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AGENDA CULTURAL

Emanoel Araujo na 35ª Bienal de São Paulo

04/jul

É com alegria que a Simões de Assis, São Paulo, Curitiba e Balneário Camboriú, anuncia que Emanoel Araujo (Santo Amaro da Purificação, 1940 – São Paulo, 2022) integra a seleção de artistas da 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível – com curadoria de Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel.

O artista explorou fortemente a presença da herança africana na cultura brasileira a partir de formas gráficas, objetos e gestos que traduziam uma dimensão expandida e transcendente, sendo referência para diversos artistas. Na exposição, com abertura prevista para 06 de setembro, o relevo escultórico em madeira de Araujo integra um conjunto de trabalhos que retomam as vozes das diásporas e dos povos originários, ampliando o diálogo local e internacional, valorizando diversos contextos impossíveis e como os artistas desenvolveram estratégias para contorná-los.

Fotos de German Lorca

29/jun

A Galeria Marcelo Guarnieri apresenta, entre 08 de julho e 05, “Galeria São Luís – Geometria das Sombras”, primeira exposição de German Lorca (1922- 2021) em seu endereço de São Paulo. A mostra reúne 50 fotografias produzidas entre as décadas de 1940 e 2010 e se organiza em três núcleos: “Galeria São Luís”, que consiste em uma reedição da exposição do artista na Galeria São Luís, em 1966; “Icônicas”, que apresenta um conjunto de suas fotografias mais clássicas e “Série Geometria das Sombras”, composta por 24 imagens desenvolvidas por Lorca em 2014, já aos 92 anos, e exibidas integralmente pela primeira vez.

Um dos pioneiros da fotografia moderna no Brasil, German Lorca nasceu em São Paulo em 1922 e assim como outros filhos de imigrantes europeus que chegaram à capital paulista no início do século XX, cresceu no operário bairro do Brás. Ali pôde testemunhar, desde criança, a dinâmica da vida do bairro em meio a transformações que alteravam sucessivamente o ritmo e a paisagem urbana. Lorca forma-se como contador no Liceu Acadêmico de São Paulo em 1940 e tem o seu primeiro contato com a fotografia em 1945, registrando eventos familiares. Em 1948 ingressa no Foto Cine Clube Bandeirante, um clube de fotógrafos frequentado por entusiastas, amadores e profissionais, que acreditavam que a fotografia era uma forma de arte que podia revelar a estética oculta da modernidade cotidiana. Lorca pôde explorar, em uma troca constante com os outros integrantes, as especificidades da técnica fotográfica, entendendo os enquadramentos, jogos de luz e solarizações como recursos plásticos e discursivos.

Na década de 1960, German Lorca já havia participado de diversos salões de fotografia no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa, e em paralelo à sua produção artística, se estabelecia como um premiado fotógrafo de publicidade. Em 1966, ano em que transfere seu estúdio para um prédio maior e mais adequado à escala de suas produções comerciais, realiza a segunda exposição individual de sua carreira, na Galeria São Luís, em São Paulo. A Galeria São Luís, que abrigou exposições de importantes artistas brasileiros como Tomie Ohtake, Mira Schendel e Flávio de Carvalho, foi fundada em 1959 pelo empresário e colecionador Ernesto Wolf (1918-2003) e dirigida por Anna Maria Fiocca (1913-1994), antiga proprietária da Galeria Domus. Naquela ocasião, Lorca apresentou fotografias realizadas desde os anos 1950, em que registrava paisagens, retratos e cenas do cotidiano, explorando a geometrização de suas composições de maneira mais sutil. O fotógrafo também experimentava com cenas em movimento, ressaltando os aspectos plásticos da imagem desfocada, como em “Aeroporto 61″ (1961), exibida no ano anterior na VIII Bienal Internacional de São Paulo. A versão original do cartaz da mostra de 1966, reeditado a partir da intervenção de J. Henrique Lorca para a atual exposição na Galeria Marcelo Guarnieri em 2023, é de autoria do designer Alexandre Wollner.

Em outubro de 2014, durante um período em que precisou ficar recluso em sua residência por ordens médicas devido a problemas de saúde, German Lorca dedicou-se ao estudo das formas das sombras causadas pela luz do sol em interação com estruturas, ambientes e objetos que o rodeavam. Naquela ocasião, acompanhado de sua Leica M9 Digital, Lorca registrou as 24 imagens que formam o ensaio fotográfico que ele denominou de “Geometria das Sombras”, impresso em 2015 pelo processo giclée com pigmento Ultrachrome em papel de algodão Hahnemühle Photo Rag Baryta. Esta é a primeira vez que o ensaio, sua última produção em vida, é exibido integralmente.

Sua obra integra importantes coleções ao redor do mundo como Museu de Arte de São Paulo (MASP), Pinacoteca do Estado (São Paulo), Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), MoMA (New York), Cisneros Fontanals Art Foundation (Miami) e Itaú Cultural (São Paulo).

Exposição prorrogada

A exposição “Haverá consequências” foi prorrogada até 22 de julho devido ao grande fluxo de visitantes e contatos para agendamentos. Uma boa oportunidade e para visitar a Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS. Trata-se da primeira mostra com curadoria da professora e pesquisadora Bruna Fetter à frente da Direção Cultural da FVCB, função assumida em abril de 2022.

Realizada integralmente a partir do Acervo da instituição, “Haverá consequências” representa um exercício de encontros e aproximações que se materializam por meio de rastros e vestígios da memória, reverberando no presente e nos desdobramentos futuros. As obras presentes na mostra – seja em termos temáticos, materiais ou mesmo formais – são compreendidas simultaneamente como imagem-índice-percurso, o que possibilita diferentes leituras, relações e caminhos. Fazem parte da seleção apresentada trabalhos em fotografia, vídeo, gravura, pintura, objeto, arte postal, serigrafia e livro de artista.

