Introdução à Arte Contemporânea com Julia Lima

10/ago

 

 

A história da arte é uma disciplina que vem sendo constantemente revisada e reescrita. No entanto, a produção contemporânea – por seu volume, pela velocidade de mudança, pela proximidade do tempo – é o recorte talvez de mais difícil acesso pelo público.

 

Em discussão nesse curso introdutório de três aulas a produção artística atual a partir de perguntas que buscam ajudar a entender o que é arte contemporânea, o que a diferencia da arte moderna, e como chegamos até ela, passando pelos principais nomes que marcam a virada contemporânea, como Marcel Duchamp, Jackson Pollock, Yayoi Kusama e Louise Bourgeois.

 

A partir desta introdução, o participante terá um breve panorama dos momentos e movimentos que desenharam a história da arte no século 20, pavimentando um caminho pera melhor ler, interpretar e compartilhar a arte contemporânea.

 

Julia Lima é curadora independente, pesquisadora e tradutora especializada em ensaios na área de artes visuais. Também atua como crítica de arte, professora de história da arte e no acompanhamento de artistas.

 

As aulas acontecem presencialmente na Simões de Assis, Rua Sarandi, 113 A, Jardins, São Paulo, SP, nos dias 15, 22 e 29 de agosto.

 

 

Com Millan & Raquel Arnaud

06/out

 

 

A Galeria Millan e a Galeria Raquel Arnaud, São Paulo, SP, apresentam a exposição coletiva “Vício impune: o artista colecionador”, com curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro. A mostra reunirá, nos espaços das duas galerias, uma seleção de nove artistas representados, ao redor do diálogo entre seus trabalhos e coleções. Dentre os artistas colecionadores, estão: Artur Barrio (Porto, Portugal, 1945), Iole de Freitas (Belo Horizonte, MG, 1945), Paulo Pasta (Ariranha, SP, 1959), Sérgio Camargo (Rio de Janeiro, RJ, 1930 – 1990), Tatiana Blass (São Paulo, SP, 1979), Thiago Martins de Melo (São Luís, MA, 1981), Tunga (Palmares, PE, 1952 – Rio de Janeiro, RJ, 2016), Waltercio Caldas (Rio de Janeiro, RJ, 1946) e Willys de Castro (Uberlândia, MG, 1926 – São Paulo, SP, 1988).

 

 

Desenvolvida ao longo dos últimos anos, a pesquisa de Pérez-Barreiro sobre o colecionismo encontra no contexto desta mostra um campo de análise, em que o espectador é convidado a compreender as nuances de diferentes relações entre artistas colecionadores e suas coleções. Em seus mais diversos modelos, as práticas de coletar e colecionar mostram-se singulares em cada um dos nove casos apresentados e essenciais para a compreensão de cada produção artística em sua complexidade. Segundo o curador, “as coleções dos artistas podem nos dizer não apenas sobre sua própria prática: o que eles vêem no trabalho de outros que os impacta, mas também estão frequentemente na vanguarda de reconhecer e valorizar fenômenos antes subestimados”. Foi com esse propósito que as galerias decidiram realizar a exposição.

 

 

Esculturas e relevos de Sérgio Camargo são expostas ao lado de parte de sua vasta coleção de pinturas de Hélio Melo (Vila Antinari, AC, 1926 – Goiânia, GO, 2001), seringueiro, artista e compositor autodidata. O contraste entre as pinturas fantásticas de Melo e a estética construtiva de Camargo traz à tona uma nova abordagem sobre este artista já consolidado na história da arte brasileira, assim como revela a permeabilidade entre movimentos e tendências.

 

 

Duas esculturas (ambas Objetos ativos) de Willys de Castro – cuja frase publicada em artigo empresta título à exposição – são exibidas ao lado de uma coleção de arte indígena, uma dentre tantas que o artista preservou e estudou. Com trabalhos de arte plumária e cestarias amazônicas, o conjunto montado nos anos 1970 e 1980 revela um outro lado de seu fascínio pelas formas e padrões geométricos, desdobrados em diversos níveis da percepção ao longo de sua produção.

 

 

Em diversos contextos, as coleções evidenciam interesses e obsessões singulares, como é o caso de Waltercio Caldas e sua afeição pelo formato do livro e seus desdobramentos em uma coleção de livros de artistas, trabalhos que discutem possibilidades a partir desta formação primária. Em paralelo, o interesse de Artur Barrio pelo mergulho foi a razão que impulsionou sua coleção de 3 mil grãos de areia, iniciada em 1983, em que cada grão é o registro de um mergulho realizado. A busca pelo registro de cada situação vivida é não somente essencial, para Barrio, mas também para o desenvolvimento de sua produção artística – daí figuram suas séries “Situações e Registros”. Cada grão de areia que compõe esta coleção demonstra, entretanto, que a busca pelo registro da experiência extrapola, em Barrio, o trabalho de arte e está presente em outras esferas de sua vida.

 

 

Conjuntos criados por artistas colecionadores podem, em muitos casos, representar rastros afetivos de suas relações pessoais. A coleção de Tatiana Blass, composta por trabalhos de seu tio-avô, Rico Blass (Breslau, Alemanha, 1908 – ?), desafia-nos a questionar em que medida essas relações se estabelecem como intercâmbios diretos ou indiretos. O mesmo ocorre à vista do trabalho inédito e instalativo de Thiago Martins de Melo e de sua coleção de desenhos de amigos também artistas. Os conjuntos de Martins de Melo e Blass fazem saltar aos olhos a potência afetiva do ato de guardar e os desdobramentos subjetivos deste ato em suas escolhas formais.

