As cores sólidas de Germana Monte-Mór

26/set

 

A Galeria Estação, uma das mais celebradas vitrines da arte brasileira, inaugurou a exposição “Da infinidade da linha e da (im)perfeição das pedras”, que poderá ser vista pelo público até 05 de novembro. Sob a curadoria de Camila Bechelany, a mostra reúne cerca de 25 pinturas produzidas por Germana Monte-Mór nos últimos três anos. “São obras de diferentes dimensões caracterizadas por cores sólidas e justapostas, derivando as formas orgânicas que expressam a linguagem imagética da artista. Nelas, o plano da pintura ganha profundidade pela criação de fronteiras entre as formas por meio da aplicação de pigmentos, de asfalto sobre o tecido ou, ainda, por meio de incisões na tela”, diz Camila, que, ao abordar o trabalho de Germana, evoca um trecho do poema “Educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto, que diz assim: “… No Sertão a pedra não sabe lecionar/ e se lecionasse, não ensinaria nada/ lá não se aprende a pedra: lá a pedra/ uma pedra de nascença, entranha a alma”.

De acordo com a galerista e colecionadora de arte Vilma Eid, anfitriã da Galeria Estação, a artista aproveitou muito bem o período de confinamento durante a pandemia para produzir bastante. Agora, essas pinturas compõem a segunda exposição individual de Germana Monte-Mór neste espaço cultural de Pinheiros. A primeira aconteceu em 2017, quando ela desenvolveu, na galeria, o núcleo de trabalho com artistas contemporâneos. “Germana é uma artista experiente, talentosa e consagrada. Ela mantém as mesmas formas de linhas orgânicas e curvilíneas, introduziu a cor, o feltro e as telas duplas, mantendo a mesma assinatura que nos leva imediatamente a reconhecer sua obra”, afirma Vilma.

Ainda nas palavras de Camila, a exposição espelha as múltiplas perspectivas pelas quais Germana observa as dimensões da vida. “Nas pinturas maiores, as formas lembram caminhos de rios sobre um terreno acidentado e rochoso, assemelhando-se a detalhes de mapas topográficos. A artista, que busca, desde o início de sua trajetória, modos de traçar linhas sobre o plano delimitando áreas de cor e matéria, encontrou uma nova forma de transposição de sua poética do papel para um espaço tridimensional criado sobre a superfície”, analisa.

Germana segue abrindo novos caminhos em sua sofisticada e engenhosa geografia criativa. “As formas que eu criava eram acompanhadas de sombras, que eu fazia na própria pintura. Agora, utilizo duas telas sobrepostas e essas sombras surgem em uma das camadas de forma concreta”, explica.

Sobre a artista

Germana Monte-Mór nasceu no Rio de Janeiro, em 1958, e vive em São Paulo desde 1983. É desenhista, gravadora, pintora e escultora. Formou-se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em Gravura pela Escolinha de Arte do Brasil e em Artes Plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Em 2002, concluiu o mestrado em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Em 1989, recebeu a bolsa Ateliê II da Oficina Cultural Oswald de Andrade e o prêmio aquisição no 1º Prêmio Canson, do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM. Em 2004, ganhou a Bolsa Vitae de Artes, da Fundação Vitae. A busca por novos materiais é uma característica marcante da artista. Em sua trajetória, participou de importantes exposições coletivas e individuais em galerias e instituições renomadas, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Paço Imperial (RJ) e o Instituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto (SP). Suas obras integram coleções particulares e acervos célebres, como, dentre outros, o da Fundação Biblioteca Nacional (RJ), do Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP), do Itaú Cultural (SP) e da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS).

Sobre a curadora

Camila Bechelany atua como pesquisadora, crítica e curadora.  Em 2020, foi curadora da exposição Lugar Comum – Mostra 3M de Arte, SP com comissionamento de 10 obras para o espaço público. No mesmo ano foi residente do BAR Project em Barcelona e participante do programa de jovens curadores da ARCO Madrid em 2020. Em 2019, foi curadora do programa de residência, Pivô Pesquisa (SP). Foi integrante do grupo de críticos de arte do Centro Cultural São Paulo entre 2018 e 2019. Foi curadora convidada na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2019 e curadora assistente no MASP entre 2016 e 2018. onde trabalhou nas mostras Histórias da sexualidade, Avenida Paulista, Guerrilla Girls entre outras. Entre seus projetos independentes estão Parques e outros pretextos (galeria Mendes Wood, 2019); Museu Vivo (Centro Pompidou, Paris, 2016) e a criação do espaço independente La Maudite em 2013. Foi participante bolsista do ICI, NY em 2012. É mestre em Antropologia Cultural pela EHESS de Paris e em Artes e Políticas Públicas pela Universidade de Nova York (NYU).

Sobre a Galeria Estação

Com um acervo entre os pioneiros e mais importantes do país, a Galeria Estação foi inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp e consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não-erudita. A sua atuação foi decisiva pela inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco, que passou a ocupar espaço na mídia especializada, vem conquistando ainda a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições “Histoire de Voir”, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França), em 2012, e da Bienal “Entre dois Mares – São Paulo | Valencia”, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual do “Veio – Cícero Alves dos Santos”, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, além de individuais e de integrar coletivas prestigiadas, os artistas da galeria têm suas obras em acervos de importantes colecionadores brasileiros e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (São Paulo), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (São Paulo), o Instituto Itaú Cultural (São Paulo), o SESC São Paulo, o MAM- Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.

Grande exposição no Recife

21/set

 

Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra “Necrobrasiliana” chegou em Recife, PE, e permanecerá em exibição até 29 de janeiro de 2023 na Galeria Vicente do Rego Monteiro, da Fundação Joaquim Nabuco. A nominata de artistas participantes é composta por Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Thiago Martins de Melo, Tiago Sant’Anna, Yhuri Cruz e Zózimo Bulbul. Para o curador, a exposição é um desdobramento das pesquisas que desenvolve desde 2008, sob a relação entre arte e política, partucularmente o Brasil contemporâneo e essas investigações resultaram em alguns projetos de exposição, que permitiram a ele se “aproximar da produção de vários artistas que lidam com as violências que formaram e ainda constituem” o Brasil. “Comecei a perceber a recorrência de trabalhos de artistas, principalmente afrodescendentes e indígenas, mas não apenas, que estavam fazendo, em suas obras, embates críticos com essas imagens que supostamente retratavam o Brasil entre os séculos 16 e 19. A partir daí, comecei a pesquisar mais ativamente esta produção”.

