tímpano, hímen. E não contente em isolar estes fragmentos, recolhe neles, ou com eles, a lingerie, o sutiã, a calcinha, que são atributos de sedução, segunda pele ou corpo. Erotizados pelo corpo, estes objetos-fetiches são arqueologicamente parte dele, portadores de significados. Mais: Nelly pesquisa, no corpo, os símbolos da repressão (ou da libertação): incrustações de chaves e de ornamentos.

De 25 de março a 30 de abril.

 

Curadoria de Artur Lescher

17/fev

Bernardo - Glogowski - Sublime Ordinário

A mostra intitulada “Sublime Ordinário” na CASANOVA, Jardim Paulista, São Paulo, SP, é uma coletiva proposta por Artur Lescher que reúne obras de 10 artistas que buscam o extraordinário em objetos e materiais comuns. Tecidos desfiados se tornam padrões geométricos, rebocos e retalhos de parede são expostos, livros se tornam motivos principais do debate artístico entre outros materiais familiares que são adequados de forma não natural à sua origem.

“Um aspecto importante da seleção dos trabalhos é que os artistas buscam a via de subtração. Eles retiram a matéria ao modo de um escultor, sublimando o que é comum”, menciona Lescher sobre sua curadoria. A exposição permanecerá em cartaz até o dia 19 de março, ocupando os dois andares da galeria.

Os artistas participantes são representados tanto pelas galerias integrantes do Espaço C.A.M.A. assim como artistas convidados pelo curador. São eles, Cao Guimarães, Bernardo Glogowski, Fábia Schnoor, Fernando Laszlo, Ignacio Gatica, Lucas Dupin, Manoela Medeiros, Marina Weffort, Martin Derner e Sofia Caesar.

 

Mestre Didi na Simões de Assis, SP

16/fev

 

 

A Simões de Assis apresenta, em parceria com Graham Steele, a individual “Mestre Didi: Panteão da Terra”, em seu espaço em São Paulo.

