Nazareth Pacheco na Kogan Amaro

27/maio

Expoente de uma geração de artistas que despontou entre as décadas de 1980 e 1990, tempo em que o País entrava em ebulição com pautas relacionadas à mulher, Nazareth Pacheco tomou sua condição feminina e sua biografia, em particular as narrativas relacionadas à história de seu corpo, como matéria-prima para suas obras tridimensionais. Após um mergulho no passado, em meio às lembranças afetivas, a artista emergiu dando vida a trabalhos inéditos, agora exibidos em “Registros/Records”, individual na Galeria Kogan Amaro, Jardim Paulista, São Paulo, SP..

A mostra reúne trabalhos que evidenciam sua produção artística dos últimos cinco anos, período em que Nazareth Pacheco viveu o luto de seus pais, figuras importantes em sua trajetória e formação, e algumas tantas intervenções cirúrgicas em seu corpo, decorrentes de um problema congênito que a acompanha desde a infância. É assim que a artista conjuga passado e presente, ideia aparente em Registros (2019), instalação feita a partir de recortes de exames médicos seus e dos seus pais. Fincada no teto da Galeria, a obra se esparrama até o chão e faz lembrar uma espécie de cascata, densa e fluida como a vida.

Nazareth cresceu em um ambiente de incentivo aos trabalhos artesanais, com mãe e avó adeptas ao tricô e ao bordado. Foi com elas que aprendeu o ofício, na época de extrema importância para lhe ajudar a desenvolver habilidades com as mãos, que também passaram por processos cirúrgicos. É dessa memória que surge Vida (2019), trabalho composto por camisolas de sua mãe, vestes distintas e delicadas, hoje apresentadas com restauros de pérolas e cristais, uma ressignificação singela para as avarias deixadas pelo tempo. A intimidade com os objetos clínicos é uma constante na vida e na obra da artista, não apenas pelas sucessivas operações, mas, também, por sua figura paterna. Em homenagem a seu pai, médico neurologista, Nazareth exibe DELE (2018), uma tríade de instrumentos fundidos em bronze. Sem medo ou pudor, Nazareth Pacheco convida o público a imergir em seu íntimo. É o que faz na série Momentos (2017), na qual exibe registros em polaroids do pré e do pós-operatório de uma de suas inúmeras cirurgias.

Na ocasião da abertura, a artista lançou um livro que documenta seus mais de 30 anos de trajetória. Intitulado “Nazareth Pacheco”, a publicação foi idealizada pela artista e contou com a colaboração de colegas de longa data. O livro foi organizado por Regina Teixeira da Costa e contempla análises de autores de diversas gerações, como Ivo Mesquita, Marcus Lontra da Costa e Tadeu Chiarelli, além de críticas inéditas assinadas por Cauê Alves e Moacir dos Anjos.

Até 15 de junho.

Darzé exibe Florival Oliveira

15/maio

A Paulo Darzé Galeria, Corredor da Vitória, Salvado, Bahia, apresenta de 16 de maio, com temporada até 15 de junho, a exposição de esculturas, painéis e objetos de Florival Oliveira. São 40 trabalhos individuais, com a montagem em processo de instalações sobre o plano horizontal e vertical da galeria feita em madeira, aço inox, alumínio plotado e MDF com jato de tinta.

 

Para Florival, fora as técnicas e materiais utilizados, realça a temática, implícita no título do texto de apresentação escrito por Carolina Paz, denominado Plano Fértil. “O processo se dá no coletivo com trabalhos desenvolvidos em aço inox e soda, plotagem em alumínio recortado, MDF e pintura automotiva. Os trabalhos em madeira, resultam de processo individual utilizando as sobras de madeira das carpintarias, a exemplo dos arcos em meia lua que organizam o trabalho tridimensional”.

 

“Minha última individual foi em 2013. Ao longo dos últimos seis anos surgiram propósitos bem específicos quanto ao resultado daquilo que atualmente apresento e o que deve ser mostrado. Foi salutar o amadurecimento das ideias culminando uma nova conceituação nos direcionamentos processuais. As ações nas mostras coletivas permitiram o desenvolvimento do trabalho a uma dilatação de importância paradigmática o que faz resultar em mudanças conceituais e técnicas. Acredito que esse foi e é resultado dessas minhas caminhadas como artista, buscando uma aproximação do contexto contemporâneo enquanto linguagem. Esse é um valor especificamente meu quando busco no inusitado a potência devida como expressão da minha arte”.

 

 

Apresentação da mostra

 

Escrita por Carolina Paz, artista e cientista social, sob o título Plano Fértil, é realçado em seu texto que “a obra de Florival Oliveira é puro processo derivado de sua relação íntima com os materiais, suas condições socioeconômicas de produção e o compromisso com os procedimentos que o artista impõe a si e aos objetos que produz. Conhecer essa trajetória é um privilégio que agrega ainda mais força à leitura do trabalho”.

“Quando a poesia é potente há quem acredite que ela fale por si. Diz-se que experimentá-la no presente, sem qualquer outra informação a seu respeito, é suficiente. Porém, conhecer o processo de sua produção pode ampliar as possibilidades de experiência do espectador sobre a obra. Como esse trabalho foi feito? Quais as considerações e decisões tomadas pelo artista para tal e qual gesto no trabalho?”