Nas palavras da curadora, Bruna Fetter: “Ao partir da noção de rastro e vestígio, Haverá consequências busca tecer fios que atravessam nossas compreensões de passado-presente-futuro, causa e consequência. Na mostra encontraremos imagens e objetos que são resíduos de pensamentos e ações ocorridas no passado, mas que pela sua condição de obra de arte tornam-se testemunhos perenes a nos acessar em diferentes contextos e tempos. Reunindo um grupo de obras da coleção da FVCB, a exposição resulta de uma imersão minha neste Acervo, e também de um trabalho muito próximo a todas as equipes da instituição, inaugurando meu trabalho como diretora cultural da Fundação.”

A mostra, reúne mais de 60 obras de 57 artistas do Brasil e do exterior.

Artistas participantes

Begoña Egurbide | Bill Viola | Brígida Baltar | Cao Guimarães | Carla Borba | Carlos Krauz | Christian Cravo | Cinthia Marcelle | Claudia Hamerski | Claudio Goulart | Clovis Dariano | Darío Villalba | Dennis Oppenheim | Dirnei Prates | Elaine Tedesco | Elcio Rossini | Eliane Prolik | Ethiene Nachtigall | Fabiano Rodrigues | Fernanda Gomes | Frantz | Geraldo de Barros | Guilherme Dable | Heloisa Schneiders da Silva | Hudinilson Jr. | Ío (Laura Cattani e Munir Klamt) | Jaume Plensa | Joan Fontcuberta | João Castilho | Lluís Capçada | Luanda | Lucia Koch | Mara Alvares | Marco Antonio Filho | Margarita Andreu | Mariana Silva da Silva | Mario Ramiro | Marlies Ritter | Michael Chapman | Nelson Wiegert | Nick Rands | Patricio Farías | Paulo Nazareth | Perejaume | Regina Vater | Rosângela Rennó | Roselane Pessoa | Sarah Bliss | Sascha Weidner | Sol Casal | Susy Gómez | Telmo Lanes | Tuane Eggers | Vera Chaves Barcellos | Wanda Pimentel | Yuri Firmeza

Visitação

De segunda a sexta-feira e aos sábados, mediante agendamento prévio, até 22/07/23

Contatos: educativo.fvcb@gmail.com | (51) 98229 3031

Local: Sala dos Pomares da Fundação Vera Chaves Barcellos – Av. Senador Salgado Filho, 8450, parada 54, Viamão/RS (ponto de referência: ao lado do pórtico do Condomínio Buena Vista) – Entrada franca.

Heitor dos Prazeres no CCBB Rio

Retrospectiva no CCBB, Centro, Rio de Janeiro, RJ, destaca perfil multimídia de Heitor dos Prazeres e a importância histórica de sua obra. A exposição “Heitor dos Prazeres é meu nome” reúne mais de 200 trabalhos, entre pinturas, desenhos e esboços, mobiliário, indumentárias, partituras e acervo documental

Décadas antes de o termo multimídia (ou mesmo “mídia”) se popularizar, Heitor dos Prazeres (1898-1966) já atuava em várias frentes artísticas, da música à pintura, da cenografia ao figurino, passando pelo mobiliário. Nascido dez anos após a abolição da escravatura, registrou, em suas composições e, a partir da década de 1930, com pincéis, tintas e suportes variados, da madeira à tela, crônicas do Rio suburbano da primeira metade do século XX.

Da mesma forma que frequentou as casas das tias da Praça Onze, como a da célebre Tia Ciata, e colaborou na fundação das primeiras escolas de samba da cidade, a exemplo de Mangueira, Portela e Deixa Falar (que originou a Estácio de Sá), sua produção nas artes visuais retratou temas ignorados na época pela academia, como os cultos de matriz africana, as primeiras rodas de samba e a transformação do subúrbio rural em cenário urbano, com o surgimento das primeiras favelas.

Com curadoria de Raquel Barreto, Pablo León de la Barra e Haroldo Costa, a seleção reúne obras de coleções particulares, incluindo telas pouco vistas, e de instituições como o Masp, a Pinacoteca de São Paulo, o MAM do Rio, o Ipeafro e os Museus Castro Maya.

Entre as raridades, estão duas de suas obras mais antigas, criadas poucos anos após seu início na pintura, em 1937: “O sonho” (1939) e “Caboclo”, da década de 1940. O título da mostra é retirado de uma fala do próprio pintor no documentário que leva seu nome, dirigido por Antônio Carlos da Fontoura em 1965. Uma apresentação que o situa entre os grandes nomes das artes brasileiras no século XX e, ao mesmo tempo, introduz sua produção ao público mais jovem.

– O título o reafirma como um homem negro que se coloca como sujeito de sua própria história e a representa assim. Ele foi nomeado de naïf, mas, se não fosse o racismo estrutural, um artista desta grandeza seria considerado um pintor moderno – acredita Raquel Barreto. – Outra importância da sua obra foi ter retratado a religiosidade afro-brasileira, que, neste momento, está sob ataque. Heitor era ogã, o responsável, no candomblé, por tocar para que o orixá desça à Terra. É uma função de mediador, um trânsito que ele também desempenhou em sua vida artística.

Curador de arte latino-americana do Guggenheim, de Nova York, Pablo León de la Barra destaca a importância histórica da mostra.

– A História da Arte tratou artistas como Heitor por muito tempo como primitivos ou ingênuos, o que é mais grave num país como o Brasil, onde o racismo dificulta o acesso à educação, o que tem de ser considerado numa releitura como a que estamos propondo – ressalta o curador. – A própria Tarsila (do Amaral) poderia ter sido considerava uma pintora naïf, pela forma como abordava os temas, como romantizava a realidade brasileira, mas isso não aconteceu, como no caso do Heitor.

