Bispo do Rosário no Itaú Cultural

20/maio

 

 

Um ato de criação libertário, exercido dentro de um sistema opressivo, isto é, numa cela de manicômio. Uma obra ao mesmo tempo única e feita de múltiplas partes, que exibe, sem hierarquias, mantos, estandartes, esculturas e objetos comuns, mas ressignificados. Uma representação do mundo para ser apresentada a Deus no Dia do Juízo. A partir de 18 de maio – Dia Nacional da Luta Antimanicomial -, o Itaú Cultural, Avenida Paulista, apresenta a exposição “Bispo do Rosario – eu vim: aparição, impregnação e impacto”, que reúne centenas de trabalhos de Arthur Bispo do Rosario (1911-1989), em paralelo com outros artistas, modernos e contemporâneos.

 

 

Sobre o artista

 

 

Nascido em Sergipe, Arthur Bispo do Rosario se mudou para o Rio de Janeiro aos 14 anos. Na cidade, foi empregado pela Marinha brasileira – as referências ao trabalho no mar estão presentes na sua obra – e pela companhia de eletricidade Light, além de atuar como boxeador. Em dezembro de 1938, após ter se apresentado no Mosteiro de São Bento como juiz dos vivos e dos mortos, foi diagnosticado como esquizofrênico-paranoico. Primeiro, foi levado ao Hospital dos Alienados; depois, à Colônia Juliano Moreira, instituição em Jacarepaguá voltada para os loucos e outros excluídos. Entre 1940 e 1960, alternou períodos de internação e de moradia em outros lugares. Em 1964, voltou para a colônia em definitivo.

 

 

Nessas décadas posteriores ao seu episódio místico, Bispo construiu sua obra. Na colônia, desfazendo uniformes dos funcionários, além de lençóis, conseguia os fios para tecer as suas invenções. Por meio do escambo com outros internos, juntava diversos itens. Tanto recuperava memórias suas quanto representava acontecimentos da época, colhidos nos jornais, em seu trabalho. Na década de 1980, essa atuação – em meio a debates da luta antimanicomial e de questões da arte de então – passou a impactar o pensamento social e artístico brasileiro. Nesse contexto, suas criações surgiram com uma potência nova.

 

 

Diálogos modernos e contemporâneos

 

 

“Bispo do Rosario – eu vim: aparição, impregnação e impacto” conta também com trabalhos de artistas cujas perspectivas criativas têm afinidades com as de Bispo. Nesse sentido, um dos destaques são os integrantes do Ateliê Gaia, coletivo formado por pessoas que tiveram passagem pelo serviço de saúde mental da Colônia Juliano Moreira. Do grupo, mostram-se, entre outras, obras de Arlindo Oliveira e de Patrícia Ruth, que conviveram com Bispo. Entre os outros artistas contemporâneos presentes estão Carmela Gross, Leonilson, Sônia Gomes, Jaime Lauriano, Fernanda Magalhães, Paulo Nazareth, Rosana Paulino, Rick Rodrigues, Rosana Palazyan e Maxwell Alexandre. Além deles, a mostra traz nomes que marcaram o cenário das artes brasileiras ao longo do século XX, como Abraham Palatnik, Regina Silveira, Aurora Cursino, Flávio de Carvalho, Djanira, Geraldo de Barros, Maria Leontina, Edgar Koetz, Antônio Bragança, Carlos Pertuis, Ivan Serpa, Mônica Nador, Maria Aparecia Dias e Ubirajara Ferreira Braga.

 

 

Esta exposição é realizada em uma parceria do Itaú Cultural (IC) com o Museu Bispo do Rosario, do Rio de Janeiro, e tem curadoria de Diana Kolker e Ricardo Resende.

 

 

Minidocumentário e entrevistas

 

 

Acompanhe o nosso canal no YouTube, em que serão publicados conteúdos exclusivos que aprofundam a experiência da mostra: um minidocumentário sobre Arthur Bispo do Rosario que descreve a sua trajetória e as características da sua produção, e uma série de entrevistas com artistas que participam da mostra, como Maxwell Alexandre, Arlindo Oliveira e Patrícia Ruth. Esses materiais serão vinculados também neste texto

 

 

Até 02 de outubro.

 

 

Temas cotidianos de Wilma Ramos

 

 

Jacques Ardies exibe em sua galeria, Vila Mariana, São Paulo, SP, e assina a curadoria de uma exposição em tributo a uma artista parceira de muitos anos: “Homenagem a Wilma Ramos”. Composta por 24 telas em acrílico pintadas pela artista no período entre 1981 e 2005, serve como homenagem e agradecimento à lealdade e presença da artista junto a trajetória da galeria desde os seus primórdios em 1979 (Galeria Cravo e Canela). Conhecida e reconhecida como artista naïf, Wilma Ramos criou obras de colorido intenso e figuras com detalhamento minucioso. Mesmo sendo inserida na classificação de uma arte onde a espontaneidade, a criatividade autêntica, o fazer artístico sem escola nem orientação, a artista possui características baseadas na simplificação dos elementos, valorizando a representação de temas cotidianos e manifestações culturais de um povo.