 

 

As pinturas de Paulo Pasta estão em diálogo com uma coleção de alguns de seus mestres: Mira Schendel (Zurique, Suíça, 1919 – São Paulo, SP, 1988), Alfredo Volpi (Lucca, Itália, 1896 – São Paulo, SP, 1988) e Amilcar de Castro (Paraisópolis, MG,1920 – Belo Horizonte, MG, 2002), em uma troca potente entre grandes nomes da arte brasileira. De maneira semelhante, opera a relação entre Iole de Freitas e sua guarda de desenhos e decalques inéditos de Tarsila do Amaral, em que se delineiam os caminhos metodológicos das célebres pinturas da segunda artista. Processo e método estabelecem-se aqui em seus rastros, passíveis de serem compartilhados entre práticas de diferentes gerações.

 

 

A coleção de um artista é capaz de revelar traços de reflexões latentes que conduziram a suas práticas e a poéticas. Nesse sentido, as obras de Tunga apresentam-se neste eixo de interlocução com sua coleção de trabalhos dadaístas e surrealistas franceses – entre eles, quatro gravuras de Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, França, 1887 – Neuilly-sur-Seine, França, 1968). Dentre os trabalhos de Tunga, além de seus desenhos, está também a instalação “Evolution” (2007), realizada a partir do emprego da mesma linguagem da instalação/performance “Laminated Souls”, exibida entre 2007 e 2008 no MoMA P.S. 1, em Nova York.

 

 

Até 30 de outubro.

 

Retrospectiva de Irving Penn

21/ago

A retrospectiva em homenagem aos 100 anos de nascimento do fotógrafo norte-americano Irving Penn encontra-se em exibição nas galerias 2 e 3 do IMS Paulista. O acervo consta com mais de 230 fotografias concebidas ao longo de quase 70 anos de carreira, além de cerca de 20 periódicos. Igualmente em exibição suas fotografias de alta-costura, trabalhos iniciais em Nova York, América do Sul e México, retratos de povos indígenas de Cuzco, no Peru, e retratos de figuras como Audrey Hapburn, Truman Capote, Picasso, Joan Didion, Lisa Fonssangrives-Penn, 

 

O conjunto evidencia a ampla variação temática de Irving Penn (1917-2009), que, além de trabalhos inovadores no campo da moda, produziu retratos, naturezas-mortas, nus femininos, peças publicitárias, entre outras obras. A curadoria é de Maria Morris Hambourg, curadora independente, e de Jeff L. Rosenheim, curador do departamento de fotografia do Met.

 

Além do museu nova-iorquino, a retrospectiva passou pelo Grand Palais, em Paris, e pelo C/O Berlin. No centro cultural paulistano, as obras ocuparão dois andares e serão divididas em 12 eixos temáticos. Em cada seção, a curadoria destacará o processo de experimentação que permeia a produção do artista. Ao fotografar, Penn dedicava grande atenção aos detalhes, preferindo trabalhar no estúdio, onde se sentia mais confortável para criar.

 

Na sala inicial, serão exibidos os primeiros trabalhos de Penn, incluindo imagens coloridas de natureza-morta feitas para a revista “Vogue”. Segundo o fotógrafo, esses objetos eram “seguros e fáceis de controlar”, sendo um primeiro passo rumo à produção de retratos.

Em 1947, sob encomenda da “Vogue”, Penn começou a fotografar intelectuais que viviam em Nova York. Esses retratos, presentes na segunda sala da mostra, foram feitos em um cenário pouco convencional: um canto estreito, formado entre dois tapumes. Acuados nesse pequeno espaço, os modelos hesitavam, mas Penn os estimulava a improvisar, “sabendo que acabariam se revelando ao tentarem acomodar seus corpos, egos e expectativas à estrutura”, como afirma Maria Hambourg. Nessa famosa série, o fotógrafo retratou nomes como Igor Stravinsky, Marcel Duchamp, Alfred Hitchcock e Truman Capote.

 

Ao longo de sua carreira, Penn também registrou pessoas comuns. Em 1948, viajou ao Peru para realizar um ensaio de moda. Encerrado o trabalho, permaneceu no país e começou a fotografar os habitantes de Cusco em um estúdio alugado. São registros de mães carregando seus filhos, vendedores ambulantes, entre outros moradores da região. As fotos de Cusco dialogam com a série “Pequenos ofícios”, realizada em 1950 e 1951. Padeiros, carteiros, peixeiros e bombeiros posaram diante das lentes do fotógrafo, compondo um panorama dos trabalhadores de Paris, Londres e Nova York.

 

Outro destaque da retrospectiva é o conjunto de fotografias de moda. Em 1950, Penn registrou a alta-costura parisiense em imagens simples, que dispensavam os cenários grandiosos. “Os trajes eram apresentados com um intenso respeito por suas qualidades de corte, linha, textura, detalhe, e o mesmo respeito era dado à graciosidade e à personalidade das modelos”, afirma Philippe Garner em texto do catálogo. Nas famosas fotos da coleção de outono de 1950, também se destaca a presença de Lisa Fonssagrives, modelo experiente e ex-bailarina, com quem Penn viria a se casar.

 

Para conceber a série, Penn adotou como fundo uma antiga cortina de teatro que, estendida no chão e encurvada na vertical, gerava uma ambientação neutra. Ele gostou tanto das cortinas que passou a utilizá-las em inúmeros trabalhos, inclusive nos retratos quadrados de artistas e escritores, que realizou entre 1948 e 1962. Mais uma marca da produção de Penn, o fundo original será exibido na mostra no IMS.

 

Embora amplamente inserido na indústria da moda, o fotógrafo também criou obras que questionavam os padrões de beleza. Em sua série de nus femininos (1949-1950), ele voltou ao tema clássico da pintura, retratando o corpo como forma. Nas imagens, que na época foram mal recebidas, prevalecem os corpos de grandes medidas, representados de forma quase abstrata. Outro aspecto que chama atenção é a textura granular das imagens, com efeitos de distorção que se afastam de uma fotografia realista.

 

A mostra exibirá também a famosa série “Cigarros” (1972). Impressas em platina e paládio, as fotos mostram bitucas de cigarro, coletadas das ruas e fotografadas no estúdio. Penn retrata a sujeira da rua, que invariavelmente era banida das páginas das revistas. Esse olhar para os elementos do cotidiano, os signos do mundo real, era constante em sua produção, como evidencia Hambourg: “Penn reconhecia a poesia do detrito, genericamente como uma evidência refratada do estado do mundo, e intimamente como uma janela para outras vidas individuais. Ele recolhia o que encontrava nas ruas, literalmente, com uma câmera”.

