Suassuna, Brennand, Samico e dos Santos

03/out

A BASE, de Daniel Maranhão, Jardim Paulista, abre a exposição “Ressonância Armorial” com Ariano Suassuna, Francisco Brennand, Gilvan Samico e Miguel dos Santos, texto crítico de Denise Mattar e 30 obras entre pinturas, esculturas e objetos dos quatro artistas mais representativos no Movimento Armorial, uma iniciativa artística cujo objetivo seria criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro que buscava convergir e orientar todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, etc. A abertura é no dia 07 de outubro, ficando em cartaz até 11 de novembro.

Em um primeiro momento, em 2020, Daniel Maranhão inseriu o Movimento Armorial, em seu segmento de artes plásticas, no cenário cultural paulistano com a exposição “Samico e Suassuna – Lunário Perpétuo”, que marcou a reinauguração da BASE pós-pandemia, agora, com “Ressonância Armorial”, amplia o número de artistas que trabalharam os mesmos conceitos.

As “iluminogravuras” – termo criado pela junção das palavras iluminura e gravura, de Ariano Suassuna, retornam à galeria acompanhadas de publicações, raros LPs do “Quarteto Armorial”, do múltiplo artista Antônio Nóbrega, e trechos do longa metragem “Auto da Compadecida” dirigido pelo pernambucano Guel Arraes. Suassuna, idealizador do Movimento Armorial, nos anos 1970, assim o conceitua: “A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das artes e espetáculos populares, com esse mesmo Romanceiro, relacionados”.

Miguel dos Santos, que aos 79 anos figura como único integrante vivo do Movimento Armorial e que, atualmente, está no foco dos grandes colecionadores e instituições nacionais e internacionais, é apresentado de forma inédita na BASE. Como define Daniel Maranhão, “não há como se falar em Movimento Armorial, sem citar Miguel, um dos principais participantes.(…) É sabido que cada artista tem sua fase, ou época, mais prestigiosa; e, no caso de Miguel, são as décadas de 1970 e 1980 as mais importantes, de onde serão apresentadas oito obras, todas em óleo sobre tela, sendo que seis delas da década de 1970 e duas, em grande formato, da década de 1980, adquiridas ao longo de anos”. Sobre seu trabalho, Denise Mattar pontua: “Incorporando vestígios do passado e referências a deuses ancestrais, seu trabalho, personalíssimo, envereda pelo realismo mágico.”

Gilvan Samico possui obras inspiradas no Cordel desde os anos de 1960 o que o qualifica como um dos precursores do Movimento Armorial. “O virtuosismo técnico na arte da xilogravura, aliado ao imaginário das fantásticas histórias do Romanceiro Popular do Nordeste, apresentadas de forma hierática, quase sagrada, em “soberana simplicidade”, tornaram a obra de Samico a mais plena concretização das ideias armoriais – uma união perfeita de erudito e popular”, como define Denise Mattar. Dentre as xilogravuras, destacam-se: “Dama com Luvas” (1959) e “Suzana no Banho” (1966) (acervo do MoMA, NY), com tiragem limitada (20 exemplares).

Internacionalmente reconhecido como pintor e ceramista, Francisco Brennand exibe esculturas de grande porte e peças em cerâmica – painéis e placas – da década de 1960, “que evocam o mundo telúrico, sensual e provocador, característico de toda a sua produção”, segundo Denise Mattar.

“A reunião desses quatro artistas, na Galeria BASE, evidencia a ressonância do Movimento Armorial, potencializando seu resultado mágico e contestador, que remete às raízes profundas de nosso país.”  Denise Mattar

Renata Tassinari expõe na Mul.ti.plo

04/jul

Renata Tassinari expõe na Mul.ti.plo Espaço de Arte, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, pinturas sobre o acrílico transparente, em formatos variados e tridimensionais. Como novidade, ela usa também acrílico espelhado, resultando em obras de muita luminosidade, gráficas e coloridas. A mostra, denominada “Construções planares”, ganhou texto crítico de Paulo Venancio Filho. A abertura fez parte do Quinta das Artes na Dias Ferreira, quando mais duas galerias (Lurixs e Quadra) abrem mostras na mesma rua, dia e horário, um circuito de exposições para ser percorrido a pé. A exposição traz ao Rio a obra da artista paulistana reconhecida pelo virtuosismo no uso da cor, apresentando suas inusitadas pinturas sobre acrílico que, antes utilizado como moldura, ganha status de tela. Obras de cores luminosas, inclusive espelhadas, que parecem se desprender do suporte, ganhando materialidade e solidez, ficando em cartaz até 18 de agosto.

Renata apresenta uma série de 12 pinturas sobre acrílico transparente. A novidade fica por conta da combinação com o acrílico espelhado, material incorporado recentemente à sua produção, resultando num conjunto de obras de surpreendente beleza e luminosidade. Em formatos tridimensionais inusitados, as pinturas de Renata ganham ares de objeto, num jogo de percepção entre o industrial e o manufaturado.

O fundamento do trabalho de Renata Tassinari é a cor. Sua paleta tem cores únicas, preparadas por ela mesma, a partir de misturas. “As cores são usadas levando em conta qualidades como transparência, opacidade, reflexos, texturas, num uso calculado e variado de experiências visuais. Esse domínio também se manifesta na escolha dos materiais – madeira, acrílico, espelho -, que se incorporam à pintura”, explica Paulo Venancio, professor titular do Departamento de História e Teoria da Arte da Escola de Belas Artes da UFRJ. Com a combinação virtuosa desses elementos, as cores de Renata Tassinari parecem se desprender do suporte, ganhando materialidade.

Uma particularidade do trabalho de Renata, que pode ser conferida nessa exposição da Mul.ti.plo, é a pintura sobre o acrílico. Antes utilizado como moldura, a artista decide incorporar o material à sua obra, conferindo-lhe o status de suporte. Sobre ele, pela frente ou por trás, a artista aplica generosas camadas de tinta óleo ou acrílica. O resultado são cores ainda mais pulsantes e um acabamento mais limpo e sintético. “Depois de pronto, o trabalho pode até ter certa identidade industrial, mas na verdade é profundamente artesanal. São obras de imensa qualidade, que instigam o olhar, nos convidando a escapar de um mundo contaminado pelo excesso de imagens. A obra de Renata nos convoca a reagir a essa atrofia da percepção”, reflete Maneco Müller, sócio da Mul.ti.plo.