 

 

As obras de Wilma Ramos possuem especificidades, de um colorido vibrante; ela pintava, principalmente com a tinta acrílica, que tem uma luminosidade maior que a tinta óleo; contornava seus personagens, que no geral tinham um aspecto muito comum, parecendo ser da mesma família. Os temas dos oxuns, pescadores trabalhando, feiras livres, colheitas de laranja e cana de açúcar, festas populares – como a do bumba meu boi, os bonecos gigantes, a malhação de Judas, as procissões religiosas e a festa do Divino Espírito Santo, os retratos de imagens sacras, como a incrível Nossa Senhora do Arco-Íris e de São Francisco dormindo na mata brasileira, rodeado de animais e de índios – estão entre os temas preferidos da artista. Foi com a obra “As Baianas” que Wilma Ramos conquistou reconhecimento e sucesso no mundo da Arte Naïf. Elas são únicas, com saia geométrica estampada, que lembra os panos de chita, muito comum na arte popular. Na parte superior, usam uma blusa branca de mangas curtas enfeitadas por colares de contas coloridas e levam na cabeça um pano branco amarrado, típico. O rico universo dos orixás e oxuns tiveram espaço garantido na obra da artista. Nas palavras da artista, em declaração dada em 2007, “Quase tudo que pinto ligo a fauna e a flora. Sou defensora da natureza. Essa é uma forma de dar um alô sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.” Não necessariamente o artista naif está isolado dos acontecimentos de sua época e momento cultural. Já em São Paulo, para onde se transfere na década de 1970, através de uma amiga artista, Wilma Ramos tem acesso e contato com artistas do movimento modernista como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, além de outros grandes expoentes culturais como Manabu Mabe, Takeschi Susuki, Takaoca Fukushima, Alzira Pecarari e Flávio de Carvalho. A arte ingênua de Wilma Ramos se mantém intacta mas, o contato com outras vertentes criativas possibilita influências e opções antes indisponíveis ao pequeno universo pessoal da artista. O curador explica e justifica, com maestria, a mostra: “Wilma Ramos se dedicou a pintura bem cedo, em 1968. Encontrou sua linguagem e manteve-se fiel ao seu estilo particular de se expressar. Rostos redondos, olhos puxados, os seus personagens são inconfundíveis e, na maioria das vezes, parecem formar um grupo de pessoas entrosadas e de boa convivência e isto é totalmente coerente com o seu próprio jeito carismático de se relacionar. Wilma era meiga, doce e sensível. Interessou-se pelos rituais afro-brasileiros do candomblé e pelas festas folclóricas, tão populares Brasil afora e, mais intensamente, na Bahia. Gostava também de interpretar cenas campestres com cores harmoniosas e bem orquestradas que demonstrava seu inabalável otimismo em relação ao dia de amanhã. Após uma estada de 4 anos na Espanha, em 1979, Wilma juntou-se a turma dos artistas que iam apoiar a nova Galeria Cravo e Canela, no Alto da Boa Vista. A partir desse momento passou a aceitar todos os convites para participar de exposições. Recebemos um apoio irrestrito da artista Wilma Ramos e hoje, 43 anos depois, montamos esta exposição para expressar e demonstrar nosso agradecimento”.

 

 

Sobre a galeria

 

 

A Galeria Jacques Ardies, localizada na Vila Mariana, ocupa uma casa antiga completamente restaurada. A galeria, que iniciou suas atividades em agosto de 1979 (Galeria Cravo e Canela), tem por vocação a divulgação e a promoção da arte naïf brasileira. Ao longo de 42 anos, muitas exposições foram realizadas: 120 mostras individuais e mais de 200 coletivas, no seu próprio espaço e também em museus como o MAC de Campinas (SP), MAM de Goiânia (GO), Espace Art 4 de Paris (FRA), Espaço Cultural de FMI em Washington D.C. (USA), Musée International de Arte Naïf Anatole Jakovski em Nice (FRA), Memorial da America Latina em São Paulo (SP), para citar apenas alguns e também em galerias de arte como a Galeria Jacqueline Bricard, em Lourmarin (França), a Galeria Pro Arte Kasper, em Morges (Suíça) e a Gina Gallery em Tel-Aviv (Israel). Em 1998, Jacques Ardies lançou o livro Arte Naïf no Brasil com a colaboração do crítico Geraldo Edson de Andrade e em 2003, publicou o livro sobre a vida e obra do artista pernambucano Ivonaldo, com texto do professor e crítico de arte Jorge Anthonio e Silva. Em 2010, lançou o segundo livro sobre a “Arte Naïf no Brasil” com texto da sua autoria e comentários de 4 amigos também apaixonados por esta arte. Quatro anos depois, em 2014, foi editado este mesmo livro numa versão em francês. A galeria expõe permanentemente quadros e esculturas de 80 artistas selecionados e considerados como representativos do movimento da arte naïf brasileira.

 

 

De 24 de maio a 18 de junho.

 

 

Escrita-gesto de Rafaella Braga na Kogan Amaro

19/maio

 

 

A artista visual Rafaella Braga exibe a partir de 26 de maio e até 02 de julho a exposição individual  “Céu da Boca”, sob a curadoria de Carollina Lauriano na Galeria Kogan Amaro, Jardim Paulista, São Paulo, SP.

 

 

Texto de Carollina Lauriano

 

 