 

Em sua busca por novas formas de representação, o fotógrafo viajou pelo mundo, produzindo uma série de retratos etnográficos. Realizadas entre 1967 e 1971, as imagens aparecem pela primeira vez na Vogue, em cores. Os retratos foram tirados na Papua-Nova Guiné, no Marrocos e no Benin. Durante as viagens, Penn carregava uma grande tenda, que montava para cada sessão de fotos, deslocando os habitantes de sua paisagem natural.

Entre outras obras, a retrospectiva também reunirá diversas edições da Vogue, exibidas em vitrines. Haverá ainda um cenário de canto, similar ao utilizado por Penn em seus retratos.

 

A exposição, que ficará em cartaz até 18 de novembro, é organizada pelo The Metropolitan Museum of Art, em colaboração com a Fundação Irving Penn. A itinerância internacional foi possível graças ao apoio da Terra Foundation for The American Art. 

Nelson Leirner em Curitiba

10/ago

Papel Carbono

A SIM galeria, Curitiba, PR, programou de 18 de agosto até 29 de setembro, a exposição “Papel Carbono”, individual de Nelson Leirner.

Façam suas apostas (rápido comentário sobre a obra de Nelson Leirner)

 

(Sobre o Xadrez)

Jogo chinês que aumenta a capacidade de jogar xadrez.

Millôr Fernandes

 

Nelson Leirner intitulou a peça Xeque-mate Touro Mondrian e Duchamp: um tabuleiro em cujo centro há uma vaca – o touro corre por conta de uma licença poética do artista. Em arte os caminhos reais são os desvios, feitos sem pedir licença – em miniatura, dessas com as quais as crianças de antigamente brincavam, muito antes dos joguinhos eletrônicos que desde a infância vão as aprisionando aos celulares e IPads. É verdade que grande parte da aparência natural foi banida dessa vaca; está em vias de se partir a linha que a conecta com o mundo rural. Nada a estranhar, pois, reforçando a ideia de um poema de Drummond sobre sua Minas, a natureza não existe mais, foi sendo reduzida a objetos lúdicos e decorativos como essa vaca, como os papéis de parede com paisagens estampadas, as flores de plásticos hiper-reais que vêm da China, o aroma enjoativo dos desodorantes de táxi e banheiros, com suas falsas promessas de transportes para bosques e campos verdejantes, para a melancolia das atmosferas bucólicas.

 

Voltando à vaca, é fácil ver por que ela é definitivamente atípica: traz no seu corpo, revestindo-o, uma composição derivada de uma pintura do holandês Piet Mondrian; sobre seu dorso, enterrado nele, uma roda de bicicleta, a obra que consagrou Marcel Duchamp. Duas obras de arte produzidas por dois artistas que no princípio do século passado desferiram golpes impiedosos sobre o que era definido como arte. Mondrian, porque apostou todas as fichas na abstração, na ruptura da noção de que a arte deveria representar o visível. Aliás, foi seu colega Theo van Doesburg quem, seguindo-o de perto, esquematizou uma vaca, justamente ela, numa pintura composta por quadriláteros vermelhos, azuis, amarelos, brancos e pretos. Seu propósito era demonstrar a inutilidade, o erro da pintura figurativa. Duchamp, porque introduziu no circunspecto e reverenciado mundo da arte, objetos do cotidiano, coisas vulgares, espúrias que o público refinado tratava como lixo. Contrariou as normas, os critérios que ditavam o que era e o que não era arte.

 

Nesse xeque-mate temos a vaca atropelada pela arte, a natureza atropelada pela cultura. Esse é o jogo, porque tudo é jogo. A miniatura da vaca não é a vaca, ainda que tenha a ver com ela. A pele mondrianesca não é uma pintura de Mondrian, ainda que tenha a ver com ela. O mesmo pode ser dito sobre a roda de bicicleta, que é e não é a obra de Duchamp. Tudo aqui é signo, da ordem das representações, cifras, códigos, estruturas e lógicas convencionadas. Que esse trespassamento de signos dê-se justamente num tabuleiro de xadrez é sintomático: com suas torres, cavalos, bispos, peões, rei e rainha, o xadrez é um jogo em estado puro, o resultado de regras rigidamente estabelecidas acerca do quanto vale cada uma delas, como se movimentam. Somem-se as aberturas e defesas possíveis, o lucro contido num gambito, as estratégias que se multiplicam ao infinito em batalhas demoradas, capazes de esgotar até o mais experimentado Grande Mestre. Para jogá-lo, basta aceitar suas regras, reconhecê-las e utilizá-las.

 

Desde o principio de sua trajetória, em princípios dos anos 1960, Nelson Leirner tem como substrato de seu trabalho a ideia de que o homem é um bicho que joga. Não que os outros não joguem, apenas não jogam pelo jogo, mas para atrair os outros, seja para acasalar-se ou devorá-los. Engendram armadilhas, inventam tocaias. Alguns são ardilosos; outros, ágeis; outros mais, grosseiros e cruéis. Mas o homem leva essa capacidade a extremos impensáveis, a começar porque joga pelo simples gosto de jogar. Como as bolsas de valores, que especulam indiferentes à realidade dos países, às pessoas reduzidas a estatísticas.

 

Quem sobe e quem desce no âmbito da arte? Como se constrói e como se mede a reputação um artista? Como uma obra pode ser inflacionada? Como fazer para que ela simplesmente não seja vista? Questões como essa, logo se vê, não pertencem apenas ao mundo da arte, mas ao mundo como um todo. Desde o princípio, Nelson Leirner desvendou esse princípio, acusou-o com sarcasmo e doses de iconoclastia calculadamente violentas. Afinal, quer equívoco maior, pior ainda, quer má fé maior do que a dos que apregoam que a arte está acima deste mundo? Cumpre denunciar mais essa armação.