 

Moacir dos Anjos ainda revela que a mostra foi concebida em 2019, pela Fundaj. No ano seguinte, a Fundação e o Museu Paraense (MUPA) fizeram um acordo de cooperação técnica e cultural, que teve como primeiro fruto a exposição “Educação pela Pedra”, realizada em 2021, no museu paranaense. Por causa das agendas das instituições, ambas decidiram que “Necrobrasiliana” seria primeiro exibida em Curitiba e, depois, no Recife.

 

Com os anos de pandemia e o agravamento da crise política que o Brasil atravessa, a exposição se tornou ainda mais relevante, de acordo com o curador. “As questões que ela apresenta, e o racismo, em particular, tornaram-se mais urgentes. A coincidência com as comemorações dos 200 anos da Independência também deram maior pertinência, pois muitas das obras se referem, de modo crítico, a imagens feitas naquele tempo, que ainda hoje informam a memória que temos do Brasil dos tempos de colônia e império”, avalia.

 

O título da mostra é uma alusão ao conceito de necropolítica – políticas de morte, para o controle das populações -, elaborado pelo filósofo, teórico político, historiador e professor universitário camaronês Achille Mbembe. E se refere, também, à brasiliana, nome dado à produção de viajantes europeus ao País, durante o período colonial, por artistas, escritores, cartógrafos e cientistas, como Albert Eckout, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas e Nicolas-Antoine Taunay.

 

“É também o título de um trabalho de Thiago Martins de Melo, que conheci numa exposição do artista em São Paulo, no início de 2019. Duas pinturas dessa exposição estão presentes em Necrobrasiliana, mas não aquela de título idêntico”, diz.

 

Moacir dos Anjos argumenta que os trabalhos expostos revelam duas estratégias artísticas principais, em curso, que se debruçam sobre a reavaliação da representação colonial no Brasil. Por um lado, diz ele, há obras que focam na exposição de danos impostos às populações racializadas, ao longo da história do País, a exemplo das criações de Thiago Martins de Melo, Jaime Lauriano ou Rosana Paulino. Outros, apontam para uma “dimensão de cura e redesenho” do que poderia ser o Brasil no futuro, a saber, os trabalhos de Gê Viana, Ana Lira e Yhuri Cruz e Dalton Paula. “Em alguns, essas duas operações se embaralham um pouco. Como está no título do ensaio publicado no catálogo, são estratégias artísticas que querem ‘defender os mortos e animar os vivos’, pondera. “Ou seja, defender os mortos de suas dores, mas, também, simultaneamente, animar os vivos a fazerem valer, no tempo de agora, os desejos frustrados ou sufocados de tantos no passado. Insistir nessa relação de ‘intimidade’ entre a experiência dos que vivem agora com as vidas dos que há muito morreram me parece, de fato, fundamental.”

 

Duas exibições de Rodrigo Andrade

 

 

Além de um recorte de sua trajetória, as primeiras exposições de Rodrigo Andrade no Rio Grande do Sul – até 09 de abril de 2023 e também sob a curadoria de Taisa Palhares, “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” – em cartaz até  04 de dezembro de 2022 – na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS, apresenta versões em óleo sobre tela de obras de Iberê Camargo.

 

Antes da inauguração de sua mostra o artista participou como convidado do Instituto Ling para um bate-papo com a curadora e crítica de arte Taisa Palhares. Durante o encontro, Andrade, considerado um dos mais importantes nomes da arte contemporânea brasileira, abordou temas como a materialidade e o espaço da pintura, as relações entre a autonomia do fazer pictórico e a cultura em geral e antecipou detalhes sobre as duas exposições. No terceiro andar, “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” reúne, pela primeira vez em Porto Alegre, um recorte de 30 trabalhos, que representam uma visão significativa de sua produção em quase 40 anos de trajetória singular.

 

Pintura e Matéria – 3º andar

 

Com curadoria de Taisa Palhares, o percurso de “Rodrigo Andrade – Pintura e Matéria” – em cartaz até  04 de dezembro de 2022 – é organizado em três tempos: dos primórdios de seu trabalho, ainda no âmbito do ateliê Casa 7, às grandes telas realizadas a partir de imagens fotográficas que Andrade começa a pintar em 2009, com a série “Matéria Noturna”, apresentada na 29a Bienal Internacional de São Paulo (2010). Uma das salas é dedicada às telas “abstratas”, que são realizadas pela aplicação com máscara de volumes densos de tinta a óleo em formas geométricas simples sobre a superfície da tela, em geral branca e sempre em pares. O intuito é evidenciar o movimento espiral que baliza a sua produção. Por isso, não se trata de dividir a sua trajetória em fases ou estilos fixos, mas compreendê-la como a retomada, sempre por novos ângulos, de problemas centrais para o fazer artístico em seu embate com o mundo contemporâneo.

 

“Rodrigo Andrade se interessa em explorar, mediante trabalhos de aparências díspares, as relações profícuas, e nem sempre apaziguadas, entre matéria e expressão, gestualidade e repetição, colocando em questão o caráter de ‘pureza’ da arte e a sua inevitável contaminação pelo entorno, seja por meio da cultura de massas, seja pela criação de uma linguagem que se apropria do cinema, da fotografia, do graffiti e da história em quadrinhos. Ele mantém, desde sempre, um diálogo profícuo com os gêneros da história da pintura, por meio da reflexão sobre a construção da paisagem, de cenas urbanas e de interiores que nos remetem a temas clássicos da arte. Por fim, o que se percebe em suas últimas pinturas, feitas a partir de fotografias (autorais ou não), é o questionamento da verossimilhança, restabelecendo‑se, agora por outra via, o jogo entre a ilusão e a densa massa de tinta. Curiosamente é também por meio da apropriação de imagens que o artista reencontra a História da Arte. Oswaldo Goeldi, Pieter Bruegel, Gustave Courbet, Camille Corot, Claude Lorrain, Nicolas Poussin, John Constable, Johannes Vermeer, Caspar David Friedrich, Claude Monet: reminiscências que ressurgem numa fotografia do Tsunami, de uma estrada para o litoral, fotos de viagens ou registros pessoais de locais familiares. De novo, aquilo que parece banal invade o espaço pictórico, num movimento tensionado com as convenções da pintura. Desta forma, tanto o ordinário quanto a convenção são deslocados. Afinal de contas, é essa região fronteiriça que o trabalho de Rodrigo Andrade quer habitar”, conta Taisa Palhares.