Quando eu fui até o ateliê da artista Rafaella Braga para acompanhar o desenvolvimento das pinturas que compõem esta exposição, me chamou atenção que a grande escala de suas pinturas e o acúmulo de informações nelas contido trazem uma sensação inversa a essa primeira vista. Isso porque Rafaella consegue transmutar – como poucos – a cacofonia presente nos grandes centros urbanos em sensações opostas às que ela nos oferece. No lugar de desamparo, temos o acolhimento. Da racionalidade, o acaso. E do caos; silêncio. Isso talvez porque para a artista, pintar, antes de mais nada, seja um processo meditativo, de autoconhecimento e cura. No entanto, o texto é algo muito presente em suas pinturas. Rafaella utiliza o suporte como uma espécie de diário o qual a escrita está fora de sua função original de destinação, ou seja, expressam em si a essência do ato de escrever: a gestualidade. Aqui, sua escrita-gesto serve como um elogio ao ilegível, que também retoma aos anos que a artista dedicou-se ao graffiti – que foi seu primeiro lugar de incursão na arte. E aqui precisamos lembrar a marginalidade que esse tipo de expressão artística ainda é colocado e como trazer essa simbologia para dentro de uma pintura contemporânea, ainda hoje, é um ato transgressor. Aliás, aqui eu levanto um ponto importante sobre as pinturas de Rafaella. Elas estão o tempo todo nos fazendo lidar com uma sensação de oposição, e porque não, dualidade. Ao mesmo tempo que a gestualidade da sua escrita se expande a ponto de quase dominar todo o canvas, os gigantescos e imponentes seres imaginários que a artista pinta recorrentemente em suas telas têm um caráter introspectivo. E nesse exercício constante de expansão e retração, Rafaella nos mostra que é preciso um pouco de sonho e fantasia para encarar a realidade, e vice-versa. E é exatamente essa busca de equilíbrio que torna a pintura de Rafaella interessante. Observar uma jovem pintora desbravar lugares antes não dados a ela (geográfico e mentalmente) é pensar que sim: o céu é o limite. Céu, inclusive, é uma palavra que permeia todas as criações da artista. Um lugar de refúgio que ela se conecta para buscar conforto em qualquer lugar do mundo que ela esteja, em uma forma de nos dizer que para voar é preciso tirar os dois pés do chão. Todo esse otimismo pode parecer juvenil, e em parte é (sem aqui invalidar toda história de vida da artista, mesmo com sua pouca idade). Mas aqui precisamos nos atentar que Rafaella faz parte de uma geração comprometida com as mudanças que as gerações anteriores tem proposto como possibilidades de futuros mais plurais, diversos e inclusivos. E a artista decidiu fazer isso numa tentativa de conexão consigo e com seu entorno. Então essa exposição, nada mais é do que um convite a adentrar esse espaço como se entra em um templo meditativo e deixar com que os seres que podem nos assombrar, também nos acolham. Se Rafaella conseguiu docilizar os seus, porque nós não podemos tentar a mesma experiência? Às vezes os mais velhos ensinam os mais jovens. Às vezes o inverso também acontece. Eu tenho aprendido com a troca.

 

 

Sobre a artista

 

 

Rafaella nasceu em Goiânia, Brasil, 1998. Começou a traçar seu próprio caminho nas artes através do graffiti e depois se descobriu na pintura, explorando-a livremente e sem qualquer pré-concepção. Ela tem desenvolvido e materializado suas ideias principalmente em telas de grande porte, que podem ocupar paredes inteiras, revelando um método de trabalho fisicamente intenso. Usando a tela como diário, sua prática tem o corpo como matéria-prima, investigando o próprio delineado por suas vulnerabilidades e segredos, e gira em torno da interação entre realidade e fantasia, identidade e tempo, oferecendo uma alternativa onírica à realidade. A artista vem desenvolvendo projetos próprios, em colaboração com iniciativas internacionais como exposições coletivas. Rafaella Braga atualmente vive e trabalha em Berlim.

 

 

Outra visão do Brasil do século XIX

 

 

Johann Moritz Rugendas, Emil Bauch, Thomas Ender, Friedrich Hagedorn, Eduard Hildebrandt e Augusto Müller são alguns dos artistas e cientistas germânicos que registraram a paisagem humana e natural do país

 

 

Em 1999, o casal Maria Cecília (1922-2014) e Paulo Geyer (1921-2004) doou ao Museu Imperial, em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, sua coleção de arte e a casa que a abriga, no bairro carioca do Cosme Velho. Em 2014, a Coleção Geyer foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tornando-se Patrimônio Cultural do Brasil. O conjunto era considerado a maior brasiliana em mãos particulares do país.

 

 

A partir desta coleção preciosa de 4.255 pinturas, gravuras, desenhos, mapas, livros de viagem e objetos, os curadores Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu Imperial, e o historiador de arte Rafael Cardoso selecionaram 200 obras, para reconstituir parte da contribuição germânica (alemães, austríacos e suíços) à formação cultural do Brasil do século XIX, completada por peças do acervo do Museu Imperial e itens emprestados da coleção particular de Flávia e  Frank Abubakir. Nasceu, assim, a mostra “O Olhar Germânico na Gênese do Brasil”, em cartaz a partir de sábado, 21 de maio, no Museu Imperial, sob patrocínio da Unipar, através da Lei de Incentivo à Cultura.

 

 

“Ao contrário do que preconiza o senso comum, que costuma enfatizar a relação com a França, a participação de artistas de língua alemã foi intensa e constante ao longo do século XIX. A exposição recupera o legado desses artistas através das obras de Thomas Ender, J.M. Rugendas, barão de Löwenstern, Ferdinand Pettrich, Augusto Müller, Friedrich Hagedorn, Eduard Hildebrandt, Franz Keller, Ernst Papf, Emil Bauch, entre outros, oferecendo uma visão nova e vibrante do Brasil numa época formativa para a ideia da nacionalidade”,  declara a curadoria.

 

 

Cena política internacional

 

 

Foi depois da derrota de Napoleão Bonaparte que o Império Austríaco e o Império Português, então sediado no Rio de Janeiro, começaram a firmar uma aliança estratégica – expressada pelo casamento do príncipe D. Pedro de Alcântara com a arquiduquesa Leopoldina, filha do imperador austríaco Francisco I, em 1817. A comitiva que acompanhou a futura imperatriz em sua vinda ao Brasil incluiu os naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, incumbidos pela Academia de Ciências da Baviera de realizarem longa viagem de pesquisa pelo país. Trocas efetivas se ampliaram a partir de então.