Autodidata, Heitor começou a ser reconhecido também na pintura a partir da década de 1950, quando fica com o terceiro lugar para artistas nacionais na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e ganha uma sala especial na 2ª Bienal, em 1953. Em 1966, participou do I Festival de Artes Negras em Dakar, no Senegal, meses antes de sua morte (a retrospectiva traz obras de Heitor e outros dois brasileiros na seleção, uma tela de Rubem Valentim e uma escultura de Agnaldo dos Santos). O evento marcou a memória de Haroldo Costa, que sentou ao lado do pintor no voo.

– Tive o privilégio de fazer parte da delegação brasileira para Dakar, e outro maior ainda de ir sentado ao lado do Heitor. Fomos conversando durante todo o voo e passei a admirá-lo ainda mais desde então – recorda Costa. – Ele é o melhor exemplar que conheço do “milagre brasileiro”. Tinha tudo para dar errado, mas foi grande em várias áreas. Muito graças à ultrassensibilidade que teve ao longo da vida, como pioneiro na observação do cotidiano da população negra e periférica, com a qual ele convivia.

Fundadora da MT Projetos de Arte, pela qual captou recursos para a exposição via Lei Federal de Incentivo à Cultura, a colecionadora Margareth Telles começou a planejar a mostra durante a pandemia, mas só no início do ano teve o projeto contemplado. Além de mostrar a uma nova geração de espectadores a obra de Heitor dos Prazeres, ela desejava fazer um paralelo com o momento atual da arte contemporânea brasileira, no qual questões sociais e relacionadas à diáspora africana estão no centro do debate.

– Além de ser apaixonada por seu trabalho, achava necessário fazer um recorte de sua produção agora, para colocá-lo em diálogo com artistas da nova geração, como o Dalton Paula, o Arjan Martins, o Maxwell Alexandre. Ele foi pioneiro em tudo, foi o primeiro artista negro a ser premiado numa Bienal, em 1951, ao lado do (suíço) Max Bill – contextualiza Margareth. – Foi o artista que abriu este caminho, retratando essa modernidade negra, da transição do rural para o urbano, das rodas de samba, do Brasil pós-abolição.

Ralação com a moda

Entre os legados da mostra, está a restauração da tela “Praça XV” (1965), da coleção Castro Maya, apresentada em 1966 no 1° Festival Mundial de Artes Negras, em Dakar, e do figurino do Balé do IV Centenário de São Paulo (1954), criado pelo pintor. Além das peças exibidas ao público pela primeira vez no CCBB, outra indumentária assinada por Heitor para a companhia de dança pode ser vista no Museu de Arte do Rio (MAR), na mostra “Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros”, que tem Raquel Barreto como uma das curadoras.

– Mostramos um pouco deste envolvimento dele com a moda, assinando o figurino do balé, uma coleção de tecidos da Rhodia, além do fato de ser um homem muito elegante, que se vestia sempre de forma impecável – destaca Raquel.

Para a curadora, a obra de Heitor dos Prazeres faz um registro precioso da realidade da população negra do Brasil em seu tempo, mas de forma diferente de outros pintores modernos que se debruçavam sobre o tema, como Di Cavalcanti e Portinari.

– Um dos aspectos que a gente quis destacar foram as cenas que ele pintou da infância de crianças negras. Isso era uma ideia muito nova, porque não existia durante a escravidão, e no pós-abolição essa infância era abreviada pela necessidade do trabalho – comenta Raquel. – E em várias telas com brincadeiras, vemos muito a imagem da pipa, do balão no céu, o que traz uma ideia de liberdade.

Fonte: Veja – por Por Nelson Gobbi.

Vitória Taborda no Paço Imperial

O Paço Imperial, Centro, Rio de Janeiro, RJ, inaugurou a  exposição “Aparência”, exibição individual de Vitória Taborda que permanecerá em cartaz até 20 de agosto. A exposição marca o reencontro da artista com sua cidade natal, após um longo período morando em Nova York, nos EUA. Foi no Rio de Janeiro onde ela fez toda a sua formação em arte contemporânea, tendo sido integrante da chamada “Geração 80″. Com curadoria de Vera Beatriz Siqueira, apresenta 141 obras inéditas, pertencentes a três séries: “Animale Insectum”, “Paisagismo” e “Ovo Duro”, produzidas desde 2016 até hoje, nas quais a artista reconfigura esteticamente elementos existentes na natureza, criando obras ao mesmo tempo semelhantes e diferentes da nossa fauna e flora.                                                                  

 Os sentidos não se fixam, estão sempre cambiantes, há um jogo de ilusão e encantamento, que não se resolve. Essa é a grandeza do trabalho. É como a obra do Magritte: “Isto não é um cachimbo”. Na obra da Vitória poderíamos dizer: Isto não é um inseto. Gera uma dúvida, é um enigma que não se fecha”, conta a curadora Vera Beatriz Siqueira.

Em comum, todos os trabalhos se apropriam de elementos retirados da natureza, que são reconfigurados e ressignificados. “É um trabalho puramente estético, mimicando a natureza e a sua resistência a interpretações intelectuais, a despeito de nossas incessantes tentativas. Tenho interesse na geometria, cores e formas encontradas na natureza, como padrões/vocabulário pré-existentes. Gosto também de forma antes de função”, afirma a artista.

A pesquisa para estes novos trabalhos começou a partir da mudança da artista para a Região Serrana do Rio de Janeiro. “Moro numa casa no meio da Mata Atlântica, que tem uma enormidade de asas, patinhas e partes de insetos variados. Fui reconfigurando-os dentro de uma estrutura correta do inseto em termos de número de patas, asas, etc, mas seguindo uma estética de acordo com o meu olhar. Seguindo esta mesma noção, fiz o mesmo com as plantas, colhendo galhos, folhas secas, etc.”, conta a artista.

“O trabalho de Vitória Taborda parte de encanto estético com a exploração da natureza, invertendo a direção e a função da tarefa mimética. Recolhe pequenos galhos, folhas secas, corpos de insetos mortos, formando uma coleção de coisas usadas para mimetizar não a forma atual da natureza, e sim a sua versão fabulosa e imaginativa, nascida do contato duradouro, persistente e compassivo com o mundo que o origina”, diz a curadora.