 

O denominador comum do conjunto da obra de Nelson Leirner é confrontar o mundo da arte com xeques-mates sucessivos, fazer com que o sistema não tenha saída, que não prossiga em seu jogo de iludir. Nesse sentido, essa exposição é um exemplo magistral do colapso entre jogos, entre regras distintas de jogos distintos que subitamente entram em colisão. Mona Lisa, a obra-prima de Da Vinci, cai do seu púlpito para ser violada, malbaratada pelas regras do entretenimento, para se converter em um elemento decorativo, tão banal quanto os stickersque o artista aplica sobre ela. Isso também se dá com a Última ceia, que, como a Mona Lisa, é também alvo de uma exposição exclusivamente composta por trabalhos que, por intermédio de um humor cáustico, reduziam a pó toda a venerabilidade construída ao longo dos séculos. As meninas, de Velázquez, sofre o ataque impiedoso de ratos, aranhas e morcegos; o antológico piquenique de Manet, seu Banquete na relva, é, muito a propósito, atacado por formigas; a lógica cerrada de Mondrian se converte num jogo de resta um; a linha decorativa de Warhol vira almofada. Nada escapa a Nelson Leirner. Na qualidade de Grande Mestre, de Grande Crupiê, ele, do lado de lá do balcão, ordena ao público que faça suas apostas, pois, para aperfeiçoar a performanceno jogo, basta começar a jogar.

 

Agnaldo Farias

art lab na Galeria Marcelo Guarnieri

05/jul

Distribuídos em um quadrado de setenta centímetros, vinte e quatro ponteiros vermelhos giram sem parar. Em outro quadrado de setenta centímetros, giram em tic tac outros vinte e quatro também ponteiros, também vermelhos. São os Relógios para perder a hora de Guto Lacaz, dois dos trabalhos que integram a exposição “art lab”, na Galeria Marcelo Guarnieri, Jardins, São Paulo, SP. As duas peças formam uma imagem clara do que se apresenta na mostra: objetos animados cumprindo funções absurdas, hipnóticas e humoradas que te convidam para uma dança sem hora pra acabar. O tempo nesta exposição seria algo semelhante ao tempo das crianças, um tempo tomado completamente pela brincadeira, em que a repetição e o delírio se fazem necessários no processo de aprendizagem.

 

Neste caso, uma desaprendizagem, pois aqui adentramos o universo dos objetos que deixaram de ser servos de seu próprio destino: a funcionalidade. Lacaz constrói com tais objetos uma relação tão íntima, que parece ouvir deles os seus desejos mais sórdidos, então retorce os seus sentidos e os liberta da chatice de serem úteis. Em alguns casos o artista vai além, dissecando suas objetidades de tal modo que acabam reduzidos a engrenagens de formas e cores e assim viram coisas: coisas ópticas, cinéticas, elétricas, lunáticas.

 

É o caso de Dauquad cinético, uma espécie de carrossel manipulável formado por quadrados de acrílico coloridos e de superfícies espelhadas que se refletem e projetam cores em diversos ângulos. Ou de Bossa Nova, um conjunto de peças quadradas e brancas que formam um painel também quadrado de dois metros e meio em lento e constante movimento, semelhante ao das ondas do mar. Os títulos dos trabalhos de Lacaz também são algo para se ter em conta, às vezes surgem como contraponto ao que se vê nas obras, às vezes funcionam como chaves de acesso.

 

Tudo o que for produto da criação humana, seja na ciência, na indústria ou na arte, pode virar assunto, em uma abordagem menos celebrativa e talvez mais crítica, certamente bem humorada. Há uma descrença não só pela ideia de progresso científico, mas também pelos grandes símbolos e certezas inventadas pela humanidade. Desse modo, Guto Lacaz convoca em alguns de seus trabalhos elementos clássicos das obras de figuras como Marcel Duchamp e Nam June Paik e os apresenta em novas situações, dando a eles o poder de performar a sua própria existência.

 

Paik Line, trabalho inédito, é constituído por uma torre de televisores modificados. A peça faz referência a Zen for TV, obra de 1963 do artista Nam June Paik, na qual reduz a imagem da tela a um feixe de luz, privando a televisão de sua própria forma e função. O desenho gerado pela linha que atravessa uma extremidade à outra do visor e a posição vertical do aparelho remetem a uma estrutura totêmica, reforçando o caráter contemplativo e imersivo da TV, agora de um jeito anormal. A partir daí Lacaz exagera e multiplica essa ação por seis, construindo um grande totem de mais de dois metros.

 

Em art lab tudo se movimenta e ainda que em curto-circuito, nos movimentamos também. A exposição é a primeira individual de Guto Lacaz na unidade São Paulo da Galeria Marcelo Guarnieri e marca os 40 anos de produção do artista. “Pra mim arte é energia. Importante distinguir arte de obra de arte. Arte é o que está entre a obra de arte e o espectador, algo meio fluido, um plasma. É isso que eu acho que é energia, quando você passa por uma obra de arte e essa obra te capta, é pura energia o que está acontecendo entre você e a obra de arte.”, conclui Guto.
 

Sobre o artista

 

Guto Lacaz, nasceu em
1948. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil. Artista multimídia, arquiteto, designer e cenógrafo, Guto Lacaz vem investigando, desde fins dos anos 70, as possibilidades da arte, da ciência e da tecnologia a partir de uma aproximação com os objetos de uso cotidiano. Bem humoradas e às vezes absurdas, suas obras buscam desestabilizar comportamentos e leituras automáticas comuns em nossa interação com a materialidade e a espacialidade. Sempre interessado na relação com o espectador, desenvolve seu trabalho em desenhos, objetos, performances, ilustrações, livros, instalações e intervenções em espaços públicos. Guto inventa um mundo torto e maravilhoso onde um batalhão de aspiradores de pó mantém bolas de isopor suspensas no ar e onde cadeiras enfileiradas de um auditório vazio flutuam silenciosas sobre as águas de um lago. Em 2017 ganhou o prêmio APCA na categoria “Fronteiras da Arquitetura”.