 

 

A exposição

 

 

“O Olhar Germânico na Gênese do Brasil” está dividida em núcleos que contemplam os temas: Rio de Janeiro à vista – pinturas de paisagem com temática do RJ; Retratos da vida da corte – retratos de notáveis do Império; Olhar a gente brasileira – obras com figuras anônimas, a maioria aquarelas e desenhos; Imaginar o Brasil – livros e estampas litográficas relacionadas a vistas e viagens pelo país, e O olhar do colecionador, instalação com imagens e objetos da Casa Geyer.

 

 

Rio de Janeiro à vista

 

 

Com a abertura dos portos em 1808, passaram a circular pelo mundo marcos paisagísticos do Rio de Janeiro, como Corcovado, Pão de Açúcar, Igreja da Glória e Morro do Castelo, em pinturas e litografias. Esta internacionalização propiciou trânsito comercial, diplomático, científico e a vinda de artistas, atraídos pela natureza deslumbrante do novo país. Muitos vinham de países de língua alemã. Neste núcleo está a contribuição destes artistas à formação de uma iconografia da cidade. A onipresença da escravidão não escapou à atenção dos pintores.

 

 

Retratos da vida da corte

 

 

A concessão de títulos nobiliárquicos e honrarias servia para confirmar o status social e econômico. Os contemplados iam da família imperial a súditos anônimos e duques, marqueses, condes, viscondes, barões, comendadores e dignatário de ordens imperiais. Neste segmento estão retratos pintados de notáveis. Eles exerceram a função de dar visibilidade à posição social do retratado. O mercado local se tornou atraente para artistas estrangeiros especializados em retratos. E eles vieram para o Brasil.

 

 

Olhar a gente brasileira

 

 

Os artistas do século XIX registraram o cotidiano de uma sociedade ainda afundada nas relações perversas com a escravidão. A massa escravizada, presente na paisagem humana, está retratada nos trabalhos deste núcleo. A estranheza do cenário aos olhos dos artistas estrangeiros os moveu a chamar a atenção do mundo para a situação dos escravos, que a sociedade fingia ignorar.

 

 

Imaginar o Brasil

 

 

A circulação internacional de livros, estampas, panoramas e álbuns de vistas deste segmento evidenciou a contraposição entre uma Europa civilizada e o suposto exotismo do resto do mundo. O imaginário que se formou da natureza tropical, selvagem e indomável, passou a confrontar uma ideia de domesticidade e civilidade como marcas de pertencimento cultural. O olhar estrangeiro oferecia uma lente para os brasileiros que quisessem enxergar a imensidão do Brasil.

 

 

O olhar do colecionador

 

 

Maria Cecilia e Paulo Geyer passaram quatro décadas a coletar, em casas de leilões mundo afora, pinturas, gravuras, desenhos, mapas, livros de viagem e objetos de arte para criar a Coleção Geyer.  A doação integral do conjunto e da casa que o abriga a uma instituição pública (Museu Imperial) é um exemplo de caráter social e merece ser sempre festejada. Esta sala se dedica a invocar o espírito do casal de filantropos e recordar um ambiente da casa em que viveram durante tantos anos no Rio de Janeiro.

 

 

Homenagem a Petrópolis

 

 

Completam a mostra objetos produzidos por artistas germânicos radicados em Petrópolis, como as esculturas de madeira de Carlos Spangenberg –  suas bengalas eram apreciadas por D. Pedro II. Copos e pesos de papel de vidro e cristal lapidados por Henrique e Guilherme Sieber, eram os souvenirs mais procurados pelos que visitavam Petrópolis. As peças destes artistas e mais as pinturas de Karl Ernest Papf e de Friedrich Hagedorn, pertencentes à coleção do Museu Imperial, estarão lado a lado com itens da Coleção Geyer, como paisagens da cidade serrana e seus arredores. É uma homenagem da curadoria a Petrópolis, tão afetada pelas chuvas recentes.

 

 

Patrocínio

 

 

“O Olhar Germânico na Gênese do Brasil” tem patrocínio, através da Lei de Incentivo Fiscal, da Unipar, hoje fabricante de cloro, soda e PVC, cuja origem, a Refinaria União, foi fundada por Alberto Soares de Sampaio, pai de Maria Cecília Geyer, como refinaria de petróleo. Seu genro Paulo Geyer se tornou sócio de Alberto neste negócio. Após a morte de Geyer em 2004, seu neto Frank Geyer Abubakir entrou para o conselho da empresa, representando os herdeiros. Em 2008, Frank se tornou chairman e atualmente é presidente do conselho da Unipar.

 

 

O centenário de Krajcberg

 

 

Para celebrar o centenário de nascimento de Frans Krajcberg (1921-2017), o Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE), Jardim Europa, São Paulo, SP,  abriu uma exposição histórica e antológica com cerca de 160 obras do artista. A exposição, gratuita e com curadoria de Diego Matos, fica em cartaz até o dia 31 de julho.

 

 

A mostra “Frans Krajcberg: por uma Arquitetura da Natureza” é feita em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia (IPAC) e contará com obras vindas de lugares como o Sítio Natura, em Nova Viçosa (BA), onde o artista realizou grande parte de sua produção. Também compõem a exposição obras de coleções privadas e de museus.

 

 

Nascido na Polônia, Krajcberg se naturalizou brasileiro e foi escultor, pintor, gravador e fotógrafo. Seu trabalho é muito centrado na exploração de elementos da natureza e no ativismo ecológico, associando arte e defesa do meio ambiente: suas esculturas, por exemplo, se caracterizam pelo uso de troncos e raízes carbonizadas recolhidas em desmatamentos e queimadas.