“A obra de Florival Oliveira é puro processo derivado de sua relação íntima com os materiais, suas condições socioeconômicas de produção e o compromisso com os procedimentos que o artista impõe a si e aos objetos que produz. Conhecer essa trajetória é um privilégio que agrega ainda mais força à leitura do trabalho”.
“As peças em exposição na Paulo Darzé Galeria são consequências de investigações anteriores e desdobramentos das formas com as quais o artista trabalha há décadas. Nesta nova série, as esculturas parecem querer ocupar mais as superfícies das paredes e do chão do que a atmosfera do lugar”.

“Formas selecionadas de uma numerosa produção orientada por um intenso interesse de Florival em explorá-las em todas suas dimensões, por dentro e por fora, para os lados, horizontal e verticalmente, como se quisesse esgotar todas as possibilidades de suas configurações e posições”.

“São quatro as formas primordiais a partir das quais Florival opera desdobramentos isolando seus conteúdos. Olhando-as a partir de seu interior cria os “módulos vazados” em aço inox. Quando as delineia e as contorce sugere um corpo em movimento. São formas-sujeito e são suas próprias trajetórias, seus passos representados em formas sólidas, “objetos” e “painéis escultóricos” em MDF cobertos pelo branco da tinta automotiva”.

“Vibrando em cópias de si mesmas e em uma proliferação de facetas querendo se mostrar por inteiro, as formas modulares conjugadas em três planos, os “relevos” recortados do papel cartão colorido com tinta acrílica de cores diferentes, parecem confirmar essa volta da escultura ao bidimensional. Não para apaziguá-la ou conformá-la à parede, mas evidenciando a capacidade infinita de cada face-plano em gerar a partir de si as demais formas que ocupam o mundo”.

“Florival revela intuitivamente uma conexão com sua história pessoal e seu desenvolvimento artístico na xilogravura. É fascinante descobrir, acompanhando sua produção bem de perto nos últimos dois anos, que talvez tudo se originou ali, na xilo: as sobras de madeira retiradas da matriz são formas que o interessam desde sempre. Curvas, meia luas… O olhar que se encanta por essas formas primordiais também as encontra, em outro contexto, nas sobras das oficinas de marcenaria locais (do sertão baiano, onde vive o artista). Lá esses indícios de madeira são encontrados em maior escala. São arcos e semiarcos do refugo dos cortes de portas e janelas feitas pela serra de fita”.

“Lidar com esses “módulos”, assim denominados por Florival, é algo que parece tomar todo seu pensamento. Sou testemunha de que é quase impossível fazê-lo enxergar quaisquer formas no mundo sem essa sua elaboração modular e matemática. Uma combinação de cálculos de adição, acoplamento e divisão está em seu olhar e em seu discurso. Sou da opinião de que este raciocínio traduz sua visão de mundo de forma profunda. E creio que esta é uma ação de procura e descoberta inesgotável”.
“A força da brutalidade introvertida dos trabalhos anteriores deu lugar à elegância, também forte, porém graciosa e expansiva. Florival, desta vez, nos propõe pensar em planos férteis de potência infinita”.
Sobre o artista

 

Florival Oliveira nasceu em Riachão do Jacuípe, Bahia, onde vive, hoje dividindo o espaço com Salvador, Bahia, em 18 de agosto de 1953. Iniciou a sua carreira em 1976. Sua obra é detentora de alguns prêmios e está representada nos acervos do Museu de Arte Moderna da Bahia; Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana; ACBEU Salvador; Biblioteca da Universidade da Bahia; Museu Regional de Feira de Santana.

 

Texto de Claudius Portugal

O que logo chama a atenção em seus trabalhos são as suas formas, os volumes, os espaços, os movimentos, e a escolha dos materiais. Há na sua arte uma busca incessante de uma precisão técnica por meio de uma pesquisa incisiva e paciente, através de uma linguagem contemporânea de tratar a matéria. Ao mesmo tempo, é uma arte que tem como chão a sua terra, saberes e fazeres de sua gente, o que faz tornar-se um tradutor do sentimento de universalidade do mundo que vive na sua aldeia, portas do sertão baiano.
Estas são marcas de uma obra onde o desejo de expressão ultrapassa a infância e a vivência de um homem do campo, como é a sua realidade na cidade natal, de vaqueiros e suas roupas de couro, das boiadas, dos utensílios e ferramentas indispensáveis ao dia a dia, expostos na feira semanal, passando pelo homem, agora urbano, estudante e, depois, professor de arte, com acesso à informação, à curiosidade, ao estímulo e ao estudo do que há de mais atual nos grandes centros do mundo através não só das técnicas e materiais, mas de sua inventividade em marcar o aqui e agora.
Estas duas vertentes não se chocam, pois, em sua obra, unida por signos e símbolos do Nordeste, o homem está diante do seu habitat, de seu entorno de sertão, ao lado do homem do mar que a capital lhe acrescentou, na sua navegação por portos que o levam aos quatro cantos do mundo. Levando nesta viagem a sua cidade, a sua gente em seu cotidiano, como referência, como investigação, como paciência – o seu fazer é solitário tanto quanto a sua fala é silenciosa, deixando se vir abertamente na arte que realiza – a aventura pessoal de uma linguagem que expressa sua visão de mundo, o mundo de hoje. A sua arte é seu gesto, sua caligrafia, sua escrita, sua voz, seu grito, e o seu modo de estar e ser no mundo. E isto o deixa exposto à visitação pública ao carregar com ela todos nós, admiradores, e se deixa existir como expressão por aquilo que nomeamos arte.