No trabalho singular de Tassinari destaca-se também a sua capacidade de espacialização. Suas obras têm geometrias variadas, como formas de L ou U. É o caso de Vermelho Dois L (235 x 200 cm). Algumas são criadas a partir da combinação de elementos diferentes, como Padaria III (40 x 120 cm). As bordas, inclusive, podem ser pintadas, como em Mata II (40 x 120 cm). “Entre as obras há também os múltiplos Leblon, criados especialmente para essa exposição, formados por 3 cores, que funcionam tanto na vertical como na horizontal”, conta a artista. “Outra novidade da pintura de Renata são os formatos alongados, fora de qualquer convenção pictórica”, como em Marola-Narciso (194 x 350 x 5 cm). O título da mostra pretende revelar o caráter planar de uma pintura que se constrói como objeto tridimensional. “A pintura de Renata é uma construção, feita de elementos separados em geral, que ela junta como se fossem objetos. É uma pintura tridimensional, construída como se fosse um objeto”, explica Paulo Venancio.

Extremamente prestigiada entre críticos, curadores e seus pares, Renata Tassinari iniciou sua carreira há mais de 30 anos. Sua primeira exposição foi em 1985, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. “Ela poderia ser enquadrada na turma da Geração 80, mas sua pintura é diferente do que se fazia na época, abstrata. Assim como é diferente também da pintura atual, de algumas décadas para cá. São muitas sutilezas que, combinadas, fazem do trabalho dela uma obra única”, conclui Paulo Venâncio. A última mostra individual da artista no Rio foi em 2018, na galeria Lurixs. Antes, ela expôs no Paço Imperial, em 2015.

Sobre a artista

Renata Tassinari nasceu em São Paulo, SP, 1958. Formou-se em Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, FAAP, em 1980. Paralelamente, estudou desenho e pintura no ateliê dos artistas Carlos Alberto Fajardo e Dudi Maia Rosa. Nos anos 1980, realizou estampas com motivos indígenas para a Arte Nativa Aplicada-ANA. Nos últimos anos, a pintura de Renata Tassinari transformou-se em um campo fértil de pesquisas e inovações. O quadro deixou de ser um elemento neutro e passou a fazer parte da estrutura da obra. A artista pinta sobre uma superfície de acrílico, que, numa abordagem mais tradicional, seria parte do enquadramento de uma obra. Ao mesmo tempo, deixa a moldura de certas seções da obra cobrir apenas um papel em branco. Onde deveria haver a transparência do acrílico protetor de uma folha de desenho, passa a haver pintura e, inversamente, onde a folha de papel se deixa ver, há apenas o branco do papel que assim se transforma em cor. De início, os procedimentos acima se desdobravam em séries que alternavam as cores acrescentadas sobre o acrílico e o branco emoldurado das folhas de desenho. Com o tempo, ela passa a tratar partes do quadro como coisas, também outras coisas poderiam ser elementos das obras. Madeiras de diferentes colorações e ranhuras, e a inversão do avesso de uma moldura de acrílico, têm sido a prática mais recorrente. A cor sempre foi um elemento fundamental na obra da artista. Colocar cores num quadro e pelo quadro habitar o mundo com cores, essa é uma breve descrição do que ela sempre buscou. Entre o mundo e o quadro – ao tratar partes da obra também como coisas do mundo, como coisas palpáveis – agora surgem relações mais próximas, e percebemos um trinômio obra/cor/mundo sempre insinuando-se em seu trabalho.

 

Resiliência/Mulheres

11/nov

A Casa França-Brasil, Centro, Rio de Janeiro, RJ, recebe a mostra de fotos premiadas da World Press Photo sobre resiliência feminina. “Resiliência – Histórias de mulheres que inspiram mudanças” é uma exposição feita em parceria com a Fundação The World Press Photo e o Reino dos Países Baixos é gratuita e fica em cartaz até o dia 30 de novembro, Casa França-Brasil, no Rio.
“Resiliência – Histórias de mulheres que inspiram mudanças”, consiste numa seleção de histórias premiadas nos concursos da World Press Photo de 2000 a 2021, que salientam a resiliência e os desafios de mulheres, meninas e comunidades em todo o mundo. São retratos documentados por 17 fotógrafos, de 13 nacionalidades diferentes que expressam, por meio das fotografias, suas visões sobre questões como sexismo, violência de gênero, direitos reprodutivos e igualdade de gênero. A mostra seguirá para Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre.
Entre as fotografias em cartaz, Crying for Freedom, da iraniana Forough Alaei, que documentou torcedoras proibidas de entrar em estádios de futebol de seu país. Arriscando serem presas, as torcedoras se disfarçam de homens para entrar nos estádios. O retrato Finding Freedom in the Water, da fotógrafa Anna Boyiazis, compartilha a história de alunas da Escola Primária Kijini que aprendem a nadar e a realizar salvamentos, no Oceano Índico, na Praia de Muyuni, Zanzibar. Tradicionalmente, as meninas do Arquipélago de Zanzibar são dissuadidas de aprender a nadar, muito devido à falta de roupas de banho mais recatadas.
As narrativas, contadas por meio das fotografias premiadas, revelam como as questões de gênero evoluíram no século XXI e como o fotojornalismo progrediu em sua forma de retratar essas mulheres e suas histórias. A exposição inclui ainda fotografias de Finbarr O’Reilly, Maika Elan, Catalina Martin-Chico, Pablo Tosco, Olivia Harris, Terrell Groggins, Jonathan Bachman, Heba Khamis, Daniel Berehulak, Robin Hammond, Diana Markosian, Jan Grarup, Magnus Wennman, Irina Werning, and Fulvio Bugani. “A imagem icônica captura o instante de um acontecimento único e cria no interlocutor uma conexão emocional. É sempre um registro impactante, com viés político por trás. Com imagens assim, tocantes, a World Press Photo hoje é a maior e mais respeitada mostra de fotojornalismo no mundo.
Neste projeto especial chamado Resiliência, as fotos abordam uma temática ainda especial: o papel da mulher no protagonismo histórico. Para mim, a série de 2016, da fotógrafa Anna Boyiazis, sobre instrutoras de natação que ensinam mulheres a nadar e realizar salvamentos, em um esforço para reduzir as altas taxas de afogamento na Região de Zanzibar, no Oceano Índico, é icônica. Compila em um único ensaio aspectos culturais, estéticos, econômicos e comportamentais”. Flávia Moretti é produtora cultural e representa no Brasil as edições da exposição da World Press Photo.
A exposição demonstra a habilidade do fotojornalismo em visualizar o poder de mulheres ao redor do mundo, em redefinir suas realidades e vencer desafios. No contexto da liberdade de imprensa, e celebrando a excelência em fotojornalismo, o World Press Photo tem orgulho em trazer essas histórias para o público brasileiro”, explica Raphael Dias e Silva, gerente de projeto na Fundação. Esta exposição reflete o compromisso dos Países Baixos com os direitos das mulheres, a igualdade de gênero e a justiça, fundamentais na defesa de sociedades harmônicas.
Mulheres em todo o mundo enfrentam desigualdades profundamente arraigadas, que as mantém sub-representadas em papéis políticos e econômicos. “A exposição Resiliência-histórias de mulheres que inspiram mudanças” transmite o compromisso dos Países Baixos com os direitos das mulheres, a igualdade de gênero e a justiça. Vozes múltiplas, documentadas por 17 fotógrafos, oferecem uma maior compreensão sobre como as mulheres e os desafios relacionados ao gênero evoluíram no século 21. A violência contra as mulheres prevalece como uma grave questão global de saúde e proteção”, afirma, André Driessen, embaixador dos Países Baixos. Em 2021, em todo o mundo, as mulheres representavam apenas 26,1% de cerca de 35.500 bancadas parlamentares, apenas 22,6% de mais de 3.400 ministérios, e 27% de todas as posições de gerência. A violência contra as mulheres prevalece como uma grave ameaça global e um problema de segurança.

