Tarsila em Paris.

10/set

Sophie Su circulou uma nota na qual anuncia que a exposição “Tarsila do Amaral: Peindre le Brésil moderne” abrirá em Paris no Musée du Luxembourg de 09 de outubro de 2024 a 02 de fevereiro de 2025.

Informa ainda que “..essa legendária exposição, organizada pela curadora Cecília Braschi, destacará a importância de Tarsila do Amaral como figura central do Modernismo Brasileiro, com obras que capturam o imaginário popular e moderno de um Brasil em transformação. Estamos muito felizes em compartilhar que participamos da organização da exposição, colaborando com Cecília Braschi na curadoria e nos empréstimos das obras. Gostaríamos de convidar vocês para este momento especial! Se estiverem em Paris e desejarem convites exclusivos para a exposição, por favor, RSVP até quinta-feira, 12 de Setembro. Estamos à disposição para maiores informações. Será uma honra contar com sua presença neste evento imperdível!Abraços, Sophie Su”.

Antônio Roseno no CCBB Rio.

A exposição A.R.L. Vida e Obra, do fotógrafo e pintor brasileiro Antônio Roseno de Lima (1926-1998), entrou em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro. Vale conhecer a produção do artista outsider, natural de Alexandria, RN, que migrou para São Paulo e encontrou na arte a forma de se expressar. Semianalfabeto e morador da periferia de Campinas, A.R.L., como decidiu assinar suas obras, afirmando sua identidade como um cidadão, foi descoberto no final da década de 1980 pelo artista plástico e professor doutor do Instituto de Artes da UNICAMP, Geraldo Porto, que assina a curadoria da mostra. A exposição reúne mais de  90 obras, na sua grande maioria pinturas, principal suporte usado pelo artista. Há ainda à disposição do público 3 três reproduções  em 3D, facilitando a acessibilidade para pessoas com deficiência visual. A mostra, que já passou pelos CCBBs SP, BH e DF, fica no CCBB Rio até 28 de outubro, encerrando sua temporada.

O pintor tirou da sua própria realidade a inspiração para criar obras que são reflexo da mais pura e encantadora Art Brut, termo francês, criado por Jean Dubuffet, para designar a arte produzida livre da influência de estilos oficiais e imposições do mercado de arte, que muitas vezes utiliza materiais e técnicas inéditas e improváveis. Seus temas centrais foram autorretratos, onças, vacas, galos, bêbados, mulheres e presidentes. Apesar das condições precárias em que vivia na favela Três Marias, em Campinas (onde morou de 1962 até sua morte, em junho de 1998), Roseno expressava seus sonhos e observações do cotidiano através de suas pinturas, muitas vezes utilizando materiais improvisados encontrados no lixo: pedaços de latas, papelão, madeira e restos de esmalte sintético. Impressionado pela singularidade da obra de Antônio Roseno, o curador Geraldo Porto conta que a primeira vez que viu seus quadros foi em uma exposição coletiva de artistas primitivistas no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988.

Como forma de rebater reportagens da época, que o demonstravam como favelado, analfabeto e doente, passou a escrever em seus quadros em letras garrafais: “Sou um homem muito inteligente”, no intuito de se livrar dessas imagens tão negativas. A.R.L. viveu com Soledade, sua grande companheira na vida, e mesmo diante da devoção de sua mulher, o artista insistia em repetir em sua obra: “Nunca tive amor na vida”, independentemente das quase quatro décadas de relacionamento que os dois mantiveram.

Em 1991 Geraldo Porto fez a curadoria da primeira exposição individual de A.R.L., na galeria de arte contemporânea Casa Triângulo, de Ricardo Trevisan, em São Paulo. Logo após, uma televisão alemã fez uma matéria sobre Roseno, veiculada na Europa durante a Documenta de Kassel. O jornal brasileiro Folha de São Paulo recomendou sua mostra como uma das melhores da temporada. Seus trabalhos hoje figuram em publicações de renome mundial. Antônio Roseno faleceu em 1998, quando uma boa parte de seus trabalhos já estava em coleções de arte no Brasil e no exterior. Infelizmente, outra grande parte foi descartada pelo caminhão da prefeitura, chamado pela família para limpar a casa.

A emergência do novo.

