Encontra-se em cartaz na Simões de Assis, São Paulo, SP, até o dia 27 de julho a exibição conjunta de Ione Saldanha & Etel Adnan.
Ione Saldanha e Etel Adnan: Duas Coloristas
Ione Saldanha (1919-2001) e Etel Adnan (1925-2021) jamais se conheceram pessoalmente. Tampouco viram a obra uma da outra. Ione era brasileira e viveu quase a vida toda no Rio de Janeiro; Etel era libanesa e viveu entre Paris e São Francisco. Em 2012, a Documenta de Kassel dedicou uma sala à pintura de Adnan. Àquela altura eu preparava uma retrospectiva de Saldanha para o MAM-Rio, Fundação Iberê Camargo e MON. Surpreendeu-me imediatamente as afinidades entre as duas: a vibração da cor, a sensibilidade lírica, o contato poético com a natureza. Ambas fizeram da pintura um exercício de maravilhamento pautado nas composições cromáticas. Construção e natureza se reúnem e se potencializam nas suas poéticas.
Ambas trabalharam à margem dos movimentos de vanguarda, sem deixarem jamais de experimentar com as linguagens visuais. No caso de Adnan, o trabalho com a poesia e com a escrita caminhou paralelamente à produção pictórica. Seus Leporellos desdobram e integram escrita e pintura, concebendo em páginas sanfonadas, articuladas no espaço, uma caligrafia cromática singular. Saldanha foi densificando a matéria cromática sobre a tela até saltar para o espaço nas ripas, bobinas e bambus. Ambas viveram até o limite em uma zona de transição entre uma sensibilidade moderna que fazia da pintura um exercício de depuração da forma visual e uma urgência contemporânea que afirmava o trânsito entre linguagens, suportes e materialidades poéticas.
Nesta exposição, que ensaia um primeiro diálogo entre estas duas artistas, temos ainda a articulação de suas obras com a arquitetura brutalista e oxigenada de Paulo Mendes da Rocha. Volumes abertos integram a forma construída com o entorno natural, diálogo este muito caro a estas duas artistas que cresceram e viveram perto do mar, das montanhas e da luz natural. Quiçá seja a procura pelas variadas formas de deixar a luz penetrar no espaço, seja pictórico, seja arquitetônico, o que reúne esta casa e estas obras.
Por fim, a certeza de que a trajetória de Ione Saldanha merece ser cada vez mais vista, estudada e conhecida. Há nela essa capacidade única de juntar a experimentação com a linguagem pictórica e a desaceleração da percepção. Este diálogo franco com a pintura mais tardia de Etel Adnan, por mais pontual que seja, revela um lugar singular de ambas na história da arte da segunda metade do século XX.
Luiz Camillo Osorio