Série em exposição

“Animale Insectum” – Inspirada pelo significado em latim da palavra “Insectum”, que significa “cortar em partes”, esta série é composta por 99 trabalhos nos quais a artista cria novos insetos a partir de partes de insetos existentes na natureza, tendo sempre uma preocupação estética. “O artista anseia por criar trabalhos únicos que desafiem classificações pré-existentes, em busca de melhor compreensão de nossa existência. O cientista também anseia em descobrir algo ainda escondido, seja um novo fenômeno ou um sistema sem precedentes, para melhor compreender o mundo existente. Desta forma, este trabalho é um diálogo entre ciência e arte, suas simetrias e semelhantes buscas”, afirma a artista.

Em alguns destes trabalhos, chamados “Mimetismo” (fenômeno no qual animais e plantas imitam o padrão de coloração ou o comportamento de outro organismo como forma de proteção), a artista coloca os insetos sobre pinturas geométricas, feitas por ela, como se estivesse mimetizando a pintura como estratégia de sobrevivência.

Em pequenos formatos, medindo 15 cm X 10 cm e 15 cm X 22 cm, os trabalhos serão apresentados dentro de caixas de coleções entomológicas, assemelhando-se à classificação biológica feita pela ciência. Estima-se que existam cerca de seis milhões de insetos no planeta, mas somente um milhão foi classificado até agora. Partindo desta premissa, a artista cria seus próprios insetos e questiona: “Seriam então, os insetos ainda não classificados, não existentes? Ou talvez, eles ainda não foram inventados? Seriam os insetos a serem classificados o potencial recontar da mesma história ou, novamente, a recombinação dos mesmos elementos de outros insetos?”.

Nas caixas, a artista acrescenta o termo “animal em segmentos livres”, “ecoando os versos livres da criação poética moderna, que inspiram a sua paciente artesania, costurando partes de diferentes origens. A natureza é imitada em sua dimensão estética, resistindo a toda classificação e racionalização”, ressalta a curadora.

“Paisagismo” – Seguindo a mesma linha dos insetos, nesta série composta por 15 obras, Vitória Taborda cria trabalhos a partir de galhos, troncos e folhas secas. “São o resultado do trabalho cuidadoso de selecionar e modelar os galhos finos recolhidos depois que caem. São também dendrogramas, representações esquemáticas e suavemente nostálgicas de árvores ausentes. E são ainda projetos, planos fabulosos de podas geométricas, de controle da neve, de casas fantásticas a serem mobiliadas por nossa imaginação. Apontam, assim, para o futuro de uma realização mágica, mas também recendem a melancolia de uma realidade que não existe mais”, afirma a curadora Vera Beatriz Siqueira.

“Ovo Duro” – Esta série é composta por 27 obras feitas com ovos de galinha brancos e azuis, unindo-os, criando novas formas. “Este projeto trabalha com a desconstrução da estrutura do ovo, um objeto percebido e compreendido universalmente, não só pelo seu formato como também pela consistência, informações que são imediatamente decodificadas”, diz a artista.

“Vitória cuidadosamente desconstrói, esvaziando-os, recortando-os, colando-os uns aos outros. As configurações que alcança falam de uma nova unidade, mas também de coisas inevitavelmente partidas. São outros seres segmentados que recolocam a temporalidade simultaneamente passada e futura no agora da arte”, completa a curadora.

Sobre a artista

Vitória Taborda estudou no Parque Lage nos anos 1980 e participou da exposição “Como vai você Geração 80″, em 1984, além de alguns salões de arte no Rio de Janeiro. Em 1988, foi para Nova York estudar Ilustração na School of Visual Arts. Estudou também encadernação e restauração de livros e produziu algumas edições limitadas de Livro de Artista, dois dos quais hoje pertencem à coleção do MoMA e a várias bibliotecas nos EUA. Neste período, participou de duas exposições coletivas de ilustração no Arts Director’s Club. De volta ao Brasil, em 2002, continuou seu trabalho de arte, pintando a óleo em papel cartão (binder’s board), pensando nas partes e no todo, pensando nos fragmentos e no inteiro até se enveredar por colagens com elementos pré-existentes na natureza.

Sobre a curadora

Vera Beatriz Siqueira é historiadora da arte, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autora de vários livros sobre arte brasileira, incluindo Arte no Brasil anos 20 a anos 40, Wanda Pimentel, Cálculo da Expressão: Goeldi, Segall, Iberê, Iberê Camargo, Burle Marx, Milton Dacosta, além de vários artigos em livros e revistas. Atuou como curadora de exposições na Fundação Iberê Camargo, Museu Lasar Segall, Museus Castro Maya e Paço Imperial, entre outros espaços culturais. Foi Coordenadora da área de Artes e membro do Conselho Técnico Científico do Ensino Superior (CTC-ES) junto à Capes/Ministério da Educação, entre 2018 e 2021. Atualmente coordena o Programa de Pós-graduação em História da Arte da Uerj.

Siamo Foresta

 

Quinze artistas brasileiros participam de mostra internacional concebida pela Fondation Cartier na Triennale Milano.

Até o dia 29 de outubro, a Triennale Milano e a Fondation Cartier pour l’Art Contemporain apresentam a exposição “Siamo Foresta”. Com curadoria do antropólogo francês Bruce Albert e do diretor artístico da Fondation, Hervé Chandès, a mostra reúne 27 artistas de diferentes países. Desses, 15 brasileiros, entre os quais nove são indígenas: Adriana Varejão, Aida Harika (Yanomami), Alex Cerveny, André Taniki (Yanomami), Bruno Novelli, Cleiber Bane (Huni Kuin), Edmar Tokorino (Yanomami), Ehuana Yaira (Yanomami), Jaider Esbell (Makuxi), Joseca Mokahesi (Yanomami), Luiz Zerbini, Morzaniel Ɨramari (Yanomami), Roseane Yariana (Yanomami), Santídio Pereira e Solange Pessoa.