Três artistas no Sesc/Guarulhos

13/maio

A luz natural invade os quadrados de vidro que formam a
cobertura transparente do Sesc Guarulhos, SP. A unidade, erguida
com investimento de 180 milhões de reais, foi inaugurada dia 11.
Em um momento de prováveis cortes de verbas para o Sistema S,
o prédio de 34 200 metros quadrados assinado pelo escritório Dal
Pian Arquitetos finca bandeira em um ponto inédito nos arredores
de São Paulo e, de quebra, passa a atender também a população
da Zona Norte, que contava só com o Sesc Santana.
O novo complexo tem uma das maiores variedades de ambientes.
No saguão de entrada: “Já Estava Assim Quando Cheguei”, de
Carlito Carvalhosa, é um bloco de gesso com mais de 2 toneladas.
Do ladinho, observa-se no 2º piso, “Tintas Polvo”, de Adriana
Varejão, que fala de um tema caro ao Brasil e ao Sesc:
diversidade. No ginásio fica a pintura “Paisagem Desaguando”,
de Janaina Tschäpe.
Fonte: (Veja/SP).

Objetos de Carlos Bevilacqua

09/maio

Continuará em cartaz até o dia 15 de maio, na unidade Ipanema do Centro Cultural Cândido Mendes, a exposição “Indeterminado”, individual de objetos de Carlos Bevilacqua, na Galeria de Arte Maria de Lourdes Mendes de Almeida.

 

Sobre o artista 

Nascido no Rio de Janeiro em 1965, lugar onde vive e trabalha, Carlos Bevilacqua iniciou seus estudos na Universidade Santa Úrsula. Seu início no mundo das artes foi no Projeto Macunaína em 1988, onde recebeu o Prêmio Ivan Serpa. Em 2018 Carlos lançou seu livro “Carlos Bevilacqua” trazendo uma seleção de algumas obras que foram criadas em seus 30 anos de carreira, o livro traz também uma entrevista de Bevilacqua ao curador e professor de filosofia Luiz Camillo Osorio.

Os perigosos anos 1960

22/abr

Os anos 1960 foram marcados por movimentos de contestação em vários países do mundo, por motivos diversos – sistemas educacionais, costumes, repressão política, contestação de guerras. No Brasil não foi diferente e, a despeito da censura imposta por um regime de exceção, houve no período uma intensa produção artística, que retratou a atmosfera de tensão e riscos da época.

 

Para revisitar esse contexto, especificamente o período de 1965 a 1970, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, São Paulo, SP, exibirá, entre 30 de abril e 28 de julho, a exposição “Os anos em que vivemos em perigo”, que traz um recorte da coleção focado na segunda metade da década de 1960, um período plural da arte brasileira, que foi fundamental para o desenvolvimento de nossa produção até os dias atuais. Tal cenário transformou o antropofágico caldeirão cultural do país, no mesmo momento em que acontecia a reestruturação do MAM que, em 1969, teve sua nova sede inaugurada, resistindo aos tempos e chegando até o momento atual em que celebra seus 70 anos de história.

 

Com curadoria de Marcos Moraes, a exposição reúne desde a tendência pop até obras de filiação surrealista, muitas das quais exprimindo as inquietações sociais e comportamentais que marcaram aquela época. São ao todo 50 obras de artistas como Antônio Henrique Amaral, Anna Maria Maiolino, Antônio Manuel, Cláudio Tozzi, Maureen Bisilliat, Wesley Duke Lee, entre outros.

 

Pinturas, xilogravuras, fotografias e objetos foram selecionados para apresentar imagens associadas ao ambiente cultural vigente como as manifestações, greves, censura, utopia, repressão, desejo e identidade brasileira – um apanhado que apresenta a potencialidade da ampliação de horizontes produzida pela vanguarda brasileira nesta época. A ação educacional do museu também contribuirá para oferecer aos espectadores oportunidades de pensar sobre a cultura daquela década, oferecendo atividades estimulantes que complementam a experiência da visita ao MAM.

 

“Para a seleção de obras, considerei o contexto, o ambiente efervescente e os acontecimentos que envolveram esses artistas no período dos anos 60 com atitudes radicais frente ao sistema da arte vigente no país, entre eles as exposições: Nova Objetividade Brasileira (MAM RJ), 1ª JAC Jovem Arte Contemporânea (MAC USP), Exposição-não-exposição (Rex Gallery & Sons) e a 9ª Bienal de São Paulo. A proposta desta mostra será refletir sobre esses complexos momentos vividos, tendo como marcos os anos de 1965 e 1970 rebatendo e rebatidos em 2019, suas atmosferas marcadas pela vida e a presença do perigo e da ameaça”, propõe Marcos Moraes.

 

Sobre o curador

Marcos Moraes é doutor pela FAU-USP e bacharel em Direito e Artes Cênicas pela mesma Universidade, além de especialista em Arte – Educação – Museu e Museologia. Professor de história da arte, é coordenador dos cursos de Artes Visuais da FAAP, da Residência Artística FAAP e do Programa de residência da FAAP, na Cité des Arts, Paris. Integrou o Grupo de Estudo em Curadoria do MAM e o corpo de interlocutores do PIESP. É membro do ICOM Brasil e do Conselho do MAM SP. Curador independente, seus mais recentes projetos curatoriais incluem Jandyra Waters: caminhos e processos; Entretempos e Lotada (MAB Centro, Museu de Arte Brasileira FAAP), além de Imagens Impressas: um percurso histórico pelas gravuras da Coleção Itaú Cultural (São Paulo, Santos, Curitiba, Fortaleza, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Brasília, Florianópolis). É responsável por publicações sobre artistas como Luiz Sacilotto, Adriana Varejão, Rodolpho Parigi, Mauro Piva.