 

 

A exposição vai marcar o início dos trabalhos de preservação, conservação e divulgação do acervo e do Sítio Natura, onde ele vivia, e que foram doados pelo artista ao governo da Bahia. “Nossa equipe passou 16 dias em Nova Viçosa colaborando com a equipe do IPAC na realização dos trabalhos de catalogação e recuperação das obras de Krajcberg e do Sítio Natura. Foram mais de 40 pessoas envolvidas, muitas da própria região, nesse grande esforço coletivo pela preservação deste importante acervo”, disse Flavia Velloso, presidente do MuBE.

 

 

Krajcberg já foi tema do programa Expedições, da TV Brasil, que pode ser visto na internet. Em um trecho do programa, o artista definiu seu trabalho como um grito da natureza. “A minha vida é essa: gritar cada vez mais alto contra esse barbarismo que o homem pratica”, disse.

 

 

Fonte: Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil – São Paulo

 

Exposição Enciclopédia Negra no MAR

12/maio

 

 

A mostra “Enciclopédia Negra”, que esteve em cartaz na Pinacoteca de São Paulo, chegou ao Museu de Arte do Rio (MAR). Para a mostra no MAR, seis artistas foram convidados para retratar personagens como Abdias Nascimento, Heitor dos Prazeres, Tia Ciata, Manuel Congo e João da Goméia. A exposição Coleção MAR + Enciclopédia Negra torna pública obras realizadas por artistas contemporâneos para retratar personagens que tiveram suas imagens e histórias de vida apagadas ou nunca registradas. A mostra procura rever e criar uma reparação histórica para conferir possibilidade de retratos a personalidades negras, já que antes do século XIX, apenas os nobres eram retratados. Já negras e negros, foram registrados, muitas vezes, em condições anônimas e em cenas como carregando mercadorias na cabeça.

 

 

O projeto Enciclopédia Negra, dos consultores e curadores Flávio Gomes, Lilia Schwarcz e Jaime Lauriano, trouxe o trabalho de 36 artistas contemporâneos que reproduziram retratos dos biografados e interromperam a invisibilidade que existia até hoje na vida dessas pessoas que ficaram com os rostos apagados pela falta de registros visuais na história. O trabalho resultou também num livro também que reuniu biografias de mais de 550 personalidades negras, em 416 verbetes individuais e coletivos, publicado em março de 2021 pela Companhia das Letras.

 

 

“O público vai conhecer a história de quase 200 personalidades negras porque as obras estão acompanhadas de pequenas biografias e ter contato com um catálogo sensacional de artistas negros, negras e negris. É uma oportunidade de ver o trabalho de jovens artistas, que têm feito uma arte figurativa, política, ativista e belíssima de grande qualidade e reconhecimento nacional e internacional. Essa é uma exposição em que o público irá de encontro a uma nova forma de se ver, estar e experimentar esse Brasil numa visão mais inclusiva e mais plural porque ela enfrenta de maneira direta uma política de apagamento das populações negras”, ressalta a consultora e curadora Lilia Schwarcz.

 

 

13 novos retratos

 

 

Na exposição “Coleção MAR + Enciclopédia Negra”, das 250 obras de artes expostas, 13 são novos retratos, criados por 6 artistas contemporâneos, convidados pelo MAR. Essas obras vão entrar para a coleção do museu após a mostra. Os artistas são Márcia Falcão, Larissa de Souza, Yhuri Cruz, Bastardo, Jade Maria Zimbra e Rafael Bqueer, que fizeram retratos de personalidades como Abdias Nascimento, Heitor dos Prazeres, Tia Ciata, Manuel Congo, Mãe Aninha de Xangô e João da Goméia. Os curadores do MAR Marcelo Campos e Amanda Bonan também criaram um diálogo, sobretudo, com a coleção africana e afro-brasileira do Museu de Arte do Rio.

 

 

“A exposição é constituída de retratos de personalidades negras da história como políticos, artistas, sambistas, advogados e engenheiros, que foram historicamente importantes, mas que não tiveram seus retratos produzidos. Esses registros, em sua maioria, são ficções, porque você não conhece as imagens dessas pessoas e cada artista criou seus recursos para trazer esse corpo que nunca foi visto até esse momento histórico de ser retratado”, comenta o curador chefe do MAR, Marcelo Campos.

 

 

A “Coleção MAR + Enciclopédia Negra” é a sexta exposição inaugurada neste ano pelo Museu de Arte do Rio, uma parceria com a Pinacoteca de São Paulo, restabelecendo nova conexão com outros museus.

 

 

“Recentemente inauguramos a exposição “Yorùbáiano” na Pinacoteca e agora chegou a vez do MAR receber a Enciclopédia Negra. A parceria com a Pinacoteca de São Paulo é um marco importantíssimo na relação e no desenvolvimento de exposições que conquistam cada vez mais audiência e que por terem perspectivas universais são representativas tanto da realidade do Rio quanto de São Paulo.”, ressalta Raphael Callou, diretor da Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI), instituição gestora do MAR.

 

 

Até 03 de julho.

Fonte: ArtRio

 

 

Exposição no Memorial Getúlio Vargas

 

 

No mês em que, no Brasil, é relembrada a abolição da escravatura, os artistas André Vargas e Pedro Carneiro, com participação do DJ Mam, ocupam o Memorial Municipal Getúlio Vargas, na Glória, Rio de Janeiro, com a exposição “Água Banta”, em que propõem uma reflexão que parte do passado colonial e as relações diaspóricas com a água, elemento fundamental à vida, e com múltiplas funções – banhar, lavar, limpar, beber, cozer, purificar, mandingar, benzer. A curadoria é de Shannon Botelho, que reuniu quatro trabalhos de cada artista. A trilha sonora da exposição tem uma playlist criada por DJ Mam, que também pode ser acessada no Spotify.