 

Membro da Alliance Graphic Internationalle  – AGI. Formado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos em 1974. Em 1995 ganha a bolsa Gugenheim. Entre suas principais exposições individuais, intervenções urbanas e obras públicas, destacam-se: As Quatro Revoluções Industriais – 15 painéis na Av Paulista (2018); Adoraroda. Largo da Batata, Mostra 3M de Arte, São Paulo (2017); Ondas d’água. Sesc Belenzinho, São Paulo (2011); Eletro Livros. Maria Antonia USP, São Paulo (2012); Maquetes Reunidas. Capela do Morumbi – DPH, São Paulo (2008); Garoa Modernista e Pinacotrens. Octógono, Pinacoteca do Estado de São Paulo (2005); Recortes. Paço Imperial do Rio de Janeiro (1994); Periscópio. Arte Cidade II, São Paulo (1994); Auditório para Questões Delicadas – Lago do Ibirapuera, São Paulo (1989). Entre suas principais exposições coletivas, destacam-se: YOYO, tudo que vai volta. SESC Belenzinho, São Paulo (2018); Situações: a Instalação no Acervo da Pinacoteca do Estado, São Paulo (2017); As Margens dos Mares. SESC Pinheiros, São Paulo (2015); Invento | As Revoluções que nos Inventaram. Pavilhão da Oca – Parque Ibirapuera, São Paulo (2015); Diálogos com Palatnik. MAM-SP (2014); III Bienal da Bahia (2014); Trajetória da Luz na Arte Brasileira. Itaú Cultural, São Paulo (2001); 95 Gwangju Biennale, Coreia do Sul (1995); Brazil Projects, PS1 New York (1988); Modernidade – Arte Brasileira no século XX. MAM-SP (1988); A Trama do Gosto – Um Outro Olhar sobre o Cotidiano. Fundação Bienal, São Paulo (1987); 18ª Bienal Internacional de São Paulo (1985); Primeira Mostra do Móvel e do Objeto Inusitado. MIS, São Paulo (1978).

 

 

Até 21 de julho

Suportes originais

21/jun

Com bem-humorados trabalhos que têm pratos de papelão como suporte, mostra questiona o consumismo e o valor da obra de arte. Um liquidificador que mistura ícones da história da arte nacional e internacional, com uma generosa dose de bom humor, passando por nomes como Keith Haring, Basquiat e Roy Lichtenstein, obras famosas como “O Grito” e a “Mona Lisa”, personagens da Disney, Coca-Cola, figuras religiosas, tudo isso tendo como suporte singelos pratos de papelão.

 

Assim é a exposição “Louça fina”, de Fernando Ribeiro, com cerca de 30 obras que chegam ao Rio de Janeiro dia 27 de junho, na Tramas Arte Contemporânea, Shopping Cassino Atlântico, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ.

 

Com a mostra, o artista aborda questões diversas, do consumismo ao valor da obra de arte como memória e parte da história. Fernando Ribeiro aponta como sua princípal influência o francês Marcel Duchamp.

 

A pop art também é outra influência grande para o artista plástico, com homenagens a artistas desse estilo e o uso de grandes marcas do mercado publicitário em suas obras.

 

“Fernando é um pintor surpreendente, suas obras sempre discutem com um certo tom de ironia as grandes obras icônicas da arte internacional. Ele deve ver algum prazer nesse tipo de procura em decodificar essas obras, até porque há ali um mistério desses trabalhos incorporados no universo popular ou ainda no inconsciente coletivo.” Emanoel Araujo, diretor curatorial do Museu Afro Brasil, em São Paulo.

 

A abertura da exposição marca também o lançamento do novo site da Tramas Arte Contemporânea e na mesma noite, duas outras exposições serão abertas no Shopping Cassino Atlântico: “Extração”, individual de Ramon Martins, na Galeria Movimento, e o “8º Salão dos Artistas Sem Galeria”, na Galeria Patricia Costa, numa verdadeira maratona artística.

 

 

Sobre o artista

 

Nascido em São Paulo e interessado pelo universo dos gibis, iniciou sua carreira ainda jovem, como cartunista e roteirista de HQ. Aluno de Nelson Leirner, tornou-se produtor do artista nos anos seguintes e também seu assistente em exposições nacionais e internacionais. Desenvolve seu trabalho através de pinturas, assemblage, ready-made e tridimensional, usando o humor como ferramenta.

 

 

De 27 de junho a 29 de julho.

Arte contemporânea da Europa

07/jul

A exposição “Fora da ordem – Obras da Coleção Helga de Alvear” apresenta 137 trabalhos quase todos inéditos no Brasil. A Coleção Helga de Alvear é hoje um dos mais importantes acervos de arte contemporânea da Europa, com base em Cáceres, na Espanha. Obras reunidas pela colecionadora alemã poderão ser vistas na Pinacoteca de São Paulo, Praça da Luz, Bom Retiro, São Paulo, SP. A mostra, denominada “Fora da ordem – Obras da Coleção Helga de Alvear”, patrocinada pelo Banco Bradesco, ficará no primeiro andar do museu com pinturas, esculturas, vídeos, instalações, desenhos e gravuras realizadas a partir da década de 1930, com ênfase na produção de meados da década de 1960 até os dias de hoje. A grande maioria dos trabalhos é inédita no Brasil e alguns artistas serão apresentados pela primeira vez no País.

 

As peças representam a obra de quase 70 artistas, incluindo nomes influentes da arte moderna, como Wassily Kandinsky, Marcel Duchamp e Josef Albers; artistas relacionados a algumas das principais vertentes do pós-guerra norte-americano, como Donald Judd, Dan Flavin, Bruce Nauman e Gordon Matta-Clark; importantes autores da produção contemporânea, a exemplo de Gerhard Richter, Cindy Sherman, Franz West, Jeff Wall e Thomas Ruff; e outros que começaram a sua trajetória nos últimos 30 anos, como Francis Alÿs, Pierre Huyghe, Mark Leckey, Martin Creed, Marcel Dzama e Chen Wei. Os brasileiros Jac Leirner, Iran do Espírito Santo e José Damasceno também participam da exposição.

