O MAM-Rio, Parque do Flamengo, Centro, Rio de Janeiro, RJ, apresenta 21 obras de Antonio Manuel. Radicado no Brasil desde a infância, o artista português construiu aqui uma carreira marcada pela versatilidade: já enveredou por pintura, gravura, escultura, vídeo, desenho, performance. Essa multiplicidade de interesses se reflete na individual no MAM. Logo na entrada, assoma a recriação de um trabalho de 1998, “Ocupações/Descobrimentos”, formado por três grandes paredes de tijolos com um buraco em cada uma, convidando a uma espiada. Há uma inevitável sugestão de diálogo entre essa criação e uma série de bonitas pinturas em que Antonio Manuel faz furos na tela. Há ainda produções em técnica mista, um óleo sobre tecido e um vídeo, mas o que chama mesmo atenção são as instalações penetráveis a exemplo de “Fantasmas”, um cômodo repleto de pedaços de carvão suspensos por fios, dando a impressão de que estão flutuando.
A formação e o desenvolvimento da obra de Antonio Manuel se deram em estreita relação com o Museu de Arte Moderna. Há mais de 15 anos sem uma exposição institucional na cidade, trazê-lo agora ao museu é uma espécie de compromisso simbólico: com a sua própria história e com a arte brasileira. Não se trata de uma exposição retrospectiva, sua orientação não é para o passado, mas focada na atualidade de sua produção, tendo em vista articulações com o que já foi e projeções em direção ao que ainda está por vir. Acima de tudo, esta exposição aposta na coerência poética de uma produção múltipla e diversificada. O conceito de polifonia, extraído da teoria literária -significando uma multiplicidade de vozes agindo no interior de um mesmo romance – parece-me interessante para pensarmos a obra de Antonio Manuel. Nela percebemos muitas entonações afetivas e plásticas intensificando-se sem se fragmentarem. Nada menos apropriado para lidar com sua trajetória do que separá-la em duas fases: a político-performativa e a pictórico-formal. A opção em articular a exposição através das instalações foi para evidenciar o quanto o pensamento da forma reverbera na realidade, na vida, sendo esta disseminação sempre política: pelo que diz e pelo que silencia.
A relação cromática dos “muros” com a paleta solar e mondrianesca de muitas pinturas, a ação de quebrá-los, a explicitação do tijolo, o movimento do corpo ao atravessá-lo, tudo fala de uma experiência ampliada no espaço: do museu e da cidade. As faces marcadas dos presos de “semiótica” e os carvões pendurados no “fantasma” são cicatrizes de uma mesma crise social em momentos históricos distintos. A forma flutuante a as cores primárias dos “frutos do espaço” se projetam para dentro e para fora dos planos chapados na superfície das telas. O líquido que pinga sobre a imagem, apagando a informação, contaminando-a, deslocando-a, liga esta última e inédita instalação aos “flans” do final dos anos 1960. Enfim, uma obra em movimento que segue atualizando-se enquanto exercício experimental de liberdade: como afirmou Pedrosa na noite de 1970 em que Antonio Manuel, neste mesmo museu, transformou corpo em obra. Uma espécie de síntese da máxima construtiva de que menos é mais.
Até 16 de fevereiro.