A programação festiva dos 12 anos da galeria A Gentil Carioca, Centro, Rio de Janeiro, RJ, é
bastante eclética. A saber: abertura da Exposição | Chão de Estrelas, de José Bento com
curadoria do Ricardo Sardenberg; Módulo de Escuta|com Ricardo Basbaum e o compositor
convidado Paulo Dantas; Parede Gentil nº 25 | com Renato Pera com Gentil Apoio de Juan
Carlos Verme e Joel Yoss; Lançamento Camisa Educação nº 63 | com Maíra Senise; Festa |
Celebração 12 anos A Gentil Carioca com Desfile de Drags | parceria Drag-se + Drag Attack;
Bolo comemorativo | Edmilson Nunes e Música | ”Verônica decide morrer”.
A exposição “Chão de estrelas” do artista José Bento, é um mote poético inspirado, é claro,
pela canção homônima de 1935 de Orestes Barbosa e Silvio Caldas. A instalação que dá nome
a mostra é composta de milhares de pedaços de madeira (Vinhático ou popularmente
conhecida como gema de ovo), entremeados por cabos de aço (ou como os assistentes do
artista nomearam “fios de ouro”) tencionados de um lado ao outro da sala expositiva no limite
do rompimento. Assim estamos diante de um plano, monocromático, que flutua na altura do
umbigo do artista, que remete a um horizonte que tenciona a relação entre o monocromo que
é em si uma paisagem dourada onde se encontra o dia e a noite.
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
O conjunto de obras expostas em “Chão de estrelas” reúne diversas estratégias utilizadas ao
longo da carreira de José Bento. Notavelmente, a obra Xadrez para Max e Marcel se utiliza da
recriação de objetos do cotidiano em madeira numa aproximação do discurso hiper-realista,
como feito pelo artista em anos anteriores em obras como Cobogó, Telefone e de forma
espetacular em Banheiro Bento quando recriou sabonetes, tampões de ralo etc, porém aqui
ele acena para o que já foi chamado de “surrealismo mitigado” em seu trabalho. Em Xadrez
para Max e Marcel, José Bento brinda a famosa foto em que Marcel Duchamp aparece
brindando Max Ernst por meio do jogo de xadrez originalmente desenhado pelo terceiro
artista para a exposição The imagery of Chess, na Julien Levy Gallery, em 1944. Num jogo de
espelhos e auto-referências, aqui José Bento estabelece suas credencias como um artista que
goza com prazer das artimanhas neo-dadas e surrealistas contemporâneas.
Já em outra sala, em direto contraponto à mensagem Duchamp-ernestiana, um conjunto de
monocromos que variam entre o amarelo e o vermelho acompanhados de um tapete de
madeira virado para Meca, como uma bússola, que nos relembra de tradições atlânticas que
nos conecta à África e à Europa por meio de uma reticência a paisagem, ao ilustrativo e ao
figurativo, neste caso um “misticismo mitigado”. O surrealismo, embora mais conhecido por
sua ênfase no inconsciente, também sempre enfatizou um aspecto místico de comunicação
com o além.
Entre as duas pontas do modernismo ocidental, ou dito de outra forma, entre o abstrato
formal da arte construtiva e a representação discursiva típica do surrealismo, a exposição Chão
de estrelas por meio da poesia substantiva de Orestes Barbosa – barraco, trinco, zinco, chão,
astros etc – estica o seu olhar contemporâneo resgatando a simples poesia dos jogos das coisas
simples. Como comentou o artista certa vez: esse Orestes Barbosa é um gênio porque trouxe
os astros lá de cima e pôs no chão para os humildes pisarem.
E é com humildade que a exposição vai se espalhar pelo SAARA – a Sociedade de Amigos e
Adjacências da Rua da Alfândega. Espalhado em suas famosas lojas/ tendas e por suas ruas
apertadas e barulhentas, aproximadamente oito trabalhos estarão camuflados na paisagem
comercial. Tanto um comentário ao aspecto comercial da exposição, mas principalmente ao
estatuto variável do que é um ready-made hoje em dia, também desafia o espectador a
considerar a paisagem do SAARA como um espaço expositivo, local de troca e de recorrentes
experiências estéticas e sociais.
Toda a exposição será “amarrada” por meio de um jornal em formato tablóide que será
repositório dos enigmas das possíveis fontes do trabalho escultórico expansivo do José Bento.
O jornal de certa forma é onde o inconsciente, o místico, e o pedestre artista estão amarrados.
Lá as referências vêm à tona e submergem no meio do palavrório dos outros curadores,
artistas e paisagens.
Sobre o artista
José Bento, nasceu em Salvador, BA, em 1962, vive e trabalha em Belo Horizonte. Desde a
década de 1980 realiza, sobretudo, esculturas, instalações, além de trabalhos em vídeo,
desenho e fotografia. Expondo em museus, instituições culturais e galerias dentro e fora do
Brasil, seus primeiros trabalhos se desenvolvem a partir da discussão entre o plano e a
tridimensionalidade, como as maquetes e objetos construídos com palitos de picolé. Já em
Árvores, uma de suas obras mais conhecidas, o artista aborda questões materiais: o material
que serve à sua própria representação. A relação entre a arquitetura dos espaços expositivos e
os trabalhos de arte também se mostrou uma fonte de proposições artísticas em sua carreira,
algumas delas site-specific. Seus trabalhos mais recentes lidam com o estatuto da linguagem
escultórica na contemporaneidade e discussões acerca da representação do valor financeiro e
economia no circuito de arte. Participou de inúmeras exposições coletivas e individuais, entre
elas se destacam: On Another Scale, Galeria Continua, San Gimignano, e Tara por Livros,
Galeria Bergamin 2014; Eletric Blue Night, Galeria Mendes Wood, São Paulo;
Correspondências, Galeria Bergamin, São Paulo, ambas coletivas em 2013; participou com a
Floresta Invisível na 2o Bienal do Benim, Porto Novo, Cotonou e Uidá, e realizou uma
individual na A Gentil Carioca, Rio de Janeiro em 2012; em 2011, 1901-2011, Arte Brasileira e
Depois, na Coleção Itaú, São Paulo; individual, Galeria Celma Albuquerque, Belo Horizonte em
2010 e no mesmo ano, Zum Zum Zum, na A Gentil Carioca, Rio de Janeiro; Poética da
Percepção no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008; Acervo do MAP
no Espaço de Arte Pitágoras. Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte; e Chão na Galeria
Bergamin, São Paulo, 2005. Em 2004 realiza individual no Museu de Arte da Pampulha – MAP,
em Belo Horizonte. Integrou o 29º Panorama da Arte Brasileira, MAM/SP, 2005, entre outras.
Recentemente seu trabalho foi publicada na edição da ABC – Arte Contemporânea Brasileira
organizado por Adriano Pedrosa e Luisa Duarte, Cosac Naify, 2014.
De 11 de setembro a 31 de outubro.