A mostra “Djanira: a memória de seu povo” reafirma o compromisso da Casa Roberto Marinho, Cosme Velho, Rio de Janeiro, RJ, com a arte moderna. Em exposição até 17 de outubro.
A palavra de Lauro Cavalcanti,
A associação com o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) reforça a nossa prática de parcerias com instituições de excelência. A pintura moderna brasileira é um território pouco explorado pelas novas gerações. Djanira da Motta e Silva possui um valor quase oculto nas últimas décadas. Um dos encantos de uma exposição é tornar presente, sem intermediações, obras criadas há longos anos. Íntegras, não dependem de conversões tecnológicas como os filmes ou as músicas. Atemporais, as telas, muito bem selecionadas por Rodrigo Moura, curador adjunto de arte brasileira e Isabella Rjeille, curadora assistente, chegam novas aos olhos de hoje.
A coleção de Roberto Marinho reúne conjuntos de trabalhos de seus contemporâneos modernos, dentre os quais 10 obras de Djanira. O jornalista nutria um carinho especial pela tela Mercado na Bahia que ocupava uma posição central na biblioteca de sua residência. E o vínculo com o MASP data de 1950 quando a casa do Cosme Velho abrigou durante uma noite festiva, os recém-adquiridos “Retrato de Zborowski” (1916-1919), de Amadeo Modiglani (1884-1920) e o “Retrato de Coco” (Claude Renoir) (1903-1904), de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), apresentados à sociedade carioca, antes de rumarem para São Paulo.
Djanira é uma artista cuja trajetória começou tarde com muita determinação e esforço. Nenhum artista brasileiro retratou com tamanha atenção a luta pelo sustento das camadas mais desfavorecidas através do trabalho cotidiano. A origem humilde da pintora deu-lhe sensibilidade aguda para captar essas epopeias anônimas, as festas e a fé que tornavam menos dura a história de cada um. Frederico Morais, em palestra recente na Casa Roberto Marinho, ressaltou o equívoco de classificar-se a sua obra como primitiva. Uma leitura que só considere os temas pode levar a esse engano. Seria, contudo, confundir o etnólogo com a sua pesquisa. A economia de sua linguagem, o uso de poucos planos concisos e as cores vibrantes cuidadosamente escolhidas apontam para uma sofisticação absolutamente esperada numa artista de seu tempo. Não à toa alguns neoconcretos chegaram a buscar uma aproximação com a obra de Djanira, nos moldes que os concretos incorporaram a arte de Volpi (1896-1988). Autodidata no início, costureira, dona de pensão em Santa Teresa, se tornou aluna do pintor romeno Emeric Marcier (1916-1990) em troca de um amplo quarto com vista para árvores e a Baía de Guanabara. Djanira em entrevista publicada por Rubem Braga (1913-1990) na revista Visão nos conta:
“Marcier me explicou que eu era muito diferente dele; logo minha pintura tinha de ser muito diferente da pintura dele. Que eu não olhasse seus quadros, mas prestasse atenção às aulas, me ensinando toda a parte técnica da pintura, a começar pelo preparo de telas”.
Quando começa a expor, em 1943 no revolucionário prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e, em 1944 no Instituto dos Arquitetos, Djanira é reconhecida por gente importante do meio, tendo trabalhos comprados por Candido Portinari (1903-1962) e a entusiástica acolhida de Lasar Segall (1889-1957): “Você é uma verdadeira artista, não pare de pintar; não faça outra coisa além de pintar; pinte sempre (…)”.
E assim Djanira o fez.
Lauro Cavalcanti
Diretor Executivo/Instituto Casa Roberto Marinho