Sobre a Casa França-Brasil

Este prédio histórico, de estilo neoclássico, foi projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny, por encomenda de D. João VI, e inaugurado em 13 de maio de 1820, visando a instalação da Primeira Praça do Comércio da Cidade do Rio de Janeiro. Em 1824, o prédio passou a ser ocupado como sede da Alfândega, e desde então assumiu diversos usos e funções até ser transformado em Centro Cultural. Em 1983 o projeto de requalificação do edifício para fins culturais foi concebido por Darcy Ribeiro quando secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, como se mantém até hoje, acolhendo as mais diversas manifestações artísticas e culturais.

Sobre a World Press Photo Foundation

Somos uma plataforma global que conecta fotojornalistas, fotógrafos documentais e nosso público mundial por meio de narrativas confiáveis. A World Press Photo foi fundada em 1955, quando um grupo de fotógrafos holandeses organizou um concurso (“World Press Photo”) para expor seu trabalho a um público internacional. Desde então, nossa missão se expandiu. Nossos concursos se tornaram uma das competições mais prestigiadas do mundo, premiando os melhores em fotojornalismo e fotografia documental. Por meio de nosso bem-sucedido programa de exposições em todo o mundo, apresentamos a milhões de pessoas as histórias que importam. A World Press Photo Foundation é uma organização criativa, independente e sem fins lucrativos, com sede em Amsterdã, na Holanda. Agradecemos o apoio de nosso parceiro global, a Dutch Postcode Lottery, e nosso parceiro, PwC.
Para mais informações, acesse worldpressphoto.org ou nos siga no Facebook, Instagram, Twitter e YouTube.

Darzé com Anderson AC. e Carlos Vergara

01/nov

 

No dia 08 de novembro, às 20 horas, a Paulo Darzé Galeria, Salvador, Bahia, inaugura um novo espaço expositivo, ampliando sua sede com um terceiro andar. Este andar inicia as suas atividades com uma mostra do artista baiano Anderson AC., um dos novos nomes da arte brasileira contemporânea, artista que em seu trabalho utiliza de diversas linguagens como a pintura, o grafite, a colagem, a arte postal, o vídeo, a fotografia digital, a literatura, o uso de imagens e documentos familiares, vestígios, deslocamentos, documentos, relatos e imagens, memórias e registros pelos quais se desdobra numa constante intervenção artística para a criação das composições estéticas que servem de suporte para seus trabalhos, onde cria, desenha, cola, pinta, fotografa, interfere; onde questiona e discute processos, como um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias; onde revela um conceito elaborado de vivência através da memória e da sobreposição de linguagens artísticas, na qual o caráter itinerante do processo de documentação dos fatos cotidianos cria o espaço de experimentação através de um diálogo entre arte e vida, de um cotidiano transformado em arte.

A exposição tem textos de Marcelo Rezende e de Thais Darzé. Para o crítico, Anderson AC., “ainda que elementos de sua pesquisa artística de mais de uma década estejam presentes de forma evidente (os códigos visuais da arte do grafitti, a cultural africana em Salvador como matriz e toda a simbologia religiosa e social), “Alvorada” é, a um só tempo, um prosseguimento e uma radical atitude de rompimento em e com a trajetória do artista: o que vemos não são pinturas – em seu sentido mais elementar – , mas um outro objeto, algo que pede uma outra definição, uma outra categoria na qual as imagens pintadas são apenas uma camada inicial em nome do próprio entendimento da obra: no lugar da pintura, um objeto pictórico, ativo, em permanente ação diante de suas próprias circunstâncias”.

Para Thais Darzé, curadora da mostra, “Essa série tem uma ideia de superação dessas dores, mazelas e holocaustos históricos, constituídos através dos processos de colonização e escravização de povos africanos. Se, nas pinturas anteriores, o rasgo tinha o papel de denunciar e deflagrar, agora as tessituras têm a função de curar, superar e transformar essas feridas históricas, não apenas ligadas à sua realidade pessoal, mas de todo um histórico imposto ao povo negro. É tempo de seguir em frente, é “Alvorada”, o primeiro raio da manhã”.