O artista plástico Júlio Vieira ocupa o Centro Cultural Correios Rio de Janeiro com “Entrespaços”, exposição que apresenta pinturas em óleo e acrílica e objetos que exploram novas concepções de paisagem.

Em telas de grande e média escala, o artista sobrepõe e redimensiona múltiplas camadas para criar espaços imaginários. Indo além dos elementos orgânicos comuns na pintura de paisagem tradicional, o artista inclui em suas obras elementos territoriais, de identidade e subjetivos. Camadas e perspectivas são embaralhadas, possibilitando ao observador diferentes olhares sobre o seu entorno. Entre os elementos, todos retirados de lugares reais, estão referências coletadas por Júlio Vieira em seus deslocamentos cotidianos por metrópoles no Brasil e no exterior e homenagens à iconografia de artistas que admira. Segundo a curadora Daniela Avellar, os entrespaços são “espaços onde podemos perceber a emergência do novo”.

O artista ainda apresenta a série de bandeiras “7 ervas”, onde explora questões da pintura em formato tridimensional. Confeccionadas em veludo e feltro, cada uma delas traz bordada a imagem de uma erva relacionada a poderes de proteção na cultura brasileira, criando um espaço para o ritual e o sensível.

Até 26 de outubro.

Panorama sobre a década de 1980.

 

Com nome inspirado na música dos irmãos Marina Lima e Antônio Cícero, a exposição “Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil” vai ser inaugurada em 02 de outubro, no CCBB, Centro, Rio de Janeiro, RJ. Marina Lima autorizou o uso do título como também amou a homenagem dos curadores Raphael Fonseca, Amanda Tavares e Tálisson Melo, já que a música está completando 40 anos em 2024. “Fullgás”, assim como a música de Marina Lima, “…deseja que o público tenha contato com uma geração que depositou muito de sua energia existencial no fazer arte assim como em novos projetos de país e cidadania – uma geração que, nesse percurso, foi da intensidade à consciência da efemeridade das coisas, da vida”, dizem os curadores.

São mais ou menos 300 obras de artistas, como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Leda Catunda e Leonilson, e também de outros, de todas as regiões do país, como Jorge dos Anjos (MG), Kassia Borges (GO), Sérgio Lucena (PB), Vitória Basaia (MT), Raul Cruz (PR), apresentando um amplo panorama sobre a década de 1980. Além dos quadros, a mostra incluirá elementos da cultura visual da época, como revistas, panfletos, capas de discos e objetos.

A “Geração 80” ficou marcada com a mostra “Como vai você, Geração 80?”, no Parque Lage, em 1984. “Queremos mostrar que diversos artistas de fora do Rio e São Paulo também estavam produzindo na época e que outras coisas também aconteceram no mesmo período histórico, como, por exemplo, o “Videobrasil”, um ano antes, que destacava a produção de jovens videoartistas do país”, completam os curadores.

Identidade artística de dois mundos.

09/set

“Re-localizando o Horizonte” inaugurou no Instituto Cervantes de São Paulo, SP. Trata-se de uma exposição coletiva com artistas da Argentina, Cuba, Chile e Brasil que celebra laços históricos, culturais e artísticos que uniram a Espanha à América Latina. Como destacou Gutiérrez Viñuales, catedrático em Arte Latino-americana no Departamento de História da Arte da Universidade de Granada, “a Espanha encontrou na América um espelho cultural onde se olhar e encontrar razões para sua própria identidade, enquanto que a América encontrou na tradição hispânica elementos plausíveis de serem revividos e entrelaçados com sua própria história, sua cultura e, portanto, sua arte, confirmando-se como um sustento da nacionalidade”.

A exposição “Re-localizando o Horizonte” celebra essas conexões, evidenciando como, ao longo do tempo, esses vínculos experimentaram tanto momentos de aproximação quanto de distanciamento. A mostra busca explorar a rica diversidade da arte latino-americana, ao mesmo tempo em que reflete sobre a influência mútua e as complexas relações que forjaram a identidade artística de ambos os mundos.

