Artista visual e multimídia, Integrante da nova geração da arte contemporânea no Rio Grande do Sul, André Venzon realiza a exposição intitulada “Pois eu estou em sua memória”, individual na Galeria Península, Centro, Porto Alegre, RS. A mostra recebeu apresentação do crítico paulista Gilberto Habib Oliveira.
POIS ELE MERECE ESTAR EM NOSSA MEMÓRIA
Texto de Gilberto Habib Oliveira
Tão oportuna quanto arriscada, já se faz necessária uma leitura retrospectiva da obra e da trajetória do artista gaúcho André Venzon. A oportunidade é dada pelos ciclos que se completam, ressaltando a visão teleológica dos significados que de pouco em pouco construíram o corpus de sua obra, somados a alguns de seus feitos institucionais, dentre os quais, à frente da Associação Chico Lisboa ou, mais recentemente, do MAC-RS. O risco, em se tratando da arte, é encerrarmos tal percurso em adjetivos que se acercam sem tentar definir. Lançando-nos, pois, a tentativa de esclarecer, sem aprisionar, uma obra por natureza aberta e um percurso por trilhar.
André sempre surpreendeu com seu senso de coletividade, envolvendo-se em movimentos, projetos, editais, simpósios ou organizando mostras coletivas pelo Brasil afora. Voltado em seus trabalhos aos conceitos de identidade e lugar na construção poética, sempre teve coragem e consciência de não relegar o entorno e o social à mera indiferença. Fosse por meio das diversas figuras de alteridade criadas em seu universo estético, nos elementos constituintes da arquitetura e da paisagem presentes desde o início em sua produção; fosse na mobilização de outros artistas, colecionadores, críticos ou dirigentes culturais nas muitas frentes institucionais em que buscou estar inserido. Expressões talvez de uma única realidade construtora de sua identidade como cidadão e como artista, que perpassa a responsabilidade de engajar, envolver, conscientizar ou, no mínimo, provocar espectadores e produtores de um único grande circuito. “Em sua silenciosa luta ética, este jovem artista extravasa a busca de identidade para muito além de si mesmo e projeta-a à arte. Mesmo que esta, hoje, já distante dos seus contornos formais e conceituais, esteja voltada à miragem de referências e ao provisório da verdade, André a resgata como busca máxima de autenticidade e criticidade” profetizava Monica Zielinsky, em seu texto sobre o ainda jovem artista, em 2006.
Venzon é, neste sentido, cumpridor de uma vocação profunda de artista. Como poucos que se conhece. Tudo nele é mobilização, da matéria prima ao tema, do significado ao suporte, tudo é pretexto para pensar e compor o papel afirmativo e interrogativo no infinito campo de interações entre artista e espectador. Como destacou a historiadora Paula Ramos, ele “…tem buscado estabelecer pontes formais e conceituais entre o lugar e o sujeito, entre aquele que vivencia e aquilo que o envolve, alinhavando múltiplas temporalidades”.
Não haveria, assim, neste infinito de possibilidades, necessidade mais natural do que tentar encontrar, passados os anos, um denominador comum para o que lhe é próprio. E eis que encontra na cor fúcsia dos tapumes ― por vezes aliada à sua textura ou a materialidade mesma da madeira ― um signo forte para si. Não importa não se tratar do primeiro artista a utilizá-la, mas basta ter acertado na escolha, fazendo dela um signo potente e singular de si mesmo.
Síntese fascinante, excêntrica e exótica. Social e atemporal, a cor de tapume na poética de André Venzon perpassa uma década sendo incorporada aos seus feitos até converte-se, definitivamente, na pele do artista. Dos vários signos que com ela pode compor em séries de trabalhos como “Qual é o seu lugar?”, “Boates”, “Vitrines”, “Cidade sem face”, “Luxúria”, entre a consciência do lugar, do corpo, da memória e da arte, essa cor já lhe serviu a vários discursos. Vindo agora a completar-se na exposição “Pois eu estou em sua memória”, ela penetra definitivamente nosso imaginário, se derramando como figura espectral, brilhante e fugidia tal como indexada no cartaz da mostra.
Hoje “sua”, a cor de André é ainda mais eloqüente, convertida em unidade identitária, mas também suporte de uma alteridade contemporânea, extemporânea, mítica, à serviço das muitas “capas”, peles ou máscaras a que os tapumes se convertem. Incapazes de disfarçar as mazelas, de encobrir os defeitos, de sustentar o (falso) glamour da cidade que, em nome do progresso, mais se arruína ao definir tão somente não-lugares. Destas vãs tentativas, os tapumes, com sua cor marcante, logram apenas ressaltar sua própria identidade e presença. “Matam” a paisagem real para ressuscitarem como memória artística, impondo o protagonismo desta sobre a outra.
Novas possibilidades de um imaginário urbano, a tomar a frente dos “flaneurs” e “futuristas”, o fúcsia dos tapumes se somam aos reflexos caóticos de prédios envidraçados e vitrines, sublimando em silêncio o vazio das cidades. Seriam talvez, versões luxuriosas do famigerado cinza das “selvas de pedra”? Ou novas expressões da teatralidade do mundo, ao fazerem-se de moldura ou cortina do palco em que encena-se a vida cotidiana? Eis que André se reveste dessa pele como a alma ancestral das cidades do futuro, a renovar-lhe possíveis novas metáforas. Dando novo corpo, alma e cor a um sempre crescente coletivo de muitos. Formando um corpus significante, em tempos de uma experiência de arte e de cidade carente de significados.
Sobre o artista
André Venzon, nasceu em Porto Alegre, 1976. Diplomado em Desenho pelo IA/UFRGS. Dedica-se ao estudo dos conceitos de lugar na construção poética dos seus trabalhos. Diante de sua forma de olhar e perceber a arte como atributo social, participou do FUMPROARTE (PMPA), foi presidente da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa (2006-2010) e vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura, membro do Colegiado Nacional de Artes Visuais e, atualmente, é diretor do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul – MAC/RS – e curador do Projeto RS Contemporâneo do Santander Cultural. Realizou diversas exposições, entre as quais se destacam: 18º Salão de Arte Jovem de Santos; 3º Salão de Arte de Porto Alegre; 3º Salão Nacional de Arte de Goiás; 4ª Bienal de Arte e Cultura da UNE em São Paulo; BOATES no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro e no MARGS; 10ª Bienal de Santos; 13° Salão da Bahia, do Museu de Arte Moderna na Bahia. Foi curador da I Bienal B, artista-âncora do Essa Poa é Boa e oficineiro da Rede Nacional de Artes Visuais da Funarte em Parintins, Manaus e Rio de Janeiro.
Até 06 de novembro.