 

Exposição de Carlos Vergara

No espaço do primeiro andar, a Paulo Darzé Galeria, também no dia 08 de novembro, às 20 horas, apresenta a mostra Pinturas Recentes de Carlos Vergara, um dos maiores nomes da arte brasileira contemporânea, com a exposição Pinturas Recentes.

Para o crítico Felipe Scovino, na apresentação da mostra, Carlos Vergara traz “uma história que é escrita por imagens e objetos ao invés da escrita. Que guarda lembranças e sentidos de um território. São camadas de visualidade que se sobrepõem e se misturam continuamente. Especialmente suas pinturas mais recentes revelam uma associação peculiar entre pigmento – a origem da cor ou a ligação mais primária entre pintura e natureza – e terra. A densidade própria do pigmento ou do pó de mármore trazem uma memória da natureza. Não se trata de ilustração de algo, mas uma “liberdade de improviso, movida pelo desejo de explorar acontecimentos poéticos inesperados”. É peculiar esse balanço que Vergara constrói entre o que chamaria de uma magia do imprevisto e a objetividade de um pensamento de pintor. Eis a força dessas obras: sua capacidade de se mover por entre esses limites e permanentemente questionar as adversidades do mundo”.

 

Sobre o artista

Carlos Vergara nasceu no Rio Grande do Sul, em 1941, e mora no Rio de Janeiro. Com uma extensa e intensa trajetória, participou de quatro edições da Bienal de São Paulo (1963, 1967 (Prêmio Itamaraty), 1969 (ano em que participa também da Bienal de Medellín) e 1989, e representou o Brasil na Bienal de Veneza, em 1980. Integrou mostras divisoras na história da arte brasileira como “Opinião 65” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e “Propostas 65”, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo. Na sua trajetória, Vergara foi aluno e assistente de Iberê Camargo, e está na pintura o seu maior processo artístico, apesar dos projetos conjuntos com a arquitetura, a realização de cenários e figurinos, a criação de esculturas como resultado de experiências com papelão de embalagem, e obras realizadas com materiais industriais, fruto do seu interesse em investigar as relações entre arte e indústria, neste segmento estando desenhos e objetos moldados em poliestireno.

As mostras “Alvorada” de Anderson AC., e “Pinturas Recentes, de Carlos Vergara ficam na Paulo Darzé Galeria, Rua Chrysippo de Aguiar, 08, Corredor da Vitória, Salvador, em temporada até o dia 10 de dezembro.

Visita Guiada

05/ago

Zéh Palito na Simões de Assis, SP

30/mar

 

 

A exposição “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola” é a primeira individual do artista visual Zéh Palito (1986, Limeira), em São Paulo, realizada na Simões de Assis, Jardins, São Paulo SP. Introduzido à prática artística por meio do graffiti/pixação, teve ainda jovem aulas de pintura, por estímulo de sua mãe, após um acidente andando de skate. Posteriormente, viria a estudar Design Gráfico e Belas Artes, formação essa que lhe deu a oportunidade de viajar o mundo e exibir suas obras em mais de 30 países.

O primeiro verso do poema “Sympathy”, de 1893, publicado por Paul Laurence Dunbar (1872, Dayton – 1906, Dayton) – primeiro poeta afro-americano a ter destaque nos Estados Unidos e Inglaterra -, expressa, em tom sombrio, a situação dos negros na sociedade americana do final do século XIX e faz uma alusão à falta de plenitude. Tal poema inspirou o título da primeira autobiografia da poeta afro-americana Maya Angelou (1928, St. Louis – 2014, Winston-Salem) na qual retrata parte de sua infância difícil vivida em uma cidade sulista nos anos 30 e 40 durante o período da segregação. Por consequência, também inspirou o título desta exposição.

Nas pinturas apresentadas vemos representações de pessoas negras em poses altivas, com roupas elegantes, com logotipos de marcas conhecidas, em locais triviais como praias, piscinas, em frente a automóveis ou mesmo em fundo e de forma bastante positiva, trazendo aos retratados humanidade. Zéh nos confronta com pinturas-exaltação, pessoas plenas, autoconfiantes e resolvidas, imagens positivas, em contraste com as imagens criadas nos últimos séculos, nas quais a população negra majoritariamente era representada em situações que corroboram o trauma da colonização.

Em uma das telas da mostra está representado um casal na praia, tendo o rapaz estampados em sua sunga dois botos-cinzas, símbolo da cidade do Rio de Janeiro. Outros elementos que remetem à capital carioca – local onde ocorreu o maior aporte de pessoas negras escravizadas na história da humanidade -, são o popular biscoito de polvilho Globo e a canga com o desenho da bandeira nacional, mas nas cores verde, rosa e branco. A flâmula é semelhante àquela que apareceu no desfile campeão do carnaval carioca de 2019 da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, cujo o lema positivista francês “ordem e progresso” foi substituído por “índios, negros e pobres”. Tal samba enredo do carnavalesco Leandro Vieira (1983, Rio de Janeiro) homenageou figuras populares brasileiras importantes, porém ainda não reconhecidas pela narrativa hegemônica como Carolina Maria de Jesus (1914, Sacramento – 1977, São Paulo) e Marielle Franco (1979-2018, Rio de Janeiro).

Em ação semelhante, o artista utilizou-se de nomes ainda pouco citados nos livros de história e na academia como títulos de suas obras. Temos homenageadas Maria Firmina dos Reis (1822, São Luís – 1903, Guimarães) escritora, compositora e abolicionista, considerada a primeira romancista brasileira, representada violentamente por anos como uma mulher branca; e Laudelina dos Santos Mello (1904, Poços de Caldas – 1991, Campinas) pioneira na luta pelo direito dos trabalhadores domésticos no Brasil, militante da Frente Negra Brasileira e participante do Teatro Experimental do Negro (TEN), iniciativa do artista plástico, ativista, escritor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, jornalista e professor universitário Abdias Nascimento (1914, Franca – 2011, Rio de Janeiro). A tela intitulada Leide Maria (1961, Ivaiporã), trabalhadora do lar e artesã, é uma homenagem à mãe do artista, que colaborou em outra pintura intitulada “Nosso Sonho” com a feitura de fuxicos de tecidos encerados coletados por Zéh nas suas viagens pelo continente africano como voluntário de projetos humanitários. Outro familiar homenageado é seu pai, Marcel Francisco (1962, Limeira), soldador automotivo aposentado. Na tela “O vaso de Marcel”, um rapaz em traje estampado com motivos de pássaros, referência aos cut-outs de Matisse, segura um vaso com flores semelhantes a bougainvilles.