 

De 30 de abril a 28 de julho.

“Museu”, exposição de Daniel Senise

15/abr

Encontra-se em cartaz no Instituto Ling, Porto Alegre, RS, a exposição “Museu”, exibição individual de Daniel Senise. “Museu” reúne um conjunto de nove obras recentes – seis pinturas em grandes formatos e três trabalhos em papel – criadas entre 2017 e 2019. São monotipias que retratam salões de importantes museus ao redor do mundo – como a National Gallery (Londres), a Frick Collection (Nova Iorque), o Rijksmuseum (Amsterdan) e o Museu Nacional de Belas Artes (RJ) -, e aquarelas que reproduzem a padronagem dos pisos de madeira de instituições culturais, como o Museu de Arte Antiga de Lisboa.

 

Ao longo dos seus mais de 30 anos de atividade trabalhando nos limites da figuração na pintura, Daniel Senise é considerado um dos maiores expoentes da chamada “Geração 80” e se afirma como um nome importante na cena internacional contemporânea. Para a curadora Daniela Name, nessa exposição Senise reinveste na questão fundamental de sua obra: a ênfase no ausente. As telas representam os espaços vazios dos museus, vestígios e fragmentos que evocam a memória desses locais. “O conjunto de obras reunidas em Museu evidencia como a imagem latente – ela que não está – atinge uma força radical ao ser sequestrada dos espaços arquitetônicos e simbólicos que foram concebidos para guardá-las. Ela é talvez mais presente em sua ausência do que seria em sua representação”, afirma Daniela em seu texto curatorial.

 

 

A palavra da curadora

 

Reencenar a pintura

 

Museu reúne um conjunto de pinturas recentes de Daniel Senise que retratam salões de importantes museus ao redor do mundo – caso da National Gallery, em Londres, e da Frick Collection, em Nova Iorque -, além de aquarelas que reproduzem a padronagem dos pisos de madeira de instituições culturais. Os museus são hoje uma espécie de ruína, uma nostalgia de outro tipo de relação com a imagem. Apontam para a saudade de um diálogo mais vagaroso e áspero, distante da aceleração das redes sociais e suas fotografias produzidas num turbilhão ininterrupto, mas efêmero e deslizante, com pouquíssima aderência à memória.

Ao se relacionar com os museus, Senise reinveste na questão fundamental de sua obra: a ênfase no ausente. Ao longo de sua carreira, o artista se apropriou de obras de Giotto, Caspar Friedrich, Michelangelo e James Whistler, adulterando-as, velando-as integralmente ou abrindo mão de alguns de seus detalhes fundamentais; também marcou a trajetória de um bumerangue sem apresentar o objeto; usou lençóis de hospitais e motéis para criar uma monumental Via Crucis de corpos ausentes.

Aquilo que falta está ainda em Ela que não está – nome de obra paradigmática que aponta para a ausência que sempre foi o princípio e o fim, aquilo que mais importa em sua obra. O protagonismo dessa imagem recalcada, proveniente de outro tempo e outro espaço, tem feito da obra de Senise uma espécie de conversa com fantasmas.

Tais espectros jamais foram assustadores para o artista. E o conjunto de obras reunidas em Museu evidencia como a imagem latente atinge uma voltagem radical ao ser sequestrada dos espaços arquitetônicos e simbólicos que foram concebidos para guardá-las. Assim como Hamlet, que conversa desenvoltamente com o fantasma de seu pai, Senise vem lidando com o legado de imagens da história da arte como um fóssil em brasa, o leitfossil em constante movimento de que nos fala Warburg. O príncipe atormentado de Shakespeare monta uma peça dentro da peça, num paradigma para a metalinguagem artística. Ao dar outra vida para esses museus amputados, Senise reencena a pintura dentro da pintura, num jogo de reflexos por vezes dilacerante e inquisidor: o que temos feito com as imagens que nos importam?

Daniela Name, curadora.

 

 

Sobre o artista

 

Daniel Senise nasceu em 1955 no Rio de Janeiro. Em 1980, se formou em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo ingressado na Escola de Artes Visuais do Parque Lage no ano seguinte, onde participou de cursos livres até 1983. Foi professor na mesma escola de 1985 a 1996. Desde os anos oitenta, o artista vem participando de mostras coletivas, como a Bienal de São Paulo, a Bienal de La Habana, a Bienal de Veneza, a Bienal de Liverpool, a Bienal de Cuenca, a Trienal de Nova Delhi, entre outras realizadas no MASP e no MAM de São Paulo; no Musee d’Art Moderne de la Ville de Paris; no MoMA, em New York; no Centre Georges Pompidou, em Paris; e no Museu Ludwig, em Colônia, na Alemanha. Daniel Senise também tem exposto individualmente em museus e galerias no Brasil e no exterior, entre eles o MAM do Rio de Janeiro; o MAC de Niterói; o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba; a Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro; o Museum of Contemporary Art Chicago; o Museo de Arte Contemporáneo, em Monterrey, no México; a Galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro; a Ramis Barquet Gallery e a Charles Cowley Gallery, em Nova York; a Galerie Michel Vidal, em Paris; a Galleri Engström, em Estocolmo; a Galeria Camargo Vilaça, em São Paulo; a Pulitzer Art Gallery, em Amsterdam; a Diana Lowenstein Fine Arts Gallery, em Miami; a Galeria Silvia Cintra, no Rio de Janeiro; a Galeria Vermelho, em São Paulo; a Galeria Graça Brandão, em Lisboa; e a Galeria Nara Roesler de Nova York. Atualmente, vive e trabalha no Rio de Janeiro e em São Paulo.