Curada por Mahara Martínez, a exposição coletiva apresenta uma seleção de obras de artistas latino-americanos que, através de diversos enfoques e meios, exploram a interseção entre a identidade cultural e as experiências pessoais. Os artistas Vero Murphy (Argentina), Mariana Tocornal (Chile), Larry Gonzalez (Cuba), Julia Retz (Brasil), Camila Bardehle (Chile), Nestor Arenas (Cuba), Evelyn Sosa (Cuba) e Renato Almeida (Brasil) oferecem, com suas obras, uma visão única que questiona e reinterpreta o ambiente natural e urbano a partir de uma perspectiva crítica e poética.

A exposição integra o projeto intitulado “Sentidos e sons de uma ilha”, que durante o mês de setembro incluirá eventos de música, exposições, palestras, literatura e cinema cubano.

Em cartaz até 05 de outubro.

Reflexões sobre a inclusão e a diversidade.

O artista visual Mauricio Kaschel apresenta até 26 de outubro a exposição “Atípico”, no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba (MACC), SP, sob curadoria de Claudia Lopes, onde apresenta uma proposta sobre a reflexão dos padrões sociais estabelecidos, celebrando a singularidade de cada indivíduo e questionando conceitos de normalidade e anormalidade. O artista desenvolveu uma produção que desafia as convenções estéticas e narrativas tradicionais. Utilizando uma paleta monocromática e o papelão como suporte, suas obras dialogam com a solitude e a introspecção, convidando o público a refletir sobre a inclusão e a diversidade. Suas figuras solitárias, em poses meditativas, expressam a complexidade de sua experiência como indivíduo.

A curadora Claudia Lopes destaca que a exposição “Atípico” é um manifesto visual que questiona as normas sociais e celebra a diferença. Segundo ela, “ao desvendar os mistérios do papelão e da cor, o artista nos convida a olhar além das aparências e a reconhecer a beleza na diversidade humana”. Essa abordagem introspectiva é fundamental para a compreensão do trabalho de Mauricio Kaschel, que utiliza sua arte como uma ferramenta para explorar sua identidade e o lugar do indivíduo na sociedade. Sua produção é marcada por uma técnica autodidata que alia experimentação a uma meticulosa atenção aos detalhes. Sua escolha pelo suporte rústico e imperfeito reflete seu desejo de criar uma conexão direta com a realidade material e as deficiências existentes na vida cotidiana. Cada corte no papelão simboliza as cicatrizes da existência humana, refletindo sua jornada pessoal e artística.

“Atípico” também integra a condição neuro divergente de Mauricio Kaschel em sua prática artística. Diagnosticado no Espectro Autista nível 1 aos 35 anos, encontrou na arte um meio de expressão que transcende as limitações impostas pelas normas sociais. “Atípico” é, portanto, uma afirmação de sua identidade e não uma celebração da neurodiversidade, abordando temas como autenticidade, autorreflexão e alerta social. A mostra propõe uma reflexão sobre as relações humanas no contexto da arte contemporânea. O trabalho de Mauricio Kaschel valoriza a autoaceitação, desafiando as normas e expectativas da sociedade. Claudia Lopes observa que, em um mundo que frequentemente busca conformidade, “Atípico”, um grito de liberdade e aceitação, celebrando a pluralidade humana em todas as suas formas, convida o público a um diálogo introspectivo. Nas profundezas do azul, por exemplo, o artista encontra os segredos antigos, os mistérios do universo ecoando nas dobras do material. Cada obra é uma dança entre luz e sombra, um eco das palavras não ditas que reverberam na memória do observador. “Atípico” se posiciona como uma reflexão profunda sobre a arte e a condição humana, explorando suas complexidades e o fazer artístico como meio de expressão individual e coletiva. A exposição oferece ao público uma oportunidade única de se engajar com questões fundamentais sobre a identidade, a diferença e a inclusão, através do olhar sensível e da técnica apurada de Mauricio Kaschel.

Sobre o artista

Maurício Kaschel (Campinas, SP) – iniciou sua trajetória artística aos 12 anos, com uma exposição no Hospital de Câncer Infantil Boldrini, onde foi tratado de uma grave condição de saúde. Graduado em Cinema pela Faculdade de Cinema e Mídias Digitais (Brasília, DF), dedicou uma década ao audiovisual, atuando como roteirista e colorista. Publicou livros infantis e infantojuvenis, e exerceu diversas funções além de professor de artes e storytelling. Em 2022, redirecionou seu foco para as artes visuais, sendo reconhecido em 2023 com o prêmio do 45º Salão de Artes Plásticas Waldemar Belisário, em Ilhabela, SP. Participou de residência artística no Ateliê Ziriguidum, em Poços de Caldas, MG, e já expôs suas obras em diversas mostras, individuais e coletivas, incluindo “Caminho” (2023), Salão de Arte UNIVAP (2024) e a XX Mostra de Arte do Vale do Paraíba (2024).