 

Segundo os curadores – Ivo Mesquita, ex-diretor técnico da Pinacoteca, e José Augusto Ribeiro, do Núcleo de Pesquisa em História e Crítica de Arte – a mostra privilegia e justapõe duas vertentes de trabalhos predominantes na coleção, mas que normalmente são vistas como antagônicas na história da arte. “De um lado, obras de inclinação surrealista, com alta voltagem imaginativa, que sugerem situações fantasiosas. E de outro, peças de linguagem geométrica, com formas simples, seriais e autorreferentes, ligadas às vertentes construtivas, à pintura hard-edge, ao minimalismo norte-americano e a manifestações europeias do chamado pós-minimalismo”, explica Ivo Mesquita.

 

A intenção é marcar não só as diferenças entre essas duas vertentes, como apontar para pontos de conexão entre elas. “Fora da ordem” aponta para a intensidade enérgica de estruturas com lógica abstrata, frequentemente descritas como neutras, sóbrias ou discretas, e para o que há de cálculo, disciplina e construção em situações de contrassenso e absurdo”, complementa José Augusto Ribeiro.

 

Mais sobre Helga de Alvear

 

Nascida na Alemanha, em Kirn, em 1936, Helga de Alvear vive em Madri, na Espanha, desde 1957. Dez anos depois começa a formar sua coleção de arte.  A partir de 1980, começa sua atuação na Espanha, onde estimula a produção local e contribui para a criação da feira de arte Arco, em 1982. Já em 2006, cria o Centro de Artes Fundación Helga de Alvear, que contou com a contribuição do poder público da região espanhola de Extremadura. A instituição surge do compromisso de tornar pública a coleção da também galerista Helga de Alvear. Hoje, o acervo da fundação conta com cerca de 3 mil peças de linguagens, materialidades e conformações diversas, que variam, em dimensão física, da escala da mão à da arquitetura. Seus núcleos privilegiam os primórdios da fotografia na Europa, o minimalismo norte-americano e seus desdobramentos desde a década de 1970, a arte contemporânea espanhola, a fotografia alemã dos anos de 1980 e 1990, além de obras de dimensões grandes, especialmente ambientes e instalações desde 1990 aos dias atuais, e de outras comissionadas pela própria Helga de Alvear.

 

Até 26 de setembro.

O caos na arte de Marcelo Gandhi

13/out

O universo caótico das grandes cidades, a globalização determinando novas relações entre as pessoas, a crise de representação que, sintomaticamente, atinge em cheio o homem urbano. Em meio a essas reflexões, nasce e se fortalece a arte do potiguar Marcelo Gandhi, cuja mostra individual, intitulada “Suco de Máquina”, poderá ser vista Roberto Alban Galeria, no bairro de

 

 

Ondina, Salvador, BA.  

 

A exposição será composta por, aproximadamente, 15 obras de médio a grandes formatos, entre desenhos sobre papel e sobre tela, um objeto em alumínio fundido, uma animação e projeções de alguns outros trabalhos. A mostra, como explica o próprio Marcelo Gandhi, é fruto de sua incursão, “rotineira e incessante”, pela cidade de São Paulo, onde passou a viver desde que saiu do Rio Grande do Norte há alguns anos.

 

“A partir das minhas relações e reflexões de estar numa metrópole complexa como São Paulo, o desenho foi assumindo um caráter mais cartográfico, caótico, evidenciando também a minha condição de nordestino, negro, árabe, assim como o meu posicionamento objetivo e subjetivo dentro dessa grande centrifuga”, define Gandhi.

 

A relação crítica e provocativa com a cidade, ainda assim, não elimina as possibilidades de um viés mais intimista e universal do artista diante do novo paradigma do mundo em rede, “onde não há mais lugar centralizador e, sim, vários pontos de disseminação e circulação de informação”.  Para Gandhi, seu trabalho artístico adquire a partir daí um perfil divergente dentro dessa grande rede: “Uso e abuso da repetição, da arte conceitual, da pop arte, resignificando, assim, uma cosmogonia particular no meio dessa gênese coletiva. Assumo que o corpo da minha obra é híbrido, misturado ..uma perfeita metáfora do Brasil com todas suas contradições e contundências”. Segundo ele, essa metáfora se traduz por interrogações que perpassam questões como signo, fronteira, gênero, política, economia, sociedade, sexualidade, espiritualidade.

 

Em desenhos, Marcelo Gandhi começou trabalhando com nanquim e papel, herança da sua formação universitária e ibérica, depois incorporou também telas e canetas coloridas e até pintura. “Tenho me colocado em experimentação, observando como a linha se comporta em outras superfícies e suportes. A cor, pra mim, surgiu de um esgotamento do uso do preto e branco e também da dinâmica de avanço inerente ao próprio trabalho, pois chega um momento em que o próprio trabalho diz pra onde você tem que ir ou o que deve fazer. A arte é um sistema vivo e dinâmico, um motor contínuo sem começo nem fim”, sintetiza.

 

 

Toy art e Walt Disney

 

O caráter questionador e estético da obra carregada de abstração de Gandhi é reconhecido pelo curador e crítico de arte Bitu Cassundé, que apresenta a mostra da Roberto Alban Galeria. Analisando sua trajetória, ele diz que os desenhos do artista adquiriram mais recentemente uma nova estruturação e são contaminados por eixos do universo dos toy art, dos ready mades de Marcel Duchamp, dos quadrinhos, do cinema e do ocultismo. “Impossível não citar também influências diretas como Walt Disney, Jeff Koons, bonecos Playmobil, Farnese de Andrade, Louise Bourgeois, H.R. Giger, Andy Warhol, Basquiat, etc.“, afirma.