Mestre Didi, emergência mítica – olhar universal
Didi é um sacerdote-artista.
Expressa, através de criações estéticas, arraigada intimidade com seu universo existencial onde ancestralidade e visão de mundo africanas se fundem com sua experiência de vida baiana. Tradição e contemporaneidade, civilizações replantadas e recriadas. “Evoluir sem perder a essência”, nas suas próprias palavras. Completamente integrado com o universo nagô de origem iorubana, revela em sua obra sua inspiração mítica, formal, material. A linguagem nagô com a qual se expressa é um discurso sobre a experiência do sagrado.
Mestre Didi absorveu o significado das múltiplas relações do homem com seu meio ético, social e cósmico, assimilando esses valores e modos desde sua infância. Iniciado aos 8 anos de idade, conviveu com grandes mestres africanos e desenvolveu sua vida iniciática e gosto estético em bem-estruturadas comunidades nagôs.
Suas obras carregam a experiência, o hálito, a respiração dos mais antigos aos mais novos, de geração em geração. Condensando sua história pessoal e sua capacidade de transcender.
Didi veicula intencionalmente, para além de sua própria vida, a energia mítica de sua trajetória iniciática, inscrevendo-se na vertente mitológica das artes, projetando uma energia poética de caráter universal.
Esse aspecto de incorporar iniciaticamente, de transcender gerações e de expandi-las é fundamental para a compreensão da capacidade de retextualização dinâmica de seu fazer estético afro-brasileiro.
Suas obras têm o poder de tornar presente a linguagem abstrato-conceitual e emocional elaborada desde as origens pelos seus antecessores. Elas têm o poder de tornar presente os fatos passados, de restaurar e renovar a vida. Através de suas atividades e obras, Didi contribui para reconduzir e recriar todo o sistema cognitivo emocional comunitário, em relação tanto ao cosmos quanto à realidade humana.
Suas obras se inscrevem na vertente mitológica das artes, projetam uma energia poética de caráter universal. Extrapolam o tempo. Didi redimensiona sua existência de homem indivíduo inserindo-se na corrente da ancestralidade, nos constantes renascimentos perpetuados e cultuados no Panteão da Terra, lama genitora, terra molhada, fecundada.
Didi, o Assogba, sumo sacerdote do Panteon da Terra, executa objetos rituais desde sua infância e adolescência. O discurso manifesto de suas obras, constituído de formas, cores e matérias, transporta, latente, o eidos – o conhecimento vivido, a emoção, a afetividade, as elaborações profundas passadas e presentes, o conjunto de teofanias evocadas, restituindo e renovando criativamente os princípios e a linguagem de sua tradição.
Em um movimento de recriação simbólica, Didi transporta materiais e técnicas tradicionais para uma arte contemporânea, traduzindo um conhecimento mítico e universal do qual é herdeiro. Por isso seu trabalho é autêntico no sentido emocional, moral e visual, proporcionando uma profunda coerência formal a suas criações. O trabalho de Didi é tradicional e novo.
Discorrer sobre Didi e sua criatividade estética implica discorrer sobre a arte afro-brasileira, implica abrir um leque epistemológico sobre a tradição, o religare, a visão de mundo da qual ele emerge e faz parte indissoluvelmente. Sua trajetória e criação estética emergem e recompõem, na continuidade e na descontinuidade do Brasil, o conhecimento, o pensamento e as subjacências emocionais dos princípios inaugurais reelaborados desde épocas remotas; antes de serem formas de arte, são criações que se encarregam de significar as múltiplas relações do homem com seu meio cósmico, social e ético. O conjunto de atividades e produções de Mestre Didi contribuem para expressar e transmitir o conhecimento universal cósmico, teológico e tecnológico dos afro-brasileiros.
Discorrer sobre sua obra diz respeito não apenas ao sacerdote-artista Didi, mas implica visibilizar e discorrer sobre a cultura afro-brasileira que se manifesta e magnifica através de sua criatividade; significa abrir um leque de conhecimentos sobre a tradição, o religare, a espiritualidade, a visão de mundo, a capacidade de um povo de expressar sua origem e seu enorme potencial de diálogo; diálogo que compõe e contribui para a complexa pluralidade cultural brasileira.
Conscientizar a trajetória de Mestre Didi, Deoscoredes Maximiliano dos Santos, intelectual, sacerdote, transmissor cultural, recriador lúcido de uma arte mítica de estética contemporânea, Doutor Honoris Causa, entre inúmeros títulos e condecorações. Um afro-brasileiro de olhar universal.
As manifestações estéticas magnificando o sagrado permeiam a tradição afro-brasileira. As criações de Deoscoredes Maximiliano dos Santos, emergentes desse universo, enriquecem e singularizam o patrimônio nacional.
Juana Elbein dos Santos
1992 – Texto originalmente publicado no catálogo da exposição “O Alapini-Escultor da Ancestralidade Afro-Brasileira” em 2013 no Museu Afro Brasil, São Paulo, SP.

Palatnik em NY

07/fev

 

 