A leveza da arte de Gianguido Bonfanti.

06/set

A Galeria Evandro Carneiro Arte, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, anuncia a Exposição Gianguido Bonfanti, que estará aberta ao público de 14 de setembro a 05 de outubro. A  mostra individual traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro com uma abordagem que opta pela leveza da arte sem drama. Além das pinturas, a exposição conta também com esculturas, desenhos e um conjunto de cerâmicas-instalações. Algumas dessas cerâmicas serão apresentadas em um livro-objeto, que será lançado durante o período do evento. A edição especial e limitada foi idealizada por Alberto Saraiva e criada por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas expostas por Bonfanti no Parque Lage em 2023. A curadoria da exposição é de Evandro Carneiro.

Sobre o artista:

“As obras que transcendem o tempo, transcendem porque têm a ordem cósmica dentro delas. Nós somos estruturados pela ordem cósmica, tanto na matéria quanto no espírito, na energia. Quando há esse mergulho profundo, há um encontro com a origem e, então, se pinta determinado pela ordem cósmica. Ao mesmo tempo tingindo a obra com a singularidade do artista e com o momento histórico. São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico, as leis do Universo. Eu acho que as grandes obras transcendem o momento histórico delas porque foram estruturadas pela lei universal. Então elas não têm tempo, são atemporais.” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora).

