O silêncio e a elegância na obra de Eleonore Koch
Cadeiras, xícaras, uma máquina de costura, flores. Esses são alguns dos elementos que aparecem com frequência nos quadros de Eleonore Koch, artista que viu o início do reconhecimento de sua obra poucos anos antes de falecer, em 2018. Hoje, 6 anos depois de sua morte, essa valorização só cresce e tem alcançado cifras milionárias no mercado de arte, além de exposições e documentários. No Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), 190 pinturas estão expostas em sua primeira grande retrospectiva. Com curadoria de Fernanda Pitta e obras de coleções públicas e privadas, “Eleonore Koch: Em cena” reúne décadas de produção da artista, incluindo trabalhos nunca antes exibidos. Abordando os gêneros tradicionais da pintura explorados por ela (paisagens, naturezas-mortas e interiores), a mostra evidencia a simplicidade, o silêncio e a elegância retratados por meio de suas telas.
O início de tudo
Eleonore Koch nasceu em Berlim, em 1926, e veio para o Brasil ainda criança, aos 12 anos de idade. Imigrantes judeus-alemães, seus familiares fugiam do regime nazista. Desde cedo ela sonhava em trabalhar com arte, mas seu desejo era visto como uma ambição distante, já que todos os seus parentes levavam a vida difícil de quem precisa escapar do próprio país e se estabelecer em um novo local. Mesmo assim, Eleonore manteve sua vontade e recebeu apoio da família.
Em meados de 1940, ela frequentou os ateliês de personalidades como Yolanda Mohalyi, Elizabeth Nobiling, Samson Flexor e Bruno Giorgi. Depois, viajou à Europa e teve aulas com o pintor húngaro Arpad Szenes e o escultor francês Roberto Coutin. De volta ao país tropical, Eleonore viveu períodos nas capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro e experimentou diferentes métodos artísticos. Foi somente em 1953, quando conheceu Alfredo Volpi, que ela começou a desenvolver a técnica da têmpera a ovo. Ao conviver com o mestre visitando seu ateliê, discutindo arte e observando sua forma de produzir, Eleonore incorporou a têmpera em seu processo criativo e passou a se preocupar cada vez mais com as cores e composições. Embora não tenha aprendido exatamente a “receita” empregada pelo artista, ficou conhecida como sua única discípula. O conjunto de pigmentos utilizados por ela – minerais, vegetais e alguns poucos sintéticos, alguns herdados de Volpi – hoje integra a coleção do Núcleo de Conservação e Restauro da Pinacoteca de São Paulo. No arquivo do MAC USP, há diários da artista com breves anotações sobre sua prática de pintura. Em seus estudos, ela registrava os pigmentos e misturas realizadas para conseguir os matizes de seu interesse.
Na década de 1950, também conviveu com grandes nomes do movimento concretista, dentre eles o paulista Geraldo de Barros, e observou o diálogo de Volpi com esses artistas. Apesar disso, não abandonou a figuração para se tornar “abstrata”, como muitos de sua geração fizeram. Sua predileção por objetos fez com que sua obra avançasse nos gêneros pictóricos da natureza-morta e dos interiores.
Certa de que deveria se dedicar ao ofício, Eleonore optou por não casar e nem ter filhos. Para garantir sua independência financeira enquanto a arte não lhe rendia tantos frutos, Koch trabalhou como vendedora de livros, assistente de cenógrafa, secretária e tradutora. Foi apenas em 1968, ao se mudar para Londres, que conseguiu viver da pintura. Na cidade nova, o empresário e colecionador Alistair McAlpine, tocado pelas obras, passou a ser seu mecenas. Antes de partir para a capital inglesa, Eleonore conquistou, sim, espaços importantes no circuito da arte brasileira. Em 1961, por exemplo, teve seu trabalho aceito pela Bienal de São Paulo, depois de muitas recusas. Mas de forma geral, a inserção no mercado de arte foi custosa para uma mulher que não seguia as vertentes daquele momento – nem a arte concreta, nem a pintura figurativa de caráter social.
Em cena
No MAC USP, os quadros de paisagens aparecem com certo destaque. Eles foram feitos depois de visitas da artista a parques de Londres, Versailles e outras localidades da Europa. Combinando observações, fotografias e uma mistura de realidade e fantasia, Eleonore criou algo de encenado – daí o título da exposição. Como explica o texto curatorial, “essas paisagens se assemelham a cenários ou imagens do pensamento, […] nas quais se “intrometem” elementos da memória e do afeto: a cadeira predileta, plantas azuis, um chão como a superfície do mar”. A sensibilidade de Koch é expressa principalmente pelos objetos colocados nas telas. Mais do que pela combinação minuciosa de cores, é por meio dos cômodos e das praças vazias que ela se comunica com o público. São os elementos da memória e do afeto – os cafés, os brinquedos, a casca da laranja e as cadeiras desocupadas – que fazem o observador se identificar com a introspecção da artista. Não se trata da mera figuração por ela mesma, mas da abertura às sensações que ela provoca.
Na mostra do MAC USP, é possível conhecer, ainda, todo o processo criativo de Eleonore, que documentava cada um de seus trabalhos. Em grandes vitrines, estão expostos os registros fotográficos de suas pinturas finalizadas – este era um modo de documentar e inventariar sua produção de forma independente. Entre os negativos, estão algumas das trinta pinturas de propriedade do Barão Alistar McAlpine, que se perderam em um incêndio na West Green House, na Inglaterra. Além da mostra que permanece em cartaz até 17 de julho, o trabalho de Eleonore Koch tem ganhado destaque também em outros meios. Em abril deste ano, o festival de cinema “É tudo verdade” fez quatro exibições do documentário “As cores e os amores de Lore”, sobre a vida íntima e a trajetória profissional da artista. Com 80 minutos, o filme dirigido pelo cineasta Jorge Bodanzky apresenta um retrato dos últimos anos da artista, que faleceu aos 92 anos. Em breve, a película deverá chegar aos cinemas. Para o segundo semestre, está previsto, ainda, o lançamento de um livro sobre sua obra, com imagens e textos críticos.
Publicado por Victoria Louise
Fonte: Artsoul.