 

 

 Sobre a curadora

 

Daniela Name nasceu no Rio de Janeiro, em 1973. É crítica e curadora de arte, doutora em Comunicação e Cultura e mestre em Histórica e Crítica da Arte pela UFRJ e autora dos livros Norte – Marcelo Moscheta (2012), Almir Mavigner (2013) e Amelia Toledo – Forma fluida (2014). É crítica-colaboradora do jornal O Globo; editora da Revista Caju, uma publicação online dedicada a ensaios e críticas de arte e cultura e assessora de Cultura e Arte da Associação Redes da Maré.

 

 

Até 13 de julho.

Marcelo Cipis no Rio

12/abr

A Anita Schwartz Galeria de Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, abre no próximo dia 13 de abril, exposição “DeaRio”, que irá ocupar todo o espaço expositivo do térreo e do segundo andar com mais de 40 obras do artista paulistano Marcelo Cipis, entre pinturas, desenhos, objetos, instalações, inéditos ou emblemáticos nos últimos 25 anos de sua trajetória. Esta é a primeira individual do artista no Rio de Janeiro, um dos integrantes da 21ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1991, duas edições da Bienal de La Habana (1991 e 1994), e em diversas exposições individuais e coletivas, como a realizada em 2017 na galeria Spike Berlin, com curadoria de Tenzing Barshee, na capital alemã. Com humor e ironia, Cipis tem um trabalho crítico, em que discute a distopia afirmando a força da arte. A pintura “A utopia é aqui” (2019), feita especialmente para a exposição, “repotencializa pinoquiamente um nariz ampliado, que pode ter alguma alegoria política próxima”, observa Adolfo Montejo Navas, que escreveu um texto sobre a exposição.

Exposição de Rosana Paulino

O Museu de Arte do Rio – MAR, Centro, Rio de Janeiro, RJ, inaugura no dia 13 de abril a exposição “Rosana Paulino: a costura da memória”. Após temporada de sucesso na Pinacoteca, em São Paulo, a maior individual da artista já realizada no Brasil chega à cidade com 140 obras produzidas ao longo dos seus 25 anos de carreira. Assinada por Valéria Piccoli e Pedro Nery, curadores do museu paulistano, a mostra reúne esculturas, instalações, gravuras, desenhos e outros suportes, que evidenciam a busca da artista no enfrentamento com questões sociais, destacando o lugar da mulher negra na sociedade brasileira.

 

Rosana Paulino surge no cenário artístico nos anos 1990 e se distingue, desde o início de sua prática, como voz única de sua própria geração. Os trabalhos selecionados, realizados entre 1993 e 2018, mostram que sua produção tem abordado situações decorrentes do racismo e dos estigmas deixados pela escravidão que circundam a condição da mulher negra na sociedade brasileira, bem como os diversos tipos de violência sofridos por esta população.

 

Um dos destaques da mostra é a “Parede da Memória”. Realizada quando a artista ainda era estudante, a instalação é composta por 11 fotografias da família Paulino que se repetem ao longo do painel, formando um conjunto de 1.500 peças. As fotos são distribuídas em formatos de “patuás” – pequenas peças usadas como amuletos de proteção por religiões de matriz africana. O mural se transforma em uma denúncia poética sobre a invisibilidade dos negros e negras que não são percebidos como indivíduos. Quando os 1.500 pares de olhos são postos na parede, “encarando” as pessoas, eles deixam de ser ignorados.

 

A exposição também conta com uma série lúdica de desenhos feitos por Rosana Paulino, na qual a artista revela sua fascinação pela ciência e, em especial, pela ideia da vida em eterna transformação. Os ciclos da vida de um inseto são feitos e comparados com as mutações no corpo feminino, por exemplo. A instalação “Tecelãs”, de 2003, composta de cerca de 100 peças em faiança, terracota, algodão e linha, leva para o espaço tridimensional o tema da transformação da vida explorado nos desenhos. Em alguns de seus trabalhos a relação de ciência e arte é destacada, como em “Assentamento, de 2013. A série retrata gravuras em tamanho real de uma escrava feitas por Ausgust Sthal para a expedição Thayer, comandada pelo cientista Louis Agassiz, que tinha como objetivo mostrar a superioridade da raça branca às demais. Para Paulino, “a figura que deveria ser uma representação da degeneração racial a que o país estava submetido, segundo as teorias racistas da época, passa a ser a figura de fundação de um país, da cultura brasileira. Essa inversão me interessa”, finaliza a artista.

 

 

Sobre a artista

 

Doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, especialista em gravura pelo London Print Studio, de Londres e bacharel em gravura pela ECA/USP. Foi bolsista do programa bolsa da Fundação Ford nos anos de 2006 a 2008 e CAPES de 2008 a 2011. Em 2014 foi agraciada com a bolsa para residência no Bellagio Center, da Fundação Rockefeller, em Bellagio, Itália. Como artista vem se destacando por sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero. Seus trabalhos têm como foco principal a posição da mulher negra na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por esta população decorrente do racismo e das marcas deixadas pela escravidão. Possui obras em importantes museus tais como MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo; UNM – University of New Mexico Art Museum e Museu Afro-Brasil – Pão Paulo.