Gianguido Bonfanti nasceu em São Paulo, no seio de uma família italiana, em 1948. Dois anos depois, seus pais voltam a residir no Rio de Janeiro, onde já haviam morado, desde que chegaram ao Brasil. Em 1962, ainda adolescente, o artista se torna aluno de Poty Lazzarotto, amigo de seu pai, e inicia o seu aprendizado artístico. Após cinco anos, já expunha na Galeria Santa Rosa, RJ, junto com outros jovens artistas. No ano seguinte entra para a Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Em 1971 pede transferência do curso de arquitetura para a Faculdade de Arquitetura de Roma, mas chegando lá, passa a frequentar com entusiasmo a Academia dei Belle Arti, matriculando-se nos cursos de modelo vivo e gravura. Ainda nesta viagem à Itália, uma exposição de gravuras de Pablo Picasso o impacta irreversivelmente. Gianguido decide, então, viver da e para a arte. Em seu retorno ao Brasil (1973), expõe no Centro Cultural Lume, RJ, a sua primeira individual, com desenhos produzidos em Roma e se aprofunda no aprendizado da gravura, com Marília Rodrigues na EAB – Escolinha de Arte do Brasil. Em 1974 realiza a mostra Desenhos de G. Bonfanti no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba, PR, e conquista vários prêmios, dentre os quais, as primeiras colocações nos Salões de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Paranaense, no Concurso Nacional de Artes Plásticas, todos na categoria desenho. Sua obra era, então, bastante inspirada pela estética medieval europeia, quase como num sopro de outras vidas, mas também continha vestígios de uma experiência passada há pouco tempo: o velejo. Figuras bestiais amarradas umas às outras e se controlando mutuamente, ora humanos e ora animais, convivem em cenas quase sempre fantásticas.  Nesses desenhos, as amarras são claramente os mecanismos da vela, memórias de quando Gianguido participava ativamente de regatas, em sua adolescência e tenra juventude, e vivia a vida no mar.  Ainda durante a década de 1970, sob a influência do mestre Poty, trabalha ilustrando livros, jornais e revistas. Ao mesmo tempo, passa a integrar o seleto grupo de professores da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, dando aulas de gravura e fotogravura na gestão revolucionária de Rubens Gerchman. Era uma época de efervescência cultural e política, dentro e fora da EAV. E de muito trabalho para Bonfanti que, além de professor e artista, passou a realizar pesquisas ontológicas, por meio da fotografia, no Instituto de Doenças Tropicais da Av. Presidente Vargas, a partir do que compõe “gravuras que são reproduções fiéis dos slides que consegui com os médicos” (Bonfanti, 2024, em conversa oral com a autora). No mesmo período analisa cadáveres da Escola de Medicina da URFJ, na Frei Caneca. Essas experiências significaram um olhar aprofundado às doenças do ser humano. Não de cada um daqueles sujeitos retratados, mas um estudo sobre a doença e a possibilidade da cura. Um tipo de catarse ao passar por anos sofridos. Esse viés realista e angustiante sobre a humanidade se perpetua em fases seguintes de sua obra, mas com linguagens totalmente diferentes. Ao findar a década de 1970, Bonfanti já se tornara um exímio gravador e recebe prêmios de gravura em mostras e salões. Sua obra nesse período apresenta certa continuidade com a fase anterior. Desenhos e gravuras têm temáticas e cenas semelhantes. O fundo branco vai sendo mais utilizado e as figuras vão, aos poucos, se tornando menos desenhadas e mais expressivas, já prenunciando as fantasmagorias vindouras em suas telas e a opção pela pintura. Os anos 1980 iniciam um movimento de reviravolta na vida do artista: ele começa a pintar com pastel seco e tinta a óleo, passa a lecionar gravura também na PUC-Rio e ali conhece Marisa, sua esposa até hoje e mãe de suas filhas. Inspiração maior que o amor não há! Ao decidir-se pela pintura, buscou aprender com os restauradores, procurando referências no melhor do métier: Edson Motta Filho e Marilka Mendes, a fim de conhecer tudo o que se podia sobre as tintas e os suportes. Afinal, como se nota na epígrafe escolhida para esse texto, a preocupação com a conservação de uma obra de arte se liga ao tempo da longa duração e da permanência histórica. Não que seja este o objetivo, mas há esta preocupação em preparar cuidadosamente a tela sobre a qual, depois de alguma espera, o artista irá derramar a sua energia, gerando um movimento cósmico. “O pintor tem por obrigação conhecer, profundamente, os materiais e seus comportamentos. Estabelecer um diálogo íntimo, mais que isso, um encontro com seus instrumentos de trabalho, num respeito referencial aos mesmos. É dessa cumplicidade que ele obterá os melhores resultados. Acredito num sacerdócio da pintura.” (Bonfanti in Coutinho, Wilson. Rio Artes no 23 – maio 1996, p. 11). Os anos 1990 são marcados pela pintura “vermelha”, como diz o próprio artista, em que sua obra é pura expressão e densidade. As tintas se revelam e se avolumam nas enormes telas magentas. Daí as associações feitas com a Escola Inglesa (Lucien Freud, Frank Auerbach e Francis Bacon) e, também, com o brasileiro Iberê Camargo. Bonfanti mesmo confessa que quando conheceu a obra de Auerbach, em Nova Iorque, 1996, ficou “chocado” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Frederico Morais chamou atenção para o erotismo dessa fase (Morais, 1996 – Catálogo da Exposição do MAM-RJ).Sem dúvida há falos monstruosos e cenas com conotação sexual. Porém, toda a meditação ontológica se junta à matéria artística, ao gesto, à energia do artista. A sua pintura transcende ao desejo subjetivo. O carnal aí não é egóico, mas transcendental. “Mas a pintura vibrante de Bonfanti escapa tanto da hipervisibilidade do obsceno, quanto do vazio ou da inautenticidade do pornográfico. Em primeiro lugar, porque, o que vemos nesses quadros é o ato sexual levado ao clímax da religiosidade. Por um momento, revejo numas telas o esquema formal da Pietá de Villeneuve, pressinto noutras, o êxtase sexual igualando-se ao êxtase místico”. (Morais, 1996, p. 3). A passagem dos anos 1990 para os 2000 vai do vermelho ao ocre e passa “do dois ao três” na dialética das personagens, mas também tendo em mente o que o artista diz na epígrafe deste texto: “São três elementos que entram aí: o singular, o histórico e o eterno, o cósmico” (Bonfanti, 2024). Os temas não variam tanto: as cenas continuam a expressar o drama humano e se repetem muito, com gravidade e urgência, num jogo de latências e ardências em que os sujeitos se observam e tentam curar-se, repetidamente. É como se a sua pesquisa ontológica tivesse chegado ao clímax da reflexão acerca da experiência histórica e precisasse de uma pausa. Quase uma parada no tempo cronológico, um páthos pela humanidade, na fundação de um tempo mítico. “No que se refere aos autorretratos e às cenas com dois ou três personagens, a própria repetição os aprofunda, e os eleva ao nível do mito, isto é, ao nível em que não é possível deixar de acolhê-los como mitos. Tal repetição, com efeito, é uma atividade ritual, e o ritual, uma vez percebido como tal, pressupõe uma explicação mítica, que nos incomoda, quando não lhe atribuímos.” (Francis Gibson, M. in Bonfanti, 2005, p. 99). Assim entendidas como míticas, as cenas densas e fantasmagóricas já não incomodam, mas transcendem. Talvez por isso, a década de 2020 seja caracterizada pela retirada da cena na pintura de Gianguido: “Eu fiz um grande esforço no passar dos anos para abandonar as cenas, para me concentrar mais na pintura em si. Porque a cena é sempre uma leitura de uma situação humana, e eu estou tentando fugir da história, fugir da cena. É o que estou tentando com a minha pintura nos últimos anos. Me concentrar na pintura, para ela se apresentar em si.” (Bonfanti, 2024, em conversa com a autora). A exposição da Galeria Evandro Carneiro traz 30 obras de um Gianguido Bonfanti maduro e decidido pela leveza da arte sem drama. Sua pintura se apresenta, suave, em contornos mais coloridos e formas cheias de energia. O branco no fundo retorna como em seus desenhos iniciais. Autorretratos ou não, os rostos e linhas são alegóricos. Atingem um tempo universal.  Há, ainda, na mostra, esculturas e desenhos. Um conjunto de cerâmicas-instalações compõem também a coleção ora apresentada e algumas delas são encaixadas no livro-objeto que é lançado na mesma ocasião do evento. Uma edição primorosa e limitada, idealizada por Alberto Saraiva e criado por Claudia Gamboa e Ney Valle (Dupla Design), a partir das cerâmicas da exposição do artista no Parque Lage, em 2023. A publicação e a mostra de Gianguido Bonfanti não podem ser perdidas.