Frequentes nas pinturas são as representações de frutas como cocos, melancias, bananas, abacaxis, mamões e plantas como helicônias, palmeiras e flores que remetem à tropicalidade. Elas aparecem junto às figuras humanas, ora adornando, ora como temas de estampas – porém, não menos dedicadas, muitas vezes ocupam posição central na composição. Informação relevante é o fato de o artista manter com seus pais, em paralelo ao ateliê de pintura, um jardim/pomar com plantio de diversas espécies, como por exemplo bananeiras (próximas a um muro rosa), bananas rosas (ornamentais) semelhantes às estampas do trajes de banho das moças na tela “Ubatuba ou Guarujá”, mangueiras, mamoeiros e bougainvilles.

Tais representações de frutas têm, na história da arte brasileira, um lugar importante, valendo lembrar de um dos primeiros pintores negros a ingressar na Academia Imperial de Belas Artes, o premiado Estevão Roberto da Silva (c.1844-1891, Rio de Janeiro), reconhecido por suas natureza-mortas. Há uma tela, em especial, intitulada “Garoto com Melancia”, de 1889 e hoje pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, na qual um jovem negro aparece sorridente, sozinho, desfrutando da fruta diaspórica, originária do continente africano. Ela se relaciona com a pintura “Odin ordene o vento”, na qual um rapaz aparece próximo à mesma fruta, degustando um picolé e estampando em sua roupa a rosa-dos-ventos da Estrela (tradicional e elitista fábrica de brinquedos brasileira), além de estar rodeado de brinquedos populares como bolinha de gude, pipa e estilingue.

Ainda na mesma pintura, podemos identificar diferentes tons de preto na pele do rapaz, além da cor ocre que cria efeito de douramento. Os olhos do personagem parecem flutuar em um fundo negro, relacionando-se à prática do afro-americano Kerry James Marshall (1955, Birmingham), que produziu nos anos 80 pinturas tonais pretas ligadas à temática do homem invisível, nas quais, à primeira vista, só são identificados os olhos e dentes. Depois, porém, com uma análise mais atenciosa, era possível observar as variações da cor preta nas definições do corpo. Essa é uma provocação à inviabilização dos sujeitos e da produção cultural negra. Ironicamente, uma dessas telas ficou por mais de 25 anos no banheiro da casa de um colecionador, e agora é uma das obras fundamentais da pintura ocidental.

As obras dessa exposição, apesar de bastante coloridas – evocando alegria -, carregam aspectos políticos pertinentes e também falam de traumas, dores. Talvez, o pássaro enjaulado que canta seja uma metáfora do momento em que estamos, no qual perdura uma pandemia ainda fatal, guerras, governos autoritários alinhados à necropolítica, privação de direitos básicos. E, mesmo assim, seguimos nossas vidas. Ou esse mesmo pássaro de viver restrito já não se lembra, ou até nunca gozou de sua plenitude, alienado.

Ademar Britto Jr

 

Na Bergamin & Gomide

03/set

 

Assista o documentário sobre a artista Maria Lira Marques

[Watch the documentary about the artist Maria Lira Marques]

 

 

“Tem bicho que eu coloco a agressividade dele só nos pés. (…) Às vezes ele tá correndo mesmo, né? E às vezes lá vai ele, tranquilão.” – Maria Lira Marques

 

 

Convidamos você a descobrir um pouco mais sobre o fascinante universo de Maria Lira Marques. No vale do Jequitinhonha, rodeada pela arte e música, a artista conta como desenvolveu o seu trabalho com a cerâmica e com o barro. A sua cantoria embala o retrato do seu bairro, da sua rua, das suas obras. O retrato de uma arte genuína que se mistura à vida e lhe dá sentido.

 

 

A exposição Maria Lira Marques: Obras recentes, com texto crítico do curador Rodrigo Moura, apresenta pinturas em que a artista utiliza o barro como matéria prima, criando um imaginário próprio da fauna e flora sertaneja; o resultado são obras que se destacam pela textura orgânica, cuja paleta de cores remete às técnicas desenvolvidas ao longo de gerações no Vale do Jequitinhonha, local onde nasceu e vive até hoje. A individual acontece de 21 de agosto a 1º de outubro de 2021, na Casa Flávio de Carvalho.

 

Visitação:
21 de agosto a 1º de outubro de 2021
Segunda a sexta, 10 às 19 horas
Sábado, 10 às 15 horas
Casa Flávio de Carvalho
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 1052

 

 

*Lembramos que o uso de máscara é obrigatório

CONVITE – Arjan Martins na Bienal

 

Lygia Clark na Pinakotheke, Rio

19/ago

 

 

 

De @maxperlingeiro para @lygiaclark

 

 

Querida Lygia

 

 

Permita-me a intimidade. Além da grande admiração que tenho por você há mais de cinco décadas, apesar de ter estado com você muito menos do que deveria por pura timidez, recebi a responsabilidade de planejar e implantar um projeto de exposição e uma publicação pelo centenário de seu nascimento. É, Lygia… O tempo passou e nós não percebemos.

 

 

O que falar sobre você depois destas exposições? Fundació Antoni Tàpies, em Barcelona, curadoria de Manuel J. Borja Villel, o Manolo, em 1997, com itinerância pela Europa, terminando no Paço Imperial no Rio de Janeiro, em 1998; Musée des Beaux-Arts de Nantes, França, 2005, com itinerância na Pinacoteca do Estado de São Paulo; a tão sonhada exposição no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), “O Abandono da Arte”, curadoria de Luiz Pérez-Oramas e Connie Butler, 2014; a “Retrospectiva” no Itaú Cultural, curadoria de Paulo Sergio Duarte e Felipe Scovino; e, finalmente. “Pintura como Campo Experimental”, 1948-1958, apresentada no Museu Guggenheim de Bilbao, curadoria de Geaninne Gutiérrez-Guimarães, em 2020.