 

Ernesto Neto na Pinacoteca

29/mar

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e o Banco Bradesco apresentam, de 30 de março a 15 de julho, a exposição “Ernesto Neto: Sopro”, que ocupa o Octógono, sete salas do 1º andar e outros espaços da Pina Luz. Com curadoria de Jochen Volz e Valéria Piccoli, diretor e curadora-chefe do museu, respectivamente, a retrospectiva reúne 60 obras de um dos nomes mais proeminentes da escultura contemporânea. Desde o ínicio de sua carreira nos anos 1980, o artista vem produzindo obras que colocam em diálogo o espaço expositivo e as diversas dimensões do espectador.

 

A partir de uma compreensão singular da herança neoconcreta, Ernesto Neto (Rio de Janeiro, 1964), desdobra suas esculturas iniciais – elaboradas com materiais como meias de poliamida, esferas de isopor e especiarias – em grandes instalações imersivas, que propõem ao espectador um espaço de convívio, pausa e tomada de consciência. Sua prática escultórica engendra-se a partir da tensão de materiais têxteis e de técnicas como o crochê. Essas grandes estruturas lúdicas acolhem ações e rituais que revelam as preocupações atuais do artista: a afirmação do corpo como elemento indissociável da mente e da espiritualidade.

 

Desde 2013, o artista vem colaborando com os povos da floresta, principalmente a comunidade indígena Huni Kuin, também conhecida como Kaxinawá. A população dessa etnia, com mais de 7.500 pessoas, habita parte do estado do Acre e forma a mais numerosa população indígena do estado. “A turma da floresta tem uma ligação muito mais profunda com a natureza. Inclusive, a palavra natureza, como algo que está fora de nós, seres humanos, nem existe nessa comunidade. Eles não veem essa separação”, conta o artista.

 

“A convivência com eles me trouxe um entendimento profundo da espiritualidade, desta força de continuidade do “corpo-eu” e do “corpo-ambiente”, e também uma base estrutural “espíritofilosófica”, além da compreensão de que há muito o que descobrir enquanto humanidade: quem somos? Onde estamos? Para onde vamos?”. O entendimento do planeta como organismo interdependente permeia boa parte das obras de Ernesto Neto.

 

Para esta mostra na Pinacoteca, o artista concebeu novos trabalhos, entre eles, um para o espaço do Octógono, que acolherá quatro ações/rituais participativas abertas ao público ao longo do período expositivo. Integra também o conjunto uma obra seminal em sua trajetória: “Copulônia”, de 1989. De poliamida e esferas de chumbo, seu título faz referência à “cópula” (termo utilizado pelo artista para caracterizar um tipo de elemento, presente na obra, em que duas partes se penetram) e à “colônia” (seção da obra na qual os elementos se repetem). “Traz a ideia de população, família, corpo coletivo e convivência simbiótica”, define o artista.

 

“Copulônia marca o momento em que Neto começa a pensar a escultura não mais como um único volume mas como um todo composto de partes. Outras obras icônicas dele integram a seleção, como aquelas que contem especiarias (cravo, açafrão, urucum), as Naves (arquiteturas de tecido em que o visitante é convidado a entrar) e mesmo as mais recentes estruturas habitáveis confeccionadas em crochê. As obras do Neto convocam a participação do visitante e ativam outros sentidos além do olhar”, comenta Piccoli.

 

A exposição propõe demonstrar como a fisicalidade, o indivíduo e o coletivo sempre estiveram presentes, desde o início, na prática do artista, moldando sua poética. Sua colaboração atual com líderes políticos e espirituais das nações Huni Kuin, cujas contribuições ao artista recebem na mostra uma sala própria, aparece como uma consequência natural de sua pesquisa escultórica. “Neto vem explorando e expandindo os princípios da escultura radicalmente desde o começo de sua trajetória. Gravidade e equilíbrio, solidez e opacidade, textura, cor e luz, simbolismo e abstração ancoram sua prática, num contínuo exercício acerca do corpo individual e coletivo e da construção em comunidade”, observa Jochen Volz.

 

Esta é também a primeira exposição que propõe traçar seus primeiros experimentos nesse campo através da investigação e da apropriação do espaço expositivo até atingir seu atual engajamento social. Num momento marcado pelo descompasso entre humano e natureza, Neto propõe que a arte seja uma ponte para a reconexão humana com esferas mais sutis. “O artista é uma espécie de pajé. Ele lida com o subjetivo, com o inexplicável, com aquilo que acontece entre o céu e a terra, com o invisível. Desse lugar, consegue trazer coisas”, finaliza Neto.

 

A mostra é acompanhada de um catálogo e tem patrocínio do Banco Bradesco, Escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, Iguatemi São Paulo e Havaianas. Após sua estreia na Pinacoteca, a exposição será recebida pelo Malba – Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires, Argentina e pelo Centro Cultural Palacio de La Moneda, em Santiago no Chile. “Ernesto Neto: Sopro” integra a programação de 2019 da Pinacoteca, dedicada à relação entre arte e sociedade. Por meio dela, a instituição propõe examinar as dimensões sociais da prática artística, apresentando exposições que redimensionam a ideia de escultura social, cunhada pelo artista e ativista alemão Joseph Beuys.