Laura Olivieri Carneiro.

Agosto de 2024

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Um olhar arqueológico

O artista plástico Osvaldo Carvalho inaugurou a individual “Aspectos de uma cidade” no Ateliê 31, Centro do Rio de Janeiro. A mostra reúne 25 pinturas em dimensões diversas, produzidas após o período pandêmico.

A exposição com curadoria de Shannon Botelho, propõe um mergulho na complexidade do espaço urbano e suas dinâmicas cotidianas. Com um olhar arqueológico sobre o tempo presente, a pesquisa do artista explora as estruturas sociais e os conflitos diários que moldam a vida nas cidades. Através de suas pinturas, Osvaldo Carvalho captura o aqui e o agora em um contexto onde virtualidades, algoritmos e fragmentos coexistem. Suas obras, ricas em cores, figuras e contrastes, refletem as tensões e rupturas da vida urbana, convidando o público a refletir sobre o que permanece e o que está por vir.

Em sua recente pesquisa, Osvaldo Carvalho se debruça sobre imagens e referências da cultura e da cidade, explorando o vocabulário visual contemporâneo e as contradições de um imaginário moldado por ideologias, conflitos e poder. Fragmentos de cenas, situações e detalhes do cotidiano emergem como expressão de uma prática artística que desafia e ressignifica o olhar sobre a cidade. “Aspectos de uma cidade” apresenta um conjunto representativo do seu trabalho. “A problematização dos ‘lugares comuns’ das cenas prosaicas, experimentadas no dia a dia, é uma constante nos trabalhos que abordam, cada qual a seu modo, as peculiaridades de uma cidade tão complexa e desigual, quanto sedutora e inebriante”, descreve Shannon Botelho.

As 25 pinturas exibidas na mostra fazem parte das cinco séries “Pequenas Dissensões”, “Caixas e Caixotes”, “Celebração”, “Empreendedores” e “Balada”. As duas primeiras “estabelecem uma problematização sobre os objetos-imagens com os quais lidamos diariamente, com um certo grau de ironia e problematização sobre a sua descartabilidade e multiplicidade, como em um libelo anti-pop”. Já nas séries seguintes, o artista “indica mais um aspecto da reflexão, desta vez, marcada pela violência e pela desigualdade social, agravadas pelo racismo estrutural que vigora não só em nossa cidade, mas também em todo país”, diz o curador.

