“Bahia, contemporânea Bahia” é o título da coletiva que a Roberto Alban Galeria de Arte, Ondina, Salvador, Bahia, apresenta a com curadoria de Marcelo Campos. Esta exposição marca a iniciativa da galeria em apresentar a produção de arte visuais contemporânea na Bahia. “Esta exposição vem em um momento especial, no qual o nosso estado será o centro da arte no país, a 3ª Bienal da Bahia, com abertura prevista para o dia 29 de maio. Visitei diversos ateliês no estado e selecionei oito deles, independentemente de serem jovens artistas ou mais experientes. Esta exposição me conquistou, pois retrata um universo mais amplo em seus diversos elementos de criação”, observa Marcelo Campos. A diversificação da linguagem é um aspecto relevante na exposição, com posta por pinturas, desenhos, fotografias, esculturas e instalações.
Em “Bahia, contemporânea Bahia”, cada artista selecionado traz suas referências. “Almandrade conviveu com Helio Oiticica e Paulo Brusky, Willyams Martins começou a produzir concomitantemente a eventos como a exposição que lançou pintores da Geração 80, Lara Viana estudou na Inglaterra nos centros acadêmicos que formaram Damien Hirst, Josilton Tom conviveu com os modernistas da terra e com os longos anos do importante Salão da Bahia. Március Kaoru pensa a partir da memória familiar, na produção de um nipo descendente em Salvador, Vinícius S.A. expande a apropriação dos objetos domésticos para as grandes instalações e Fábio Magalhães, cuja pintura ativa dissimula possíveis aderências a imagens baianas. Ao mesmo tempo, temos a surpresa de poder contar com um interesse fotográfico, instalativo e performático de Rosa Bunchaft, que faz da fotografia uma experiência imersiva”, afirma Marcelo Campos.
“Uma exposição como esta, sendo realizada em uma galeria comercial, serve também para suprir parte das lacunas institucionais, nas quais os museus exibem propostas tradicionais e as galerias abrem-se para ousadas proposições. A produção da arte contemporânea precisa do apoio de espaços como a do Roberto Alban Galeria de Arte, que abre as portas para a disseminação do potencial dos artistas. Estamos aproveitando este momento de efervescência em arte, no qual os olhos do mundo estarão voltados para a Bahia, entre maio e setembro deste ano, para reafirmar nossa proposta de fortalecimento da arte contemporânea”, explicam Roberto e Cristina Alban, proprietários da Roberto Alban Galeria de Arte.
O professor Marcelo Campos também fala sobre outra corrente artística: o modernismo. “Torna-se necessário, também, atualizar e rever o modernismo de longa duração que ainda predomina em grande parte do Brasil. Sim, é a hora de pensarmos o contemporâneo, por mais problemático que seja o termo, para que possamos recodificar materiais e métodos, poéticas e imagens, abrindo caminho para os que se aventuram”, finaliza Marcelo Campos.
Artistas participantes:
Almandrade – Ousou ao ser o primeiro artista contemporâneo da Bahia. Construiu seu trabalho sem ter uma referência local, a partir da década de 1960. Almandrade é um artista que ativa interesses históricos, desenvolve imensamente a materialidade de procedência comum, banal, para pensar mensagens, palavras que se tornam poemas-visuais. Pertencente à geração que usava a arte como palavra de ordem, Almandrade manteve-se atento aos campos semânticos, para além da visualidade, produzindo situações que são, principalmente, jogos de linguagem.
Rosa Bunchaft – Premiada em 2013 com projeto participativo envolvendo uma fotografia artesanal da cidade, durante o 13º Salão Nacional de Artes, realizado na cidade de Itajaí-SC, um dos lugares mais interessantes sobre Arte Contemporânea. Rosa observa não somente o que será fotografado, mas seu entorno. Atualiza a imagem, pensando-a temporalmente. Calcula a ampliação da fotografia com seu próprio corpo. Cria longas exposições para que a fotografia funcione não somente como um clique definitivo, mas como possibilidade de alargamento do tempo, da mudança na paisagem, da alteração da luz. Com o uso do pinhole, Rosa cria uma outra configuração, utilizando-se de lugares de observação, frestas, janelas, bastiões, observatórios para criar imagens em amplas metragens lineares. Assim, recodifica o que antes chamávamos de imagem panorâmica.
Lara Viana – Baiana, soteropolitana, mas que exporá pela primeira vez em sua terra natal. Morou em Londres e estudou no Royal College of Art, na capital inglesa. A pintura de Lara Viana observa a tradição como sintoma, como mote a ser citado. Assim, vemos estudos refinados de poses, figuras, paletas que ora encontramos no porcelanato palaciano, ora vivenciamos em pinturas do Rococó. O que era imagem, retrato, torna-se fantasma. Sabemos que “fantasmas” são encarnações da própria ideia nuclear da pintura. Com isso, Lara potencializa com grande originalidade uma experiência imagética, ao mesmo tempo, abstrata e fenomenológica.