Nara Roesler tem o prazer de inaugurar seu calendário anual de exposições de 2022 com a primeira retrospectiva do artista brasileiro Abraham Palatnik (1928-2020) em Nova York. Com curadoria de Luis Pérez-Oramas, “Abraham Palatnik: o sismógrafo da cor” traz ao público uma seleção de obras que revela o papel fundamental de Palatnik para a arte brasileira da segunda metade do século XX, assim como destaca a importância e pioneirismo de sua produção na compreensão das artes visuais como campos de força (force fields), suportes de energia e dinamismo cromático. A exposição fica em cartaz na Nara Roesler Nova York de 13 de janeiro a 01 de março.
Abraham Palatnik é uma figura fundamental nas artes da América Latina. Autor dos primeiros experimentos mecânicos com movimento e cor, Palatnik conquistou uma posição pioneira entre os representantes da Op Art nas Américas e, ao longo de setenta anos de produção, firmou-se como um criador complexo que expandiu os caminhos das artes visuais ao unir em sua obra tecnologia e arte, energia e cor, função e ornamento, natureza e movimento.
Suas obras podem ser encontradas em diversas coleções ao redor do mundo, como no Museum of Modern Art, Nova York (MoMA), na Adolpho Leirner Collection of Brazilian Art, Museum of Fine Arts, Houston (MFAH); no Royal Museums of Fine Arts of Belgium, em Bruxelas; além de no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), entre outros.
Nascido no Brasil, na cidade de Natal (RN), em 1928, Abraham Palatnik mudou-se para Tel-Aviv com sua família ainda na infância, onde permaneceu até 1948. Ali formou-se como artista e engenheiro.
Entretanto, um dos fatores determinantes para o amadurecimento do artista foi sua atuação na Seção de Terapia Ocupacional do Hospital Pedro II, dirigido pela psiquiatra Nise da Silveira que, apoiada pelos ensinamentos de Carl Jung, foi uma das precursoras e grandes defensoras do potencial da arte no tratamento de pacientes psicóticos. Ao lado dos artistas Ivan Serpa e Almir Mavignier, Palatnik coordenava oficinas de pintura e artes. O impacto dessa experiência com os internos e com as imagens produzidas por eles foi tão intenso que levou Palatnik a abandonar a pintura.
Foi na primeira Bienal de São Paulo, em 1951, que Palatnik despontou na cena artística de forma determinante. Na edição, seu primeiro Aparelho Cinecromático (1949) foi recusado por não se encaixar nas categorias previstas. Posteriormente, a obra seria aceita e receberia uma menção especial do júri internacional. O trabalho é pioneiro no uso artístico de fontes luminosas artificiais e, ao longo de sete edições da Bienal, entre 1951 e 1963, outros Aparelhos Cinecromáticos foram expostos. Em 1964, eles foram exibidos também na Bienal de Veneza, conferindo projeção internacional ao artista.
Até o fim de sua vida, Palatnik seguiu investigando e inovando no campo artístico ao criar trabalhos capazes de gerar fascínio pela elegância de sua composição, seja utilizando mecanismos que coreografam um verdadeiro balé de cores e formas, seja pintando e moldando materiais, como a madeira, o metal, o gesso e o papel cartão, para criar imagens abstratas cheias de ritmo e movimento.
Ainda que constantemente associado aos movimentos da arte cinética, o trabalho de Palatnik parece transcender as categorias. Para o curador Luis Pérez-Oramas, isso “talvez signifique que o problema central de sua obra não seja diretamente o movimento e, por isso, sua produção transcende as mesquinhas categorias que a crítica e a história da arte atribuem à Op Art e mesmo à arte concreta. […] Não se trata, é claro, de representar algo na obra de Palatnik, pelo contrário: trata-se precisamente de apresentar, por exemplo, o vestígio, o rastro, o traço do movimento e, portanto, o que a obra torna visível”. A essência do trabalho de Palatnik é o movimento e sua vertigem, a força transformadora que tem na natureza uma das suas mais assertivas metáforas.
De fato, em sua obra, encontramos a conjunção harmônica desses dois universos: o da regularidade maquínica, ligado à racionalidade humana e sua vontade de construção; e o da organicidade do mundo natural, evocando o universo das sensações renovadas pela constante transformação da paisagem.
“Abraham Palatnik: o sismógrafo da cor” traz, além de trabalhos de séries emblemáticas, como Aparelhos Cinecromáticos e Objetos Cinéticos, pinturas figurativas do início da carreira de Palatnik, incluindo um auto retrato, além de rascunhos, desenhos e projetos que permitem adentrar no processo criativo do artista.

 

Por ocasião da exposição, a Nara Roesler Livros, braço editorial da galeria, lançará “Abraham Palatnik: Encantamento/Experimentação”, a maior monografia já publicada sobre o artista. Com organização de Luiz Camillo Osorio, a edição estará disponível em duas versões, inglês e português e, além de um prolífico caderno de imagens de arquivo e de trabalhos do artista, apresenta textos históricos e inéditos assinados por grandes nomes da área, como Hans-Ulrich Obrist, Mário Pedrosa, Luis Pérez-Oramas, Abigail Winograd, Kayra Cabanas e Gabriel Pérez-Barreiro.

 

 

Poéticas de um outro

14/dez

 

 

A BELIZÁRIO Galeria, Pinheiros, São Paulo, SP, abre a mostra coletiva “POÉTICAS de um outro”, com seu time de 17 artistas representados, exibindo 56 trabalhos em diferentes suportes – pinturas, esculturas, objetos, fotografias, desenhos – criando uma unidade visual resultante das vivencias pessoais de cada artista e os processos resultantes das mesmas.