 

 

Missão impossível!

 

 

Neste momento, lembrei-me de uma frase do genial Walt Disney: “Eu gosto do impossível, porque lá a concorrência é menor”. E assim foi.

 

 

Pensei em nossos heróis: Mario Pedrosa, Ferreira Gullar e Guy Brett. Infelizmente não existem mais. Mas me lembrei de nossos amigos: Yve-Alain Bois, Luciano Figueiredo e Lula Wanderley. E assim fui construindo uma rede de afetos, todos muito saudosos de você.

A equipe de pesquisa começou a trabalhar a partir de outubro de 2020, no dia em que você completou 100 anos. Fui informado por um jornalista de que eu tinha sido convidado pela Associação Cultural Lygia Clark, a instituição que cuida de seu legado, para fazer sua exposição. Daí em diante, foi muito trabalho. Comecei a ler e reler tudo o que havia disponível sobre sua vida e sua obra, apesar de uma terrível sequela de memorização e atenção que o vírus da Covid-19 me deixou. Meu foco era o “impossível”: a descoberta de obras inéditas, uma das características dos projetos monográficos da Pinakotheke; fotografias; documentos; registros; e cartas. Semanalmente, também chegavam dezenas de informações. Por falar em obras inéditas, descobrimos o paradeiro daquela “Escada” que você falou mais de uma vez de sua predileção, que estava com o seu amigo Hoco Martins Pereira, e o retrato de sua cunhada Berta Clark, entre muitas outras. E todas as informações foram devidamente checadas e rechecadas e tal resultado estará disponível nesta publicação, mais uma de que muito me orgulho de ter produzido. Ao mesmo tempo, era uma corrida contra o tempo, pois tínhamos um compromisso com uma itinerância, Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza, dando uma dimensão nacional às comemorações de seu centenário. E aí mais um susto. Em fevereiro de 2021, não chegamos ao tão sonhado pós-normal. O jeito, Lygia, foi esperar. Guardar os instrumentos, limpar o palco, encerar o assoalho, ensaiar com afinco todos os dias e jamais perder a esperança. Eis que um novo planejamento surgiu: abriremos com todos os protocolos permitidos no dia 23 de agosto de 2021. Na luta de não deixar você completar 101 anos. Senão, perderíamos todo o nosso trabalho – e com a esperança de que os jovens com até 20 anos já estejam vacinados até lá. Lygia, os jovens admiram muito você e gostarão de ver seu trabalho. As crianças também. Temos uma tradição desde 1994 de manter um educativo muito eficiente e, quem sabe, conseguiremos retomar também as atividades dos “Sábados na Pinakotheke”.

 

 

Gostaria de compartilhar também com você a generosidade de todos os colecionadores que, durante décadas, reuniram suas obras e foram unânimes em emprestar tais preciosidades. É impossível agradecer a tantos amigos e profissionais que nos apoiaram. Lembra-se daquela divertida entrevista que você concedeu ao jornalista Matinas Suzuki Jr. e ao curador Luciano Figueiredo? Foi totalmente transcrita agora, com os recursos da tecnologia, e será publicada na íntegra. Seu amigo Yve-Alain Bois mandou-nos também um texto definitivo sobre você lá na Universidade de Princeton e cedeu-nos o exemplar número 1 de sua lendária “Revista Mácula”, em que seu trabalho foi comentado em 1965. Além disso, Marcio Doctors, um estudioso de seu trabalho, contribuiu com um belo texto. Paulo Herkenhoff foi generoso em nos ceder seu glossário sobre os diversos períodos de sua produção artística. Nosso saudoso amigo, o fotógrafo Alécio de Andrade também estará presente; sua mulher, Patrícia, cedeu-nos um belo ensaio fotográfico feito em Paris em 1966, quando você esteve por lá e causou um barulhão. Por fim, Lula e Gina foram impecáveis em me educar sobre seus “Objetos Relacionais e Sensoriais” e a eficácia de seu tratamento, junto aos pacientes que precisavam realmente de seu talento. No auge de minha crise de atenção, Lula pediu-me que lesse os originais de seu novo livro, inédito… Não teve jeito! Em 36 horas, fui obrigado a ler mais de 100 páginas dos originais, em um fim de semana, porque sabia que, na segunda-feira, seria sabatinado. E foi um verdadeiro desbloqueio mental.

 

Enfim, espero, querida Lygia, que você goste do que fizemos para comemorar essa data tão significativa. E, agora, deixo para meu legado comemorar o próximo centenário.

 

 

Em tempo: Mario Carneiro e seu filme “Memória do corpo” também estarão presentes.

 

 

Rio de Janeiro, agosto de 2021.

 

 

Max Perlingeiro

 

 

Percurso da exposição “Lygia Clark (1920-1988) 100 anos”

Pinakotheke Cultural, Rio de Janeiro

23 de agosto a 23 de outubro de 2021

 

 

Escadas

 

A única coisa boa que ficou (do estudo com Burle Marx) foram exatamente as “Escadas”. Para a artista, ficou o que era reflexão sobre o espaço. Certas Escadas aludem à progressão/regressão do desenho “A verdade sobre a folha da palmeira”, de Paul Klee. As folhas de Klee e as “Escadas” de Clark são triângulos truncados em espiral, articulados no vértice. Essas “Escadas” são estruturas modulares, ritmos arquitetônicos do espaço, fluxos físicos e territoriais de tempo. Nessa poética do espaço, escadas são espaços de passagem, ambivalência entre subir e descer, um devir formado por um contínuo ir e vir, pois, tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo (Heráclito, “Fragmentos”).

 

Kleemania

 

 

Na primeira geometria programática de Lygia Clark, por volta de 1952, há pinturas em que os planos se sobrepõem, integrados por transparências que lembram aquarelas de Paul Klee. Frequentemente em Klee, como por vezes em Clark, o tempo se transmuta sob firme conotação musical de espaços fugados, referindo às fugas de Bach. Essas questões são um ensaio primordial de modulação da relação espaço-tempo na trajetória de Clark.