Josilton Tom – Vencedor em 2012 da XI Bienal do Recôncavo na categoria “Prêmio Aquisição”. Trabalha com esculturas em madeira, usando desde a caixa da feira aos mais nobres altares religiosos e salões da sociedade, a madeira pode criar distintas genealogias. Josilton Tom se mostra interessado em toda a amplitude desta matéria: o cheiro, a nobreza, a viralatice. E, assim, se apropria de madeiras novas, usadas, de demolição ou achadas ao relento. Suas peças trazem efeitos brancusianos, simulando partes do corpo, e esquemas como diagramas. De um simples gesto num arame, Josilton cria linhas, segmentos de reta, nós, encontros, observando extensões que se tridimensionalizam como malhas em desenhos quase biológicos.
Vinícius S. A. – A observação da luz é um dos mais recorrentes caminhos que a arte problematizou. Vinícius empenha-se nos exercícios de luz e na seleção de materialidades (terras, poeiras, pedras) para propor situações instalativas. Partindo tanto de fatos religiosos (lágrimas) quanto da violência dos panópticos (câmeras de segurança), Vinícius relaciona objetos de descarte e geringonças. Criam-se máquinas e ações do desejo para se chegar ao núcleo das estruturas, como alguém que se interessa por uma estética interna, subcutânea, epitelial. Realizou a exposição “Lágrimas de São Pedro” que percorreu diversas capitais, incluindo Salvador. Ainda neste mês de maio fará uma viagem para os Estados Unidos para uma exposição.
Március Kaoru – Evidencia a potência de um artista dedicado ao fazer. Não aquele que prevê lugares de chegada, repetições. Percebem-se imagens de sua ascendência oriental coadunadas com um ar, um espírito entre os brinquedos populares e os altares orientais, herdados de pai para filho. Em outro sentido, o uso do bambu o possibilita pintar, gravar, decalcar situações como se estivéssemos lidando entre modos milenares e os meros excedentes de uma sociedade pós-industrial.
Willyams Martins – Pesquisa as peles da arquitetura. A arquitetura é e será cada vez mais a pele dos lugares. Hoje, tornou-se necessário pensarmos a sustentabilidade, o aproveitamento da luz solar, da água das chuvas. E a arquitetura se faz pele. Willyams pensa, antes, que precisamos preservar a beleza do que está gravado, subversivamente, nos muros da cidade, nos cárceres. Fatos que o conferiram a alcova de “ladrão de grafiti”, já que o artista inventara uma técnica de resinar os muros e retirar as marcas. Pensar o muro e suas inscrições, a pintura como pele, faz de Willyams um artista interessado em preservar a memória, roubando aquilo que já nasce fadado a desaparecer.
Fábio Magalhães – A pintura de Fábio Magalhães traz uma sedução evidente: a possibilidade de representação figurativa mais aproximada ao realismo fotográfico. Porém, Fábio subverte esta sedução inicial trazendo relações e referências da história da arte coadunadas com observações sobre práticas cotidianas. Como compreensão de tradições brasileiras, Magalhães funciona como um magarefe, personagem destinado a escarnar animais. Ao mesmo tempo, animais escarnados estão na história da pintura, como o Boi de Rembrandt. As pinturas de Fábio criam, potentemente, distintas filiações. Dos memento mori, Magalhães ironiza a certeza da morte com a sedução de um beijo, mas, antes de tudo, com a perplexidade de um ser perante um lago de narciso.
Sobre a curadoria
Marcelo Campos – Professor Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte do Instituto de Artes da UERJ. Professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV da Escola de Belas Artes/ UFRJ. Desenvolveu tese de doutorado sobre o conceito de brasilidade na arte contemporânea. Possui textos publicados sobre arte brasileira em periódicos e catálogos nacionais e internacionais. Curador das exposições: Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes, Dragão do Mar, Fortaleza, 2014. Elisa de Magalhães: Nenhuma Ilha, no Oi Futuro, Ipanema, Rio de Janeiro, 2013; Co-Curadoria junto com Paulo Herkenhoff da XVII UNIFOR Plástica, Fortaleza 2013; Crer em fantasmas, coletiva com Daniel Lannes, Fábio Baroli, Fábio Magalhães, Flávio Araújo, Thiago Martins de Melo, Caixa Cultural, Brasília, 2013; de Trajetórias: arte brasileira na Coleção Fundação Edson Queiroz, Espaço cultural UNIFOR, Fortaleza, 2013.
Sobre a 3ª Bienal da Bahia
Após uma lacuna de 46 anos, tempo decorrido desde o fechamento da 2ª Bienal de Artes Plásticas pelo regime militar, o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), junto com a Secretaria de Cultura do Estado (SECULT-BA), lança a 3ª Bienal da Bahia, que acontecerá entre os dias 29 de maio e 07 de setembro de 2014. Com uma programação que se estende por 100 dias, a Bienal apresenta ao público exposições, ciclos de cinema, performances, atividades educativas e conversas públicas, envolvendo cerca de 150 artistas e 200 obras espalhadas por Salvador e outras 9 cidades do interior baiano.
De 28 de maio a 12 de julho.