 

 

Sobre o artista

 

Nascido em Natal no ano de 1975, Marcelo Gandhi formou-se em arte-educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Transitando pela música, performance e desenho, foi selecionado  para a Bolsa  Residência EXO, do Itaú Cultural/ Ed. Copam, em São Paulo. Participou também, em 2006, do projeto Rumos, promovido pelo Itau Cultural em São Paulo. Em 2007, realizou a sua primeira individual na Pinacoteca do Rio Grande do Norte. Em 2012, integrou a exposição Metro de Superfície, no espaço Paço das Artes, na USP/SP. Algumas de suas obras pertencem a acervos como Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza (CE) e Pinacoteca do Rio Grande do Norte.

 

 

De 15 de outubro a 16 de novembro.

A Gentil Carioca | 12 Anos

10/set

A programação festiva dos 12 anos da galeria A Gentil Carioca, Centro, Rio de Janeiro, RJ, é

bastante eclética. A saber: abertura da Exposição | Chão de Estrelas, de José Bento com

curadoria do Ricardo Sardenberg; Módulo de Escuta|com Ricardo Basbaum e o compositor

convidado Paulo Dantas; Parede Gentil nº 25 | com Renato Pera com Gentil Apoio de Juan

Carlos Verme e Joel Yoss; Lançamento Camisa Educação nº 63 | com Maíra Senise; Festa |

Celebração 12 anos A Gentil Carioca com Desfile de Drags | parceria Drag-se + Drag Attack;

Bolo comemorativo | Edmilson Nunes e Música |  ”Verônica decide morrer”.

 

A exposição “Chão de estrelas” do artista José Bento, é um mote poético inspirado, é claro,

pela canção homônima de 1935 de Orestes Barbosa e Silvio Caldas. A instalação que dá nome

a mostra é composta de milhares de pedaços de madeira (Vinhático ou popularmente

conhecida como gema de ovo), entremeados por cabos de aço (ou como os assistentes do

artista nomearam “fios de ouro”) tencionados de um lado ao outro da sala expositiva no limite

do rompimento. Assim estamos diante de um plano, monocromático, que flutua na altura do

umbigo do artista, que remete a um horizonte que tenciona a relação entre o monocromo que

é em si uma paisagem dourada onde se encontra o dia e a noite.

 

Minha vida era um palco iluminado

Eu vivia vestido de dourado

Palhaço das perdidas ilusões

Cheio dos guizos falsos da alegria

Andei cantando a minha fantasia

Entre as palmas febris dos corações

 

Meu barracão no morro do Salgueiro

Tinha o cantar alegre de um viveiro

Foste a sonoridade que acabou

E hoje, quando do sol, a claridade

Forra o meu barracão, sinto saudade

Da mulher pomba-rola que voou

 

Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda, qual bandeiras agitadas

Pareciam um estranho festival

Festa dos nossos trapos coloridos

A mostrar que nos morros mal vestidos

É sempre feriado nacional

 

A porta do barraco era sem trinco

Mas a lua, furando o nosso zinco

Salpicava de estrelas nosso chão

Tu pisavas nos astros, distraída

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o violão

 

O conjunto de obras expostas em “Chão de estrelas”  reúne diversas estratégias utilizadas ao

longo da carreira de José Bento. Notavelmente, a obra Xadrez para Max e Marcel se utiliza da

recriação de objetos do cotidiano em madeira numa aproximação do discurso hiper-realista,

como feito pelo artista em anos anteriores em obras como Cobogó, Telefone e de forma

espetacular em Banheiro Bento quando recriou sabonetes, tampões de ralo etc,  porém aqui

ele acena para o que já foi chamado de “surrealismo mitigado” em seu trabalho. Em Xadrez

para Max e Marcel,  José Bento brinda a famosa foto em que Marcel Duchamp aparece

brindando Max Ernst por meio do jogo de xadrez originalmente desenhado pelo terceiro

artista para a exposição The imagery of Chess, na Julien Levy Gallery, em 1944. Num jogo de

espelhos e auto-referências, aqui José Bento estabelece suas credencias como um artista que

goza com prazer das artimanhas neo-dadas e surrealistas contemporâneas.

 

Já em outra sala, em direto contraponto à mensagem Duchamp-ernestiana, um conjunto de

monocromos que variam entre o amarelo e o vermelho acompanhados de um tapete de

madeira virado para Meca, como uma bússola, que nos relembra de tradições atlânticas que

nos conecta à África e à Europa por meio de uma reticência a paisagem, ao ilustrativo e ao

figurativo, neste caso um “misticismo mitigado”. O surrealismo, embora mais conhecido por

sua ênfase no inconsciente, também sempre enfatizou um aspecto místico de comunicação

com o além.

 

Entre as duas pontas do modernismo ocidental, ou dito de outra forma, entre o abstrato

formal da arte construtiva e a representação discursiva típica do surrealismo, a exposição Chão

de estrelas por meio da poesia substantiva de Orestes Barbosa – barraco, trinco, zinco, chão,

astros etc – estica o seu olhar contemporâneo resgatando a simples poesia dos jogos das coisas

simples. Como comentou o artista certa vez: esse Orestes Barbosa é um gênio porque trouxe

os astros lá de cima e pôs no chão para os humildes pisarem.

 

E é com humildade que a exposição vai se espalhar pelo SAARA – a Sociedade de Amigos e

Adjacências da Rua da Alfândega. Espalhado em suas famosas lojas/ tendas e por suas ruas

apertadas e barulhentas, aproximadamente oito trabalhos estarão camuflados na paisagem

comercial. Tanto um comentário ao aspecto comercial da exposição, mas principalmente ao

estatuto variável do que é um ready-made hoje em dia, também desafia o espectador a

considerar a paisagem do SAARA como um espaço expositivo, local de troca e de recorrentes

experiências estéticas e sociais.

 

Toda a exposição será “amarrada” por meio de um jornal em formato tablóide que será

repositório dos enigmas das possíveis fontes do trabalho escultórico expansivo do José Bento.