 

Assombrações: um diálogo pictórico com Iberê Camargo – No 4º andar

 

Na Fundação Iberê Camargo, alguns artistas em exposição são convidados a selecionar obras do anfitrião, criando mostras inéditas. Rodrigo Andrade, para surpresa do centro cultural, decidiu produzir versões em óleo sobre tela de doze pinturas de Iberê Camargo, que pertencem ao acervo, para colocá-las lado a lado em “Assombrações”. Segundo o artista, a mostra nasce do desejo de encontrar modos de pintar de Iberê, incorporando-os ao seu repertório pictórico, muito embora ele encontre mais de si do que o pintor gaúcho nesta experiência.

 

“Se Iberê, no fim da vida, já vislumbrava o além diante de si, suas memórias já o assombravam desde antes. (…) A lama do fundo dos riachos, os riachos da infância… Jaguari, lama verde disposta com espátula… A pintura de Iberê vem da lama e à lama torna. Da lama da memória à lama pictórica. Vultos que emergem da tinta revolvida… Quanta lembrança, quanta saudade, quanta tinta! Quanto a mim, não sinto saudade de nada. Não desejo desenterrar memória nenhuma. Pelo contrário, quero me ver livre delas. (…) Esta imersão na obra de Iberê Camargo só fez crescer minha admiração por ela, mas com todo o respeito, alguma subversão ao mestre precisa haver, até para honrar o seu legado subversivo. Iberê não fazia pinturas agradáveis para o paladar do cidadão civilizado. Iberê não fazia concessões ao bom gosto e à elegância e chafurdava na sua pintura como quem busca uma verdade. Apesar de sua adesão à tradição, não era submisso a seus mestres, e se rebelava contra muitos dos dogmas modernistas, como a redução ao plano e a proibição de modelar as formas. A ele invoco uma velha máxima anarquista que diz: “Quem respeita, decai!”, diz o artista.

 

Para “Assombrações”, Rodrigo Andrade escolheu as seguintes obras de Iberê Camargo: Jaguari (1941), Sem título (c.1941), Contraste (1982), Outono no Parque da Redenção I (1988), Figura I (1964), Ciclista (1990), Fantasmagoria IV (1987), Tudo te é falso e inútil II (1992), Autorretrato (1984), Figura (1991), Solidão (1994) e Sem título (1991).

 

Trajetória

 

Nos anos 1990, Rodrigo Andrade passou a realizar pinturas com massas concentradas de cor em formas que sinalizam uma passagem da figuração para a abstração. Essas pinturas, subtituladas “Goeldianas”, remetem aos espaços densos do grande gravurista brasileiro e seus contrastes marcados de luz e opacidade. Também apontam a tendência do artista em trabalhar os limites entre figuração e abstração, o que marcaria sua trajetória até hoje. Um núcleo importante da exposição reúne as telas “abstratas” dos anos 2000, em que Andrade busca a redução da pintura a um certo grau zero: formas geométricas feitas de massas de tinta que são diretamente aplicadas sobre a tela. Esses blocos de cor sobre fundo branco trazem à tona a ideia de composição como um jogo relacional entre as cores e o espaço (da tela e do espectador). Por fim, numa terceira etapa, Andrade restitui a figuração por meio da utilização de imagens fotográficas a partir da série “Matéria Noturna”, realizada para a 29ª Bienal de São Paulo. Prevalece a materialidade assertiva das pinturas anteriores, mas com o intuito de friccionar a noção de representação. São paisagens que remetem também a locais vazios, mas ao mesmo tempo densos de sentido. Como se o artista desejasse transformar a aparência plana e descarnada do mundo das imagens em uma matéria latente de significados prontos a extravasar a tela, como na grande pintura “A Chegada do Tsunami”.

 

A exposição termina com seus quadros mais recentes, nos quais Andrade intensifica as relações entre cor, matéria e imagem, movendo-se com certa fluidez pelos elementos de sua pintura, mas sem deixar de tensionar seus limites.

 

O projeto da Fundação Iberê, assinado pelo arquiteto Álvaro Siza, sugere que as visitas às exposições comecem pelo 4º andar, e sigam pelas rampas até o átrio.

 

O afeto em Pedro Carneiro

20/set

 

 

A Galeria Movimento, Gávea, Rio de Janeiro, RJ,  apresenta até o dia 08 de outubro a exposição “Pedro Carneiro – Cartas ao Afeto”, onde aborda o afeto como perspectiva de cura coletiva. Com presença crescente no circuito da arte, participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”, no Instituto Moreira Salles em São Paulo, e terá trabalhos na 13ª Bienal do Mercosul, na mostra “Parada 7 – Arte em Resistência”, no Centro Cultural Justiça Federal e no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro -, além de quatro pinturas no Museu de Arte do Rio, a partir de setembro, expostas na coletiva “Um Defeito de Cor”. Ainda em setembro, Pedro Carneiro terá quatro pinturas expostas no Arte Pará 2022, que vai ocupar espaços da Casa das Onze Janelas e do Museu de Arte Sacra, em Belém.