Para sublinhar as conexões emocionais, afinidades estilísticas e conceituais entre as obras, os artistas estão idealmente conectados entre si também por meio das soluções cenográficas de Zerbini, que concebeu um projeto expositivo que abarca todos os trabalhos e permite que a floresta, com seus elementos e ritmo vital, entre nas salas da Triennale Milano.

Mais de 70% das obras pertencem acervo da Cartier pour l’Art Contemporain e contam, em especial, a história de sua relação com artistas de algumas comunidades indígenas da América do Sul. O encontro com esses mundos estéticos e metafísicos, indígenas e não, foi a ocasião para dar vida a novos projetos artísticos, obras inéditas e colaborações.

“Siamo Foresta apresenta um diálogo inédito entre pensadores e defensores da floresta, artistas indígenas e não indígenas que se inspiram em uma visão estética e política comuns da floresta como um multiverso igualitário de povos vivos, humanos e não humanos, e, como tal, oferece uma alegoria vibrante de um mundo possível além do nosso antropocentrismo. Desde suas origens, a tradição ocidental dividiu e hierarquizou os seres vivos segundo uma escala de valores da qual o ser humano é o ápice. Essa supremacia do humano distanciou progressivamente a humanidade do resto do mundo vivo, abrindo caminho para todos os abusos de que resultam a destruição da biodiversidade e a catástrofe climática contemporânea. A filosofia das sociedades indígenas americanas, por outro lado, acredita que seres humanos e não humanos – animais e plantas – embora se diferenciem pela aparência de seus corpos, estão profundamente unidos por uma mesma sensibilidade e intencionalidade”, explica Bruce Albert, antropólogo francês que trabalha há quase 50 anos com os Yanomami.

Para sublinhar as conexões emocionais, as afinidades estilísticas e conceituais entre as obras selecionadas, os artistas estão idealmente conectados entre si também por meio das soluções cenográficas orquestradas por Luiz Zerbini. De fato, o artista concebeu um projeto expositivo contínuo que abarca todas as obras e permite que a floresta, com seus elementos e ritmo vital, entre nas salas da Triennale Milano.

Por um lado, a floresta já não é um espaço alheio à cidade e à cultura, mas o lugar onde se celebra o encontro de culturas: Siamo Foresta é um grito de reivindicação de artistas que pensam a unidade do planeta através da ideia de floresta. Por outro lado, é por meio da arte que diferentes culturas podem dialogar e se transformar: a exposição relata as influências que as populações nativas da Amazônia e de outras regiões exerceram sobre as culturas visuais não nativas. O espaço expositivo torna-se o local onde as artes mostram o caminho para repensar o planeta e o seu futuro de forma diferente.

Siamo Foresta é enriquecido por uma publicação dedicada, contendo a documentação iconográfica do percurso expositivo, e por um guia com atividades exploratórias para crianças que exploram os conteúdos das obras, a par de um conjunto de workshops nas salas expositivas.

Os artistas em exibição

Adriana Varejão (Brasil), Aida Harika (Yanomami, Brasil), Alex Cerveny (Brasil), André Taniki (Yanomami, Brasil), Angélica Klassen (Nivaklé, Paraguai), Bruno Novelli (Brasil), Brus Rubio Churay (Murui-Bora, Peru), Cai Guo-Qiang (China), Cleiber Bane (Huni Kuin, Brasil), Efacio Álvarez (Nivaklé, Paraguai), Edmar Tokorino (Yanomami, Brasil), Ehuana Yaira (Yanomami, Brasil), Esteban Klassen (Nivaklé, Paraguai), Fabrice Hyber (França), Fernando Allen (Paraguai), Floriberta Fermín (Nivaklé, Paraguai), Fredi Casco (Paraguai), Jaider Esbell (Makuxi, Brasil), Johanna Calle (Colômbia), Joseca Mokahesi (Yanomami, Brasil), Luiz Zerbini (Brasil), Morzaniel Ɨramari (Yanomami, Brasil), Sheroanawe Hakihiiwe (Yanomami, Venezuela), Roseane Yariana (Yanomami, Brasil), Santídio Pereira (Brasil), Solange Pessoa (Brasil) e Virgil Ortiz (Cochiti Pueblo, Novo México, Estados Unidos).

Paisagens de Facchinetti

26/jun

A Danielian Galeria apresenta a exposição “Facchinetti (1824-1900) – Paisagens (Ir) reais”, em celebração ao bicentenário de nascimento do grande pintor Nicolau Facchinetti. Conhecido por suas paisagens panorâmicas e detalhadas, serão exibidas aproximadamente 50 obras, reunidas pela curadora Denise Mattar, de coleções particulares e uma pública, pertencente ao acervo dos Museus Castro Maya/Ibram, que está sendo restaurada especialmente para a mostra.

As obras vêm de coleções privadas, como a de João Philippe de Orléans e Bragança, de São Paulo, e de Ronaldo Cezar Coelho e Luiz Carlos Ritter, do Rio de Janeiro. Os Museus Castro Maya/Ibram, que abrangem o Museu Chácara do Céu e Museu do Açude, no Rio de Janeiro, emprestarão especialmente para a exposição a icônica obra “Vista do Rio de Janeiro tomada de Santa Tereza” (1892), um dos maiores panoramas da cidade pintados por Facchinetti. Como parte do processo de empréstimo, a Danielian Galeria vai se encarregar do restauro da pintura, a ser feito pelo Ateliê Monica Dias, indicado pelos Museus Castro Maya.

O extremo detalhamento da pintura de Facchinetti, com a primorosa captação de detalhes botânicos, minuciosamente reproduzidos em pinceladas muito pequenas, é um dos fatores de encantamento de sua produção. Para que os visitantes possam observar esses detalhes, a Danielian Galeria irá oferecer aos visitantes pequenas lupas de bolso como brinde da exposição.

