As obras do mega artista-fotógrafo estão na individual “Dinheiro Vivo” que inaugura na sede paulistana da Galeria Nara Roesler, Jardim Europa, São Paulo, SP, no próximo sábado 04.
Depois de desconstruir, ressignificar e interrogar ícones os mais variados da nossa cultura material, o artista se debruça sobre um elemento absolutamente reconhecível, corrente e prenhe de significados: as cédulas de real emitidas pelo Tesouro Nacional.
A partir de uma quantidade grande de restos de papel-moeda que iriam para o descarte e que lhe foram cedidos pela Casa da Moeda, ele reconfigurou elementos indiciais dessas notas em novas composições profundamente instigantes, que provocam o espectador, gerando simultaneamente familiaridade e estranheza.
A partir desses fragmentos de papel com alto teor simbólico, Muniz reorganiza e recria dois tipos de imagem. No primeiro grupo estão reconstituições muito fiéis, porém em tamanho agigantado, dos animais que ilustram as notas da moeda nacional, como a onça, a tartaruga ou o lobo guará. Animais que muitas vezes estão em risco de desaparecer e que circulam de mão em mão, de forma banalizada, que adquirem majestade na leitura de Muniz.
O segundo conjunto reúne uma série de recriações de obras clássicas de pintores viajantes que percorreram e retrataram a paisagem brasileira no século 19, como Rugendas e Taunay. Nestas últimas obras ocorre uma pequena subversão, pois o artista alterou as referências cromáticas de origem pela gama de cores mais restrita e contrastante das cédulas, o que gera um maior estranhamento, deslocando as imagens já clássicas para um tipo de representação menos naturalista da natureza.
O verde das araucárias torna-se, assim, cor de vinho e as diferentes tonalidades azuis dos céus assumem um tom mais esbranquiçado, deixando entrever ainda alguns sinais gráficos que parecem ter escapado propositalmente nos recortes.
A ambiguidade da coisa representada sempre foi um ponto fundamental da obra de Muniz. Como afirma o jornalista e escritor Eduardo Bueno em texto de apresentação da exposição, ele passou a maior parte do tempo a “investigar a relação entre os objetos e sua representação”. Sua obra recria um círculo infinito de significados ao recorrer a gestos aparentemente simples, como recortar e colar. Agora, entretanto, alcança uma camada mais profunda, usando o próprio papel moeda como matéria e o transformando em “meio, mensagem e representação de si mesmo”.
Destituídas do valor financeiro, elas ainda são capazes de articular uma imagem. As aparas de papel já não valem mais nada enquanto moeda corrente, mas adquirem nova dimensão poética como obra de arte. Muniz nos conduz, assim, a uma reflexão sobre a ideia de valor e seus múltiplos sentidos. Afinal, o que dita o valor da arte? A matéria é mais importante do que a imagem? Ou seria o contrário?
Ao lidar com o dinheiro como matéria-prima, Vik Muniz se soma a um grupo de artistas de matriz conceitual que já se debruçou sobre essas relações de valor e fetiche da moeda, como Cildo Meireles, Jac Leirner e Barrão. E resgata outros aspectos importantes de sua reflexão e prática artística como a relação entre as coisas e suas representações e um foco atento a questões como a preservação ambiental, tema que já explorou no filme “Lixo Extraordinário” (2010).
Mais do que reciclar, ressignificar, seduzir e desconcertar a partir de elementos aparentemente simples, Muniz resgata por meio das obras de “Dinheiro Vivo” um debate em torno do ciclo de produção e abstração do valor, recuperando o que há de concreto no mundo real.
“No meio de todas essas crises ambientais que a gente tem sofrido eu comecei a pensar de novo dessa forma: a gente está cortando uma árvore para fazer dinheiro. Então, eu fico imaginando que essas obras todas são imagens da natureza, feitas com o que sobrou da natureza”, resume ele.
(Fonte:Ligia Kass-RG).