 

A exposição “Cartas ao Afeto”, é a primeira exibição individual do artista Pedro Carneiro (1988, Rio de Janeiro), que reúne quinze pinturas recentes e inéditas com registros de cenas e memórias familiares, dentro de sua investigação artística em que mistura referências da história da arte, da linguagem de HQ, e de sua história pessoal. Nas obras, as pessoas retratadas estão em paletas de cinza e preto, contra um fundo rosa. Depois de uma série “Azul”, em que tratou de embates e conflitos sociais, e também imagens de família, Pedro Carneiro conta que começou a experimentar o rosa. “Queria trabalhar o afeto, a possibilidade de cura coletiva pelo carinho, mesmo sem esquecer os traumas sofridos”, diz. “Um olhar para frente, utópico, e para o espaço construído, e o que está em construção. A resistência como um foco de luz, que acende a cena”, comenta Pedro, usando uma referência de seu trabalho como iluminador teatral. “Quero dar atenção aos pequenos movimentos, gestos que antecedem os abraços, o olhar, a delicadeza do instante, e o rosa ilumina essas cenas”, explica. Para ele, as tramas individuais encontram eco na coletividade. Com presença crescente no circuito de arte, Pedro Carneiro participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros” (25/9/2021 a 3/4/2022), no Instituto Moreira Salles em São Paulo, e terá trabalhos na 13ª Bienal do Mercosul (15 de setembro a 20 de novembro de 2022), na exposição “Transe”, em Porto Alegre, na mostra “Parada 7 – Arte em Resistência” (a partir de 7 de setembro de 2022, no Centro Cultural Justiça Federal e no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro), além de quatro pinturas no Museu de Arte do Rio, a partir de setembro, expostas na coletiva “Um Defeito de Cor”. Ainda em setembro, Pedro Carneiro terá quatro pinturas expostas no Arte Pará 2022, que vai ocupar espaços da Casa das Onze Janelas e do Museu de Arte Sacra, em Belém. Em maio de 2020, foi um dos artistas selecionados pelo edital de artes visuais da série Arte como respiro: múltiplos editais de emergência, do Itaú Cultural. Sua pintura “Cuidado” (2021) integra o acervo do Museu de Arte do Rio.  Na entrada da Galeria Movimento estará a instalação “Carta ao Pai”, em que um texto manuscrito de Pedro Carneiro ao pai, falecido há alguns anos, é o elemento de ligação entre uma pintura feita a partir da fotografia de formatura de seu pai, e a fotografia de formatura do próprio artista. Uma versão inicial e diferente desta obra integrou o festival virtual Respiro, do Itaú Cultural, em 2020, durante a pandemia.

 

Pinturas – Resistência e Afeto

 

As sete pinturas que formam a série “Vol II – Track”(2021/2022) estarão na sala à direita da entrada. O trabalho é resultado da residência Pesquisa em Artes 2021, do MAM Rio. Os demais oito trabalhos, todos de 2022, são da série apelidada de “Rosa”: “Algumas lembranças não devem ser guardadas só em memórias”, “Antes da despedida”, “O mundo cabe em um instante”,“O olhar de Lisa”, “Laços II”, “Ekundayo”, e “Estamos entre rainhas e reis”. Este último faz alusão à icônica imagem de Beyoncé e seu marido Jay-Z no clipe de “Apeshit” (2018), filmado no Museu do Louvre. No lugar da Monalisa, Pedro Carneiro retratou Abdias do Nascimento, e colocou no rosto do casal máscaras do Pantera Negra. “O desenho não obedece à formalidade de uma pintura figurativa, e é uma mistura de muitas referências, do Renascimento às HQs. As pinceladas são livres”, diz Pedro Carneiro. “Quero que um garoto de Oswaldo Cruz (bairro da zona norte do Rio, local importante na formação do artista) olhe e entenda as referências: “Essa pessoa me lembra o fulano da rua”. Pedro Carneiro conta que suas grandes referências na pintura são os alemães Anselm Kiefer  (1945), Gerhard Richter (1932) e o norte-americano Kerry James Marshall. Mas entrega: : “Um dia quero ser como Arjan Martins e Cildo Meireles”. Thayná Trindade, assistente curatorial e pesquisadora no Museu de Arte do Rio, e uma das fundadoras do laboratório de Estudos Africanos e Ameríndios Geru Maa, da UFRJ, escreve no texto que acompanha a exposição: “Transcender os traumas sem apagá-los torna-se estratégia sacralizada em suas pinceladas. Se tempos antes os tons de cinza reforçaram estéticas violentas e ares de melancolia, hoje tornam-se ponto de partida para reivindicação desses corpos em levantes, somados a alegorias que versam sobre possibilidades de cura, proteção, reivindicação, amor e agência nas mais variadas formas”. Para ela, a dimensão pictórica de Pedro Carneiro encontra eco no conceito de escrevivências; de Conceição Evaristo: “Ele apresenta cotidianos, experiências, desejos, sonhos de um povo que renega o lugar de objeto e retoma o lugar de protagonista e de poder – no âmbito do existir, do conceder e do permitir – subvertendo a lógica hegemônica de um lugar-comum, marginalizado, violento”.

 

Pai, Histórias em quadrinhos, Desenhos, UERJ e Spataculu

 

Criado em grande parte nos bairros de Madureira e Oswaldo Cruz, berço das tradicionais escolas de samba Portela e Império Serrano, de uma família trabalhadora e consciente politicamente, que aposta na educação como crescimento pessoal e social, Pedro Carneiro ganhou do pai “um monte” de revistas em quadrinho. O pai atendia a uma sugestão do professor do menino na classe de alfabetização, que distraído não estava participando das atividades em sala de aula. Rapidamente o Pedro passou a desenhar para copiar as figuras que via. Enquanto aguardava ser buscado pelos pais, depois da escola, ele desenhava na casa da patroa da avó, trabalhadora doméstica. Na adolescência, quis trabalhar na criação de videogames e histórias em quadrinho, e ingressou na faculdade de artes visuais na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em 2007, pelo sistema de cotas. Na época, as bolsas que permitiam transporte e alimentação só tinham duração de seis meses. E ao buscar bolsas de pesquisa na universidade, uma professora sugeriu que ele fizesse iluminação para teatro e cenografia. Ao se graduar na Uerj, em 2011, com um trabalho de final de curso sobre as transformações que a cidade, em especial a Zona Norte, estavam sofrendo com os preparativos para a Olimpíada, Pedro Carneiro foi aluno e depois passou a trabalhar na Spectaculu, instituição de formação e inserção profissional criada pelo artista e cenógrafo Gringo Cardia. Nos dois anos seguintes cursou com bolsa a EAV do Parque Lage, e passou a integrar coletivos que realizavam eventos e ocupações artísticas em espaços públicos.Sem parar de desenhar, ele participou de eventos na rua até 2017, quando passou a se concentrar na sua pintura.

