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AGENDA CULTURAL

Contaminação (+ que) cromática

A dualidade de interpretações – uma matérica, real, e a outra metafórica –, assim como a multiplicidade de referências, são caraterísticas das pesquisas dos artistas contemporâneos. Essa tendência se manifesta na composição de “Contaminação cromática”, exposição do artista Fernando Limberger na Praça Victor Civita, São Paulo, SP. As formas concretas concebidas nos canteiros promovem a abalroação da fisiologia do olhar contra as leis morfológicas de estruturação da matéria, dos precedentes da arte contra os da natureza. Provoca-se uma tensão óptico-espacial nas sugestões de movimento, mesmo que despontem os contrastes entre os elementos construídos e os orgânicos, a dualidade entre artifício e meio natural. Uma cartografia sensorial posta em prática a partir de um sistema de estratégias aprendidas para tornar as representações cada vez mais adequadas. É uma nova e transitória arquitetura do espaço.

 

 
A palavra do curador

 
Essa nova contaminação se expande além da referência à função original do recinto expositivo – um antigo incinerador de lixo cujos espaços o artista provê de novas funções/tarefas –, assim como a posição do público perante essas alterações. A estrutura se dilata espacial e funcionalmente a partir das grades plásticas que constrói.

 

Limberger traslada a arte para o real ao colocar areia pigmentada em algumas áreas dos canteiros já existentes na Praça, provocando assim alterações cromáticas e compositivas na estrutura rotineira do espaço público e modificando as particularidades morfológicas do ente vegetal já existente. Já as obras das séries “Um” e “Ação”, da década de 1990, constituem esboços dos projetos de ocupação posteriores, tanto pela questão espacial como pela cromática. Ao acrescer a matéria pictórica em blocos alternados de composição e cromatismo, o artista estabelece uma relação estrutural com a pintura e rejeita qualquer relação ou tradução superficial ou literal das formas da natureza para a arte e vice-versa. O “novo adubo” nos canteiros e a nova matéria na parte inferior da chaminé, onde desta vez a variação cromática é contaminante, contaminam as possibilidades sensórias que oferecem ao articular os elementos plásticos da arquitetura com as obras numa concepção de arte total. Nos desenhos e maquetes – como no múltiplo “Sem retorno”, de 2002/2013 –, evidencia-se a provocação ao inacabado e ao efêmero executado, aos sonhos e desejos. Nas instalações, a inutilidade do utilitário comum e, ao mesmo tempo, as combinações (im)possíveis. Nos canteiros, a absorção do inovador/novo/similar. Efeitos estéticos manifestam-se, assim, na estruturação de processos plásticos que afloram a constante inquietude da pesquisa do artista e constroem um itinerário circular para o espectador.

 
Nas salas do espaço interno da Praça, Limberger mostra várias instalações, esculturas, 1 Espaço público único em São Paulo, a Praça Victor Civita foi construída em uma área anteriormente degradada e agora oferece ao público, gratuitamente, ampla programação cultural, esportiva e de lazer, além de educação ambiental. Com um projeto arquitetônico inovador, a praça dispõe de palco e arquibancada para 290 pessoas, diversos equipamentos, e do prédio do antigo incinerador Pinheiros, também recuperado, aberto para receber exposições e eventos. O incinerador Pinheiros funcionou entre 1949 e 1989. A praça foi construída em 2008.

 
…O paisagismo é assumido pelo artista como acontecimento cultural e, nessa conexão com a arte, ambos são orientados para duas frentes: o entorno e a interlocução. Assim, em todo o conjunto trabalha-se com o papel formativo da arte.   Em todas as obras, os contrastes entre variações cromáticas e texturais intensificam a tensão entre os planos e espaços em múltiplas, singulares formas e estruturas geométricas. Isso se vê já nas séries em que o artista utiliza madeira reciclada com vestígios de fogo, o que evoca e reforça a consciência ecológica de maneira processual, na aparente simplicidade do múltiplo, a partir de uma ação plástica, bem como o compromisso de re-elaboração na própria pesquisa que faz dos elementos da natureza: as ciências e a arte e suas conexões. Essas possíveis incompatibilidades de matérias e referências estão presentes em obras como “Fome, azul” (2002). Já a permanente fertilidade nas relações de contraposição de formas e cores, das obras e do contexto, uma constante na produção do artista, é tangível nas instalações da série Fértil, na Fazenda Serrinha (Bragança Paulista, 2003); em Verde e amarelo, no Centro Cultural São Paulo (2008);

 

Complementares, na exposição Ecológica, MAM-SP (2010); Vermelho-pungente (para Dona Cristina), na Casa M, 8ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2011) e Três canteiros para dois guris, na Fazenda Dois Guris (Sapucaí Mirim, 2012). Verde infinito (2015) faz referência à Coluna sem fim (1938), de Constantin Brancusi (1876-1957), um dos pioneiros da abstração e dos principais nomes da chamada vanguarda moderna. Como o célebre escultor romeno, Limberger nutre a obra de elegância visual. Com a utilização repetida do mesmo objeto/forma, desvenda-se, na peça, a tendência do artista de aproximar o objeto de arte ao objeto de uso cotidiano, tratando ambos como presenças tridimensionais no espaço. Atinge, assim, formas mais despojadas, libertando-as das aparências de superfície para revelar a beleza intrínseca dos próprios materiais utilizados. A partir do uso de materiais sensíveis, ao mesmo tempo o artista elimina a representação clássica da escultura, num questionamento do pedestal a partir da ideia de objeto que media a relação da escultura com a realidade.

 
Na produção de Limberger, a memória é um elemento protagonista. O artista explora a sensorialidade dos suportes tradicionais e a subjetividade da arte. Da expansão e conexão dos canteiros aos desenhos, dos desenhos às maquetes, às instalações, ao público, à arquitetura, na contenção aparente das obras na sala expositiva, na compatibilidade dos materiais reciclados e/ou a reciclar, transformados no mesmo material: o artista reflete e convida o espectador à contemplação, à reflexão, à contenção e à possibilidade de fazer, na mutabilidade permanente em que se faz o olhar, na diferença entre o agora e o ainda há pouco. (Andrés Hernández São Paulo, 2015).

 

 
Até 28 de junho.

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