 

 

Sobre o artista

 

Ernesto Neto nasceu em 1964 no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. Entre suas exposições individuais recentes, destacam-se: GaiaMotherTree, Zurich Main Station, apresentado pela Fondation Beyeler, (Zurique, Suíça, 2018); Boa, Museum of Contemporary Art Kiasma (Helsinque, Finlândia, 2016); Rui Ni / Voices of the Forest, Kunsten Museum of Modern Art (Aalborg, Dinamarca, 2016); Aru Kuxipa | Sacred Secret, TBA21 (Viena, Áustria, 2015); The Body that Carries Me, Guggenheim Bilbao (Bilbao, Espanha, 2014); Haux Haux, Arp Museum Bahnhof Rolandseck (Remagen, Alemanha, 2014); Hiper Cultura Loucura en el Vertigo del Mundo, Faena Arts Center (Buenos Aires, Argentina, 2012); La Lengua de Ernesto, MARCO (Monterrey, México, 2011) e Antiguo Colegio de San Ildefonso (Cidade do México, 2012); Dengo, MAM (São Paulo, 2010). Destacam-se, ainda, suas participações nas Bienais de Veneza (2017, 2003 e 2001), de Lyon (2017), de Sharjah (2013), de Istambul (2011) e de São Paulo (2010 e 1998). Sua obra está presente em diversas coleções importantes, entre elas: Centre Georges Pompidou (Paris), Inhotim (Brumadinho), Guggenheim (Nova York), MCA (Chicago), MOCA (Los Angeles), MoMA (Nova York), Museo Reina Sofía (Madri), SFMOMA (San Francisco), Tate (Londres) e TBA21 (Viena).

Fotografias na Simões de Assis/SP

28/mar

Denominada “Eixo-Êxtase | A Fotografia no Ambiente Modernista” e sob a curadoria de Eder Chiodetto, a Simões de Assis Galeria de Arte, Cerqueira César, São Paulo, SP, apresenta obras assinadas por Alexander Calder , Eduardo Salvatore, Gaspar Gasparian, Geraldo de Barros, German Lorca, Gertrudes Altschul,  M. Laert Dias, Marcel Giró, Maria Martins, Moussia, Paulo Pires, Paulo Suzuki, Thomaz Farkas e Willys de Castro .

 

 

Eixo-Êxtase

A Fotografia No Ambiente Modernista 

Os ecos dos movimentos dadaísta e surrealista que abalaram e modificaram por completo o status da arte nas primeiras décadas do século XX, conferindo a mesma uma maior complexidade na forma de entender as vicissitudes humanas, os labirintos do inconsciente e, por conseguinte, a forma de pensar o papel da arte, demoraram cerca de 25 anos para criar abalos significativos na fotografia brasileira.

 

Na década de 1920 a fotografia havia experimentado na Europa, por intermédio de artistas como Man Ray (1890-1976) e Lázló Moholy-Nagy (1895-1946), entre outros, um voo libertário a partir do qual deixara definitivamente de se ater somente à sua vocação documental. Essa nova fotografia passou a representar o sensorial e as parcelas não visíveis da psique humana. Aqui no Brasil a linguagem, quando muito, seguia a cartilha que pregava uma mimese entre fotografia e a pintura acadêmica de temas românticos.

 

No final da década de 1940, no entanto, os fotoclubistas brasileiros, capitaneados por Geraldo de Barros, investiram na experimentação, privilegiando a forma ao referente. Por meio de justaposições, cortes, uso exacerbado dos contrastes entre o preto-e-branco, solarizações e ataques físicos aos negativos, entre outras estratégias, esses pioneiros ampliaram o repertório semântico da fotografia.

 

Essa releitura tropical do que ocorrera no contexto da arte fotográfica europeia, passaria por uma digestão antropofágica, como sugeria o poeta Oswald de Andrade (1890-1954) em seus manifestos.

 

Em 1924, Oswald de Andrade, figura central da Semana de Arte Moderna de 1922, escreveu em tom crítico e jocoso o Manifesto Pau-Brasil e, em 1928, o Manifesto Antropófago. Em linhas gerais, esses textos propunham não renegar a cultura estrangeira, mas “devorá-la” para digeri-la fazendo-a passar por um filtro – “o estômago” – de referências nacionais. Ao final desse processo deveriam surgir obras e conceitos a partir da somatória do “nós + eles”, ou seja, um saber e uma cultura híbridos.

 

Num trecho do Manifesto Pau-Brasil, Oswald conclama os artistas a pensar o mundo e a representação dentro do campo da arte a partir das “novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte…”.

 

É curioso que a fotografia surja de passagem num dos mais importantes momentos da arte brasileira. Essa citação atesta, de certa forma, que a fotografia brasileira estava ainda distante de perceber suas possibilidades narrativas e poéticas. Os “negativos fotográficos” até a metade da década de 1940 permaneciam focados na objetividade do registro e da documentação do entorno realista e não na potência lúdica contida na irradiação da luz das estrelas. Oswald conclamava, assim, um olhar de viés para a realidade circundante, um mergulho no sensorial em contraponto a arte de caráter figurativo.

 

Os primeiros passos nessa direção foram dados pelo artista Geraldo de Barros (1923-1998), que havia estudado desenho e pintura e, como a maioria dos artistas da época, se empenhava no figurativismo. Após experiências com a pintura expressionista, Geraldo adquiriu uma câmera Rolleiflex e começou a investigar as possibilidades expressivas da fotografia.