 

Sobre o artista

 

Nascido em 1988, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha, Pedro Carneiro constrói sua produção pautado pelas questões relativas à herançadiaspórica afro-latina e a cultura pop. Em pinturas, intervenções urbanas, instalações e desenhos, seus trabalhos refletem histórias reais e inventadas tendo como ponto de partida o reencontro com sua ancestralidade. Pedro Carneiro é mestrando em Arte e Cultura Contemporânea na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e em 2021 fez a residência Pesquisa em Artes do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foi selecionado para a 13ª Bienal do Mercosul, através da Chamada Aberta para a exposição “Transe”. Participou da exposição “Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros”; no Instituto Moreira Salles em São Paulo. Sua pintura “Cuidado” (2021) integra a coleção do Museu de Arte do Rio.

 

Cartas ao afeto – Pedro Carneiro

 

Thayná Trindade

 

Cartas ao afeto – primeira exposição individual de Pedro Carneiro – nos convida a um vir a ser coletivo, construindo novos pressupostos e viradas poéticas acerca da encruzilhada contínua do existir em diáspora, como corpo preto que se dispõe a olhar as vicissitudes que fazem parte de suas histórias, bem como o transbordar de sua humanidade a partir do reencontro para com os seus e os diversos graus de sentimentos que navegam no seu mar existencial, tecendo linhas e contornos através de seus trabalhos para perpetuar memórias outras. Bell Hooks nos ensina que a perspectiva de estética é, para além da própria ideia e teoria de arte, um modo pelo qual olhamos e habitamos os espaços, a fim de nos tornarmos também parte integrante daquilo que construímos. O belo também é o pertencimento. Como no conceito de escrevivência de Conceição Evaristo, a dimensão pictórica de Pedro Carneiro apresenta cotidianos, experiências, desejos, sonhos de um povo que renega o lugar de objeto e retoma o lugar de protagonismo, presença e de poder – no âmbito do existir, do conceder e do permitir – subvertendo a lógica hegemônica de um lugar-comum, marginalizado, violento, descartável. Transcender os traumas sem apagá-los se tornam estratégias sacralizadas em suas pinceladas. Se tempos antes os tons de cinza reforçaram estéticas violentas e ares de melancolia, hoje são ponto de partida para reivindicação desses corpos em levantes, somados a alegorias que versam sobre possibilidades de cura, proteção, reivindicação, amor e agência nas mais variadas formas. A dimensão dos afetos toma corpos apresentados em primeiro plano, mediante a formulação de futuros possíveis embebidos num certo anacronismo simbólico, percorridos nos elementos que constituem os espaços em cada tela: nas tecnologias ancestrais de recobro em meio às ervas medicinais e de anteparos, associados a presenças divinizadas e heróicas de personas que se tornam reais e vivas, tramadas sob o arcabouço de uma paisagem que não se revela por completo, mas que é desejada e habitada na casa das matriarcas de Oswaldo Cruz, nos Quilombos que vêm de Palmares e desembocam em Irajá, se fortalecem nas esquinas sonoras de Madureira, passam por ideais filmíticos de Wakanda, Dakota, Soho. Experimenta a teatralidade e o poder político do negro liderados por Abdias Nascimento e companhia, reveste os corpos protegidos pela espada de Ogum, saúda mares e pede benção para inaugurar uma nova fase que abraça, acarinha em tons rosa anseios de um povo. Abdias, Beatriz, Lélia, Sr. Nilson, Sr. Tonico, D.ª Ridete, Dª Luiza, D.ª Glória, Seu Carlos e tantos outros apresentam ferramentas e embalam presenças que caminham junto, onde a ideia de Sankofa é presença, energia vital, ASÈ. Afinal, como construir futuros possíveis sem reverenciar aqueles que antes vieram?

 

Thayná Trindade (1988, Rio de Janeiro, Brasil) é Assistente Curatorial e Pesquisadora no Museu de Arte do Rio (MAR). É Historiadora da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Curadora Adjunta na 01.01 Art Platform.

 

 

Karin Cagy no Solar de Botafogo

 

 

Karin Cagy tem no DNA a postura livre e destemida retratada nas telas de sua primeira exposição individual, “Beau Voir”, na Galeria Vertical do Centro Cultural Solar de Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, sob curadoria de Alexandre Murucci. Oriunda de uma família de mulheres fortes, sua mostra é fruto da virada existencial e profissional que se confirmou no período sabático durante a pandemia, quando ela assumiu sua persona artística cultivada desde a juventude. Como grande diferencial de sua investigação temática, suas personagens são mulheres na faixa a partir dos anos 1960/70, quase sempre apresentadas em protagonismos inesperados. Em seu universo pictórico, as figuras escolhidas pela artista se mostram donas de seus percursos e escolhas, contrariando estereótipos e restrições naturalizadas pela sociedade ocidental, que, apesar de se mostrar cada vez mais aberta ao enfrentamento do ageísmo, ainda mantém o culto à juventude como seu maior ativo econômico e simbólico.  A exposição vai até o dia 19 de outubro e reúne cerca de 20 obras em médios formatos, utilizando técnicas de tinta a óleo e acrílica, numa paleta “cupcake”, cores dóceis que contrastam com a atitude de suas personagens.

 

“Sempre desenhei mulheres. Sempre muito feminista. Minha pesquisa na pintura sobre ‘ageísmo’, um preconceito que atinge de forma mais contundente o sexo feminino, é onde sinto que meu trabalho mais tem a conectar as pessoas. E a imagem que eu tenho das mulheres de mais idade vem de minha mãe e avó, que sempre foram ativas e potentes, cheias de vida – é o meu parâmetro. Eu mesma não me imagino de outra forma e é assim que eu pretendo envelhecer. Por que envelhecer tem que ser feio, ser inexpressivo?”, diz Karin Cagy.

