A arte de Pietrina Checcacci ganhará exibição na Danielian Galeria, Gávea, Rio de Janeiro, RJ, a partir de 28 de Maio e até 20 de Julho com apresentação e curadoria assinada por Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto
Carnação | Pietrina Checcacci
Tornar carne. Simular a pele humana. Um corpo que cria outro corpo. Pietrina Checcacci dedica-se ao longo de 60 anos de carreira artística a esse espaço de provocação e conquista. Entre a pintura e a escultura, a projeção de um feminino de detalhes, paisagens e cosmos – a matriz da existência. Esta exposição reúne obras de diferentes períodos de sua criação para instigar olhares frescos para uma produção que segue ativa e vibrante.
Pietrina nasceu em 1941 na Itália e com treze anos se mudou para o Rio de Janeiro. Na conturbada década de 1960, integrou-se ao cenário cultural, participou dos principais salões e mostras ao lado de contemporâneos como Rubens Gerchman, Claudio Tozzi e Ivan Freitas, e desenvolveu pinturas com forte influência da pop americana e da denúncia política que marcou a produção daquela geração de artistas.
Nos anos 1970, o corpo feminino assumiu o protagonismo em suas telas. Neste período no Brasil, entre o exílio e a tortura, o corpo representava o primeiro espaço da manifestação política, frágil pela insegurança e forte pela capacidade de resistência. Além de Pietrina, essa pulsão se manifestou nas obras de diversos artistas dessa época, como em Anna Bella Geiger (Viscerais), Antonio Manuel (O corpo é a obra), Letícia Parente (Made in Brazil), Arthur Barrio (Livro de Carne), entre tantos outros. Mas diferente de artistas que partiram para a exploração de novas mídias, Checcacci manteve-se fiel à imagem e às técnicas tradicionais. Num caminho adjacente às guerrilhas artísticas do cenário, suas investigações estéticas no campo da pintura e do desenho levaram-na a desenvolver uma identidade visual própria que trazia do pop, a apropriação da imagem, e do Kitsch a assimilação de visualidades e linguagens na popularização destas imagens.
“Ao nível da linguagem, Kitsch e vanguarda encontram seus mais importantes pontos de contacto naquilo que tem de processo primitivo, básico, de crítica e criação de signos – um ao nível do consumo e outra a nível da produção.” Décio Pignatari em Informação. Linguagem. Comunicação
Numa postura audaciosa para o mercado brasileiro, Pietrina manteve uma relação mais íntima com o público do que com a crítica de arte, quase sempre impregnada de historicismos e conceitualizações. Sua produção, a partir da década de 1970, reflete estratégias de ação que apostavam na popularização como ferramenta democrática de acesso à arte e de questionamento do papel da mulher na sociedade, sem, no entanto, abandonar a importância do fazer artístico. Na pintura, através de grande habilidade técnica, Checcacci desenvolveu imagens de forte apelo visual que são como jogos para o olhar. Numa visão do corpo como signo cósmico da vida, a artista passou a utilizar a imagem como ferramenta de propagação de provocações, submetendo-as à experiencia primeira do olhar para o belo. “Minhas telas são como um anzol” – afirma.
“A operação metafísica que se liga ao rito antropofágico é a da transformação do tabu em totem. Do valor oposto, ao valor favorável. Nesse devorar que ameaça a cada minuto a existência humana, cabe ao homem totemizar o tabu.” Oswald de Andrade em “A Crise da filosofia messiânica”.
Nas esculturas e nas gravuras, Checcacci investiu na massificação. Entre as noções do design e da “arte condominial”, esta faceta de sua produção busca preencher a vida cotidiana com a experiência artística, tarefa levada a frente por diversos artistas de sua geração que encaravam a arte como meio de democratização, como Carlos Scliar, Glauco Rodrigues e Theresa Miranda. Se o pop americano questionou a sociedade das massas e o kitsch representou a ressignificação de padrões estéticos e plásticos, Pietrina representa um exemplo brasileiro de fricção entre estas vertentes, que encontrou nas cores vibrantes, no desenho de comunicação rápida e na malícia subliminar o caminho para questionar o local do desejo, do corpo e do prazer feminino em nossa sociedade.
A criação de um repertório de imagens autorreferenciadas conecta sua produção às outras artistas que encararam o universo da mulher como espaço de reflexão, como Wanda Pimentel, Wilma Martins, Marília Kranz e posteriormente Nazareth Pacheco, Cristina Salgado e Ana Miguel. As pernas viram paisagens; a exuberante rosa, o sexo feminino e a pele é revelada entre pelos/espinhos. Em suas produções mais recentes, sob o título de “Eu por Eu mesma”, a artista apresenta corpos retorcidos, tensionados e velados que perguntam: Carnes enlouquecidas, me contem porque existo?
Esta mostra tem como principal objetivo fisgar o olhar do espectador para a força criativa de Pietrina Checcacci ao longo de seus 60 anos de carreira. Como no auto retrato aqui apresentado, o corpo se revela como princípio e fim – aventura orgástica do olhar.
Marcus de Lontra Costa e Rafael Fortes Peixoto