 

 

O curador Shannon Botelho observa que “…se o corpo humano é composto anatomicamente por água, constituímos fisicamente a história liquefeita, a dor da travessia, o sal e o suor do passado. De certo modo, poderíamos dizer que a água que nos benze e alimenta nos trouxe até aqui, constituindo e significando as nossas existências tão plurais. É curioso pensar, que a exposição acontece fisicamente abaixo de um grande espelho d’água, desativado, dentre outros motivos, a pedido dos moradores do bairro para que a população em situação de rua não faça uso dele para sua higiene pessoal. Um corte muito preciso é estabelecido de imediato: a relação da cidade com o direito à água e sua utilização”.

 

 

A exposição propõe um tempo de reflexão continuado, promovendo simbolicamente a limpeza das mentes e corações, dos conceitos e das construções simbólicas. Nos quatro trabalhos de Pedro Carneiro, o destaque é a videoinstalação, que ocupa com sal grosso um lugar central na exposição, em que a água é tratada como restauradora da vida, e não apenas como fonte de energia. Um “corpo-entre” o passado e o futuro. Estará também em exibição a pintura de Pedro Carneiro, realizada sob direção do multiartista DJ Mam, em parceria com os artistas Tarciov, Batmam Zavareze e o tcheco Jan Kálab, feita para a capa do single “Oloxá, a Cura”, remix para a música de Luedji Luna e Ministereo Público Soundsystem. Os quatro trabalhos de André Vargas constroem no espaço do Memorial Getúlio Vargas um horizonte possível quando se está abaixo do nível do mar. Integrando os meios expressivos contemporâneos, a exposição tem uma trilha sonora, com a playlist exclusiva “Água Banta”, produzida por DJ Mam, disponível também no Spotify.

 

 

A exposição ficará em cartaz até 19 de junho e tem apoio da Galeria Movimento e da Sotaque Carregado Artes.

 

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Anna Maria Maiolino – psssiiiuuu…

10/maio

 

 

 

Mostra antológica traz vida-obra de uma das mais relevantes artistas contemporâneas. A exposição inédita de Anna Maria Maiolino – inaugurada no mês em que a artista completa 80 anos – ocupa, com cerca de 300 obras, todas as três grandes salas do andar superior do Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP, espaço só antes dedicado às individuais de Yayoi Kusama e Louise Bourgeois. O curador Paulo Miyada esteve nos últimos três anos ao lado de Anna Maria Maiolino para juntos desenharem a exposição, construída a partir de muitas horas de conversa que resultaram, além de um ensaio aprofundado do curador sobre a produção da artista, em maquetes que dispõem meticulosamente cada obra selecionada.

A mostra antológica, uma vez que traz momentos, obras e acontecimentos significativos na “vida-obra” da artista, como ela mesma nomeou, traz pinturas, desenhos, xilogravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, peças de áudio e instalações.  Segundo Paulo Miyada, Anna Maria Maiolino – psssiiiuuu… (onomatopeia que pode ser assobio, chamado, flerte, pedido de silêncio, segredo, sinal) foi concebida como uma espiral que circula entre todas as fases e suportes da carreira da artista. A analogia com a espiral se refere à maneira de voltar e ir adiante ao invés de seguir uma cronologia linear. “Vai-se adiante para se reencontrar o princípio, consome-se energia para devolver as coisas ao que sempre foram”, destaca o curador.

 

Até 24 de julho.

 

A obra de Francis Pelichek revisitada

 

 

Será inaugurada no  próximo sábado, dia 14 de maio, às 11h, na Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, RS, a exposição “Francis Pelichek – Um boêmio moderno em Porto Alegre”.

A exposição apresenta um pouco da vida e da obra desse pequeno-grande artista, que chegou ao estado em 1922, onde viveu até seu falecimento precoce, em 1937. São aproximadamente 60 obras de acervos públicos e particulares, que oferecerão a oportunidade tanto de conhecer um pouco mais da produção de Francis Pelichek, como de pensar acerca do cenário artístico em Porto Alegre ao longo das décadas de 1920 e 1930. A curadoria é de Paula Ramos e Ana Luiza Koehler que desenvolve, no âmbito de seu doutorado, pesquisa sobre o artista.

 

 

Hipocampo, individual de Silvia Velludo

 

 

A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, apresenta, entre os dias 14 de maio e 25 de junho, “Hipocampo”, segunda exposição individual de Silvia Velludo no endereço de São Paulo. Além das pinturas da série “Hipocampo”, realizadas entre 2016 e 2022, a mostra reúne algumas das obras produzidas pela artista durante a década de 2000, como as pinturas das séries “Penumbras” (2003-2004), “Divisas” (2007-2012), o livro-objeto em letreiro digital “Ida” (2012) e a videoinstalação “Projeto de Aurora” (2002). A exposição conta com texto assinado por Fernando Cocchiarale.

 

 

Formada por mais de 300 pinturas, a série “Hipocampo” dá continuidade à investigação de Silvia Velludo sobre a produção e a reprodução de imagens através da pintura. A artista faz uso de um extenso acervo de fotografias de celular, de notícias de jornal, cenas de filmes e posts de redes sociais para refletir sobre a aparente banalidade dessas imagens e o ritmo acelerado em que são difundidas, traduzindo os códigos da linguagem fotográfica digital para a linguagem pictórica. O título remete à estrutura cerebral responsável pelo armazenamento da memória e faz uma alusão ao registro involuntário que fazemos das imagens que nos rodeiam e as infinitas associações inconscientes que podem ser estabelecidas entre elas. O conjunto de pinturas de tamanhos variados é distribuído por toda a extensão das paredes da galeria, formando um grande painel diagramático de retratos do cotidiano, intercalados ora com telas recobertas por pigmentos metálicos, ora com placas reflexivas de aço, bronze, cobre e latão que, ao espelharem a imagem do espectador, interrompem o fluxo do “scrolling” visual e servem como zonas de respiro.