 

A palavra do curador Alexandre Murucci

 

“Apresentando uma série de trabalhos que falam de questões caras à sua sensibilidade e que envolvem o universo feminino, suas mulheres são fortes, destemidas, surpreendentes. Fruto de sua dinâmica de atelier nos últimos três anos, a mostra ‘Beau Voir’ brinca com suas acepções linguísticas, ao ser traduzida livremente como algo bonito de ver, certamente um contraponto quando nos deparamos com o ‘status quo’ estético vigente, ao mesmo tempo em que é uma expressão de afirmação e convicção na língua francesa, e flerta com a musa existencialista Simone de Beauvoir, autora do livro capital do feminismo – “O Segundo Sexo” (Le Deuxième Sexe) publicado em 1949, uma das obras mais celebradas e importantes para o movimento, analisando a condição feminina nas esferas sexual, psicológica, social e política. Karin Cagy elege um olhar solidário a uma mulher no seu entorno próximo – família, amigas e pessoas do universo profissional como designer e criadora de moda, onde atuou por três décadas, e onde estes aspectos são tratados com a crueza e dramaticidade de uma cultura ao corpo inóspita e impositiva, e que, mesmo não sendo seu lugar de fala presente, se coloca em seu horizonte de forma latente, em angústias e expectativas de seu lugar no mundo, que ela transforma em poesia libertadora ao criar Senhorinhas livres e donas de seus destinos.  Realmente bonito de ver!”

 

Sobre a artista

 

Com o desenho presente em sua vida desde seus cinco anos, Karin Cagy já ministrava aos dezoito anos, aulas de pintura em seda no Club Med. Cursou Modelo Vivo no Parque Lage com Astrea El Jaick e Gianguido Bonfante e, posteriormente, Desenho Industrial na Faculdade da Cidade e Moda na Universidade Candido Mendes. Com ampla experiência na indústria da moda, onde trabalhou por mais de duas décadas em 2018, Karin realinhou sua investigação artística e voltou à Escola de Artes Visuais do Parque Lage, tendo como professores Luiz Ernesto, Bruno Miguel e Charles Watson, retornando a pintura de forma visceral e profícua.

 

 

Beatriz Milhazes em NY

 

Na sua primeira exposição em Nova York em mais de uma década, Beatriz Milhazes apresenta “Mistura sagrada” na Pace Gallery, apresentando dez novas pinturas e uma escultura móvel em grande formato. Os motivos florais e geométricos de Milhazes – entre arabescos e mandalas – têm um aspecto cinético que leva a uma experiência ampliada da pintura, criando uma atmosfera em movimento que extrapola a bidimensionalidade do plano.

Até 29 de outubro.

 

 

Ocorrências visuais de Bechara na LURIX

16/set

 

A LURIXS: Arte Contemporânea, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, apresenta até 28 de outubro “Nervo Combustão Fluxo”, exposição individual de José Bechara, com texto de Felipe Scovino.

 

Em sua sexta exposição individual na galeria, o artista ocupa as duas salas expositivas do prédio para apresentar 15 obras inéditas entre oxidação de metais sobre lona e esculturas em vidro. Como aponta Scovino: “O que reúne, com mais força, as obras nesta exposição é o fato de estarem em moto-contínuo mesmo em um estado de aparente repouso. Há uma ação, um devir, que acontece ininterruptamente mesmo essas mudanças não sendo perceptíveis a olho nu.”

 

O crítico evidencia também que o artista “não abandonou o grid – um signo constante em sua trajetória -, mas o tornou mais complexo nos últimos anos. Adicionou mais elementos a essa estrutura, transmitindo uma sensação de agilidade e aumentando a potência alegórica de um estado transitório em suas pinturas.” e conclui “Bechara continua, como um dínamo, a produzir novas e incessantes paisagens movidas a combustão e alta intensidade.”

 

Moto-contínuo

Por Felipe Scovino

 

O que reúne, com mais força, as obras nesta exposição é o fato de estarem em moto-contínuo mesmo em um estado de aparente repouso. Há uma ação, um devir, que acontece ininterruptamente mesmo essas mudanças não sendo perceptíveis a olho nu. É de conhecimento daqueles que acompanham a trajetória de José Bechara que o fenômeno da oxidação de emulsão ferrosa e/ou cúprica sobre lona de caminhão é algo que persiste desde o início da sua trajetória. Uma certa magia acontece na distribuição, quantidade e gestualidade que Bechara emprega utilizando as emulsões sobre a lona. Mas quero ir além desse fato notório e apontar que suas obras na última década, uma ínfima parte aqui exposta, evidenciam outros gestos (ou movimentos, se quiserem assim chamar).

 

Bechara também não abandonou o grid – um signo constante em sua trajetória , mas o tornou mais complexo nos últimos anos. Adicionou mais elementos a essa estrutura, transmitindo uma sensação de agilidade e aumentando a potência alegórica de um estado transitório em suas pinturas. Digo isso porque, para além do fato de o artista não abdicar do processo de oxidação na construção de formas geométricas sobre a lona, há outro regime de temporalidade sendo explorado. Se, nas partes oxidadas encontradas na pintura, a passagem do tempo, demarcada pela ação da emulsão sobre a lona, é vagarosa, minuciosa e “imperceptível” à experiência do olho, nas formas que caracterizam o grid, o nosso olhar percorre a superfície da pintura de forma acelerada e descontínua. Não há centro, tudo está a se mover de forma esquiva e instável. Os pontos de cor, chamativos, quentes e espalhados pelos mais distintos pontos da lona, intensificam essa operação. No díptico Margarida Cabeça Stripe (2018), o que prevalece é a oxidação na lona superior, formando metaforicamente não só uma matéria em combustão, mas a constituição de uma paisagem, notadamente, de um nevoeiro. É perspicaz a escolha, até certo ponto ocasional, que Bechara faz de como, onde e com que intensidade o processo químico da oxidação ocorrerá sobre a lona e, em um segundo momento, as formas alusivas ao mundo que são criadas.

 

Bechara também opera pela fratura e podemos observar essa característica sob dois pontos de vista. Primeiro, eu diria, uma fratura que se dá no material escolhido. O artista faz uso, e não são raros os casos, de remendos, isto é, pedaços de lona sobrepostos sobre a lona maior. Essa operação de corte e costura torna aparente um universo de sujidade, gambiarra, fúria, cheiro e atmosfera de metrópole. Essa fratura, por assim dizer, exala visceralidade. A outra possibilidade de fratura é a divisão em módulos de suas pinturas; sejam dípticos, trípticos ou polípticos. Há a dimensão de uma escala que não se contenta em ser diminuta, circunspecta ou regida por uma timidez formal, pelo contrário, ela deseja o espaço. E essa aparição ao mundo se dá de forma conflituada, determinada, impositiva e essencialmente vigorosa.

