A Galeria Marcelo Guarnieri, Jardim Paulista, São Paulo, SP, apresenta até 09 de abril a primeira exposição do ano, que reúne obras de Eleonore Koch e Alfredo Volpi. Pinturas produzidas por Volpi nas décadas de 1950 e 1970 dividem o espaço das duas salas da galeria com pinturas que Eleonore Koch produziu nas mesmas épocas. Além destas, um dos cadernos de desenho da artista elaborado entre as décadas de 1950 e 1980 e um farto conjunto de estudos em gravura, pintura e desenho produzidos por ela entre as décadas de 1970 e 1990 também integram a mostra. O diálogo entre Volpi e Eleonore Koch nesta exposição ressoa a importante relação de trocas que tiveram ao longo dos anos – inicialmente como professor e aluna e depois como amigos e parceiros de profissão – dando continuidade ao programa iniciado pela galeria em 2019, que apresenta de maneira simultânea obras de artistas que possuíram um diálogo durante a sua trajetória ou que podem ser lidas a partir de aproximações conceituais e poéticas.
Naturezas-mortas, jardins ingleses, ambientes domésticos, marinhas e desertos. Ao longo de sua produção, Eleonore Koch (Berlim – Alemanha, 1926) explorou, através destes temas, o manejo de cores e formas que materiais como a têmpera, o pastel, o óleo, o grafite e o carvão lhe permitiam. Os campos de cores que preenchem os elementos de suas composições evidenciam sua estrutura através das pinceladas ou dos traços em paralelo que os compõem, transparência de um fazer que se traduz também no uso da perspectiva – quando a representação de alguns objetos mostra-se fiel a um ponto de fuga ao mesmo tempo em que a de outros ignora-o completamente, reduzindo-os a formas geométricas planificadas. Koch permite aos seus jarros de flores que flutuem no espaço e que o chão e o teto se distingam apenas pela cor. Seus estudos em grafite nos mostram que sua preocupação não centrava-se somente na cor, mas também no arranjo das geometrias – das linhas e superfícies – e no balanceamento de tons que o lápis lhe permitia explorar através das intensidades do traçado.
Frequentemente mencionada como discípula de Volpi, Eleonore Koch possuiu uma formação bastante diversa, através de professores artistas como Yolanda Mohalyi, Samson Flexor, Bruno Giorgi, Elisabeth Nobiling e Arpad Szenes e também de suas temporadas de estudo e trabalho fora do Brasil, em Paris entre 1949 e 1951 e em Londres entre 1968 e 1989. A maioria dos estudos e pinturas que integram a exposição foram produzidas justamente durante os vinte anos que viveu na Inglaterra, onde admitiu ter sofrido grande influência da pop art britânica, através do trabalho de artistas como David Hockney. Estão reunidos na mostra alguns conjuntos de estudos que permitem ao público observar o desenvolvimento de uma pintura ou de um pastel a partir de pequenas variações dos elementos que as compõem – como a composição de uma mesa e cadeira que em uma das versões se apresenta somente em traços esquemáticos e em outra já se soma outra cadeira à frente de um fundo negro em carvão, variando em mais três versões. O trabalho com texturas, presente no emprego da têmpera e do carvão, se completa no uso da colagem de papel cartão e papel jornal que dão forma e cor aos vasos, árvores, pétalas e até mesmo aos degraus das escadas dos seus jardins. Recortes do que parecem ser listas telefônicas dos residentes da cidade de Londres dão profundidade e ritmo às frondosas copas das árvores através dos grafismos dos números e das letras que os compõem.
Pertencente a uma geração anterior de imigrantes europeus que fixaram residência no Brasil, Alfredo Volpi (Lucca – Itália, 1896) estabelece-se em São Paulo ainda mais jovem que Eleonore, com apenas um ano de idade. O encontro com Koch se daria dali a 56 anos, em 1953, em seu ateliê no bairro do Cambuci, por intermediação do colecionador, crítico e psicanalista Theon Spanudis. Naquele mesmo ano, Volpi receberia o prêmio de Melhor Pintor Nacional conferido pela Bienal de São Paulo, onde havia apresentado suas “Casas”, representações de fachadas de casas populares sintetizadas em formas geométricas. A década de 1950 marcava um momento de maturação da pesquisa de Volpi sobre a simplificação formal de suas composições. Já distanciada de um certo figurativismo que havia guiado sua produção até então, empenhava-se na construção de um vocabulário de formas elementares que surgiam das portas, janelas, arcos e bandeirinhas que faziam parte de seu cotidiano e que lhe serviram para explorar as possibilidades da técnica e da composição.
Volpi inicia seu contato com a pintura em 1911, trabalhando como pintor decorativo de paredes, ofício que mantém até pelo menos a década de 1940. Sua expertise artesanal também lhe deu suporte quando trocou a tinta a óleo pela têmpera, indo na contramão do imaginário industrial da década de 1950. Foi com Volpi que Eleonore Koch aprendeu as técnicas de uso e preparo da têmpera e de pigmentos feitos a partir de terras naturais, e foi também a partir dali que passou a adotá-las frequentemente em suas pinturas, definindo seu estilo. Os debates figuração vs. abstração, formalismo vs. informalismo eram bastante intensos naqueles anos que Koch passou com Volpi em seu ateliê, entre os anos de 1953 e 1956.
Em 1953 o MAM/RJ organiza em Petrópolis a 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata, reunindo diversas tendências do abstracionismo no Brasil, do lírico ao geométrico, e em 1956 o grupo Ruptura organiza a I exposição Nacional de Arte Concreta no MAM/SP, que já explicitava divergências dentro do próprio movimento concreto. Apesar de ter sido um dos participantes desta última mostra – que também ocorreu no Rio de Janeiro no ano seguinte -, Volpi preferia abdicar da associação a grupos ou movimentos, optando pela liberdade de poder incorporar em suas obras elementos plásticos de variadas ordens. Tal posicionamento pode ser explicitado não somente pelos afrescos que produziu na capela de Nossa Senhora de Fátima em Brasília, mas também pela pintura da década de 1950 apresentada nesta exposição, na qual figura um anjo humanóide sobre um fundo de losangos verdes e azuis. Essa fluidez entre a figuração e a abstração ou entre o formal e o informal também pode ser encontrada nas pinturas da década de 1970, como “Fitas e Mastros”, por exemplo. Neste caso, a obra transita entre uns e outros através de uma composição ritmada formada pelo intercalamento de cores em uma malha geométrica irregular.