 

 

“A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência.”, observa o crítico Fernando Cocchiarale.

 

 

A reapresentação das séries “Penumbras” (2003-2004) e “Divisas” (2007-2012) propicia ao público um reencontro com as origens da pesquisa de Silvia Velludo sobre a formação da imagem através da pintura. Ao longo da década de 2000, a artista estava menos interessada pela imagem como representação figurativa do que por sua constituição enquanto fenômeno físico. Em “Penumbras” a artista trabalha a dispersão da luz através do embate entre pequenos pontos de cor, formando, em cada tela, estruturas reticuladas que podem remeter à imagem granulada dos televisores de tubo. Se nessa série Silvia Velludo explora efeitos ópticos através do uso da tinta acrílica e das diferentes combinações e tonalidades possíveis de serem alcançadas pelo material, em “Divisas” ela escolhe trabalhar com as propriedades inerentes das contas de vidro. O caráter cintilante do vidro colorido é intensificado nestas pinturas pelo agrupamento de uma grande quantidade de pequenas esferas coladas em uma superfície de 4m², causando aos olhos a impressão de que há uma desintegração da cor em milhares de pontos de luz. Anterior a essa investigação desenvolvida por Silvia Velludo através da pintura sobre a formação da imagem como um fenômeno óptico, é a sua produção de videoinstalações. A videoprojeção surgia para a artista como uma linguagem que lhe permitia trabalhar com a materialidade da própria luz, explorando a variação de cores, formas e palavras a partir dos recursos da imagem em movimento. “Projeto de Aurora” (2002) consiste em uma sequência de cores projetadas em uma superfície quadrada formada por cerca de 30 kg de sal grosso. Similar ao interesse de Silvia Velludo pela incidência da luz na matéria vítrea é o interesse pela incidência luminosa na estrutura cristalina do sal e sua alta capacidade de reflexão. As cores projetadas fazem referência às cores produzidas pelas Auroras Polares, fenômenos físico-químicos que resultam de interações entre o campo magnético terrestre e o plasma solar e que podem ser observados pela emissão de luzes coloridas que se movem pelo céu.

 

 

“Ida” (2012) é um livro-objeto em formato de letreiro digital que reúne diversos escritos produzidos pela artista ao longo de doze anos a partir daquilo que ocorria ao seu redor – em espaços públicos, privados ou mesmo na televisão. O trabalho foi apresentado pela primeira vez na exposição “Há mais de um poema em cada fotograma” em 2012, onde a artista ocupou todas as paredes da galeria com centenas de detalhes ampliados de fotografias realizadas durante dez anos em uma operação similar, registrando excessivamente as imagens de seu entorno. Se em “Ida” a artista escolhe a palavra como ferramenta para dar conta desse registro e em “Há mais de um poema em cada fotograma” ela escolhe a fotografia digital, em “Hipocampo” Velludo executa um procedimento já iniciado em sua exposição anterior “Autorretrato com Iphone 5C”, traduzindo o registro fotográfico para a linguagem da pintura. A noção de velocidade é uma questão que perpassa todos esses trabalhos, tanto no embate entre o ritmo ágil de uma escrita de observação baseada na associação livre e a leitura regulada pela lentidão do letreiro, como no embate entre a rapidez da captação da fotografia e o moroso feitio de uma pintura figurativa.

 

 

Fernando Cocchiarale

 

Março de 2022

 

 