 

 

Arte/Arquitetura

 

 

Nos anos imediatos do pós-guerra, dois movimentos da arquitetura marcavam Lygia Clark. Em Paris, os estudos com Fernand Léger terão sensibilizado Clark para integração entre arte e arquitetura na reconstrução das cidades europeias, e conduzido seu mestre a problemas da arte no espaço público. “Chamei a isso de ‘a destruição da parede’ ou a ‘parede elástica’. Cria-se outro espaço”, pensa o pintor francês na relação entre arquitetura, parede e pintura. O aludido contato com a obra de Mondrian foi completado pela descoberta do grupo De Stijl, que propôs ideias de construção coletiva sob princípios como o lugar da cor ativa na relação entre espaço e tempo. Na teoria arquitetônica do grupo, o rompimento da caixa fechada (os muros etc.) acaba com a dualidade interior-exterior. Clark aspirou à arquitetura experimental em “Interior” (1955), invertendo toda tradição, pois não é o muro que recebe o quadro, mas é a pintura como práxis material que devora a parede e toda a arquitetura.

 

 

Quebra da moldura

 

A partir da história social da arte, a tela “Quebra da moldura” (1954), de Lygia Clark, tomou posição e se converteu num ponto extremo da pintura no Brasil em sua condição de espaço concreto. Expor a quebra do marco, que ainda apresentaria seus vestígios (as faixas pretas), e incorporar sua área física já com uma superfície de cor integrada ao campo visual. A operação de Clark convoca o entendimento do quadro como um corpo íntegro que dispensa o que lhe fora agregado historicamente – a moldura – na condição de status social e o isolamento político da arte no mundo. Quebrar significa abolir a moldura até a própria dissolução de suas memórias. Nada mais separa o fato pintura do mundo; nenhum outro traço, para além do signo material da pintura, a ela se adere. Desde a quebra da moldura, em 1954, Clark não fez mais pinturas, desenhos nem esculturas, pois não há qualquer interesse em rompimento das fronteiras entre os meios. O espaço se tornou a investigação central e consistente sob o mais cristalino desdobramento.

 

 

Linha orgânica

 

 

A “Descoberta da linha orgânica” (1954) introduz uma questão concreta que é entender o sentido da estreita fresta entre a tela e o que foi moldura. Esse lugar ativa o espaço concreto, articula suas partes, por isso sua denominação como linha orgânica. É orgânica por se o espaço preposicional entre; é o vazio que articula o discurso planar da cor; é o lugar do ar que respiramos que integra e articula as zonas concretas da pintura. O que se havia rompido em “Quebra da moldura” não se dispersa nem produz fragmentos ou cacos, mas paradoxalmente reivindica e produz uma totalidade plástica precisa e coesa como também em “Descoberta da linha orgânica”, seu par conceitual. A pintora dissolveu a instituição do “quadro”, reduzindo à realidade problemática de superfície e plano em sua objetualidade.

 

 

Superfície modulada

 

 

As primeiras “Superfícies moduladas” ainda operavam sob a memória do encaixe (como na relação abolida entre moldura e tela) e buscavam a formação de objeto uno. No entanto, as referências à moldura nas “Superfícies moduladas” (1955 a 1956) passarão a minguar para que se esclareça a articulação pelas linhas orgânicas na modulação da superfície pictórica. Serão planos autonômicos (em madeira) que a artista submete à conjunção justapositiva que forma o campo pictórico e suas variações espaciais. O discurso da pintura recorre ao verbo “modular” para modelizar dimensões e intensidades de relações cromáticas. O jogo de percepções se ativa pela presença integrada das funções das linhas orgânicas de coesão formal dos planos e acentua a harmonia da superfície construída por formas seriais. A superfície se uniformiza pela cor chapada, sem deixar traços do pincel ou gestos na aplicação da tinta industrial.

 

 

Planos em superfície modulada Série A

 

 

A artista agora desenvolverá uma nova economia formal, com formas mais homogêneas e equilibradas. Os “Planos em superfície modulada” (1956) ressaltam a dimensão puramente planar, descartam a memória da relação quadro/moldura. A pulsão de constituir espaços ordena os planos-placas que se atraem e se ajustam para a formulação de uma unidade espacial, cuja coesão se dinamiza pela linha orgânica. Se desde as “superfícies moduladas” de 1955 não haverá desenho geométrico sobre o fundo, com os “Planos em superfície modulada” praticamente não há cor – a artista se reduz ao preto, branco e cinza, eventualmente opera uma cor primária.

 

 

Planos em superfície modulada Série B

 

 

Na segunda série dos “Planos em superfície modulada” (1958) a ambiguidade espacial em Clark se depura pela redução da imagem com novo olhar sobre o preto e branco do suprematismo de Malevitch e sobre o espelhamento das formas de Josef Albers. A polaridade radical e reduzida, integrada e ativadora, da Planos em superfície modulada. Série B nos. 1 e 2 (1958) enuncia uma primeira superação da assimbolia da forma, pois seu encaixe aponta para relação entre  Um e o Outro, entre o feminino e o masculino, entre noite e dia.

 

 

Espaço modulado

 

O “Espaço modulado” (1958) de Lygia Clark retoma o plano único como novo desafio lógico, definido nas dimensões prevalecentes de 90 x 30 cm, o que equivale à modulação por três quadrados de 30 x 30 cm subdivididos de diversos modos. Sobreposta a divisão por malha, prevalece a ideia de modulação em três quadrados, por sua vez atravessados por linha horizontal, vertical ou diagonal de que resultam duas partes dentro de um dos quadrados. Por vezes, ocorre a modulação mais surda, sem a loquacidade da linha orgânica. Há divisões em planos triangulares ou planos horizontais. São traçados sutis de linha branca ou de linha cega, formada por mossa no plano-suporte. O olhar varre o espaço em movimento vertical, apreende a totalidade do espaço e de seus problemas, sem desvios por quaisquer ritmos para os lados.

 

Unidade

 

 

Uma “Unidade” é uma síntese espacial e temporal máxima no espaço-tempo de Lygia Clark. Sua dimensão de 30 x 30 cm é calculada para a percepção integral num único relance. É, portanto, unidade percepcional que ajusta espaço e tempo como um fenômeno indivisível. A superfície quadrada é pensada para constituir-se também num único ato de conhecimento. Tudo se percebe e apreende num átimo. A consecução do espaço unitário em Clark é síntese rigorosa, pois avança como economia com relação aos excessos do programa De Stijl (cores, divisões espaciais, etc.) para reduzir a uma questão algébrica da forma, a um só episódio de leitura e à economia do esforço do globo ocular.