A exposição propõe um campo de debate, onde a ironia das situações e dos contextos convida à reflexão sobre nossas condições de vida, nossas escolhas e as ações cotidianas que sustentam o status quo. Osvaldo Carvalho traz à tona sua perspectiva a partir da zona norte do Rio de Janeiro, abordando temas como desigualdade social e violência urbana, muitas vezes com referências diretas. Ele faz isso dentro do universo pictórico, consciente do ambiente saturado de imagens, e busca capturar a atenção do espectador com uma paleta marcante e composições que desafiam o olhar, criando conexões e sobreposições de elementos que provocam a reflexão e estão longe de serem acidentais. “Aspetos de uma Cidade”, funda-se como um lugar propício para nos encontrarmos com o tempo presente, revisitarmos o passado e desenharmos outro futuro, diferente do qual que desde agora avistamos”, conclui Shanon Botelho no texto curatorial.

Sobre o artista

Osvaldo Carvalho nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, RJ, em 1976. Pintor. Mestre em Poéticas Visuais (ECA-USP), inicia seus estudos artísticos no EAV- Parque Lage (Rio de Janeiro) e Museu do Ingá (Niterói), aprofundando sua pesquisa em 2000 com o Prêmio Interferências Urbanas. Seu olhar permeia signos do imaginário da cultura de massa, publicidade, objetos e interiores domésticos e uma reflexão sobre a paisagem pública e urbana. O artista questiona estruturas de poder, nas esferas micro e macro-políticas, em inúmeras séries desdobradas em linguagens como a pintura, desenho, escultura, fotografia e vídeo. Seu trabalho já foi visto na França, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Portugal, Colômbia e ocupa acervos importantes como o do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul), Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Coleção SESC Amapá. Foi finalista do prêmio Marcantonio Vilaça em 2019, além de outros prêmios ao longo de sua carreira.

Até 04 de outubro.

Nova representação para Ana Silva

05/set

A Gentil Carioca, Rio de Janeiro e São Paulo, anuncia a representação da artista Ana Silva.

Nascida em Calulo, Angola, a artista vive e trabalha em Lisboa, Portugal, e se expressa por meio da diversidade dos materiais que utiliza. Tela, madeira, metal, tinta acrílica e tecido são elementos que compõem e dão forma à sua arte. Durante suas caminhadas pelos mercados de Luanda, começou a distorcer o uso primário de sacos de ráfia e outros artefatos para um trabalho de memória; de objetos abandonados a objetos revividos: “Não consigo separar meu trabalho da minha experiência em Angola, em uma época em que o acesso a materiais era difícil devido à guerra de independência e à guerra civil. Minha criatividade nasceu da exploração de meu ambiente imediato. Essa experiência teve um grande impacto em minha maneira de trabalhar e em minha vida de modo geral.”

Em 2023 participou das exposições coletivas Ocultas Marés: Ana Silva & Marcela Cantuária, n’A Gentil Carioca São Paulo e Constellation na Galerie MAGNIN-A em Paris, França. Em 2022, realizou a individual Vestir Memórias, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea em Almada, Portugal. No mesmo ano, também participou do Festival International des Textiles Extraordinaires, em Clermont Ferrand, na França.

Pancetti na Casa Fiat de Cultura

04/set

O público brasileiro conhecerá uma das últimas obras de Pancetti – inacabada -, além de documentário inédito e instalação imersiva com experiência poética. O mar sempre provocou fascínio nos homens. Os mistérios escondidos nas águas salgadas atraem, há séculos, o olhar de exploradores, pesquisadores, estudiosos, e de artistas. No Brasil, José Pancetti retratou como ninguém o beijo entre o mar e a areia. Sua poesia e delicada sobriedade serão reveladas na primeira exposição do artista em Belo Horizonte, MG, com pinturas de marinhas, paisagens, retratos e naturezas-mortas. “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia…”, que fica em cartaz até 17 de novembro.