 

Por suas obras abraçarem sintomas como ruptura e descontinuidade, evidentes na forma como o artista constrói sua malha geométrica e na dispersão espacial dos círculos cheios e vazados, assim como em barras e outras figuras que habitam o espaço de suas pinturas, elas acabam deixando de lado o ofício das sutilezas. A brutalidade própria da lona de caminhão me parece reforçar esse dado. Bechara deixa transparecer em várias obras palavras (como o nome da fábrica que produziu a lona ou a companhia que transportou tal produto guardado sob a lona) e riscos e vincos que reforçam, respectivamente, o lugar e o uso que foram dados a essas lonas. As pinturas continuam a propagar as histórias e memórias das lonas visto que elas – pinturas – são resultado direto desse material. O caráter de desgaste das lonas e, claro, a passagem de tempo ficam marcados no que chamo de “acidentes”, isto é, suas dobras, cortes e sujidades, que por sua vez são incorporados pelas pinturas.

 

O políptico feito com oxidação em cobre, para além de exibir operações geométricas sobre uma malha, leva a pintura de Bechara para outro terreno simbólico. Sua cor, uma tonalidade entre o esverdeado e o esbranquiçado, e seguramente o processo de oxidação que gerou formas e texturas orgânicas, próximas de um material biológico sendo investigado por um microscópio, acabam por associar a superfície da pintura a pele. Não se sabe bem se humana ou de um bicho. De qualquer forma, a pintura passa a representar um padrão biológico que particulariza a superfície da lona.

 

As duas esculturas que fazem uso do vidro como um desenho no espaço corroboram a ideia de fratura. Com caráter de site specific, as placas de vidro são aproximadas, sempre respeitando um intervalo, e eventualmente suspensas, formando uma malha geométrica. As duas obras se estendem ao longo das respectivas paredes em que estão instaladas, criando uma relação temporária com o espaço: afetando e sendo afetadas por ele. A forma como o vidro se apresenta, ora rígido, ora cambaleante, e em outros momentos frágil, especialmente quando é elevado, reforça uma qualidade de inquietude e velocidade da obra. Nesse terreno oscilante, há ainda o jogo de translucidez e opacidade que o vidro leitoso oferece em contraponto ao vidro que não recebe qualquer tipo de tratamento; o vidro não é mais o elemento pelo qual se pode ver através, mas uma instância de obstáculo. Por sua vez, os tubos de neon, em uma das esculturas, estão desejosos de formar figuras geométricas tridimensionais. É a luz quem delimita o desenho, recortando o espaço, produzindo área e dando uma propriedade de ar ao trabalho. A luz também traz um senso de vibração e vigor à escultura, realçando a cor no espaço. Não podemos esquecer que o neon tem uma espécie de aura hipnótica, remetendo aos anúncios comerciais cintilantes, abundantes nos centros urbanos.

 

Os trabalhos em formato circular com a sua superfície em lona sobreposta por listras indicam mais uma vez o caráter dispersivo e fraturado da obra do artista. No andar superior, as pinturas dispostas de forma aleatória sobre a parede enaltecem um olho que não para de se movimentar, determinando as associações formais, cromáticas e fenomenológicas desse conjunto. A cor é protagonista nesse políptico, ao mesmo tempo que veda parcialmente – portanto, sem deixar de exibir – as “ocorrências visuais”, como Bechara chama. As “ocorrências” são os registros – manchas, cortes, vincos, restos de palavras, sua história e memória – contidos na lona que não só compõem uma paisagem abstrata, que é a tônica do trabalho de Bechara, mas singularmente são registros da gestualidade do artista. Em muitos casos, elas não precisam ser pintadas por meio de um pincel, mas eleitas (pelos olhos do artista). É o que Bechara nos ensina. As obras em formato circular de maiores proporções tornam ainda mais evidentes as “ocorrências visuais” e um certo grau informalista da sua pintura. Oxidação se torna mancha, que se torna nuvem, que se torna paisagem. São pequenos pedaços de mundo.

 

Bechara continua, como um dínamo, a produzir novas e incessantes paisagens movidas a combustão e alta intensidade.

 

13ª Bienal do Mercosul

 

 

O evento de artes visuais, 13ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS, sob a titulação geral de “Trauma, Sonho e Fuga” tem abertura para o público em geral a partir desta sexta-feira, dia 16.

 

Após dois anos de pandemia, a exposição oferece o reencontro com arte e a oportunidade de refletir sobre momento atual da sociedade. Esta edição reconhece nos traumas – individuais ou coletivos – o maior combustível da arte de todos os tempos e entende os sonhos como um estratagema para a fuga.

 

Uma instalação de Túlio Pinto, chamada “Batimento”, que interfere poéticamente, com faixas alaranjadas, na paisagem, oferece a possibilidade de sonhar dentro do inusitado e o impacto do trabalho. Outra obra que se destaca é a cabeça gigante do artista catalão Jaume Plensa disposta na frente da Fundação Iberê Camargo, uma arte potente que convida a uma reflexão sobre a dimensão do homem e em sua relação com o meio ambiente. As duas obras serviram como o prenúncio da promessa do curador geral Marcello Dantas ao dizer que a Bienal irá oferecer o impacto no imaginário comum, por meio da ativação do onírico, dos sonhos e dos delírios, abrindo portas para o escape de uma condição imposta a todos nós. “Trabalhando na fronteira entre a arte e a tecnologia, o curador-geral desta edição, a mostra acontecerá em cinco plataformas distintas, cada uma objetivando atingir uma combinação de públicos diferentes e conteúdos originais, provocando de forma disruptiva, sensorial e reflexiva”, pontua Dantas.

 

Participam da Bienal 100 artistas de 23 países, destacando-se:

 

Tino Sehgal, britânico radicado em Berlim, reconhecido por suas performances de situações construídas – nomeadas por ele como interpretações. Ele apresenta “This Element”, que ocorrerá em diferentes espaços expositivos da Bienal.

 

De Marina Abramovic –  artista sérvia – será exibida “Seven Deaths”, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Margs, que recria em vídeo cenas de mortes da cantora greco-americana Maria Callas. A trilha sonora é composta por áreas de óperas interpretadas pela cantora lírica, como “La Traviata”.