O jornal de certa forma é onde o inconsciente, o místico, e o pedestre artista estão amarrados.

Lá as referências vêm à tona e submergem no meio do palavrório dos outros curadores,

artistas e paisagens.

 

 

Sobre o artista

 

José Bento, nasceu em Salvador, BA, em 1962, vive e trabalha em Belo Horizonte.  Desde a

década de 1980 realiza, sobretudo, esculturas, instalações, além de trabalhos em vídeo,

desenho e fotografia. Expondo em museus, instituições culturais e galerias dentro e fora do

Brasil, seus primeiros trabalhos se desenvolvem a partir da discussão entre o plano e a

tridimensionalidade, como as maquetes e objetos construídos com palitos de picolé. Já em

Árvores, uma de suas obras mais conhecidas, o artista aborda questões materiais: o material

que serve à sua própria representação. A relação entre a arquitetura dos espaços expositivos e

os trabalhos de arte também se mostrou uma fonte de proposições artísticas em sua carreira,

algumas delas site-specific. Seus trabalhos mais recentes lidam com o estatuto da linguagem

escultórica na contemporaneidade e discussões acerca da representação do valor financeiro e

economia no circuito de arte. Participou de inúmeras exposições coletivas e individuais, entre

elas se destacam: On Another Scale, Galeria Continua, San Gimignano, e Tara por Livros,

Galeria Bergamin 2014; Eletric Blue Night, Galeria Mendes Wood, São Paulo;

Correspondências, Galeria Bergamin, São Paulo, ambas coletivas em 2013; participou com a

Floresta Invisível na 2o Bienal do Benim, Porto Novo, Cotonou e Uidá,  e realizou uma

individual na A Gentil Carioca, Rio de Janeiro em 2012; em 2011, 1901-2011, Arte Brasileira e

Depois, na Coleção Itaú, São Paulo; individual, Galeria Celma Albuquerque, Belo Horizonte em

2010 e no mesmo ano, Zum Zum Zum, na A Gentil Carioca, Rio de Janeiro; Poética da

Percepção no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008; Acervo do MAP

no Espaço de Arte Pitágoras. Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte; e Chão na Galeria

Bergamin, São Paulo, 2005. Em 2004 realiza individual no Museu de Arte da Pampulha – MAP,

em Belo Horizonte. Integrou o 29º Panorama da Arte Brasileira, MAM/SP, 2005, entre outras.

Recentemente seu trabalho foi publicada na edição da ABC – Arte Contemporânea Brasileira

organizado por Adriano Pedrosa e Luisa Duarte, Cosac Naify, 2014.

 

 

De 11 de setembro a 31 de outubro.

Julião Sarmento no Galpão Fortes Vilaça

12/ago

Denomina-se “Easy, Fractals & Star Map”, a nova exposição do artista português Julião

Sarmento, em sua primeira no Galpão Fortes Vilaça, Barra Funda, São Paulo, SP. A mostra é

composta por pinturas e esculturas recentes e estabelece uma relação ficcional entre Edgar

Degas e Marcel Duchamp – “gigantes da história da arte”, nas palavras do artista. Ao criar um

diálogo entre os dois mestres, Julião reafirma temas frequentes de sua própria obra: o hiato

entre ficção e realidade, mecanismos de representação e erotismo.

 

O arquétipo feminino – elemento central na prática de Julião Sarmento – reaparece em “Fifth

Easy Piece”, tomando como inspiração a icônica obra de Degas, “La Petite Danseuse de

Quatorze Ans” (c. 1881). Na reinterpretação do artista, a dançarina adolescente é

transformada em uma mulher madura, moldada através de um moderno processo de

impressão 3D. Em “Alma”, os moldes de gesso são arranjados em uma armação de ferro,

expondo o avesso da escultura e aludindo dessa vez a Duchamp – algo ainda mais explícito na

obra “O Grande Vidro”, feita especialmente para a mostra.

 

A referência aos dois mestres espalha-se ainda nas pinturas da exposição, seja por citações

gráficas, seja por alusões obscuras. Nesse conjunto de obras, Sarmento emprega diferentes

pigmentos, solventes e técnicas, criando formas triangulares que se multiplicam como fractais.

A quase completa ausência de cor, outro traço marcante do artista, reafirma o forte diálogo

que sua pintura mantém com o desenho. Os títulos referem-se a nomes de estrelas e, uma vez

espalhadas na parede, parecem formar constelações. Em “Piscis Austrinus”, um díptico de

cinco metros de largura, manchas orgânicas se contrapõe às formas geométricas e criam uma

elegante composição. Os volumes prateados de “Sirrah”, por sua vez, evocam a superfície

lunar.

 

Ao cruzar diferentes tempos históricos e planos físicos, “Easy, Fractals & Star Map” instaura

uma narrativa fictícia, possível apenas no campo da arte. As associações livres propostas por

Sarmento apontam para o desconhecido, como um convite para mapear os astros.

 

 

Sobre o artista

 

Julião Sarmento nasceu em Lisboa, em 1948, e atualmente vive e trabalha em Estoril, também

em Portugal. Considerado um dos mais renomados artistas portugueses, ele esteve em duas

edições da Documenta de Kassel (1987 e 1982) e em duas Bienais de Veneza (2001 e 1997),

além de muitas outras mostras. Entre suas exposições individuais recentes, destacam-se: Una

forma extrema de privacidad, Museo de Arte Carrillo Gil (Cidade do México, 2013); Noites

Brancas, Museu Serralves (Porto, 2012); Artist Room, Tate Modern (Londres, 2010); Grace

under Pressure, Estação Pinacoteca (São Paulo, 2009). Sua obra está presente em diversas

coleções públicas, entre as quais: Guggenheim (Nova York), Tate Modern (Londres), SFMOMA

(San Francisco), Moderna Museet (Estocolmo), Centre Pompidou (Paris), CaixaForum

(Barcelona).

 

 

De 15 de agosto a 26 de setembro.