A exposição tem curadoria de Denise Mattar e apresenta um conjunto de 46 trabalhos realizados entre 1936 e 1956, alguns deles nunca antes exibidos para o público, além de uma cronologia ilustrada e uma instalação imersiva, que reúne músicas de Dorival Caymmi, imagens e sons do mar. Também será apresentado um documentário inédito, produzido por Ula Pancetti, neta do artista. Na abertura ocorreu um bate-papo com a curadora Denise Mattar e Ula Pancetti. Toda a programação da Casa Fiat de Cultura é gratuita.

Entre as obras, o público poderá apreciar “Auto-vida” (1945), autorretrato emblemático de Pancetti, em que o artista mescla realidade, imaginação e ironia; “Retrato de Francisco” (1945), que mostra um menino negro tendo ao fundo a paisagem de um morro de São João del-Rei, cidade onde o artista viveu uma temporada; “O Chão” (1941), obra que deu ao artista o Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão de Belas Artes; “Praça Clóvis Bevilacqua” (1949), obra pintada das janelas do Palacete Santa Helena, local onde dividiam o ateliê os artistas Volpi, Rebolo, Mário Zanini, Manoel Martins, entre outros; “Floresta, Campos do Jordão, SP” (1944), cidade onde o artista passou algumas temporadas para tratamentos de saúde e que é frequente em sua obra; “Pescadores” (1956), obra incomum na produção de Pancetti, que retrata a pesca do xaréu, em Salvador; “Lagoa do Abaeté” (1952), obra que retrata o encanto do artista pela cor das águas, da areia e dos panos das lavadeiras; “Paisagem de Itapuã” (1953), obra emblemática de Pancetti, que deu início à Coleção Gilberto Chateaubriand, uma das mais importantes do país; “Coqueiros de Itapuã” (1956), obra da última fase da pintura de Pancetti, momento em que o artista alcança uma plenitude criativa; além de “Composição – Bahia Interior o meu atelier, Itapoan” (1957), obra inacabada, que pertence à família do artista e é inédita para público. As obras provêm de coleções privadas de instituições do Brasil: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Brasileira da FAAP.   

As marinhas são a sua faceta mais conhecida, mas ele também pintava naturezas-mortas, paisagens e retratos, em obras singulares e muito poéticas. Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, Massimo Cavallo, a paixão do pintor inspira a instituição a oferecer essa mostra. “A galeria da Casa Fiat de Cultura ganha a leveza, a profundidade e a brisa do mar que sempre estão presentes nas obras de Pancetti. Para sentir, basta contemplar.”

Filho de imigrantes italianos, José Pancetti foi pintor, escultor, desenhista e gravador.  Também foi pintor de paredes e militar da Marinha Brasileira – ofício que influenciou fortemente a sua obra e a relação com o mar. Nasceu em Campinas (SP), mas logo cedo se mudou para São Paulo. Seu pai era pedreiro, mestre-de-obras e músico e a mãe era camponesa. Por causa das dificuldades financeiras, foi enviado à Itália, ainda jovem, onde ingressou na Marinha Mercante. A infância difícil e as privações da adolescência deixaram marcas profundas na personalidade e na saúde de Pancetti, assim, o ingresso na Marinha Brasileira foi um alívio para as suas atribulações. O pintor teve seu talento descoberto na Marinha. Começou pintando um camarote e logo passou a pintar postais e tampas de caixas de charutos. A partir daí, seu interesse pela pintura se intensificou e chegou a estudar por um curto período no Núcleo Bernardelli (Rio de Janeiro), um ateliê livre que tinha orientadores em vez de professores.

A curadora da mostra, Denise Mattar, destaca que Pancetti sempre foi um pintor original e intensamente pessoal. “Seu temperamento solitário e a formação quase autodidata permitiram o surgimento de uma obra particular plena de lirismo, melancolia e poesia – uma obra que emociona. Sem estar preocupado com uma brasilidade teórica, Pancetti retratou amorosamente a nossa gente, a nossa luz e o nosso mar.”

A exposição “Pancetti na Casa Fiat de Cultura: o mar quando quebra na praia…” é uma realização da Casa Fiat de Cultura e do Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Conta com o patrocínio da Fiat, copatrocínio da Stellantis Financiamento, do Banco Stellantis, do Banco Safra, da Usiminas e da Sada. O evento tem apoio institucional do Circuito Liberdade, além do apoio do Governo de Minas e do Programa Amigos da Casa.