Correspondendo às primeiras tendências modernas na arte, Facchinetti pintava ao ar livre em busca de uma captação real tanto da paisagem como da luz e do momento do dia em que foram feitas, como fica expresso em diversas descritivas que o artista colocava minuciosamente no verso das obras, enfatizando quem havia feito a encomenda desta pintura.  O pintor primeiro estudava os locais, os horários e escolhia os seus pontos de observação, de onde fazia esboços.

Exemplos disso é o par de pinturas de 1872, pertencente à Coleção João Phillipe de Orléans e Bragança – “Baía do Rio de Janeiro tomada do Forte do Leme” e “Praia de Copacabana tomada do Forte do Leme” – onde é possível observar muito bem estas escolhas. Facchinetti deixou um importante legado histórico ao retratar as fazendas de café que ocupavam todo o Estado do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, e também as localizadas em São Paulo e Minas.

Em especial duas obras da exposição ilustram bem estas questões: “Alto da Tijuca – Fazenda de M.U. Lemgruber” (1879) e “Vista da casa nº51 na Estrada Velha da Tijuca” (1885). Na metade do século XIX, o desmatamento no entorno do Rio de Janeiro provocou umas das maiores crises de abastecimento de água da cidade. Em resposta, D. Pedro II ordenou a desapropriação de terras e o reflorestamento de grande parte do que é hoje o Parque Nacional da Tijuca. Nessas duas pinturas de Facchinetti, é possível ver tanto as áreas ocupadas pelas plantações, como áreas da floresta nativa e de regiões já em processo de replantio. Levar ao público a reflexão sobre essas transformações é um dos objetivos da exposição.

Para que o público possa ver as transformações do Rio de Janeiro e sua paisagem, a expografia criada por Tania Sarquis, do Estúdio Sauá, irá apresentar imagens de época, de fotógrafos como Augusto Malta (1864-1957), além de fotografias atuais feitas por Jaime Acioli (1966) especialmente para a exposição. Ainda no intuito de levar conhecimento ao público sobre a produção deste importante artista, durante o período da exposição será lançado, pelas Danielian Edições, um livro contendo as imagens das obras expostas e textos de Denise Mattar, e dos pesquisadores Paulo Knauss e Rafael Peixoto. Nas paisagens de Facchinetti percebe-se a priorização em mostrar a natureza em detrimento de edificações ou situações urbanas. A natureza é sempre protagonista em sua obra.

DRIFT no CCBB São Paulo

 


O Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo apresenta uma seleção bastante representativa da produção do DRIFT, dupla de artistas holandeses que recupera em esculturas e instalações a relação da humanidade com a natureza.


As obras Amplitude e EGO ocupam o novo anexo de 300 metros quadrados que marca a expansão do CCBB SP, localizado bem à frente do endereço tradicional do museu; o novo espaço cultural possui dois andares, auditório reversível e corrobora com a transformação do centro histórico da cidade.

Em 2007, os artistas Lonneke Gordijn e Ralph Nauta criaram o DRIFT, na Holanda. Desde então, eles vêm desenvolvendo esculturas, instalações e performances que colocam pessoas, ambiente e natureza na mesma frequência. Suas obras sugerem ao público uma reconexão com o planeta e poderão ser conferidas gratuitamente entre até 07 de agosto.

Usando a luz como um dos elementos básicos de construção de sua arte, a dupla explora as relações entre humanos, natureza e tecnologia de forma simples e ao mesmo tempo profunda, conferindo aos visitantes a oportunidade de vivenciarem obras que tocam em elementos essenciais da vida na Terra. De acordo com Alfons Hug, curador da mostra, ao colocar a luz como elemento central de suas composições artísticas, o DRIFT “aponta para a ociosidade da vida cotidiana e a futilidade da atividade humana”. O curador afirma ainda que a luz, no DRIFT, “nos faz pensar no mundo de hoje, mas também em nossas origens, pois esta luz vem de longe e contém um vislumbre do passado remoto”.

Marcello Dantas, curador da exposição ao lado de Hug, explica que existe uma racionalidade por trás das obras do DRIFT, que é a possibilidade da natureza e da tecnologia viverem em harmonia. “Seja pelo mundo biônico, seja pelo conceito de animismo, em que todas as coisas – animais, fenômenos naturais e objetos inanimados – possuem um espírito que os conecta uns aos outros”.

Um dos destaques da mostra é Shylight (algo como “luz tímida”, se traduzido para o português). Trata-se de uma escultura hipnótica que se abre e se fecha, numa fascinante coreografia que mimetiza o comportamento de flores que, durante a noite, se fecham, numa medida de proteção e de economia de recursos. Se grande parte dos objetos feitos pelos homens tendem a ter uma forma fixa, o projeto do DRIFT, neste caso, é recuperar a ideia de que, na natureza, tudo está em constante metamorfose e adaptação. Assim, os objetos animados ganham a força de expressar, caráter e emoção.

Wilma Martins no Paço Imperial

 

 

Um panorama da importante e consistente obra da artista Wilma Martins (Belo Horizonte, 1934 – Rio de Janeiro, 2022) será apresentado até 20 de agosto, e partir do dia 28 de junho, no Paço Imperial, Centro, Rio de Janeiro, RJ, na exposição “Wilma Martins – Território da memória”. Esta será a primeira mostra póstuma da artista falecida no ano passado, aos 88 anos. Com curadoria de Frederico Morais, crítico de arte e marido da artista, e a historiadora de arte Stefania Paiva, que conviveu intensamente com Wilma nos seus últimos anos de vida, a mostra será composta por 37 obras, além de estudos, em um conjunto nunca antes reunido, incluindo trabalhos pouco conhecidos da artista, desde suas primeiras produções até a última. São gravuras, pinturas, desenhos e cadernos, que mostram a potência e as diversas facetas da obra de Wilma Martins.
A exposição apresentará desde os primeiros trabalhos da artista – pequenas gravuras da década de 1960 -, passando por xilogravuras maiores, pinturas e desenhos, chegando até a última obra feita por ela – “Dona Marta 24h” (2016), composta por 25 desenhos, que representam o Mirante Dona Marta, no Rio de Janeiro, em cada hora do dia e da noite, durante um período de 24 horas.