 

A pintura se reposiciona como técnica responsável por trabalhos relevantes, como vem ocorrendo em outros locais, no âmbito da arte contemporânea. Bruno Duque, Celso Orsini, Fernanda Junqueira, Fernando Burjato e Matheus Machado utilizam o suporte com maestria criando telas, ora com paleta de cores diversas ora em p&b, para narrar suas histórias e experiencias. Ao lado delas, as obras resultantes da habilidade manual dos artistas Antônio Pulquério, Deneir Martins, Marc do Nascimento, Marcos Coelho Benjamim, Maxim Malhado e Paulo Nenflidio apresentam trabalhos tridimensionais, expressando seus registros em esculturas e objetos. Os desenhos, com suas delicadezas de linhas e traços, mas não menos assertivos, são de autoria de Elias Muradi, Jean Belmonte, Marco Ribeiro e Rodrigo Rigobello enquanto Juliana Notari e Sara Não Tem Nome optaram pela fotografia como registro de suas performances.

 

“POÉTICAS de um outro” oferece um olhar lateral onde o distinto e o diverso se apresentam em consonância com o todo, narrando histórias pessoais interconectadas através das liberdades de criação, e escolhas narrativas da contemporaneidade permitindo leituras e assimilações pessoais por parte do observador. O universo de cada artista é único. Sua mensagem é sempre pessoal. Orlando Lemos uniu as estrofes dos versos, sensibilizando-se com suas poéticas distintas e redigiu um poema visual uníssono.

 

Até 05 de março de 2022.

 

 

 

Ione Saldanha: a cidade inventada

13/dez

 

 

O MASP, Museu de Arte de São Paulo, Avenida Paulista, SP, apresenta mostra de caráter retrospectivo de Ione Saldanha apresentando objetos como ripas, bambus e bobinas.

 

 

Ione Saldanha é uma figura pioneira, porém sem o devido reconhecimento na história da arte brasileira do século 20. Embora trabalhasse de maneira intuitiva, o desenvolvimento de sua obra tão rigorosa quanto poética ao longo de quase seis décadas demonstra uma extraordinária coerência. Uma série ou grupo de trabalhos se desdobra e evolui rumo ao próximo – desde as pinturas figurativas iniciais dos anos 1940 até os trabalhos abstratos nos anos 1950 e as pinturas em suportes tridimensionais a partir do final dos anos 1960. Nesse sentido, pode-se pensar na pintura num campo expandido ou ampliado como motivo condutor do trabalho: Saldanha pintava sobre tela, papel, longas ripas de madeira, bambus, bobinas e, por fim, sobre todos de madeira empilhados. A cor e o construtivismo faziam parte do seu idioma – por um lado, suas várias paletas de cores ao longo dos anos são tão singulares quanto arrebatadoras; por outro, a geometria e a verticalidade sempre foram referências muito fortes na construção de seus trabalhos. No centro da obra de Saldanha há uma preocupação com uma certa representação ou invenção da cidade e da arquitetura, fosse ela real ou imaginada, daí o título desta exposição: Ione Saldanha: a cidade inventada. Nesse contexto, a artista passou das paisagens urbanas iniciais a construções arquitetônicas progressivamente abstratas, representadas de maneira fluida, delicada e orgânica, sempre trazendo a marca da mão da artista visível na superfície das pinturas, seja ela bidimensional ou tridimensional. Os Bambus, seus trabalhos mais icônicos, complexos, e verdadeiramente inovadores, são esculturas eretas que evocam a cultura brasileira popular e vernacular. De caráter antropomórfico, fazem referência tanto à cidade e à floresta, quanto ao sujeito que as habita, adquirindo uma qualidade instalativa sobretudo quando expostos em conjuntos.

 

Ainda que seja possível identificar uma série de preocupações em comum em seu trabalho e no de alguns de seus hoje consagrados contemporâneos (como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape), Ione Saldanha nunca se associou a qualquer grupo ou movimento, algo incomum nos círculos artísticos brasileiros de meados do século passado. Em vez disso, a artista desenvolveu uma trajetória bastante reservada que lhe permitiu focar em seu trabalho tanto excepcional quanto prolífico, explorando múltiplas relações, diálogos e cruzamentos: entre abstração e figuração, geometria e paisagem, hard edge  e artesanal, representação e apresentação, pintura e escultura, arte e vida, tudo imbuído de singulares e sutis combinações de cores.
O título desta exposição é inspirado no de uma mostra individual da artista intitulada Cidade inventada , realizada na Galeria Relevo no Rio de Janeiro, em 1962.
Curadoria: Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP

 

Fonte: MASP