A crescente presença dos meios digitais em nossa era definiu novas práticas e questões aos artistas que se utilizam das imagens como meio de criação poética. Como uma contraposição crítica à natureza funcional e pragmática da economia da imagem, muitos artistas têm buscado diferentes modos de refletir sobre a sociedade tecnológica contemporânea. Embora a origem artesanal da imagem tenha sido gradualmente substituída por meios técnicos como a fotografia, com a expressividade da mão cedendo lugar à objetividade das lentes e à rapidez e acessibilidade das câmeras, a reprodução manual de imagens de origem fotográfica ou digital em pintura é uma operação que investiga e reavalia de modo amplo o processo evolutivo dos meios técnicos e tecnológicos e suas possíveis rearticulações. A reunião de pinturas que Silvia Velludo apresenta nesta exposição tem por origem a coleção de inúmeros arquivos de imagem de internet e fotos digitais de celular que a artista seleciona e reproduz em suas obras como repertório visual para o seu fazer poético. Silvia se utiliza da mídia digital como um caderno de notas em que pessoas, lugares e momentos a serem lembrados são guardados em imagem e posteriormente trabalhados em tinta sobre tela. Suas pinturas retratam cenas e acontecimentos que espelham um panorama imagético próprio do universo da cultura digital e da dinâmica das redes sociais em sua profusão de temas, recortes e registros, situando-se entre o memorável e o comum, o admirável e o banal, o insólito e o corriqueiro. As pinturas a partir de arquivos de imagens digitais remontam à última exposição individual realizada por Silvia, Autorretrato com iPhone 5c, em 2016, quando voltou a se dedicar à pintura de observação. As múltiplas cenas do trabalho atual resultam das constantes temporadas de viagem de Silvia Velludo entre sua cidade natal, Ribeirão Preto, e São Paulo, onde também reside e trabalha, e outras localidades em que, acompanhada de pincéis, tintas e telas portáteis, a artista registra suas pinturas diretamente em cada lugar de estadia, justificando a escala diminuta de suas obras. As 295 pinturas realizadas por Silvia Velludo ao longo de seguidas temporadas de viagem estão dispostas por todas as paredes do espaço de maneira a compor uma extensa rede de campos visuais em frações irregulares. Com o aspecto de um diagrama descontínuo, suas cenas deslizam visualmente em séries horizontais, verticais e diagonais que, também em saltos, se remetem a outras cenas por proximidade, semelhança ou oposição, um fluxo de imagens que forma narrativas sequenciais, cruzadas ou aleatórias em associação direta com a observação do espectador. Silvia articula diferentes níveis de significação para as suas imagens. Entre formas e cores sortidas de centenas de pequenas telas de pintura figurativa esmerada, um visitante atento notará a presença de retratos e olhares que parecem dialogar em silêncio com o observador, formando uma narrativa paralela; em outro momento, cenas frugais de crianças e animais de estimação se impõem pela força afetiva, doméstica e familiar que evocam, ainda que seja a intimidade anônima e distante das imagens da internet. Cenas de peixes nadando em círculos parecem estar em ação, como se a pintura guardasse a memória do movimento e capturasse a atenção do espectador. Bonecas, brinquedos e obras de arte se alternam entre paisagens, fruteiras e personagens obscuros das redes sociais e do noticiário em busca de uma contextualização plausível e de sentidos inteligíveis. As pinturas aqui reunidas por Silvia Velludo adquirem sentido pela noção de conjunto que toda coleção estabelece. As diversas situações pintadas sobre tela se interpõem enquanto campos espaciais e planos figurativos, condição aberta que possibilita inúmeras combinações narrativas por justaposição, deslocamento e associação livre. O passeio visual que este dispositivo pictórico propõe reconstitui uma dimensão temporal fílmica da imagem, tanto pela sugestão de movimento contínuo das cenas pintadas – peixes em círculos, olhos em órbita -, como pela ação do próprio olhar que percorre as superfícies das pinturas à procura de novos estímulos e significações. Estas pinturas parecem propor, repetidas vezes, um jogo de adivinhação em torno da identificação das cenas escolhidas pela artista. Como em um desafio ou charada, tentamos reconhecer quais entre aquelas imagens referem-se a notícias, personagens e momentos que lembramos – ou ignoramos. Ou como estas cenas se recombinam em histórias particulares, eventos públicos ou acontecimentos desprovidos de informação alguma enquanto somos levados a imaginar situações, relações e desfechos entre os episódios retratados. Diante desta grande reunião de pinturas somos tomados por um labirinto narrativo de notas cifradas, imagens privadas e públicas, todas fadadas à efemeridade de postagens perdidas e noticiários esvaziados. A visão panorâmica que Silvia nos propõe para estas imagens aponta para uma solução original. A plural diversidade de assuntos exibidos se entrelaça com as inúmeras associações possíveis formadas pelos encadeamentos das cenas como campos de leitura. À maneira de um jogo de palavras-cruzadas composto por imagens em desdobramento visual contínuo, nosso olhar é levado a rastrear superfícies, identificar sinais e construir nexos a partir de um caleidoscópio de fragmentos da realidade. A disposição das telas é alternada por quadros metálicos luminosos e brilhantes em aço, bronze, cobre e latão que provocam um rebatimento do olhar imersivo da pintura e emprestam ritmo ao intenso fluxo de imagens. Como zonas de respiro e contemplação, abrem um intervalo de tempo que parece condensar as vivências imagéticas em um plano de emanações reluzentes e silenciosas. A ágil circulação das imagens digitais nas mídias eletrônicas desvela, por sua vez, sua natureza temporal efêmera que as conduz tanto ao desaparecimento quanto à obsolescência. Em seu pensamento poético, Silvia apropria-se de cenas cotidianas aparentemente comuns e as transfere do meio digital ao suporte material, artesanal e analógico da pintura, meio que empresta um sentido de permanência e duração às imagens. A visão panorâmica de tantas imagens em fluxo nos conecta diretamente à experiência de navegação digital nas telas dos celulares e nas redes sociais, profusão que nos chega diariamente produzindo histórias descontínuas e quebras de narrativa. A dinâmica das imagens digitais já não nos permite saber a origem e a história de cada momento, local ou encontro, em seus respectivos tempos e lugares, diante da acelerada produção, difusão e consumo de informações pelas redes. O panorama de cenas de Silvia Velludo propõe uma reflexão em torno da saturação de imagens nos meios digitais e a busca por permanência e sentido que uma obra artística idealmente almeja em sua essência. O jogo poético firmado entre o universo particular de suas imagens e as notícias e postagens das redes sociais tensiona a nossa percepção do real. Tal qual um dispositivo expositor de memórias e lembranças, somos seduzidos pela curiosidade e pelo espírito imaginativo que tantas imagens reunidas são capazes de estimular. A instalação de pinturas de Silvia revela-se, assim, um inventário de vivências a serem reconstituídas que, como cápsulas de tempo, retém uma dimensão existencial que as imagens resistem em desvelar. A proposição artística de Silvia Velludo nos proporciona, assim, uma experiência contrária àquela celebrada pelo frenesi do mundo digital: a desaceleração intuitiva que reestabelece correlações poéticas entre o real e suas representações a partir da apropriação afetiva e artesanal das imagens. A contemporaneidade de suas pinturas e questões entrecruza-se com a dominante e frágil onipresença das imagens digitais em nosso cotidiano.