 

Ao ingressar, em 1949, no Foto Cine Clube Bandeirante, Geraldo chocou-se com o estágio da fotografia. Imitações de naturezas mortas, paradoxalmente, ocupavam o lugar da representação da cidade dinâmica e veloz que as máquinas e os carros imprimiam no Brasil desenvolvimentista da metade do século XX.

 

Influenciado pelas teorias da Gestalt, ramo da psicologia que se aprofunda no estudo de como os indivíduos percebem as formas elementares da geometria, Barros radicalizava, para espanto dos fotógrafos mais puristas, na síntese dos volumes e dos jogos de luz e sombra em suas experimentações fotográficas.

 

As experiências de Barros – grande parte delas realizadas no laboratório fotográfico na casa do amigo German Lorca – incluíam fotomontagens, colagens e intervenções no negativo fotográfico que resultavam em abstrações e num pulsante elogio das formas. Linhas e volumes se redesenham em suas Fotoformas, gerando matizes em preto, branco e cinzas. Essa série influenciou vários outros artistas que se dedicavam a fotografia e pensavam em ecoar no Brasil aquilo que havia sido gestado nas vanguardas européias duas décadas atrás.

 

Hoje, olhando retrospectivamente, é possível perceber que o espírito iconoclasta que marcou o modernismo brasileiro e operou mudanças substanciais na nossa fotografia, colocando-a definitivamente no eixo das experimentações artísticas foi nutrido em grande parte pelo ambiente artístico que transbordava além dos limites do fotográfico.

 

A geração que revolucionaria a fotografia brasileira, tinha nesse primeiro momento artistas como Geraldo de Barros, Thomaz Farkas, German Lorca, Gaspar Gasparian, José Yalenti, Marcel Giró, Gertrudes Altschul e Eduardo Salvatore, entre outros. Contribui fortemente para a criação de um ambiente que ajudava a pensar o fotográfico fora dos cânones, as obras e os artistas que chegaram para a primeira grande mostra de arte moderna realizada fora das instituições europeias e norte-amerricanas: a 1a  Bienal de São Paulo, ocorrida em 1951. O pintor e escultor suíço Max Bill (1908-1994), premiado no evento, influenciou fortemente o movimento concretista brasileiro, que teve em Geraldo de Barros um de seus principais articuladores.

 

Participaram também dessa Bienal e da seguinte, o escultor e pintor estadunidense Alexander Calder (1898-1976), a pintora e escultora russa, radicada no Brasil, Moussia Pinto Alvez (1910-1986) e a escultora brasileira Maria Martins, agora reunidos com a geração de fotógrafos modernistas nessa mostra.

 

Entre as duas primeiras Bienais, em 1952, ocorreu a mostra Ruptura, no MAM-SP, marco inaugural da arte concreta brasileira, da qual Geraldo foi um dos artistas participantes ao lado de Waldemar Cordeiro e Luiz Sacilotto, entre outros. No mesmo ano de 1952, Calder ganhou o prêmio principal da Bienal de Veneza com um de seus icônicos móbiles.

 

O pensamento sobre o ritmo, a geometria, o movimento, a perda da gravidade, o ataque ao figurativismo e a dissolução do referente, somados à manifestação do inconsciente como nas obras de vocação surrealista da escultora brasileira Maria Martins (1894-1973) -, ajudariam a parcela mais irreverente dos fotógrafos brasileiros a repensar por completo as possibilidades semânticas do jogo fotográfico.

 

Eixo-Êxtase incita o público a perceber pontos de contato formais e ideológicos que marcam a produção fotográfica brasileira pós final dos anos 1940 com as esculturas e pinturas de artistas icônicos que expuseram por aqui a partir da 1Bienal de São Paulo. Esse espelhamento entre linguagens distintas, que apontam para uma nova forma de percepção do mundo, evidencia-se quando observamos a têmpera e o óleo realizados em 1944 e 1945, por Alexander Calder, com as séries “Fotoformas” e “Sobras”, de Geraldo de Barros, as edificações fotografadas por Thomaz Farkas e os jogos formais de Paulo Suzuki e M. Laerte Dias.

 

As formas orgânicas e expressivas das esculturas de Maria Martins e de Moussia, dialogam com imagens de Gertrudes Altschul, Eduardo Salvatore, Marcel Giró e Nelson Kojranski. A pintura “Pierrot”, 1953, de Wyllis de Castro, contém o mesmo jogo hipnótico de planos e justaposições que inspiram boa parte dos fotógrafos do período, como Gaspar Gasparian.

 

O móbile “Ensigne de Lunettes”, 1976, de Alexander Calder, é o epicentro de “Eixo-Êxtase”. Ao desafiar a gravidade, privilegiar a leveza, incorporar o movimento casual e um ritmo inesperado para o volume escultórico, o artista serviu de farol para as novas gerações a partir dos anos 1930. Suas passagens pelo Brasil foram decisivas para impulsionar as linguagens construtivas das décadas de 1950 e 1960.

 

Essas reverberações estéticas que visavam rever o eixo construtivo a partir do ideário modernista, criaram um ambiente de êxtase formal que foram incorporados nas pesquisas dos fotógrafos brasileiros, gerando um novo patamar para a fotografia de arte por aqui.

 

As “lunettes” do mobile de Calder constelam na Simões de Assis Galeria como as estrelas no firmamento do modernismo brasileiro, definitivamente “familiarizadas com negativos fotográficos”, como pedia Oswald de Andrade.

Eder Chiodetto

 

 

De 30 de março a 11 de maio.