A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Jardim Botâncio, Rio de Janeiro, RJ, inaugura no espaço das Cavalariças e Capela, no próximo dia 03 de novembro, a exposição “EAV 75.79 – um horizonte de eventos”, que reúne gravuras, objetos, fotografias, cartazes, filmes e documentos que abordam os anos 1975 a 1979, período inaugural da instituição, fundada e dirigida por Rubens Gerchman. A curadoria é de Helio Eichbauer, cenógrafo e colaborador essencial daquela gestão, criador das inovadoras oficinas do Corpo e Pluridimensional, e Marcelo Campos, professor da Escola e coordenador do Memória Lage. “Horizonte de eventos” é a expressão científica que significa a fronteira teórica ao redor de um buraco negro, e ao estar relacionada ao período de 1975-1979 da EAV, é o conceito norteador da exposição.
Marcelo Campos observa que passaram pelas dependências da EAV “artistas, críticos de arte, antropólogos, diretores de teatro, cenógrafos, poetas, músicos”. Aglutinados por Rubens Gerchman, colaboraram com a Escola Helio Eichbauer, Frederico Morais, Lygia Pape, Celeida Tostes, Gastão Manoel Henrique, Roberto Da Matta, Rosa Magalhães. “Além do cinema, a poesia tinha ampla difusão, nos eventos do Verão a 1000, coordenados por Chico Chaves”, lembra o curador. Em shows e noites festivas de lançamentos de “poema-processo” circulavam pelo pátio da piscina da EAV músicos e poetas como Chacal, Neide Sá, Falves Alves (Rio Grande do Norte), Almandrade (Bahia) e Paulo Brusky (Pernambuco), Luiz Melodia, Caetano Veloso e Jards Macalé.
“Horizonte de eventos” é a expressão científica que significa a fronteira teórica ao redor de um buraco negro, e ao estar relacionada ao período de 1975-1979 da EAV, é o conceito norteador da exposição. “Apresentamos uma possível iluminação sobre o sentido de arquivo, de memória. Ao mesmo tempo, todo o restante, o que compõe a escuridão, continua a existir como potência, mas não se deixa ver, por razões que a história brasileira ainda está a revelar”, diz Marcelo Campos
A diretora da EAV Parque Lage, Lisette Lagnado, observa que “em 1975, Gerchman assume a direção do então Instituto de Belas-Artes e logo chacoalha sua estrutura. Atualizar o ensino da arte no Brasil está na origem da EAV”. Para Marcio Botner, presidente da Oca Lage, organização social que administra a EAV e a Casa França-Brasil, “pensar a Escola de Artes Visuais do Parque Lage é pensar no Gerchman. Para ter arte tem que ter risco e liberdade. Ele abriu um espaço único de união das artes”.
Gravuras de 1976
A exposição ocupará as Cavalariças do Parque Lage e seu espaço contíguo, a Capela, com cenografia e móveis desenvolvidos por Helio Eichbauer, que criou dois biombos com quatro folhas cada, tendo como face quadros-negros sobre estruturas vazadas. Dispostos em ziguezague, eles exibirão reproduções de fotografias da época feitas por Celso Guimarães. O pensamento que norteava a prática exercida nas oficinas de Eichbauer emolduram os biombos, em frases-proposições como: Espaço topológico, Singularidade. Sincronicidade, A busca do espaço humano, Ritos de passagem, Encantaria.Pajelança, Sociologia da arte, Foto.síntese, Janelas dimensionais, Brasil.Idade, Espaço lúdico, Oficinas Território tribal, Arte do fogo, Entropia e arte, Terra mater, Intuição e método.
Em uma das paredes estarão gravuras feitas em 1976, na EAV, pelos artistas Avatar Moraes (1933-2011), Dionísio Del Santo (1925-1999), Eduardo Sued (1925), Gastão Manoel Henrique (1933), Isabel Pons (1912-2002), Newton Cavalcanti (1930-2006), Roberto Magalhães (1940), Susan L’Engle (1944), e por Rubens Gerchman. Sobre um cubo, estará um trabalho recente e inédito do artista Thomas Jefferson (1978), estudante da EAV.
Três bancadas de madeira conterão originais de cartazes, publicações, documentos e fotografias da época pertencentes ao acervo da EAV, descobertas pelo projeto Memória Lage. Para dar ao público a noção do período, do contexto cultural e da abrangência de atividades realizadas pela instituição – que poderiam tanto ser discussões sobre feminismo, exibição de danças afro-brasileiras, sessões de cinema, ou incontáveis eventos de música e arte – esses documentos estão dispostos sob os temas Cultura popular, Cultura negra, Poesia, Cinema, Política cultural, Videoarte, Gravura, Escultura, Pintura, e Atmosfera. No centro do espaço, uma mesa giratória, como um moinho de quatro pás, conterá destaques dos registros dos eventos e atividades.
Na Capela, espaço contíguo à Cavalariça, será exibido um vídeo com depoimentos recentes e inéditos de Helio Eichbauer, dos artistas Roberto Magalhães e Xico Chaves, do editor Mário Margutti e do fotógrafo Celso Guimarães, que colaboraram com a gestão de Rubens Gerchman. Com cerca de uma hora de duração, o vídeo foi produzido por duas equipes da EAV – projeto Memória Lage, com entrevistas feitas por Juliana Rego e Thábata Castro, tendo à frente Marcelo Campos e Sandra Caleffi; e integrantes do Núcleo de Arte e Tecnologia, responsáveis pela filmagem e edição, em coordenação de Tina Velho. Em um primeiro momento as entrevistas foram pensadas como forma de suprir uma lacuna documental do Memória Lage, mas o resultado rico e surpreendente foi determinante para que fosse inserido na exposição.
Intuição e Método
As famosas e criativas práticas realizadas por Helio Eichbauer entre 1975 e 1979 estavam fortemente embasadas em pensadores como Gilles Deleuze (1925-1995), Michel Foucault (1926-1984) e Félix Guattari (1930-1992). Frases como “A arte não reproduz o visível. Torna visível”, de Paul Klee (1879-1940), “Educação não é privilégio”, de Anísio Teixeira (1900-1971), e “Toda percepção é também pensamento. Todo processo de raciocínio é também intituivo. Toda observação é também invenção”, de Rudolf Arnheim (1904- 2007), também são referências para Eichbauer. Dentre as publicações que acompanharam o artista-professor estão “Os estados múltiplos do ser” (1932), de René Guénon (1886- 1951); “Abstração e empatia” de Wilhelm Worringer (1881-1965), “Escultura negra” (1915), de Carl Einstein (1885-1940), e o “Guia prático”, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que para ele traz “o mundo sonoro da infância”.
Lisette Lagnado, no texto que acompanha a exposição, cita a questão proposta por Gerchman em um poema escrito durante a estada do artista em Nova York, entre 1969 e 1971: “como conduzir um programa “não branco, não europeu, não colonial, não geográfico”, e onde fazer circular esta ideia de cultura”? Ela complementa: “Não há terreno mais fértil para tamanha ambição do que uma escola. Mais ainda, uma escola de arte”. A respeito do período inaugural da EAV Parque Lage, Marcio Botner exalta “as gerações de artistas que juntos aprenderam a misturar as artes e voar longe, do Parque Lage para o mundo”.
Até 11 de janeiro de 2015.