 

A brasileira Lygia Clark (1920-1988)terá sua obra também no Margs, pela primeira vez, trechos do diário clínico da artista mineira, umas das mais importantes artistas do século 20. Serão exibidos objetos relacionais confeccionados por ela e utilizados nas sessões de arteterapia com seus pacientes.

 

Jaume Plensa, um dos escultores contemporâneos de maior relevância, terá mostra individual na Fundação Iberê Camargo. Além da escultura que recebe o público, poderão ser conferidos 12 trabalhos compostos de diferentes materiais como resina, aço, ferro, vidro e náilon.

 

O mexicano-canadense Rafael Lozano-Hemmer exibirá cinco obras interativas criadas a partir de seus conhecimentos como cientista físico-químico no Farol Santander. Por meio de dispositivos tecnológicos que coletam em tempo real dados biométricos do espectador, como frequência cardíaca e respiração, suas obras são ambientes responsivos.

 

O Instituto Ling recebe “Hypnopedia”, projeto colaborativo do artista mexicano Pedro Reyes. A proposta é apresentar uma enciclopédia de sonhos por meio de filmes feitos a partir de memórias oníricas.

 

A ideia do curador da Bienal

 

Marcello Dantas, curador-geral, frisa que esta edição da Bienal do Mercosul nasceu do desejo profundo de criar uma situação presencial forte entre as pessoas.

 

“A arte como algo que pudesse ser vivido fisicamente, com a participação do público e dos vetores que estão ligados à exposição”.

 

“Como um evento do outro lado do mundo pode afetar meu sonho, minha estratégia de vida, algo que me aconteceu, e eu não sei como falar a respeito”.

 

“As pessoas precisam encontrar um caminho e uma forma de tornar tangível um sentimento a partir de uma sequência de experiências vividas. O impacto disso é algo latente no mundo e como isso aparece nos sonhos, no inconsciente, interessa e é tema desta Bienal”.

 

Felipe Cohen em Portugal

14/set

 

 

Em “Sistemas para o poente”, Felipe Cohen apresenta a partir de 17 de setembro na Kubikgallery, Porto, Portugal, um conjunto de pinturas da série “Pálpebras” e duas vitrines. A exposição procura trabalhar o fenômeno da reflexão como elemento ao mesmo tempo construtivo e simbólico. Nas pinturas isso se dá a partir da articulação de formas circulares com linhas horizontais que as atravessam sugerindo diferentes possibilidades espaciais de paisagens de poentes. Já nas vitrines, a reflexão entra como um elemento fanstasmagórico que se relaciona com formas e espaços concretos criando situações espaciais que sugerem diferentes estados dos materiais que as constituem.

 

A prática de Felipe Cohen se desenvolve a partir da tensão entre as formas tradicionais e contemporâneas de dispor o objeto artístico e do estudo e resgate de problemáticas recorrentes na história da arte com intuito de reinterpretar e atualizar seus sentidos no presente. Essa tensão ocorre por meio da articulação de materiais nobres com objetos banais de uso cotidiano, criando, assim, tanto formas paradoxais que são obrigadas a conviver intimamente, quanto atualizações simbólicas de signos e gêneros clássicos em um processo dialético.

 

Sobre o artista

 

Graduado em Desenho e Escultura pela Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo, SP, apresentou individuais na Galeria Millan, São Paulo, SP (2013, 2016 e 2019); Kubikgallery, Porto, Portugal (2017); Arco Madrid, Espanha (2016); Capela do Morumbi, São Paulo, SP (2013); Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, SP (2006), entre outros espaços.

 

 

A Comédia Humana

 

 

Em exposição o universo encantado de Sônia Menna Barreto, “…um encontro com a arte em seu estado essencial: pesquisa, talento e invenção. Tudo isso temperado com doses generosas de fantasia, de afeto que se espalha por esses objetos repletos de história”, desse modo convida Marcus Lontra, que assina a curadoria de “A Comédia Humana”, para a exposição individual de Sônia Menna Barreto – até 29 de outubro – organizada pela Dila Olveira Galeria, que ocupa duas salas no 3º andar do Centro Cultural Correios, Centro, Rio de Janeiro, RJ.

 

“Sônia cria personagens, paisagens, fragmentos de poesia visual que aquecem o coração: ela caminha por várias geografias, elabora histórias de várias origens, constrói mundos repletos de fábulas, mitologias, verdades e mentiras, amores submersos, desejos silenciosos, vontades recônditas, prazeres, encantos, totens e mandalas, rendas e bordados, dobras do tempo e delicadezas. Em tempos amargos, a arte acaricia. Em tempos apocalípticos, a arte redime. Em tempos apavorantes, a arte ilumina. Em tempos cruéis, a arte subverte. Em qualquer tempo e sempre, a arte salva”, afirma Marcus Lontra.

 

“Tenho uma longa carreira e é um privilégio mostrar minha obras aqui no Rio pela primeira vez. Expor aqui meu trabalho, algumas séries, em mídias diversas”, diz Sônia Menna Barreto.

 

“Para a nossa galeria está sendo uma honra fazer parte deste projeto, apresentando a Sônia Menna Barreto, pela primeira vez, em um espaço institucional. Ela é uma artista plástica fantástica e poder trazer suas obras de arte para os visitantes do Centro Cultural Correios, é de uma enorme relevância”, avalia Dila Oliveira.

 

Sobre a artista

 

Artista visual, tem sua produção artística a mais próxima da expressão do homo ludens, o homem lúdico, e seu espírito criativo trabalha com territórios e personagens que habitam a imaginação das pessoas de todas as idades. Sua técnica origina-se nos pintores flamengos do século XV, misturando hiper-realismo com minúcias da técnica francesa do Trompe L’oeil. Após contato com os trabalhos de Max Ernst, De Chirico, Magritte e Paul Delvaux, a obra de Sônia tomou a direção do Surrealismo. Inicialmente essa fase foi decisiva para sua carreira, passando a desenvolver seu lado intimista e criativo, solucionando os problemas técnicos e temáticos. Hoje, Sônia se apropria de técnicas tradicionais complexas para tratar de questões contemporâneas, e suas pesquisas resultam em criações únicas suportadas por obras de diversas linguagens, como esculturas, pinturas, desenhos e gravuras.