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AGENDA CULTURAL

De Fiori na Almeida e Dale

Se a harmonia, na música, é a soma de múltiplas tensões das notas musicais que compõem um todo uniforme e estético, na obra de Ernesto de Fiori (Roma, 1884 – São Paulo, 1945) são as tensões dos pincéis e das mãos, na composição da pintura e da escultura, que criam a harmonia, em uma obra marcada pela figura humana – sobretudo o feminino –, a vida mundana e as paisagens urbanas e naturais, com destaque para os barcos de velejo, esporte no qual o artista era campeão – inclusive no período em que viveu no Brasil, entre 1936 e 1945. Parte da obra desse artista admirado por seus pares e colecionadores, no Brasil e no mundo, mas ainda pouco conhecido do grande público, está reunida na mostra “Tensão e Harmonia”, com curadoria de Denise Mattar, na galeria Almeida e Dale, Jardim Paulista, São Paulo, SP.

 

A exposição reúne 22 esculturas, 25 óleos, 9 guaches e 12 desenhos. As esculturas cobrem o período de 1929 a 1945 apresentando obras realizadas ainda na Alemanha como Adam, Jungling e Barbara, de 1929; obras realizadas no Brasil como “Homem Brasileiro”, “Maternidade” e “Mulher Reclinada”, 1938, criados para o MES (Ministério da Educação e Saúde), e ainda bustos como o de “Greta Garbo”, de 1937, e de seu sobrinho “Christian Heins” (que viria a ser um dos primeiros pilotos brasileiros internacionais) e seu “Autorretrato”, de 1945. Entre os óleos e guaches, majoritariamente produzidos no Brasil, há três conjuntos de trabalhos: as Paisagens, nas quais retrata suas impressões da ainda acanhada cidade de São Paulo, e das regatas na represa de Santo Amaro, onde velejava. “São Jorge e o dragão” que são alegorias da luta entre o bem e o mal, fazendo referência à Guerra na Europa, e “Galas” nas quais retrata indivíduos isolados ou grupos, geralmente participando de acontecimentos em sociedade. Sua pintura nervosa e vibrátil, registra movimentos e tensões subjacentes a essas cenas, aparentemente mundanas, com um resultado de surpreendente contemporaneidade. Na mostra há ainda um conjunto de desenhos que explicita o seu processo de criação e alguns trabalhos caricaturando Hitler e o nazismo.

 

 

O artista

 

Nascido em Roma, mas descendente de uma família do Norte da Itália, num período marcado por forte crise política na região, em virtude do processo de unificação que criou o Estado italiano moderno, De Fiori inicia seus estudos de artes plásticas aos 19 anos, com Gabriel vonHackl (1843 – 1926) na KöniglicheAkademie der BildendenKünste [Real Academia de Belas Artes], em Munique. Em 1905, retorna a Roma e recebe orientação do pintor e litógrafo alemão Otto Greiner (1869 – 1916). Entre 1911 e 1914, vive em Paris, onde realiza as primeiras esculturas, com auxílio do artista suíço Hermann Haller (1880 – 1950).Em Paris, frequenta o chamado “círculo alemão” de Matisse junto a artistas, colecionadores e historiadores como: Marie Laurencin, Hans Purrmann, Rudolf Levy, Oskar e Margarete Moll. Conhece o pintor alemão Hugo Troendle e o escultor italiano Arturo Martini.

 

Com a eclosão da Primeira Guerra (1914-1918), o artista alista-se no Exército alemão e atua como correspondente para um jornal italiano. O horror da Guerra o repugna e, antes do final do conflito, deixa a função e muda-se para Zurique, onde volta a dedicar-se à arte.Polemista e combativo, entre 1918 e 1919, o artista discute na imprensa com o grupo dadaísta – do qual faziam parte artistas como Tristan Tzara e Hugo Ball – acerca do conceito do movimento, que propunha um rompimento com tudo que, até então, fora feito. Para De Fiori era impossível uma arte nova sem referência com o passado.

 

Ao longo das décadas de 1920 e 1930, o artista se estabelece no mercado europeu, com suas esculturas, desenhos e pinturas. Adquire prestigio artístico e intelectual.A consolidação do nazismo em 1933 é um golpe na vida e na trajetória de De Fiori. Sem condições de habitar uma Alemanha dominada por um dos mais violentos e soturnos estados totalitários que o mundo conheceu, De Fiori muda-se para o Brasil em 1936 – onde já residiam sua mãe e seu irmão – e instala-se em São Paulo. A capital paulista vivia um período de interregno entre os “loucos” anos 1920 e a retomada artística que ocorreria no final dos anos 1940 com a criação dos museus de arte moderna. De Fiori tenta se integrar à cidade e passa a colaborar para os jornais das colônias alemã e italiana, para O Estado de S. Paulo e a modelar figuras, então, proeminentes na sociedade paulistana, como o poeta Menotti del Picchia (1892 – 1988) e o conde Francisco Matarazzo.

 

A produção de De Fiori no Brasil compreendeu dois tempos distintos: o primeiro, no qual predominou a escultura, entre 1936 e 1939 e o segundo, de 1940 a 1945, em que ele reduziu essa atividade concentrando- se na pintura.Apesar de nunca ter-se integrado de fato ao Brasil, onde viveu um período internamente conflituoso, o artista vivenciou transformações em sua obra ao longo dos nove anos em que esteve aqui. Em seus anos brasileiros, que ele pretendia que fossem passageiros e não seus anos finais de vida, observa-se a ascensão da pintura em sua obra e o uso de técnicas variadas, como pinceladas rápidas ou diluídas em solvente, uso de instrumentos dentados, e o retrato livre dos limites da esquematização, com maior fidelidade à forma humana, adquirindo certo vínculo expressionista que se soma à forte carga psicológica, observada também em suas esculturas.

 

A presença do artista em São Paulo ajuda também a abrir novos horizontes no ambiente artístico da cidade, marcando a produção de artistas ligados à Família Artística Paulista – FAP, como Mario Zanini (1907 – 1971) e Joaquim Figueira (1904 – 1943), e também o trabalho de Alfredo Volpi (1896 – 1988), principalmente em algumas de suas marinhas.A sua contribuição estende-se ainda aos esportes: velejador, De Fiori não apenas conquista uma série de medalhas e honrarias para o Yatch Club de São Paulo, localizado no bairro de Santo Amaro, como também ajuda a promover e elevar o iatismo a uma nova categoria, mais profissional.

 

Admirado por Mário de Andrade, o artista é apresentado em 1938 ao ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, que o convida a criar uma série de esculturas para o edifício do Ministério da Educação e Saúde (MES) que, ao final, não são aceitas. O artista, que viera ao Brasil para fugir da repressão nazista, tinha de encarar um novo regime repressor: o Estado Novo de Getúlio Vargas, que o impede de realizar uma resistência aberta ao nazifascismo.De Fiori só consegue opor-se abertamente ao regime de Hitler em 1942, quando o Brasil entra na Guerra, ao lado dos Aliados. Pinta a tela que posteriormente ficou conhecida como “Saudação a Hitler”, na qual expressa a aversão à Alemanha Hitlerista e publica artigos n’O Estado de S. Paulo em oposição ao nazifascismo.Em 1945, modela seu último autorretrato. Morre em 24 de abril de 1945 sem ver a queda do nazifascismo, a morte de Hitler e, sobretudo, sem poder voltar à Alemanha, país onde se naturalizou e nunca quis deixar.

 

 

 Até 30 de setembro.

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