Xilogravuras

No início dos anos 1960, Wilma Martins produziu gravuras em preto e branco, em pequenos formatos, que apresentam, sobretudo, um exercício de observação da fauna e da flora. Após esse período inicial, Wilma passa a elaborar gravuras em grandes formatos, com formas orgânicas e geométricas, criando cenas místicas, alegóricas, compostas de núcleos onde seres se misturam entre si. “Os temas que Wilma aborda em suas gravuras são aqueles que falam da condição feminina – fecundação, gravidez etc. Mas esses temas aparecem estranhamente mesclados com outros – frequentes na arte medieval, que é sempre religiosa. No entanto, ela não foi buscar essa iconografia nos vitrais coloridos, mas nos psautiers nos quais encontrou toda forma de arcaísmos, anacronismos, de capitulares e iniciais zoomórficas, assim como enorme variedade de tramas gráficas, formas cilíndricas, ovóides, etc”, diz Frederico Morais.
Entre as xilogravuras apresentadas na exposição está o tríptico “O encontro” (1971), “a maior e a mais despojada e impactante xilogravura realizada por Wilma Martins”, segundo Frederico Morais. “É uma releitura do painel central do políptico Adoração do Cordeiro Místico. Uma magistral redução minimalista da obra do pintor flamengo. Wilma começou eliminando o cordeiro (a redenção), mantendo apenas o vermelho do altar, que de retangular se transformou em semicírculo. Na gravura de Wilma, as figuras femininas, escavadas no branco, corresponderiam às “anjas” que circundavam o altar. Agora, bem juntas, buscam ascender até o semicírculo vermelho. As figuras masculinas, negras, em conjuntos simetricamente agrupados, corresponderiam aos dois grupos humanos que aparecem, como que imobilizados, em primeiro plano na pintura de van Eyck – prelados com suas vestes vermelhas à direita, os demais representantes da sociedade civil à esquerda. Ambos se movimentam em direção à pirâmide de mulheres, para expulsá-las dali ou, ao contrário, para nelas se fundirem e juntos ascenderem. Desvestidos por Wilma, homens e mulheres, brancos e negros, anjos e humanos todos se igualam em sua humanidade. Ou não”, ressalta Frederico Morais.

 Pinturas e desenhos

Também fará parte da exposição um pequeno núcleo com a produção mais conhecida de pinturas e desenhos de Wilma Martins, incluindo a última obra produzida por ela, “Dona Marta 24h”, um conjunto composto por 25 obras. “Os trabalhos se diferem entre si pela luz que incide nas primeiras horas do dia, a sombra do entardecer ou o cair da noite. O vigésimo quinto desenho que compõe a instalação trata-se da mesma montanha em forma de quebra-cabeça (hobby de Wilma, assim como as palavras-cruzadas e os enigmas), onde cada peça representa uma hora dentre as 24h”, conta Stefania.
Além disso, será apresentado um caderno de bolso, cujas páginas trazem desenhos com paisagens do Rio de Janeiro, acompanhado por um bilhete escrito pela artista com instruções de uso. “Cabe destacar especialmente a série de desenhos focalizando o maciço da Dona Marta e o pequeno caderno de papel artesanal, (11,5×8,5 cm), registrando à maneira dos cicloramas do século XIX, no Rio de Janeiro,  toda a extensão da paisagem captada de sua varanda: Urca, Pão de Açúcar, Botafogo, Laranjeiras,  Silvestre, altos de Santa Teresa, Cristo Redentor”, ressalta Frederico Morais.
Completam a exposição três obras realizadas no início da década de 1980: “Santa Teresa I”, “Santa Teresa II” e “Santa Teresa com elefantes”. São pinturas criadas a partir da janela do ateliê/casa de Wilma, no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. “Da parte mais baixa da cidade, ela pintou uma Santa Teresa suspensa, envolta em árvores e montanhas de cumes verdes. Pouco tempo depois, Wilma foi até o bairro de Santa Teresa, comprou o terreno que pintou tantas vezes, e ali ajudou a projetar a casa que tem uma varanda com vista para o ponto de onde ela olhava inicialmente. Esse deslocamento do ponto de origem criou uma conexão invisível, como um rebatimento da paisagem minuciosamente descrita por ela”, conta a curadora Stefania Paiva. “É a paisagem invadindo a casa, o que não se trata de uma liberdade poética, mas uma sensação real, pois em certas horas do dia, dependendo da luminosidade, essa paisagem se projeta através da porta de vidro dentro da casa, como se desejasse completar a forma circular do ciclorama. Inversamente, a biblioteca projeta-se na paisagem, nos fins de tarde, misturando-se com as árvores. Dupla leitura: livros e árvores”, explica Frederico Morais.

 

Arte Naïf do Brasil

21/jun

A Galeria Jacques Ardies, Vila Mariana, São Paulo, SP,  abriu uma nova coletiva “Arte Naïf ou Arte Popular? Tanto faz, Arte do Brasil!”, com 32 pinturas assinadas por oito artistas que apresentam trabalhos que representam o Brasil isento de influências externas. A curadoria está a cargo de Jacques Ardies, ativo no segmento há mais de quatro décadas. Em cartaz até julho de 2023.