 

 

Ovo linear

 

 

O neoconcretismo deu o salto semântico para constituir seu “princípio da simbolização” da forma com o “Livro da Criação” (1959), de Lygia Pape, e na passagem do quadrado da “Unidade” para o círculo do “Ovo linear” (1958, 33 cm), de Lygia Clark. O círculo preto tem um halo de linha-luz branca periférica incompleta como uma falta e abertura, ponto em que se situa a força da forma. “Ovo linear” é o momento primordial: o ser nascendo compreende a definitiva separação entre o eu e o outro. A falha da linha – isto é, a falta, é o ponto de contágio do plano com o mundo, aludindo a situação solitária do nascituro. O “Ovo linear” é tenso em Clark, podendo ser lido como alusão ao parto, tendo ela gerado três filhos. Lygia Clark enuncia sua geometria feminina na investigação da interioridade do sujeito.

 

 

Contra relevos

 

 

Na dimensão empírica da construção do “Contra relevo” (1959) de Lygia Clark, os planos em madeira pintada aportam sua espessura corpórea; sobrepostos, eles recusam a simbiose planar entre sua condição de objeto e a parede, alternando entre revelação e encobrimento de si mesmos. Alguns planos são pretos com bordas em branco e vice-versa. No entanto, sua arquitetura folheia espessuras planares e estruturas diagonais, para dinamizar sua posição no mundo, quando um de seus ângulos ocupa o ponto superior da estrutura. Na vista frontal vêem-se apenas planos pretos e brancos, reivindicando o movimento do sujeito em torno do objeto. Clark amadureceu os princípios da historicidade do neoconcretismo. A arte não é a figuração plástica de princípios geométricos, mas é o desenvolvimento de problemas plásticos já legados pela própria modernidade histórica.

 

 

Casulo

 

 

A vontade material de Lygia Clark é agora definida por necessidades construtivas do espaço. Dessa forma, recorreu a maleabilidade do metal para as operações do “Casulo” (1959): o plano sobre a dobra, avança sobre o lugar e delimita, não sua zona, mas seu modo de ser espaço real em si. O objeto interrompeu a mimese da parede onde se situa. O “Casulo” é potencialmente a dobra da interioridade do sujeito. Remete, no ciclo vital de alguns insetos, em um estágio radical de transformação. Necessita de exploração por parte do observador para compreensão do polígono que se desdobra e redobra em planos triangulares para além de seu perímetro quadrado.

 

 

Bichos

 

 

Depois dos “Casulos”, ocorre a eclosão espacial dos “Bichos” (1960), como a polpa que emerge adulta. O “Bicho” surgiu como núcleo articulado de planos e dobras. Com a definição do uso do metal para solucionar a estruturação da nova dinâmica do espaço, Clark, para os “Bichos”, recorreu ao alumínio por sua revolucionária leveza estratégica. Os primeiros espécimes eram estruturas rígidas, formadas por planos e dobras, que não se moviam, como o “Bicho ponta” (1960). Mais amadurecido, o “Bicho” tornou-se uma estrutura móvel formada por placas de metal articuladas entre si por dobradiças. O “Bicho objeto vindo de um mundo de fora” (1961) enuncia a demanda de forças extrínsecas da manipulação do objeto pelo sujeito da recepção. “Na relação que se estabelece entre você e o ‘bicho’ não há passividade, nem sua nem dele. Acontece uma espécie de corpo a corpo entre duas entidades vivas”, celebra Clark. No plano da recepção da arte, a conversão do espectador em agente do “Bicho” é o ponto de viragem em que emerge o sujeito neoconcreto. Malgrado os títulos dos “Bichos”, já não cabe pensá-los em termos de representação, abstração ou forma. Os “Bichos” passaram a oferecer múltiplas variações estruturais e possibilidades de movimento.

 

 

Obra mole

 

 

Despois dos “Bichos”, as “Obras moles” (1964) representam outro salto na direção do vir a ser em lugar do ser, e se põem em permanente estado de emergência. As “Obras moles” são formadas de material industrial emborrachado para piso. O corte planejado nessa matéria introduz formas que se desdobram e possibilitam o enganche do objeto sobre superfícies e volumes, permitindo a adaptação do seu estar no mundo. Tudo é devir e mais que nunca a obra exerce a vontade material.

 

 

Trepantes

 

 

Na mecânica de Lygia Clark, seu foco deslocou-se das articulações da forma para a resistência dos materiais e para seu jogo de tensões com os “Trepantes” (1965). O sujeito participante de um “Trepante” infringe esforço mecânico sobre as faixas de metal que se torcem e retorcem em torções, se dobram e desdobram como uma estrutura fluida, resistem e cedem, se resvalam e se retêm em seu acidentado contato com o mundo. Sob a tensão do material, ou mesmo em repouso, o objeto sempre promete um turbilhão barroco de movimentos, no deslocamento temporal de seu percurso. Na virada linguística de Clark, nota-se que o título “Trepante” também enseja uma repercussão onomatopaica. Agarra-se a pessoas, árvores ou coisas, um corpo vibrátil trepa, libidinoso como no sentido do termo no português coloquial.

 

 

Objetos relacionais e Objetos sensoriais:

 

 

Um “Objeto relacional” não tem “especificidade em si… é na relação estabelecida com a fantasia do sujeito que ele se define”, afirma Lygia Clark, “ele é alvo da carga afetiva agressiva e passional do sujeito, na medida em que o sujeito lhe empresta significado, perdendo a condição de um simples objeto para impregnado, ser vivido como parte viva do sujeito”. Em “Objeto relacional em contexto terapêutico” Clark afirma que o processo se torna terapêutico pela regularidade das sessões, possibilitando a elaboração fantasmática vinda das potencialidades do objeto. Os “Objetos relacionais” não derivam para o fetiche, porque, engajado em ação terapêutica, não há possibilidade de ação no sistema da arte, no museu, mercado, crítica ou história. Clark assume o extremo de seu projeto: declara-se não artista.

 

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