A seleção dos pintores – Isabel de Jesus, Francisco Severino, Fefe Talavera, Dalva Magalhães, Gilvan, Ivan Moraes, Antônio de Olinda, José de Freitas – possibilita duas ações simultâneas e superlativas: resgata alguns artistas cujos trabalhos devem voltar ao foco público pela excelência das técnicas envolvidas e coloca, lado a lado, obras recém finalizadas de criativos do mesmo padrão e que compõe a soma positiva característica das escolhas do curador.

A questão que intitula a exposição: Arte Naïf ou Arte Popular – pode provocar críticas, comentários, desavenças e concordâncias mas não interfere no propósito maior: diminuir a polêmica sobre a utilização do termo Naïf e mostrar a arte que é o mote principal. Naïf tornou-se um termo pejorativo que se denomina uma arte menor, não relevante, sendo que é um termo utilizado internacionalmente como referência de um estilo.

“Estou mostrando uma bela arte brasileira, que é o que importa. Arte a qual me dedico há anos e acho que existe muito ainda para mostrar!”.        

Jacques Ardies

Sobre os artistas

Isabel de Jesus, até onde se saiba, não é uma médium. No entanto, ao estar mais conectada com a terra e com as divindades, ou seja, com a essência mais profunda de nossa existência, ela descobre espontaneamente, sem ter aprendido nada, um passado fascinante do nosso planeta. De alguma forma, surgem dessas descobertas sereias – pássaros, assim como meandros e murmúrios da floresta equatorial. Não se trata apenas de uma decoração com manchas aleatórias de luz ou escuridão. Essas criações são animadas por uma poderosa e profunda inspiração, representando o único mistério e o único segredo de uma criação ingênua e verdadeiramente autêntica.

O mérito notável de Francisco Severino reside na maneira como lida com a cor verde, explorando suas variações com a consciência de que a pintura é muito mais do que um tema em si, mas uma forma de desenvolver um pensamento por meio de cores e formas. O que impressiona em suas imagens é a harmonia entre o domínio técnico e a sensação paradisíaca de que o tempo se deteve para que cada cena, predominantemente rural, pudesse ser retratada. Seu trabalho é caracterizado por uma abordagem meticulosa, onde os detalhes desempenham um papel fundamental, resultando em composições visualmente perfeitas.

Fernanda Talavera acumulou uma vasta experiência em exposições realizadas em museus e galerias de arte ao redor do mundo. Embora tenha sido inicialmente reconhecida como grafiteira, ela expandiu sua abordagem artística, explorando diferentes suportes para suas obras. Seu foco principal passou a ser a representação de animais imaginários provenientes de um universo subconsciente fantasmagórico que ela denomina “Bichos tipográficos aleatórios”. Com essa temática, Fernanda Talavera busca incorporar elementos da cultura urbana ao seu universo artístico, estabelecendo novas categorias conceituais.

Dalva de Magalhães, nascida em São Paulo e, há quase cinco décadas, se dedica à sua arte, sustentando-se por meio dela. Sua técnica envolve o uso de diferentes materiais, como acrílico, guache e óleo, aplicados sobre tela ou madeira. A arte regional e folclórica exerce uma forte influência sobre seu trabalho. Além disso, Dalva de Magalhães é uma maratonista dedicada, residindo na região montanhosa da serra da Bocaina, onde concentra sua preocupação na preservação da natureza e se engaja fervorosamente na luta pelos direitos dos povos indígenas. Sua pintura é caracterizada pela criatividade e atenção aos detalhes, retratando um mundo intimista que reflete seu ambiente ecológico.

Gilvan é Paulo Gilvan Duarte Bezerril, um autodidata em pintura e música, deu início à sua carreira artística em 1964. Sua abordagem única envolvia o uso de uma técnica por ele mesmo inventada, utilizando tinta automotiva e acrílica sobre chapa de eucatex ou, ocasionalmente, chapa de madeira. A arte de Paulo Gilvan Duarte Bezerril é caracteristicamente ingênua, transbordante de alegria, cores vibrantes e atmosferas tropicais. Ele evita fórmulas estereotipadas, retratando desde festas populares rurais até histórias em quadrinhos que narram a vida de Lampião e Maria Bonita.

Ivan Moraes capta com riqueza de detalhes as temáticas mais frequentes de sua obra, inspiradas pela representação dos cultos religiosos afro-brasileiros da Bahia, assim como pelas baianas vestidas com trajes brancos rendados. Sua pintura une a alegria das cores com o mistério da cenografia, onde os personagens são imersos no esplendor da natureza tropical, exibindo trajes festivos e expressões de felicidade. Em seu Dicionário de Pintores Brasileiros de 1997, Walmir Ayala descreveu essa fusão de elementos, destacando a forma como o artista retrata com precisão esses aspectos em sua obra.

Antônio de Olinda, é natural de Olinda, PE, cultivou seu amor pela arte desde a infância, sempre vivendo próximo ao mar na sua amada cidade natal. Sua jornada artística começou com o mamulengo, um popular teatro de bonecos regional. Em 1984, participou de sua primeira exposição coletiva, conquistando também uma premiação no “Salão dos Novos de Pernambuco” e o primeiro lugar no Projeto Lista Telefônica do Estado de Pernambuco, ambos no mesmo ano. Sua arte é marcada pelo uso de cores vibrantes, traços enérgicos e uma abordagem pouco convencional, que busca expressão e irreverência, sem se preocupar excessivamente com a perfeição estética. Essa autenticidade essencial permeia sua obra.

José de Freitas, nascido na década de 1930 – artista já falecido – em Vitória de Santo Antão, PE, posteriormente mudou-se para o Rio de Janeiro durante a década de 1950. Embora tenha dado seus primeiros passos como artista no teatro e na televisão, sua paixão pela pintura começou a se desenvolver paralelamente, ganhando maior atenção a partir de 1964. Desde o início, sua arte tem sido habitada por minúsculas figuras que preenchem toda a dimensão da tela. Seus temas variam desde ilustrações de peças teatrais até representações da Bíblia e do circo, sempre permeados de humor e sensibilidade.

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